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APELAÇÃO Nº: 0231210-97.2011.8.19.0001 APELANTE 1: CAIXA SEGURADORA S/A APELANTE 2: CAIXA CONSÓRCIOS S/A APELANTE 3: ANGELA PEREIRA MACHADO APELADOS: OS MESMOS RELATOR: DES. ARTHUR NARCISO DE OLIVEIRA NETO
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. SEGURO PRESTAMISTA. INADIMPLEMENTO DE UMA ÚNICA PARCELA. CANCELAMENTO INDEVIDO DO CONTRATO. PRECEDENTES. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO DE PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA PREVISTA NO CONTRATO. APELO DE AMBAS AS PARTES A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO PARA DETERMINAR QUE A INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA SEJA PAGA À ESTIPULANTE DO SEGURO, A FIM DE QUITAR O CONSÓRCIO IMOBILIÁRIO. RECURSO ADESIVO DA RÉ QUE NÃO SE CONHECE, ANTE A FALTA DE INTERESSE. Trata-se de ação indenizatória, sob o rito ordinário, proposta por Ângela Pereira Machado em face de Caixa Seguradora S/A e Caixa Consórcios S/A. Incialmente, verifica-se que a parte Ré já havia recorrido, às fls. 138/143 (index 169), não subsistindo interesse para apresentação do recurso adesivo de fls. 227/232 (index 227), razão pela qual este não deve ser conhecido. O mérito recursal se restringe em apurar se a negativa de pagamento da indenização securitária foi devida e a quem deve ser repassado o valor da referida indenização. Narra a Autora que a parte Ré se recusou a pagar a indenização securitária a que Secretaria da Vigésima Sexta Câmara Cível/Consumidor Beco da Música, 175, 3º andar – Sala 322 – Lâmina IV Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-010 Tel.: + 55 21 3133-5396 APELAÇÃO Nº 0231210-97.2011.8.19.0001 (V)
ARTHUR NARCISO DE OLIVEIRA NETO:000015401
Assinado em 25/05/2016 20:00:37 Local: GAB. DES. ARTHUR NARCISO DE OLIVEIRA NETO
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entende fazer jus, em razão do inadimplemento de apenas uma parcela mensal anterior ao sinistro. A Demandada, por sua vez, alega que o inadimplemento da parcela do prêmio vencida antes do óbito implicou na suspensão das coberturas contratadas, como previsto na cláusula 28, 28.1 e 28.2, do contrato de seguro (fl. 34). Na espécie, considerando que a Segurada ficou inadimplente apenas com relação a uma única mensalidade do prêmio, se mostra, s.m.j., descabida, a suspensão da cobertura contratada. Isso porque nas relações obrigacionais deve-se privilegiar os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, com o fito de preservar o vínculo contratual. Ademais, no caso dos autos não restou comprovado que a Segurada tenha sido notificada acerca do débito. Sobre o tema há jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a mora no pagamento de determinada parcela do prêmio do seguro não autoriza, por si só, o seu cancelamento, sem a prévia notificação do segurado, e também não impede o pagamento de indenização na ocorrência do sinistro. Assim, levando-se em conta os princípios da boa-fé e da função social do contrato, é de se concluir que o inadimplemento de apenas uma parcela mensal anterior ao sinistro não importa em desfazimento do contrato, sendo devido o pagamento da indenização decorrente. Em sede recursal, a Requerente pleiteia que a indenização securitária a ser paga pela parte Ré seja utilizada para quitação do consórcio imobiliário de modo que a Autora seja contemplada com a carta de crédito. Outrossim, aduz a Demandada que o seguro em 2 Secretaria da Vigésima Sexta Câmara Cível/Consumidor Beco da Música, 175, 3º andar – Sala 322 – Lâmina IV Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-010 Tel.: + 55 21 3133-5396 APELAÇÃO Nº 0231210-97.2011.8.19.0001 (V)
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questão foi instituído para garantir a segurança do próprio grupo de consórcio, por isso que toda e qualquer indenização devida deverá ser paga diretamente à Estipulante. Com efeito, o seguro embutido no contrato de consórcio firmado pela irmã da Autora é da modalidade prestamista, o qual tem por objetivo garantir a quitação da dívida do segurado, no caso de sua morte ou invalidez ou até mesmo desemprego involuntário. Em regra, o primeiro beneficiário deste tipo de seguro, até o limite da dívida, será a empresa credora, de modo que o segurado conte com a tranquilidade de ter a sua dívida quitada, caso aconteça algum imprevisto. No mesmo sentido o contrato objeto da lide, que prevê em sua cláusula 20, item 20.1, o pagamento da indenização ao estipulante (fl. 29). Desta forma, a indenização securitária devida em razão do sinistro deverá ser paga à Estipulante, a fim de quitar o saldo da dívida, possibilitando à Autora a retirada da carta de crédito. No que se refere à carta de crédito, em caso de ocorrência de sinistro com o consorciado não contemplado, a emissão desta somente se dará quando do sorteio da cota, como dispõe a cláusula 43.3 do contrato, fl. 127 (index 158).
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos da Apelação Cível, entre as partes sobreditas, ACORDAM os Desembargadores da Vigésima Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em não conhecer do recurso 3 Secretaria da Vigésima Sexta Câmara Cível/Consumidor Beco da Música, 175, 3º andar – Sala 322 – Lâmina IV Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-010 Tel.: + 55 21 3133-5396 APELAÇÃO Nº 0231210-97.2011.8.19.0001 (V)
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adesivo da Ré e dar parcial provimento aos recursos de apelação, nos termos do voto do Desembargador Relator.
RELATÓRIO Trata-se de ação indenizatória, sob o rito ordinário, proposta por Ângela Pereira Machado em face de Caixa Seguradora S/A e Caixa Consórcios S/A. Alegou a Autora que sua irmã, a Sra. Hilda Machado, firmou o contrato número 00114651 de consórcio imobiliário em janeiro de 2006, para recebimento de carta de crédito no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) no prazo máximo de 120 (cento e vinte) meses. Afirmou que na parcela do consórcio contratado por sua irmã estava incluído valor referente a seguro com cobertura de natureza pessoal
para
morte
e
invalidez
total
e
permanente
do
consorciado/segurado, nos termos das cláusulas 6ª, item 6.1, e 15ª, item 15.1, do contrato, fls. 22 e 27. Informou que a segurada faleceu em 02/09/2007, sendo a Autora sua única herdeira (fls. 42/43). Aduziu que a seguradora Ré indeferiu o pedido de indenização do sinistro, ao argumento de que a segurada restou inadimplente em relação ao prêmio do seguro no mês anterior à ocorrência do sinistro, agosto de 2007 (fl. 14). Requereu o pagamento da indenização securitária no valor correspondente às parcelas vincendas (103). 4 Secretaria da Vigésima Sexta Câmara Cível/Consumidor Beco da Música, 175, 3º andar – Sala 322 – Lâmina IV Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-010 Tel.: + 55 21 3133-5396 APELAÇÃO Nº 0231210-97.2011.8.19.0001 (V)
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Declínio de competência da Justiça Federal para a Justiça Estadual, às fls. 50/51. Contestação a fls. 79/83 (index 83). Réplica às fls. 130/133 (index 161/164). A sentença, às fls. 134/137 (index 165), proferida pelo r. Juízo da 14ª Vara Cível da Comarca da Capital, julgou procedente o pedido para condenar as Rés ao pagamento da indenização prevista no contrato, no valor das parcelas vincendas (103 parcelas). Apelação da parte Ré, às fls. 138/143 (index 169), pugnando pela improcedência dos pedidos, ao argumento de que a indenização securitária deve ser paga ao estipulante em casos como o presente, de seguro prestamista com cobertura para morte do consorciado/segurado, e que o atraso no pagamento do prêmio implica na suspensão das coberturas securitárias. Apelação da parte Autora, às fls. 149/153 (index 180), requerendo que a indenização securitária a ser paga pela parte Ré seja utilizada para quitação do consórcio imobiliário para que a Autora seja contemplada com a carta de crédito imobiliário. Contrarrazões da Autora, às fls. 154/161 (index 185) e da parte Ré, às fls. 234/243 (index 234). Recurso adesivo apresentado pela parte Ré, às fls. 227/232 (index 227). É o relatório. Ao Revisor. 5 Secretaria da Vigésima Sexta Câmara Cível/Consumidor Beco da Música, 175, 3º andar – Sala 322 – Lâmina IV Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-010 Tel.: + 55 21 3133-5396 APELAÇÃO Nº 0231210-97.2011.8.19.0001 (V)
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VOTO Presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal em relação aos recursos apresentados pelas partes Ré e Autora, index 169 e 180. Todavia, considerando que a parte Ré já havia recorrido, às fls. 138/143 (index 169), não subsiste interesse para apresentação do recurso adesivo de fls. 227/232 (index 227), razão pela qual este não deve ser conhecido. O mérito recursal se restringe em apurar se a negativa de pagamento da indenização securitária foi devida, e a quem deve ser repassado o valor da referida indenização. Narra a Autora que a parte Ré se recusou a pagar indenização securitária a que entende fazer jus, em razão do inadimplemento de apenas uma parcela mensal anterior ao sinistro. A Demandada, por sua vez, alega que o inadimplemento da parcela do prêmio vencida antes do óbito implicou na suspensão das coberturas contratadas, como previsto na cláusula 28, 28.1 e 28.2, do contrato de seguro (fl. 34). Na espécie, considerando que a segurada ficou inadimplente apenas com relação a uma única mensalidade do prêmio, s.m.j., se mostra descabida a suspensão da cobertura contratada.
6 Secretaria da Vigésima Sexta Câmara Cível/Consumidor Beco da Música, 175, 3º andar – Sala 322 – Lâmina IV Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-010 Tel.: + 55 21 3133-5396 APELAÇÃO Nº 0231210-97.2011.8.19.0001 (V)
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Isso porque nas relações obrigacionais deve-se privilegiar os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, para preservar o vínculo contratual. Em casos que tais, a doutrina civilista contemporânea sustenta que a extinção do contrato, em virtude do inadimplemento, configura abuso do direito (art. 187, Código Civil), devendo o credor exercer a faculdade de cobrar o crédito através das vias apropriadas. Ademais, na hipótese vertente não restou comprovado que a Segurada tenha sido notificada acerca do débito. Sobre o tema há jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a mora no pagamento de determinada parcela do prêmio do seguro não autoriza, por si só, o seu cancelamento sem a prévia notificação do segurado, assim como não autoriza a recusa ao pagamento de indenização na ocorrência do sinistro. No
mesmo
sentido
a
jurisprudência
desta
Câmara
Especializada: “0019591-18.2011.8.19.0208 - APELACAO - 1ª Ementa DES. ANA MARIA OLIVEIRA - Julgamento: 03/03/2016 VIGESIMA SEXTA CAMARA CIVEL CONSUMIDOR Relação de consumo. Ação de conhecimento objetivando o Autor a condenação da seguradora ao pagamento da indenização securitária decorrente do roubo do veículo segurado. (...) Recusa de pagamento da indenização securitária ao argumento de que o Apelado se encontrava inadimplente à época do sinistro, porquanto ausente o pagamento de três parcelas do prêmio, o que ensejou à suspensão do contrato. Corte Superior que pacificou o entendimento de que o mero atraso no pagamento da prestação do prêmio de seguro não importa no desfazimento automático do contrato, pois é 7 Secretaria da Vigésima Sexta Câmara Cível/Consumidor Beco da Música, 175, 3º andar – Sala 322 – Lâmina IV Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-010 Tel.: + 55 21 3133-5396 APELAÇÃO Nº 0231210-97.2011.8.19.0001 (V)
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necessária, ao menos, a prévia constituição em mora do contratante, mediante interpelação, concluindo com acerto a sentença pelo acolhimento do pedido de pagamento da indenização securitária. Juros de mora corretamente computados a partir da citação, por se tratar de responsabilidade contratual. (...) Desprovimento da apelação. ”
Assim, levando-se em conta os princípios da boa-fé e da função social do contrato, é de se concluir que o inadimplemento de apenas uma parcela mensal anterior ao evento do sinistro não importa em desfazimento do pacto, sendo devido o pagamento da indenização decorrente do sinistro. Em sede recursal, a Requerente pleiteia que a indenização securitária a ser paga pela parte Ré seja utilizada para quitação do consórcio imobiliário de modo que a Autora seja contemplada com a carta de crédito. Outrossim, aduz a Demandada que o seguro em questão foi instituído para garantir a segurança do próprio grupo de consórcio, por isso que toda e qualquer indenização deverá ser paga diretamente à Estipulante. Com efeito, o seguro embutido no contrato de consórcio firmado pela irmã da Autora é da modalidade prestamista, o qual tem por objetivo garantir a quitação da dívida do segurado, no caso de sua morte ou invalidez ou até mesmo desemprego involuntário. Em regra, o beneficiário deste tipo de seguro, até o limite da dívida, será a empresa credora, de modo que o segurado conte com a
8 Secretaria da Vigésima Sexta Câmara Cível/Consumidor Beco da Música, 175, 3º andar – Sala 322 – Lâmina IV Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-010 Tel.: + 55 21 3133-5396 APELAÇÃO Nº 0231210-97.2011.8.19.0001 (V)
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tranquilidade de ter a sua dívida quitada, caso aconteça algum imprevisto. No mesmo sentido o contrato objeto da lide, que prevê em sua cláusula 20, item 20.1, o pagamento da indenização ao estipulante (fl. 29). Desta forma, a indenização securitária devida em razão do sinistro deverá ser paga à Estipulante, a fim de quitar o saldo da dívida, possibilitando à Autora a retirada da carta de crédito. No que se refere à carta de crédito, em caso de ocorrência de sinistro com o consorciado não contemplado, a emissão desta somente se dará quando do sorteio da cota, como dispõe a cláusula 43.3 do contrato, fl. 127 (index 158). Ante o exposto, considerando as razões tecidas, vota-se no sentido de não conhecer do recurso adesivo da Ré e dar parcial provimento aos recursos de apelação para determinar que a indenização securitária prevista na apólice seja paga ao Estipulante, a fim de que seja quitado o consórcio, possibilitando que a Autora seja contemplada com a carta de crédito quando sorteada. Rio de Janeiro, na data da assinatura digital.
ARTHUR NARCISO DE OLIVEIRA NETO Desembargador Relator
9 Secretaria da Vigésima Sexta Câmara Cível/Consumidor Beco da Música, 175, 3º andar – Sala 322 – Lâmina IV Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-010 Tel.: + 55 21 3133-5396 APELAÇÃO Nº 0231210-97.2011.8.19.0001 (V)