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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA ÚNICA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE ALTAMIRA – PARÁ O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelos Procuradores da Repúbl...
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA ÚNICA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE ALTAMIRA – PARÁ

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelos Procuradores da República que subscrevem a presente, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fulcro nos artigos 127 e 129, III da Constituição da República de 1988 e nos artigos 2º e 6º, VII, alíneas 'a' e 'c', ambos da Lei Complementar nº 75/1993, bem como nos artigos 1º, 2º, 5º e 21, todos da Lei 7.347/1985, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido de liminar em face de

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ESTADO DO PARÁ, pessoa jurídica de direito público interno, representado pela Procuradoria Geral do Estado, com endereço na Rua dos Tamóios, n. 1671, Batista Campos, Belém-PA – CEP 66.025-540; e BELO SUN MINERAÇÃO Ltda., pessoa jurídica de direito privado, CNPJ 02.052.454/0004-84, com endereço na Rua Antônio de Albuquerque, 156/15º andar, Belo Horizonte-MG. O que faz pelos fatos e fundamentos a seguir expostos.

1.

Da delimitação do objeto e dos objetivos da demanda

A presente demanda tem por objeto os Estudos de Impacto Ambiental do Projeto Volta Grande de Mineração, que, embora reconhecidamente incompletos, por ausência de parte essencial do diagnóstico socioeconômico - componente indígena, sustentam atestado de viabilidade do empreendimento, prestes a ser emitido pelo órgão licenciador estadual. Com isso, a viabilidade de um empreendimento de grande impacto será declarada pelo seu instrumento formal – a Licença

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Prévia – antes de ser discutida pelos atingidos e avaliada pelo órgão indigenista. Ao emitir parecer técnico com respaldo em dados insuficientes, e de negar a atribuição da FUNAI para declarar os impactos (ou sua ausência) sobre os povos indígenas, o órgão licenciador invade, ainda, a competência do CONAMA de normatizar, no devido processo de licenciamento ambiental, o conteúdo de cada um de suas etapas. Essa decisão, marcada de ilegalidade e ilegitimidade, como se verá, fulmina princípios essenciais do licenciamento, nega aplicabilidade à Convenção 169 da OIT e faz letra morta a disposição constitucional referente aos Estudos de Impacto Ambiental, transferindo às populações indígenas do Trecho de Vazão Reduzida da UHE Belo Monte e aos índios isolados da TI Ituna/Itatá o ônus do empreendedor, de arcar com as externalidades negativas do empreendimento, com risco de impactos irreversíveis e, inclusive, de tornar ineficazes as condicionantes que sustentam a viabilidade da UHE Belo Monte. Com

base

nisso,

objetiva

a

presente

demanda

a

suspensão imediata do licenciamento ambiental do Projeto Volta Grande de Mineração,

até

que

seja

atestada

pela

FUNAI

a

viabilidade

do

empreendimento com relação aos povos indígenas da região, mediante parecer técnico de análise dos Estudos do Componente Indígena, a ser realizados pelo empreendedor.

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2.

Contextualização fática

O

Projeto

Volta

Grande

de

Mineração

é

de

responsabilidade da empresa Belo Sun Mineração Ltda., subsidiária brasileira da Belo Sun Mining Corporation, pertencente ao grupo Forbes & Manhattan Inc., um banco mercantil de capital privado, que desenvolve projetos de mineração em todo o mundo. Este projeto foi levado à Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Pará, com objetivo de obter licença para implementar na região da Volta Grande do Rio Xingu a maior mina de ouro do Brasil, com indicação, nos Estudos de Impacto Ambiental, de que serão extraídos 3,16 milhões de toneladas de minério por ano, nos onze primeiros anos e, no

site da empresa, de que as pesquisas revelam a possibilidade de extração de até 7,00 milhões de toneladas por ano (Parecer Técnico 188/2013 – 4a.CCR-MPF). O processo de extração do ouro dependerá da utilização de produtos nocivos, como o cianeto, com retorno de água para o Rio Xingu, além da construção de barragem de rejeitos do material excluído, com notórios riscos de rompimento, independente das cautelas adotadas pelo empreendedor. Além disso, a implementação do projeto acarretará a transformação socioeconômica da região, com previsão da chegada de cerca de 2100 trabalhadores diretos para a implementação e de 530

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empregados na fase operacional (sem considerar o deslocamento

por

atração), de construção de vila de trabalhadores e reassentamento dos atingidos, bem como da manutenção e abertura de estradas para instalação do maquinário e escoamento da produção. O projeto situa-se à margem do Rio Xingu, em local habitado por inúmeras famílias de índios desaldeados, no centro umbilical de três Terras Indígenas e próximo a área de índios isolados, protegidos na Terra Indígena Ituna/Itatá. Na Volta Grande do Xingu, esses povos formaram historicamente uma riqueza cultural única, no convívio com caboclos, camponeses e ribeirinhos, dependentes dos recursos naturais e adaptados ao ciclo sazonal do Rio Xingu, denominado Rio da Diversidade Nacional. Essa região, em que o Xingu faz um desvio natural de 100Km, é palco de um dos mais significativos impactos gerados pela construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Esta, mais do que a habilidade da arte humana de erguer

uma

enorme

estrutura

no

meio

da

Amazônia,

expressa

interferência radical na obra da natureza. Isso porque, Belo Monte não segue o modus operandi tradicional, que colhe energia hídrica da queda brusca e natural de um rio. Aqui, a fonte energética será manipulada através de um desvio artificial do curso do Rio Xingu, por canais e diques. E, a água que percorria esses 100Km será conduzida por novos caminhos, em direção a uma casa de força principal.

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Neste contexto, a região da Volta Grande sofrerá uma profunda alteração e se transformará no denominado Trecho de Vazão

Reduzida do Rio Xingu. É evidente, e os estudos já atestaram, que os impactos de Belo Monte seguirão por toda a bacia hidrográfica do Rio Xingu, mas terão seu epicentro de instabilidade localizado na região da Volta Grande. Isso porque, ao contrário do que se dá na área alagada do reservatório, as populações

residentes

no

Trecho

de

Vazão

Reduzida

não

foram

removidas. Com isso, foi possível atestar a viabilidade da UHE Belo Monte para os Povos Indígenas da região (cuja remoção é vedada!). Mas, ao mesmo tempo, se impôs a todos os moradores da Volta Grande, que viviam em equilíbrio com o ciclo sazonal do Rio Xingu, a necessidade de se adaptarem a um cenário completamente modificado e ainda incerto. Agravada pela proximidade da região com o núcleo urbano de Altamira (que implica uma grande sensibilidade ao aumento do contingente

populacional),

essa

fragilidade

foi

diagnosticada

pelos

Estudos de Impacto Ambiental da UHE Belo Monte e afirmada pelos pareceres técnicos do IBAMA e da FUNAI: “A construção da represa no Sítio Pimental e o desvio do rio, pelos canais até o novo reservatório deverá deixar quase 100 Km do rio, da região conhecida como Volta Grande, com uma vazão extremamente reduzida. Apesar das diversas propostas de mitigar este impacto com a chamada 'vazão ecológica', qualquer diminuição do ritmo anual do ciclo hidrológico terá impactos sérios para a ictiofauna.

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A falta de água irá impor enormes sacrifícios para a população e para o meio ambiente. A falta de vazão impedirá a inundação completa das florestas aluviais e das ilhas, bem como a entrada e permanência de águas durante as enchente. A Volta Grande do Xingu será a área do rio com a maior perda de habitats de toda a área afetada. Considera-se que os impactos para a fauna aquática serão mais graves nesta área do que na região do reservatório. A mortalidade e diminuição de espécies que são características dos pedrais é um dos impactos previstos desta área, como consequência da perda da vazão. Este impacto se soma à perda de áreas de inundação e habitat de desova e alimentação dos peixes […] Nesta região espera-se então a diminuição tanto das espécies reófilas, adaptadas às águas de velocidades altas, como das espécies sedentárias como os cascudos da família loricariidae. A falta de água deverá também determinar o aumento da temperatura da água. Por isso, alguns peixes podem até desaparecer […].” (g.n) (EIA/UHE Belo Monte, Volume 19, p.307) “a vazão reduzida promovida pelo Projeto Belo Monte causará uma reconfiguração no modo de vida dos povos que habitam a Volta Grande do rio Xingu. Hoje o cotidiano dos indígenas é intimamente ligado ao rio, tanto para sua subsistência, pelo consumo de pescado e outros animais aquáticos, como na geração de renda, seja de peixes ornamentais ou do pescado comercial.” (g.n.) (UHE Belo Monte - Componente Indígena/Parecer Técnico n.21/CMAM/CGPIMA/FUNAI)

Vale destaque os estudos e as avaliações da FUNAI referentes à reconfiguração social, econômica e até cosmológica dos indígenas do Paquiçamba. “[...] Mais do que impactos nos meios físico e bióticos, essas alterações do Rio Xingu, conforme já descrito ao longo dos estudos, podem alterar significativamente a ocupação regional (pressão ambiental, territorial), a sócio-economia indígena (os Jurunas são coletores e dependem dos recursos decorrentes da coleta de castanha e transportada através do rio Xingu, dependem também da pesca e caça, como recursos de proteína), levando a mudanças significativas na organização

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social da comunidade indígena. (g.n) (UHE Belo Monte Componente Indígena/Parecer Técnico n.21/ CMAM/CGPIMA/FUNAI) 'Historicamente os Jurunas residem na região do rio Xingu há muitos anos e as gerações desses indígenas vivem na região da VGX conforme o ciclo hidrológico do rio Xingu. As mudanças ambientais irão alterar o cenário que possuem a memória e calendário etnoecológico. Além de levar a possível perda de elementos da biodiversidade levará a perdas de referência espacial dos indígenas devido à grande modificação no ambiente.” (g.n.)(EIA/UHE Belo Monte, Volume 35, Tomo 2, p.288)

Essa

alteração do

modo

de vida

das

populações

indígenas da Volta Grande do Xingu, ao tempo em que justificou as severas críticas ao atestado de viabilidade da hidrelétrica, impôs ao empreendedor da UHE Belo Monte a responsabilidade por rigorosos programas de mitigação, monitoramento e garantia de acesso mínimo aos recursos hídricos. É o que revela a Nota Técnica apresentada Norte Energia S.A, empresa concessionária de Belo Monte, os pareceres técnicos do IBAMA e da FUNAI, bem como as condicionantes impostas pelas licenças emitidas pelo IBAMA. “[…] podemos considerar que o empreendimento em questão é viável, observadas as seguintes condicionantes: (a) […] que o hidrograma ecológico (em especial os limites mínimos estipulados) considerado viável pelo Ibama permita a manutenção da reprodução da ictiofauna do Xingu e o transporte fluvial até Altamira, em níveis e condições adequados, evitando mudanças estruturais no modo de vida dos Jurunas do Paquiçamba e dos Araras da Volta Grande podendo levar ao eventual deslocamento de suas aldeias.“

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(UHE Belo Monte - Componente Indígena/Parecer Técnico n.21/CMAM/CGPIMA/FUNAI, p.94) “[...] a identificação de impactos na qualidade da água, ictiofauna, vegetação aluvial, quelônios, pesca, navegação e modos de vida da população da Volta Grande, poderão suscitar alterações nas vazões estabelecidas e consequentemente retificação na licença de operação. [...] Para o período de testes devem ser propostos programas de mitigação e compensação”. (g.n.) (Licença Prévia da UHE Belo Monte – LP 342/2010) “2.22 No que se refere ao Hidrograma de Consenso: a) Prever período de testes para o hidrograma, com duração mínima de 6 (seis) anos, a partir da instalação da plena capacidade de geração da casa de força principal; b) Apresentar, com um ano de antecedência ao enchimento do reservatório, proposta de plano de monitoramento da qualidade ambiental no TVR, contemplando impactos na qualidade da água, ictiofauna, vegetação aluvial, quelônios, pesca, navegação e modos de vida da população da Volta Grande; [...] Parágrafo Único – No âmbito do presente processo de licenciamento ambiental, será devida a alteração do hidrograma de consenso motivada pela identificação de impactos não prognosticados nos estudos ambientais”. (g.n.) (Licença de Instalação da UHE Belo Monte – LI 795/2011)

Mesmo propostos,

não

foi

com

possível

todo afastar

o

monitoramento em

definitivo

o

e

mitigação

risco

dessas

populações virem a ser removidas, tal é o grau de incerteza quanto aos efeitos do secamento do Rio Xingu. Em razão do que, certo é que haverá graves impactos, porém seus prognósticos não são ainda seguros. É o que atestou o licenciador da hidrelétrica.

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“Considerando que o regime de vazões é o fator que influencia diretamente a composição e a integridade biótica, alguns grupos sofrerão de forma mais intensa o impacto da redução da magnitude do pulso de vazões no TVR . Não há clareza quanto à manutenção de condições mínimas de reprodução e alimentação da ictiofauna, quelônios e aves aquáticas, bem como se o sistema suportará esse nível de estresse a médio e longo prazos [...] Há um grau de incerteza elevado acerca do prognóstico da qualidade da água.[...]” (g.n.) (UHE Belo Monte/Parecer Técnico 114/2009/COHID/CGENE/DILIC/IBAMA)

É precisamente neste cenário, que soma elevado grau de instabilidade e risco de remoção de povos indígenas, sob constante monitoramento, que a empresa Belo Sun Mineração Ltda. pretende instalar a maior mina de ouro do país, em um processo que iniciou, por negligência do licenciador, à margem da avaliação do órgão indigenista. “Apesar do processo de licenciamento ambiental ter iniciado na SEMA/PA no ano de 2010, a Funai só tomou conhecimento do empreendimento em fevereiro de 2012, por informação enviada pelo empreendedor. O fato do órgão licenciador não ter provocado a Funai no inicio do processo é preocupante, e também justifica o envio de Ofício à SEMA/PA atentando para a necessidade da realização do componente indígena dos estudos, assim como a consequente comunicação oficial relativa a todas as etapas do licenciamento, como comunicação de realização de audiências públicas.” (FUNAI/Informação n. 449/CGLIC/2012)

Atento

à

fragilidade

desta

região,

o

Instituto

Socioambiental representou ao licenciador, aduzindo a impossibilidade de realização segura de estudos ambientais para um novo empreendimento de grande impacto na Área de Vazão Reduzida do Rio Xingu.

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“[...] o Projeto Volta Grande se localizará em ambiente que vem sofrendo e continuará a sofrer modificações ambientais diretas provocadas pela UHE Belo Monte. A construção da Usina Hidrelétrica não só irá alterar o ambiente de instalação do projeto de mineração, como provocará impactos imprevisíveis, admitidos pelo próprio órgão ambiental federal como passíveis de serem mitigados só após concluído o monitoramento a ser realizado ao longo da instalação e no início da operação de Belo Monte. Sendo assim, se mostra impossível realizar prognóstico de impactos do projeto de mineração em meio a um ambiente que sequer se sabe como se comportará no futuro próximo.” (Instituto Socioambiental – doc. MPF/PRM-Altamira 63/2013).

Por sua vez, a Norte Energia S.A., mediante Nota Técnica, manifestou preocupação legítima com a sinergia de impactos entre os dois empreendimentos, com a necessidade de complementação dos estudos sobre os povos indígenas e com o risco de que condicionantes indispensáveis para o atestado de viabilidade da hidrelétrica restem prejudicadas com a atividade minerária na região. (CE-NE 041/2013 DFM) Argumentando que não foram chamados a participar deste processo de licenciamento, os indígenas da Aldeia Yudjá Mïratu da Volta Grande do Xingu solicitaram à Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará consulta livre e informada das populações da Volta Grande, em respeito à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. (Doc. MPF/PRM-ATM 4387/2013) Neste contexto, o Ministério Público Federal, no bojo do Inquérito Civil Público 1.23.003.000197/2012-49, destinado a investigar possíveis impactos do Projeto Volta Grande em áreas indígenas, oficiou o licenciador da UHE Belo Monte - IBAMA questionando sobre a possibilidade

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de elaboração de estudos minimamente seguros sobre novos impactos na região da Volta Grande do Xingu. (Of.PRM/ATM/GAB 1/N.1383/2012) Em resposta, o IBAMA, afirmando que a questão deveria ser tecnicamente respondida pelo órgão licenciador do Projeto Volta Grande, asseverou que: “não obstante o rigor científico aplicado na elaboração dos estudos ambientais, a metodologia admite certo grau de incerteza nos cenários apresentados pelo prognóstico ambiental. Esta informação consta do EIA da UHE Belo Monte, incluindo a região da Volta Grande do Xingu, de modo que, para maior segurança em relação à qualidade futura daqueles ambientes, foi definido um robusto plano de monitoramento, contemplando uma ampla relação de parâmetros ambientais. Também por este motivo, o IBAMA definiu, de forma preventiva, um período de testes para o hidrograma.” (g.n.) Of 02001.000304/2013-15-DLIC/IBAMA

Diante

deste

quadro,

o

Ministério

Público

Federal

apresentou, à Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Recomendação, para que os Estudos de Impacto Ambiental contemplassem análise criteriosa da sinergia de impactos do empreendimento minerário e da UHE Belo Monte. (Recomendação 002/2013/GAB1/PRM-ATM) Em resposta

a essa

Recomendação, o licenciador

restringiu-se a avaliar a quantidade de captação de água do Rio Xingu pela mineradora, ignorando por completo que, no cenário de instabilidade gerado pelo desvio do curso hídrico do Rio Xingu, a diminuição da água é uma causa, cujos efeitos – estes sim – devem ser avaliados em sinergia. (Nota Técnica 4472/GEMIN/CLA/DILAP/2013)

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A FUNAI – órgão de responsabilidade exclusiva para falar sobre impactos em povos indígenas – comunicou ao empreendedor e ao licenciador, em dezembro de 2012, a posição oficial da instituição, encaminhando,

nesta

data,

Termo

de

Referência

provisório

para

complementação dos Estudos de Impacto Ambiental. “Trata-se de projeto de exploração minerária em região com três terras indígenas em seu entorno (TI Paquiçamba, Arara da Volta Grande e Ituna/Itatá) e indígenas desaldeados, todos também sob influência da UHE Belo Monte. Sob essa perspectiva é necessária a realização do componente indígena do EIA/RIMA que, além dos parâmetros usuais de análise, deverá realizar uma análise sinérgica com a UHE Belo Monte, licenciada pelo Ibama. Essa análise sinérgica deverá considerar o uso da água do rio Xingu e os riscos da operação minerária em relação e esta UHE, a potencialização da redução da vazão do Rio Xingu e da diminuição da disponibilidade de peixes em virtude do uso da água deste rio por mais de um empreendimento, a verificação da viabilidade ambiental da operação deste projeto minerário em conjunto com a UHE Belo Monte, a análise dos impactos decorrentes dos dois empreendimentos, levando-se em conta que o projeto minerário dificilmente existiria sem a operação da UHE de Belo Monte, e o aumento da vulnerabilidade das terras à entrada de estranhos, em especial em virtude da presença de índios isolados na TI Ituna/Itatá, conforme detalhado no Termo de Referência emitido por esta Fundação.” Ofícios 890 e 891/2012/DPDS/FUNAI-MJ

Neste contexto, o Ministério Público Federal expediu Recomendação à Secretaria de Estado de Meio Ambiente para que apenas emitisse o atestado de viabilidade do empreendimento minerário após avaliação dos Estudos do Componente Indígena pelo órgão indigenista. (Recomendação 001/2013/GAB1/PRM-ATM)

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Por sua vez, o Ministério Público do Estado do Pará comunicou ao licenciador que a ausência de estudos de impacto sobre os povos indígenas e a inobservância da Convenção 169 da OIT implicam em grave irregularidade neste processo de licenciamento (Ofício 096/2013MP/CAOMA). A FUNAI, em ofício encaminhado ao licenciador, sinalizou a dificuldade de se atestar a viabilidade do Projeto Volta Grande para os povos indígenas da região, em razão da sinergia de impactos com a UHE Belo Monte e requereu a suspensão do processo de licenciamento da atividade minerária, pelo prazo de 6 anos, até que tenha resultado seguro o monitoramento imposto como condicionante do empreendimento hidrelétrico. “o pedido de suspensão do processo no órgão licenciador responsável sustenta-se na: (a)necessidade de se elaborar estudos do componente indígena antes da emissão da Licença Prévia, levando-se em conta uma séria de riscos que serão detalhados em seguida; (b) na necessidade de se realizar o monitoramento de seis anos no Trecho de Vazão Reduzida (TVR) da Hidrelétrica de Belo Monte, localizada na mesma região do projeto Volta Grande do Xingu e demandando uma análise sinérgica dos impactos dos dois empreendimentos, o que somente será possível após o período de monitoramento da TVR; […] requeremos que o projeto em tela seja suspenso até o fim do monitoramento de seis anos do trecho de vazão reduzida da Usina Hidrelétrica de Belo Monte e da realização do Componente Indígena dos Estudos de Impacto Ambiental do empreendimento” (g.n.)(Ofício 162/2013/DPDS/FUNAI-MJ)

Diante dessas manifestações, o licenciador estadual tardiamente afirmou que irá exigir a complementação dos estudos, expressando “sua posição utilizando-se do princípio da precaução quanto

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à exigência de realização dos estudos de componentes indígenas [...]”. (Nota Técnica 4528/GIMIN/CLA/DILAP/2013) Necessidade essa reconhecida pela própria empresa Belo Sun Mineração Ltda.: “tendo em vista o Princípio da Precaução, o empreendedor busca obter autorização junto à Fundação Nacional do Índio – FUNAI para realização de estudos complementares sobre os povos indígenas Paquiçamba (situado a 12 quilômetros do empreendimento) e Arara da Volta Grande (situado a 16 quilômetros do empreendimento).” (Projeto Volta Grande de Mineração - FUNAI-Proc.08620-019136/2012-40)

Entretanto, essas afirmações tornam-se mera retórica, quando o licenciador esvazia de significado a avaliação do componente indígena para o atestado de viabilidade do empreendimento. Ignorando a autoridade do órgão indigenista para falar sobre impactos em povos indígenas, bem como as recomendações ministeriais e as representações dos atores sociais envolvidos, sem corpo técnico de antropólogos aptos a manifestarem-se sobre a questão, concluiu o licenciador: “Esta equipe não acatou tal recomendação, posto que não vê impeditivos do estudo ser realizado concomitantemente ao processo do licenciamento ambiental, especialmente quando se trata de licença prévia, onde os impactos ainda não são evidentes. Condicionar o licenciamento ambiental deste empreendimento a conclusão do Estudo do Componente Indígena, que neste caso, foge aos parâmetros estabelecidos na legislação em vigor, a Portaria Interministerial 419/2011, é penalizar o empreendedor e restringir o desenvolvimento socioeconômico que o empreendimento propõe, o qual possui amparo na concepção da função social da atividade minerária [...]” (g.n.) (Nota Técnica 4472/GEmin/CLA/DILAP/2013)

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Essa postura do agente licenciador, que pretende se sustentar em parâmetros de norma federal inaplicável, como se verá a seguir, ofende a Constituição Federal e inova na ordem jurídica de forma inaceitável, transferindo para o contexto da Licença de Instalação a avaliação de viabilidade do componente indígena de um empreendimento, cuja suspensão foi requerida pela FUNAI. E, além de fulminar o princípio da precaução, impede a participação popular, nega aplicação à Convenção 169 da OIT e vulnera o princípio do poluidor-pagador, impondo a Povos Indígenas duplamente afetados o ônus do empreendedor, de arcar com as externalidades negativas do empreendimento, uma vez transferida a avaliação das ações mitigatórias para o momento em que os impactos já serão realidade. A intervenção judicial neste processo de licenciamento é medida que se impõe, como a seguir se demonstrará.

3 – Risco de Violação do Direito: da impossibilidade de concessão da Licença Prévia sem a realização dos Estudos do Componente Indígena do Projeto Volta Grande de Mineração

Partimos,

Excelência,

de

um

fato

incontroverso,

reconhecido pelo órgão licenciador e pelo próprio empreendedor: os Estudos de Impacto Ambiental do Projeto Volta Grande de Mineração estão incompletos e o princípio da precaução impõe a necessidade de

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complementação do diagnóstico socioeconômico, no que se refere ao componente indígena. Ocorre

que

o

órgão

licenciador,

embora

tenha

reconhecido tardiamente a necessidade desses estudos, o faz de modo retórico, pois afirma que a avaliação da FUNAI quanto aos impactos da mineração sobre os povos indígenas não é elemento essencial para o atestado de viabilidade do empreendimento. Com esse posicionamento deixa desprotegida parcela essencial do meio ambiente antrópico, em um contexto de vulnerabilidade extrema.

3.1

Da fragmentação indevida da proteção constitucional do meio

ambiente

Uma vez compreendido o meio ambiente como um conceito unitário, que expressa “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais” (José Afonso da Silva. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, 1995, p.2.), os Estudos de Impacto Ambiental apenas serão constitucionalmente satisfatórios, quando, além do meio físico e biótico, abarcarem a interação do homem com os elementos que o cercam, bem como aspectos antrópicos em si protegidos. É o que se depreende da norma que regulamenta o licenciamento ambiental:

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Artigo 6º - O estudo de impacto ambiental desenvolverá, no mínimo, as seguintes atividades técnicas: I - Diagnóstico ambiental da área de influência do projeto completa descrição e análise dos recursos ambientais e suas interações, tal como existem, de modo a caracterizar a situação ambiental da área, antes da implantação do projeto, considerando: a) o meio físico - o subsolo, as águas, o ar e o clima, destacando os recursos minerais, a topografia, os tipos e aptidões do solo, os corpos d'água, o regime hidrológico, as correntes marinhas, as correntes atmosféricas; b) o meio biológico e os ecossistemas naturais - a fauna e a flora, destacando as espécies indicadoras da qualidade ambiental, de valor científico e econômico, raras e ameaçadas de extinção e as áreas de preservação permanente; c) o meio sócio-econômico - o uso e ocupação do solo, os usos da água e a sócio-economia, destacando os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, as relações de dependência entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura desses recursos. (Resolução 237 CONAMA)

A Constituição Federal adota um modelo de Estado pluriétnico, impondo a preservação do patrimônio cultural como um direito fundamental coletivo e garantindo meios de proteger as manifestações culturais dos povos indígenas, bem como suas formas de expressão e seus modos de criar, fazer e viver. (arts. 215 e 216, CF) Além disso, expressamente garante aos indígenas seus costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam (CF, art. 231). Rompendo com o modelo assimilacionista e tutelar da ordem constitucional pretérita, impõe

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ao Estado o dever de lhes garantir o direito ao desenvolvimento segundo suas próprias escolhas, dentro de seu contexto decisório. Disposições que ganham força com a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas e com a Convenção 169 da OIT (que integra o ordenamento jurídico pátrio por força do Decreto 5.051 de 2004), a qual prevê que os Estados deverão adotar “medidas especiais que sejam necessárias para salvaguardar as pessoas, as instituições, os bens, as culturas e o meio ambiente dos povos interessados”. Neste

cenário

normativo,

sempre

que

um

empreendimento tiver potencial de causar significativo impacto sobre os povos indígenas, os Estudos de Impacto Ambiental deverão contemplar, no diagnóstico do meio socioeconômico, Estudos do Componente Indígena. Hipótese em que será obrigatória a intervenção da FUNAI, a quem compete com exclusividade a emissão do Termo de

Referência para a realização dos estudos, a avaliação destes e o atestado de viabilidade do empreendimento sobre os povos indígenas, indicando, desde logo, obrigações condicionantes do empreendedor, antecipatórias ao risco de dano. Do mesmo modo que o Meio Ambiente é composto pelos seus elementos naturais e antrópicos, o Termo de Referência da FUNAI para estudos do meio antrópico é parte integrante do Termo de Referência emitido pelo licenciador, e o Estudo do Componente Indígena é parte integrante dos Estudos de Impacto Ambiental.

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Quando o licenciador afirma a desnecessidade de exigir o Estudo do Componente Indígena no contexto dos Estudos de Impacto Ambiental (antes da Licença Prévia), fragmenta indevidamente o conceito unitário de meio ambiente e desqualifica sua parcela antrópica, protegida pela Constituição Federal e pelas normas internacionais. Sem iluminar e proteger toda a dimensão do seu objeto, os Estudos de Impacto Ambiental não são constitucionalmente aceitáveis, e, por via de consequência, carecem de aptidão para sustentar atestado de viabilidade de um empreendimento de grande impacto. Para além disso, essa afirmação do licenciador acarreta uma série de graves consequências fáticas e jurídicas, que necessitam ser inibidas.

3.2 Da ofensa à Constituição Federal – princípio da precaução

É determinação constitucional expressa que os Estudos de Impacto Ambiental sejam prévios, impondo ao Estado o dever de: “exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade.” (g.n.)(CF, art. 225, §1º, IV)

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Dispositivo que deve ser interpretado como a imposição de que sejam realizados os Estudos de Impacto na fase anterior à concessão da primeira licença. “Considerando que a licença prévia é uma subespécie de licença, integrante, pois, do procedimento de licenciamento ambiental, sua outorga não poderá prescindir da discussão e aprovação do EIA/RIMA, nas hipóteses em que o mesmo for exigível. O estudo, como já enfatizado, deve ser prévio. Tal antecedência há de ser compreendida em relação ao conjunto das etapas do licenciamento, e não apenas ao momento da liberação da operação da atividade ou empreendimento.” (g.n) (Nicolao Dino de Castro e Costa Neto. Proteção Jurídica do Meio Ambiente, p. 378)

Considerando que no cenário constitucional atual, o bem jurídico ambiental apenas estará sob proteção se os seus instrumentos forem aptos a se anteciparem ao dano, deixada parcela dos Estudos de Impacto Ambiental para fase avançada do licenciamento, estes não poderão cumprir seu mister. A essência dessa tutela é, pois, o Princípio da Precaução, que: “indica uma atuação 'racional' para com os bens ambientais, com a mais cuidadosa apreensão possível dos recursos naturais […] Na verdade é uma 'precaução contra o risco', que objetiva prevenir já uma suspeição de perigo ou garantir uma suficiente margem de segurança da linha de perigo. Seu trabalho está anterior à manifestação do perigo. “[...] indesejáveis efeitos colaterais do desenvolvimento social e econômico devem ser reconhecidos a tempo e, por meio de um amplo planejamento de conservação ambiental, ser minimizados”. (g.n.) 156 Dr

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Quanto ao papel desses estudos na materialização das disposições constitucionais, vale a leitura da lição de Cristiane Derani. “Destaco o instrumento por excelência, aquele que tem o potencial de conjugar políticas sociais, econômicas, ambientais, compatibilizando-as: a Avaliação de Impacto Ambiental. Prevista no art. 9º, inciso II daquela lei [6.938/1981], e que ganha o nível constitucional, ao ser apresentada no inciso IV do parágrafo 1º do art. 225 da Constituição Federal de 1988.” Cristiane Derani. Direito Ambiental Econômico, p. 153)

Portando, desde logo, absolutamente desprovida de sustentação constitucional a afirmação do licenciador de que os Estudos de Impacto Ambiental com relação aos povos indígenas não seriam exigíveis na fase de licença prévia, porque os impactos ainda não são evidentes. Ao assim agir, fulmina o princípio da precaução e retira, de modo ilegítimo, desses estudos o seu mister constitucional – de se antecipar ao risco de dano. A necessidade de que os estudos do componente indígena antecedam a licença prévia e, portanto, o atestado de viabilidade do empreendimento é inequívoca na Instrução Normativa 01/2012, que orienta a atuação da FUNAI nos licenciamentos: Art. 17. Os estudos e o resultado da análise serão apresentados às comunidades indígenas afetadas, em consulta prévia, livre e informada. Art. 18 Ouvidas as comunidades indígenas, a FUNAI manifestar-se-á, conclusivamente, sobre a concessão da licença prévia, por meio de ofício dirigido ao órgão licenciador.

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Neste diapasão, a FUNAI, além de requerer a suspensão do licenciamento até que fossem complementados os Estudos de Impacto Ambiental, manifestou, perante o órgão licenciador, que: “a partir da avaliação e análise dos impactos ambientais e socioculturais decorrentes do empreendimento, o estudo deverá avaliar a viabilidade do projeto, no contexto da anuência da licença prévia (LP) pelo órgão licenciador, considerando o Componente Indígena, subsidiando assim a manifestação da Funai […] No caso de execução da obra, o resultado dos estudos deve subsidiar ainda a proposição de ações de mitigação e compensação adequadas às comunidades indígenas, levando em consideração suas realidades sociais e relação de causalidade entre os impactos identificados”. Termo de Referência - FUNAI

Não bastasse isso, estudos incompletos viciam a decisão do órgão licenciador – tecnicamente falha – e retiram do empreendedor a obrigação de demonstrar, o quanto possível, a viabilidade do seu empreendimento, conforme impõe a Declaração do Rio de Janeiro, para afastar riscos e incertezas. É nesse sentido que Denise Hammerschmidt ensina que a realização de "estudos completos e exaustivos" é uma das facetas do princípio da precaução: E por última linha de concretização temos a promoção e desenvolvimento da investigação científica e realização de estudos completos e exaustivos sobre os efeitos e riscos potenciais de uma dada atividade. O princípio da precaução, o qual parte do reconhecimento das limitações da ciência, requer a sua contribuição inestimável na pesquisa e tratamento de incertezas.[...] Portanto, o princípio da precaução requer que as políticas e decisões que apresentem significativos riscos ambientais sejam precedidas de estudos de avaliação do impacto ambiental, os quais podem constituir

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um relevante instrumento do principio da precaução, na medida em que contribuírem para assegurar que as decisões sejam tomadas com base na melhor informação científica disponível. (g.n.) (HAMMERSCHIMIDT, O risco na sociedade contemporânea e o princípio da precaução,p. 117).

Vale ressalvar que a Licença Prévia já é, por si, causa de uma série de impactos, especialmente quando se trata do meio socioeconômico. E os relatórios de visita do Ministério Público Federal à região do Projeto Volta Grande de Mineração indicam que antes mesmo dessa licença impactos já existem, especialmente com relação à população indígena que sequer tomou conhecimento do projeto. Ademais, a ruptura brusca do garimpo tradicional existente na região, sem qualquer medida mitigatória para assegurar a permanência da população local gerou a remoção de inúmeras famílias, sem respaldo da empresa Belo Sun. (Relatório de Viagem – MPR-PA)

3.3 Da usurpação da competência do CONAMA e da ofensa aos princípios e normas do licenciamento ambiental

A ideia de impor como obrigação condicionante na Licença Prévia a realização de Estudos de Impacto Ambiental é algo absolutamente anômalo. Trata-se de inovação não admitida na ordem jurídica, que invade a competência do Conselho Nacional do Meio Ambiente

de

estabelecer

o

devido

processo

de

contrariando disposição expressa da norma regente.

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licenciamento,

O CONAMA, órgão responsável pela disciplina do Sistema Nacional de Meio Ambiente, fixou por Resolução, aplicável a todas as esferas administrativas, as fases do licenciamento, definindo de modo expresso o objeto de cada uma das licenças. Art. 8o. O Poder Público, no exercício de sua competência de controle, expedirá as seguintes licenças: I - Licença Prévia (LP) – concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação; II – Licença de Instalação (LI) – autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificidades constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante; III – Licença de Operação (LO) – autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação. (g.n.) (CONAMA, Res. 237/1997)

Da leitura deste dispositivo extrai-se inequivocamente que, na fase de concessão da Licença Prévia, o licenciador avalia a viabilidade do empreendimento e impõe condicionantes necessárias a afastar o risco e evitar o dano. Impõe, ainda, outras condições que orientarão a elaboração dos Planos e Programas de mitigação de impacto (PBA), que deverão estar aprovados para a concessão da Licença de Instalação.

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Portanto, é indiscutível, pela norma aplicável, que a fase posterior à licença prévia pressupõe um juízo positivo quanto à viabilidade ambiental do empreendimento e o processo de licenciamento se abre para uma etapa de elaboração e avaliação dos planos e programas mitigatórios urgentes e imprescindíveis, cuja indicação deve constar obrigatoriamente já nos Estudos de Impacto Ambiental prévios. Assim, na fase de concessão de Licença Prévia, o princípio que se destaca é a precaução e sua materialização se faz, acima de tudo, pelos Estudos de Impacto Ambiental. Já na fase que antecede a Licença de Instalação, o princípio aplicável, mantida a lógica da prevenção, é o princípio do poluidor-pagador, que visa a transferir ao empreendedor o ônus de arcar com as externalidades negativas do empreendimento. Ou seja, além de evitar os impactos, objetiva que estes não recaiam sobre os atingidos.

E

para

isso

devem

estar

delineadas

as

obrigações

condicionantes. Se a Licença Prévia condiciona a concessão da Licença de Instalação à realização de Estudos de Impacto Ambiental, esta será emitida sem a aprovação dos devidos programas mitigatórios, cuja indicação se faz nos estudos. Com isso, há uma transferência inaceitável aos atingidos de um ônus que deve ser arcado pelo empreendedor. E, no processo de licenciamento emerge um cenário em que as ações mitigatórias

não

acompanharão

o

ritmo

das

obras,

o

que,

se

considerarmos que se trata de grupos humanos duplamente atingidos, é absolutamente inaceitável.

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Não bastasse isso, a transferência de parte essencial do Estudos de Impacto Ambiental para a fase que antecede a Licença de Instalação inviabiliza a participação popular no processo de avaliação do empreendimento,

enquanto

elemento

indispensável

para

conferir

legitimidade à decisão do licenciador. A abertura para a participação popular é princípio extraído diretamente da Declaração do Rio de Janeiro de 1992 e do artigo art. 225, §1º, IV, da Constituição Federal. E sua materialização se faz através da realização de audiências públicas, que seguem a normativa do Decreto 99.274/90 e das Resoluções do CONAMA 01/86 e 09/87. Para que essas audiências não se tornem mera etapa formal a ser cumprida, é indispensável que a população tenha acesso à totalidade dos estudos, que, além de prévios, são públicos, por determinação constitucional. “A completude dessa investigação e desse diagnóstico é essencial à efetividade da participação comunitária nas audiência públicas. O caráter essencialmente precautório do EPIA/RIMA torna indispensável que constem do mesmo todas as informações necessárias ao exame prévio da possibilidade de compatibilização do desenvolvimento social e econômico – incluindo-se aí, por evidente, o elemento humano – com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico. Omissões e distorções no processo de avaliação maculam visceralmente o EIA, bem como o RIMA a ele atrelado. Se o estudo apresentar-se incompleto, imperfeito, merecendo reparos em pontos essenciais, qualquer avaliação que dele se fizer no contexto de uma audiência pública padecerá também dos mesmos vícios, porquanto não terão sido discutidos pela comunidade todos os aspectos relativos ao empreendimento.

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E, com sobras de razão, viciada estará a licença ambiental, caso venha a ser deferida com base em um EPIA lacunoso e imperfeito” (g.n.) (Nicolao Dino de Castro e Costa Neto. Proteção Jurídica do Meio Ambiente, p. 363)

Considerando que, no contexto da Licença de Instalação, a viabilidade do empreendimento já foi declarada, não haverá ambiente adequado para realização de audiência públicas, de modo que, confirmada a intenção do licenciador, ou estas não serão efetivadas ou serão meramente simbólicas. No

caso

específico

de

ausência

de

estudos

do

componente indígena, a ilegitimidade da decisão é ainda mais grave, uma vez que inviabiliza a aplicação da Convenção 169 da OIT, que determina a realização de consultas prévias e informadas. Quanto a isto, vale destacar que a Consulta Prévia é um instrumento indispensável de autodeterminação dos Povos Indígenas, que pelas normas internacionais têm garantido o direito de participar, no cenário de suas instituições representativas, das políticas que os atingem. Essa questão vem sendo amplamente debatida no cenário nacional e internacional, sendo que a Corte Interamericana de Direitos Humanos já definiu que: “el reconocimento del derecho a la consulta de las comunidades y pueblos indígenas y tribales está cimentado, entre otros, en el respeto a sus derechos e la cultura própria o identidad cultural […], los cuales deben ser garantizados, particularmente, en una sociedad pluralista, multicultural y democrática” (g.n.) (CIDH-Caso Kichwa de Sarayaku v Equador)

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3.4 Do equívoco quanto à norma aplicável ao licenciamento: ofensa à Constituição Federal e negligência do licenciador

O órgão licenciador tenta sustentar juridicamente a não realização dos estudos do componente indígena, sob a alegação de que a necessidade destes foge aos parâmetros estabelecidos na legislação em

vigor, a Portaria Interministerial 419/2011 , a qual pressupõe o impacto de empreendimentos minerários num raio de 10Km das Terras Indígenas. Aduz, para tanto, que a Terra Indígena mais próxima localiza-se a 10,7Km do empreendimento. Para além da contradição intrínseca à sua fala, que atesta a necessidade de estudos e sua desnecessidade ao mesmo tempo, a sustentação na Portaria mencionada é, como se verá, juridicamente inaceitável. Primeiro, porque a referida Portaria Interministerial 419/2011 é ato normativo do poder executivo federal, aplicável de modo cogente apenas ao IBAMA, haja vista a repartição constitucional de competências ambientais. Conforme

se

denota

da

Instrução

01/2012/FUNAI:

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Normativa

§2º Nos empreendimentos conduzidos em âmbito estadual diante da ausência de regulamentação específica, as distâncias da Portaria n. 419 poderão ser tomadas como parâmetro”. (g.n.)

Portanto, esses 10 Km, neste processo, poderiam vir a ser um parâmetro; um instrumento do qual o licenciador faria uso para auxiliar sua aproximação do contexto licenciado, que, no caso, é um cenário de graves impactos incertos. Esse parâmetro de 10 Km para as atividades minerárias indica um alerta ao licenciador prudente. E deveria impor uma cautela na avaliação de um empreendimento minerário que se localiza no centro de 3 Terras Indígenas, a 10,7 Km da área mais próxima. Ademais, considerando a fragilidade do contexto de sinergia de impactos do processo licenciado com a UHE Belo Monte, esse parâmetro impõe de modo inexorável a aplicação do princípio da precaução. Seja pelo risco de novos impactos irreversíveis aos indígenas que habitam o Trecho de Vazão Reduzida, seja pelo risco de interferir nas mitigações indispensáveis à viabilidade da UHE Belo Monte, o órgão indigenista deveria ter sido chamado a este processo pelo licenciador. A negligência do licenciador com relação ao componente indígena é um fato! O parâmetro da norma federal não lhe indicou um risco evidente dada a proximidade das comunidades indígenas, e a sua indiferença para com a frágil realidade licenciada não lhe asseverou a necessária aplicação do princípio da precaução na avaliação dos impactos sinérgicos.

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A norma abstrata jamais teria condições de fixar todos os casos em que haverá impacto. Por isso, o que faz a Portaria Interministerial 419/2011 é presumir o dano sobre os povos indígenas, indicando hipóteses em que o licenciador federal deverá chamar o órgão indigenista ao processo. Determina, pois, o dever de comunicação à FUNAI. E isso é de uma gravidade ímpar, Excelência! Porque, no caso da presente ação, o órgão indigenista tomou conhecimento do projeto por outros meios e compareceu espontaneamente ao processo de licenciamento. E manifestou com veemência a necessidade dos estudos prévios sobre os povos indígenas para o atestado de viabilidade do empreendimento, requerendo, inclusive, a suspensão do processo, até que o monitoramento dos impactos da UHE Belo Monte apresentasse resultados minimamente seguros. Daí que, ao insistir na Portaria Interministerial, mesmo diante da manifestação do órgão indigenista, a negligência do licenciador se redefine como uma opção ardilosa de impor ao processo de licenciamento ambiental o ritmo do mercado de ações do empreendedor. Sem corpo técnico de antropólogos capacitados para falar sobre o componente indígena, o licenciador distorce os objetivos da norma interministerial. De uma presunção de dano para um certo limite, extrai a ausência de risco de dano para todos os demais casos. Com isso, rompe ainda com a tradição do sistema jurídico pátrio, cuja opção, historicamente, tem sido a prefixação de parâmetros mínimos, com

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indicações de hipóteses em que o impacto é presumido, sem afastar a possibilidade de que o caso concreto venha a indicar outras situações em que a realização dos estudos se imponha. Ou

seja,

mesmo

que

se

aplicasse

a

norma

interministerial aos licenciamentos estaduais, a normativa jamais teria condições de excluir definitivamente o dano para além dos 10Km, especialmente quando o contexto assim indique e o órgão indigenista manifeste. Equivoca-se, pois, o licenciador, quando afirma que a normativa aplicável dispensa a realização dos estudos. Ao contrário, a realização dos Estudos de Impacto Ambiental é indispensável, por força constitucional, sempre que a obra “tiver potencialidade de causar significa degradação”. E, também de matriz constitucional essa potencialidade deve ser auferida com base no princípio da precaução. “O dano potencial não vem carimbado e com traços gritantes, demandando análise meticulosa para identificá-lo, indicar suas consequências e apontar, sem subterfúgios, os meios de o impedir ou reduzir. Na dúvida, emprega-se o princípio da precaução e deve-se escolher a metodologia que a Constituição Federal previu: o Estudo Prévio de Impacto Ambiental.” (g.n) (Paulo Leme Machado. Direito Ambiental Brasileiro, p. 280)

Não bastasse isso, a fala dos diversos atores envolvidos neste processo demonstra que sequer há consenso quanto à distância efetiva que separa o empreendimento da Terra Indígena Paquiçamba. O licenciador fala em 10,7 Km; o Instituto Socioambiental afirma que a distância é de 9,6 Km; os indígenas da aldeia Muratu reafirmam a

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distância de 9,6 Km; a FUNAI afirma a distância é de 12Km e o empreendedor reafirma que a distância é de 12 Km. Dessa controvérsia, a única certeza que resta é a necessidade da precaução. Ademais, é de suma importância destacar que a distância entre o empreendimento e as Terras Indígenas é auferida a partir de um raio partindo da AID (Área de Influência Direta) do empreendimento, que no caso foi considerada pelo empreendedor como a área das instalações físicas do projeto, ignorando que a mineradora pretende se instalar acima das Terras Indígenas, nas margens do Rio Xingu,

bem

como

que

haverá

em

decorrência

desse

projeto,

a

implementação de diversos outros, como a construção e pavimentação de estradas. Essa redução da AID do projeto às instalações físicas confere, ainda, ao empreendedor uma grande margem de disposição quanto aos limites de seu impacto, especialmente se considerarmos a imensidão da área de pesquisa desta empresa, que chega a adentrar as Terras Indígenas. Com isso, seria dado ao empreendedor manipular a área de impacto de seu empreendimento, pela localização das valas e caixa de resíduos, por exemplo. Vale destacar algumas considerações críticas sobre a definição da AID do Projeto Volta Grande, a partir da qual o licenciador auferiu os 10,7Km. “É fato que um projeto de mineração desse porte, gerará impactos que não se restringirão aos limites do

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empreendimento. Para o devido escoamento da produção, estradas deverão ser abertas ou ampliadas, aumentando também o fluxo na Transassurini, que avança da margem direita do Xingu por mais de 100Km, no sentido sudeste, exatamente em região habitada por índios isolados. ” (FUNAIInformação Técnica 11/CGIRC/2913)

Seja por parte do corpo técnico do Ministério Público Federal. “[...] Sugere-se que as áreas de influência sejam revistas e passem a contemplar adequadamente, no mínimo, a abrangência dos possíveis impactos ambientais (g.N.) e as obras de logística e de segurança que o empreendimento demanda – como o próprio EIA assinala em seu capítulo de delimitação da área de estudo[...] não seria possível excluir a possibilidade de afetação de Tis Paquiçamba e Arara da Volta Grande pelos impactos diretos do Projeto, principalmente pelo lançamento de efluente a montante dessas Tis.[...] [...] nada mais se encontrou sobre melhorias na Transassurini. [...] é plausível admitir que a estrada demandará, por conta do Projeto Volta Grande, trabalhos de recuperação de leito e taludes, construção de obras de arte e pavimentação dos seus 50 Km entre Altamira e o Projeto. Afinal, os pesados equipamentos empregados em mineração deverão ser transportados para o site a partir de Altamira, além de que por lá circularão 2.100 trabalhadores diretos no pico de implantação e cerca de 530 empregados na fase operacional […]” (Parecer Técnico n.188/2013-4ªCCR/MPF)

Portanto, ao afirmar que a exigência dos estudos do componente indígena foge aos parâmetros da legislação aplicável, o licenciador equivoca-se quanto à norma regente do licenciamento, interpreta de modo inadmissível a Portaria Interministerial, e, ignorando

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as evidências que atraem o princípio da precaução, penaliza o bem jurídico ambiental por uma negligência atribuída a ele próprio.

4.

Da responsabilidade pelo atraso no início dos Estudos do Componente

Indígena

O órgão licenciador afirma que a exigência dos Estudos do Componente Indígena antes da emissão da Licença Prévia implica em onerar excessivamente o empreendedor, com o que transfere aos atingidos o risco de arcar com os impactos do projeto. Como visto, a não realização destes estudos deve-se, antes de mais nada, à negligência do próprio órgão licenciador em comunicar a FUNAI tempestivamente, mesmo diante de todas as evidências. Não bastasse isso, desde novembro de 2012 a FUNAI emitiu Termo de Referência provisório (incompleto com relação aos índios isolados), oficiando formalmente ambos, licenciador e empreendedor, quanto à necessidade de complementação dos estudos. E indicou o procedimento adequado para que o empreendedor requeira o ingresso nas Terras Indígenas.

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Até hoje, não consta do procedimento na FUNAI a formalização deste requerimento por parte do empreendedor nos moldes exigidos, mesmo já tendo sido emitido o Termo de Referência definitivo. Ademais, em reunião realizada na sede da FUNAI em Brasília, entre o empreendedor e o órgão indigenista, ficou consignado que os estudos poderiam iniciar com base no Termo de Referência provisório após a confirmação administrativa do órgão licenciador, tendo em vista que a FUNAI havia requerido a federalização deste licenciamento. Essa confirmação se deu em 14 de maio de 2013, com a mais absoluta inercia do empreendedor, na certeza de que a licença lhe seria deferida independente do atestado de viabilidade com relação aos povos indígenas. Neste contexto, é absolutamente irresponsável a atitude do órgão licenciador, de impor ao licenciamento o ritmo do mercado em benefício do empreendedor, vitimando de maneira quiçá irreversível povos indígenas na Volta Grande do Xingu, que terão de arcar com um risco que, por lei, deve ser evitado.

5.

Considerações Finais

1. Considerando que a região onde se pretende instalar o Projeto Volta Grande de Mineração é área absolutamente fragilizada pela construção da UHE Belo Monte, o que atrai o

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princípio da precaução e a necessidade de avaliação de impactos sinérgicos entre os dois empreendimentos; 2.

Considerando que é fato incontroverso a necessidade

de realização de Estudos do Componente Indígena no processo de licenciamento do Projeto Volta Grande de Mineração; 3.

Considerando

que

a

FUNAI

encaminhou

Termo

de

Referência para realização dos Estudos do Componente Indígena,

e

solicitou

a

suspensão

do

processo

de

licenciamento pelo prazo de 6 anos e até que sejam finalizados os estudos. 4. Considerando que o licenciador manifestou de modo inequívoco que os Estudos de Componente Indígena não serão exigidos antes da concessão da Licença Prévia; 5. Considerando que o licenciador, ao transferir a realização de parte dos Estudos de Impacto Ambiental para a fase posterior à Licença Prévia, pretende atestar a viabilidade do empreendimento sem parecer do órgão indigenista; 6. Considerando que a realização dos Estudos de Impacto Ambiental

como

condicionante

da

Licença

Prévia

não

encontra respaldo na norma aplicável e usurpa competência do CONAMA para definir o conteúdo das licenças ambientais; 7. Considerando que emissão da Licença Prévia sem Estudos do Componente Indígena impede que os Estudos Ambientais

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cumpram sua missão constitucional de se antecipar ao dano e vulnera o princípio da precaução; 8. Considerando que a fragmentação dos Estudos de Impacto Ambiental, no caso, deixa desprotegida a dimensão antrópica do Meio Ambiente; 9.

Considerando

que

a

transferência

dos

Estudos

de

Componente Indígena para a fase da Licença de Instalação implica protelar o início das ações mitigatórias, vulnerando com isso o princípio do poluidor-pagador e transferindo aos atingidos o ônus de arcar com as externalidades negativas do empreendimento; 10. Considerando que a emissão da Licença Prévia com base em estudos incompletos inviabiliza a participação dos povos indígenas nesse processo e nega vigência à Convenção 169 da OIT; 11. Considerando, por fim, que a norma indicada pelo licenciador para eximir-se do dever de complementar os Estudos de Impacto Ambiental – a Portaria Interministerial 419/2011) – é instrumento aplicável ao IBAMA, que traz parâmetros

ao

órgão

estadual,

os

quais,

somados

à

proximidades entre as Terras Indígenas e o Projeto licenciado e fragilidade da região, atestam a negligência do licenciador estadual com os Estudos de Impacto Ambiental deste processo;

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É inevitável a conclusão de que se faz imperiosa a intervenção judicial neste processo de licenciamento.

6. Da necessidade de imediata medida liminar

A Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85), no seu art. 12, possibilita a concessão de medida liminar, o que, no presente caso, mostra-se imprescindível, ante a relevância dos fundamentos da demanda (fumus boni juris) e o justificado receio de ineficácia do provimento final (periculum in mora). No que tange ao fumus boni juris, os elementos trazidos aos autos revelam sustentação jurídica suficiente para amparar decisão liminar. Vejamos. A

necessidade

de

complementação

do

diagnóstico

socioeconômico dos Estudos de Impacto Ambiental do Projeto Volta Grande, com Estudos do Componente Indígena é um fato incontroverso, afirmado pelo órgão indigenista e reconhecido pelo licenciador e pelo próprio empreendedor. E decorre do contexto de fragilidade e sinergia de impactos da região, onde se instala a hidrelétrica de Belo Monte. Esse fato resta demonstrado na presente ação, de modo inequívoco, por documentos oficiais do projeto da UHE Belo Monte e por manifestações formais da FUNAI, do licenciador e do empreendedor, que

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instruem Inquérito Civil Público 1.23.000197/2012-49 MPF-ATM, cuja cópia integral segue anexa, juntamente o procedimento em trâmite na FUNAI. A Portaria Interministerial 419/2011 não tem o condão de afastar essa necessidade. Como norma federal aplicável ao IBAMA, seus parâmetros devem ser iluminados pela gravidade do contexto do projeto licenciado e pela manifestações do órgão indigenista. Uma

vez

demonstrada

a

necessidade

de

complementação dos Estudos de Impacto Ambiental no caso em discussão, resta a comprovação de que esses estudos devem ser

realizados antes de atestada, via Licença Prévia, a viabilidade do empreendimento. Para além de todo apelo da razoabilidade (pois falamos de atestado de viabilidade sem estudos), trata-se de uma questão eminentemente

jurídica,

aduzida

de

modo

exaustivo

na

presente

demanda. Sustenta-se na norma constitucional, que impõe a antecipação ao risco de dano e na Resolução 237 do CONAMA, que fixa, no conteúdo das licenças ambientais, a declaração de viabilidade como marca da Licença Prévia. Além disso, a principiologia do direito ambiental, a doutrina e a manifestação do órgão indigenista reafirmam essa necessidade. Quanto ao à manifestação do licenciador de que atestará

a viabilidade sem a realização dos estudos, esta é inequívoca, pelo conteúdo da Nota Técnica 23215/2013 /GEMIN/CLA/DILAP, bem como pelas manifestações oficiais em Audiência Pública.

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No que se refere à urgência da medida, o justificado receio de ineficácia do provimento final (periculum in mora) é explícito. Restou demonstrado que a região em que se pretende atestar a viabilidade da maior mina de ouro do país, sem estudos de componente indígena, é uma região radicalmente fragilizada pela obra da UHE Belo Monte, em que as populações indígenas residentes convivem com uma instabilidade limítrofe, que pode se tornar insustentável com um novo impacto não previsto nos estudos da hidrelétrica. Os impactos que já advirão da concessão da Licença Prévia,

como

o

avanço

populacional,

somados

à

insegurança

de

populações indígenas que não foram informadas do processo, podem se tornar irreparáveis. Esse risco é veemente nos diversos pronunciamentos oficiais da FUNAI, órgão com competência exclusiva para falar dos impactos sobre os povos indígenas, bem como se atesta dos documentos do

licenciamento

da

UHE

Belo

Monte,

que

indicam

o

rigoroso

monitoramento da qualidade da vida dessas populações, todos anexos à presente. Some-se a isso o fato de que o risco de impacto identificado pela FUNAI envolve índios isolados da Terra Indígena Ituna/Itatá, em área cortada pela Transassurini, estrada que ligará Altamira ao Projeto da empresa Belo Sun. Desnecessário asseverar o direito inalienável dos índios isolados permanecerem como tal e a irreversibilidade do contato.

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Quanto à urgência da medida, a decisão de concessão da Licença Prévia por parte do órgão estadual já conta com parecer jurídico favorável, aguardando deliberação do Conselho Estadual de Meio Ambiente, agendada para a para o dia 18 de novembro próximo. (Ofício Circular 014/2013 – COEMA/SEMA) Ressalte-se, por fim, que eventual decisão judicial pela suspensão do processo de licenciamento no estágio em que se encontra, é facilmente reversível, não havendo prejuízo ao empreendedor comparável com os riscos anteriormente identificados e apto a justificar o seu prosseguimento à margem da legalidade. Deste modo, presentes esses elementos, requer deste d. Juízo a imediata concessão de medida liminar para, inaudita altera pars: 1. suspender o licenciamento ambiental do Projeto Volta Grande de Mineração, até que sejam complementados os Estudos de Impacto Ambiental e avaliados pela FUNAI os Estudos do Componente Indígena, que deverão ser realizados pelo empreendedor, de acordo com o Termo de referência emitido pela FUNAI, ressalvada a garantia de participação dos indígenas, nos termos da Convenção 169 da OIT. 2. Na hipótese de já ter sido emitida a Licença Prévia com base nos estudos incompletos, requer a declaração de nulidade

da

licenciamento

Licença

e

ambiental

a do

suspensão

do

processo

de

Projeto

Volta

Grande

de

Mineração, até que sejam complementados os Estudos de Impacto Ambiental e avaliados pela FUNAI os Estudos do

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Componente Indígena,

que

deverão ser

realizados pelo

empreendedor, de acordo com o Termo de referência emitido pela FUNAI, ressalvada a garantia de participação dos indígenas, nos termos da Convenção 169 da OIT.

7. Do pedido final

Tendo em vista o exposto, o Ministério Público Federal requer a citação dos requeridos para que contestem a presente demanda, sob pena de revelia, para que ao final seja confirmada a medida liminar, sendo julgada procedente a presente ação e deferidos em definitivos os pedidos, para: 1. Suspender o licenciamento ambiental do Projeto Volta Grande de Mineração, até que sejam complementados os Estudos de Impacto Ambiental e avaliados pela FUNAI os Estudos do Componente Indígena, que deverão ser realizados pelo empreendedor, de acordo com o Termo de referência emitido pela FUNAI, ressalvada a garantia de participação dos indígenas, nos termos da Convenção 169 da OIT. 2. Na hipótese de já ter sido emitida a Licença Prévia com base nos estudos incompletos, requer a declaração de nulidade

da

Licença

e

a

suspensão

do

processo

de

licenciamento ambiental do Projeto Volta Grande de Mineração, até que sejam complementados os Estudos de Impacto Ambiental e avaliados pela FUNAI os Estudos do Componente

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Indígena, que deverão ser realizados pelo empreendedor, de acordo com o Termo de referência emitido pela FUNAI, ressalvada a garantia de participação dos indígenas, nos termos da Convenção 169 da OIT. 3. Requer, ainda, a intimação da FUNAI, para que manifeste seu interesse de ingressar no feito. 4. Protesta por todos os meios de prova em direito admitidos.

Dá-se à causa o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para efeitos fiscais. Termos em que espera deferimento. Altamira, 11 de novembro 2013.

THAIS SANTI CARDOSO DA SILVA Procuradora da República

UBIRATAN CAZETTA Procurador da República

BRUNA MENEZES GOMES DA SILVA Procuradora da República

FELÍCIO PONTES JR. Procurador da República

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Documentos que instruem a presente demanda: Doc. 01 - Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Pará - Ofício 24937/2013/CONJUR - Nota Técnica 4472/GEMIN/CLA/DILAP/2013 - Ofício Circular 014/2013 – COEMA/SEMA Doc. 02 - Belo Sun Mineração Ltda. - EIA/RIMA Projeto Volta Grande de Mineração - Cópia digital Doc. 03 - Ministério Público Federal/PRM/ATM - Inquérito Civil Público n. 1.23.003.000197/2012-49 – cópia digital Doc. 04 - FUNAI - Projeto Volta Grande de Mineração – Proc.08620-019136/2012-40 - cópia digital Doc. 05 - FUNAI – Manifestações sobre o Projeto Volta Grande de Mineração - Ofício 162/2013/DPDS/FUNAI-MJ - Informação Técnica 11/CGIRC/2913 - Informação n. 57/COTRAM/CGLIC/2013 - Ofício 890/2012/DPDS/FUNAI-MJ - Ofício 891/2012/DPDS/FUNAI-MJ - Informação n. 449/CGLIC/2012 - Termo de Referência Definitivo Doc. 06 - Ministério Público Federal - Recomendação 001/2013/GAB1/PRM-ATM Doc. 07 - Ministério Público Federal - Recomendação 002/2013/GAB1/PRM-ATM Doc. 08 - Ministério Público Federal - Of.PRM/ATM/GAB 1/N.1383/2012 Doc. 09 – IBAMA - Of 02001.000304/2013-15-DLIC/IBAMA

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Doc. 10 - Ministério Público do Estado do Pará - Ofício 096/2013-MP/CAOMA Doc. 11 - Ministério Público Federal - Pareceres Técnicos Núcleo Pericial Laudo Técnico n.52/2012-4ªCCR/MPF Laudo Técnico n.02/2013-4ªCCR/MPF Laudo Técnico n.188/2013-4ªCCR/MPF Doc. 12 - Norte Energia S.A - Nota Técnica - CE-NE 041/2013 DFM Doc. 13 - Indígenas da aldeia Mïratu – TI Paquiçamba - Solicitação de Consulta Prévia – Doc. MPF/PRM-ATM 4387/2013 Doc. 14 - Instituto Socioambiental – - Representação doc. MPF/PRM-Altamira 63/2013 Doc. 15 - Ministério Público Federal - Relatório de Viagem – MPF-PA Doc. 16 - UHE Belo Monte - Norte Energia S.A - EIA/UHE Belo Monte, Volume 35, Tomo 2 – cópia digital Doc. 17 - UHE Belo Monte – FUNAI - Componente Indígena/Parecer Técnico n.21/CMAM/CGPIMA/FUNAI – cópia digital Doc. 18 - UHE Belo Monte - IBAMA - Licença Prévia da UHE Belo Monte 342/2010; Doc. 19 - UHE Belo Monte - IBAMA - Licença de Instalação da UHE Belo Monte 795/2011;

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