sessão solene de instalação do ano judiciário de 2009 - STF

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SESSÃO SOLENE DE INSTALAÇÃO DO ANO JUDICIÁRIO DE 2009 SESSÃO DE 2 DE FEVEREIRO DE 2009 BRASÍLIA – 2009 SUPREMO TRIBUNAL F...
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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

SESSÃO SOLENE DE INSTALAÇÃO DO ANO JUDICIÁRIO DE 2009 SESSÃO DE 2 DE FEVEREIRO DE 2009

BRASÍLIA – 2009

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Ministro GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002), Presidente Ministro Antonio CEZAR PELUSO (25-6-2003), Vice-Presidente Ministro José CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989) Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990) Ministra ELLEN GRACIE Northfleet (14-12-2000) Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO (25-6-2003) Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25-6-2003) Ministro EROS Roberto GRAU (30-6-2004) Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI (16-3-2006) Ministra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha (21-6-2006) Ministro Carlos Alberto MENEZES DIREITO (5-9-2007)

Diretoria-Geral Alcides Diniz da Silva Secretaria de Documentação Janeth Aparecida Dias de Melo Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência Leide Maria Soares Corrêa Cesar Seção de Padronização e Revisão Rochelle Quito Seção de Distribuição de Edições Maria Cristina Hilário da Silva Fotografias Gervásio Carlos Baptista, Gilmar Gomes Ferreira, Nelson Gontijo Resende Júnior e Ubirajara Dettmar Capa e Diagramação: Jorge Luis Villar Peres

Supremo Tribunal Federal — Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal

Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF). Sessão solene de instalação do Ano Judiciário de 2009 [recurso eletrônico] : (2-2-2009) / Supremo Tribunal Federal. – Brasília : Secretaria de Documentação, Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência, 2009. Modo de acesso: World Wide Web: 1. Poder judiciário, Brasil. 2. Tribunal supremo, Brasil. I. Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF), sessão solene. II. Título. CDD-341.419104

O Ministro de Estado da J u s t i ç a , Ta r s o G e n r o , Representante do Presidente da República, cumprimenta o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Mendes.

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Da esquerda para a direita: Doutor Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, Procurador-Geral da República; Excelentíssimo Senhor Ministro Tenente Brigadeiro do Ar Flávio de Oliveira Lencastre, Presidente do Superior Tribunal Militar; Excelentíssimo Senhor Ministro Tarso Genro, Representante do Excelentíssimo Senhor Presidente da República; Excelentíssimo Senhor Ministro Gilmar Mendes, Presidente do Supremo Tribunal Federal; Excelentíssimo Senhor Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente do Superior Tribunal de Justiça; e Excelentíssimo Senhor Ministro Rider Nogueira de Brito, Presidente do Tribunal Superior do Trabalho.

Plenário do Supremo Tribunal Federal.

O Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Mendes, ao término da sessão.

SUMÁRIO

Palavras do Excelentíssimo Senhor Ministro Gilmar Mendes, Presidente do Supremo Tribunal Federal ............................... 7

Discurso do Doutor Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, Procurador-Geral da República ........................................... 9

Mensagem do Excelentíssimo Senhor Deputado Arlindo Chinaglia, Presidente da Câmara dos Deputados ...................... 14

Mensagem do Excelentíssimo Senhor Senador Garibaldi Alves, Presidente do Senado Federal .............................................. 16

Discurso do Senhor Ministro de Estado da Justiça Tarso Genro, Representante do Excelentíssimo Senhor Presidente da República ............................................. 18

Discurso do Excelentíssimo Senhor Ministro Gilmar Mendes, Presidente do Supremo Tribunal Federal .............................. 22

Palavras do Excelentíssimo Senhor Ministro GILMAR MENDES, Presidente do Supremo Tribunal Federal

O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) — Senhoras e Senhores, esta Sessão Solene destina-se à instalação do Ano Judiciário de 2009. Compõem a Mesa o Excelentíssimo Senhor Ministro Tarso Genro, nesta cerimônia representando o Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva; Senhores Ministros da Corte, de hoje e sempre, dentre os quais o Senhor Ministro Carlos Ayres Britto, Presidente do Tribunal Superior Eleitoral; os Excelentíssimos Senhores Presidentes Ministro Cesar Asfor Rocha, do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Tenente Brigadeiro do Ar Flávio de Oliveira Lencastre, do Superior Tribunal Militar, Ministro Rider Nogueira de Brito, do Tribunal Superior do Trabalho, e o Excelentíssimo Senhor Doutor Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, Procurador-Geral da República. Convido os presentes a celebrarem o Hino Nacional. (Hino Nacional.)

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___________________________________________ Discurso do Doutor ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA, Procurador-Geral da República ___________________________________________

O Doutor Antonio Fernando Barros e Silva de Souza (Procurador-Geral da República) — Excelentíssimo Senhor Ministro Gilmar Mendes, Presidente do Supremo Tribunal Federal; Excelentíssimo Senhor Ministro Tarso Genro, neste momento representando o Excelentíssimo Senhor Presidente da República; Senhores Ministros; Excelentíssimos Senhores Presidentes do Superior Tribunal de Justiça, do Superior Tribunal Militar e do Tribunal Superior do Trabalho; Senhoras e Senhores. Este é sempre um momento especial. A solenidade de abertura do Ano Judiciário exterioriza e documenta, sempre com a participação dos demais Poderes da República, o compromisso fundamental de pleno respeito à independência e à harmonia entre os poderes que exercem frações do poder estatal. A democracia é o regime que viabiliza o pluralismo, na medida em que é um sistema político que “pressupõe o dissenso”, vale dizer, na compreensão de Bobbio1 “ela requer o consenso apenas sobre um único ponto: sobre as regras da competição”. E o Estado de Direito é aquele que estabelece, respeita e fiscaliza o cumprimento das regras, na medida em que nele operam de modo eficiente os mecanismos institucionais predispostos ao equacionamento e à solução de eventuais conflitos, inclusive os gerados no seio das instituições estatais ou entre estas. Não é demais lembrar que o mesmo Bobbio 2 destacava que “uma forma qualquer de dissenso é inevitável e que apenas onde o dissenso é livre para manifestar-se o consenso é real, e que apenas onde o consenso é real o sistema pode proclamar-se com justeza democrático”. Apenas para ficarmos dentro do marco temporal iniciado com a Constituição de 1988, não podemos deixar de reconhecer que a dinâmica da vida política e social no Brasil tem submetido, reiteradas vezes, as três faces do Poder Estatal: a executiva, a legislativa e a judiciária, a rigorosas provas de resistência, e as respostas das respectivas Instituições têm demonstrado a higidez do arcabouço constitucional. O Poder Judiciário, e especialmente essa Corte Suprema, tem papel fundamental para a garantia dos direitos e 1 In O Futuro da Democracia, p. 61. 2 Idem, p. 63 10

para a preservação do vigor institucional. Ao largo das disputas político-partidárias, mas ao mesmo tempo expectador privilegiado de tais disputas, cabe a esse Supremo Tribunal Federal o encargo constitucional de permitir que a liberdade do dissenso observe rigorosamente as regras do jogo, mesmo quando excepcionalmente possa integrar o dissenso. A jurisdição como expressão do poder político visa não só à realização da justiça em cada caso, mas também à implantação do clima social de justiça. Nessa perspectiva a função jurisdicional e a legislativa se juntam pela unidade fundamental de ambas: a paz social. Ainda que se afirme a existência de distinção funcional entre os dois planos do ordenamento jurídico3, é inevitável que se aceite que “o direito e o processo compõem um só sistema voltado à pacificação de conflitos”4. Considero oportuno consignar que a nossa Constituição, que completou 20 anos em 2008, diferentemente de todas as anteriores, tem conseguido dar estabilidade ao processo político brasileiro, exigindo e fomentando o desenvolvimento social e econômico, bem como a redução das desigualdades e da exclusão social. Seu compromisso com um sistema de direitos fundamentais avançado, fundados na co-primazia da autonomia privada e pública do ser humano, alia-se a uma intransigência com a imoralidade política e administrativa, com o arbítrio, a prepotência e a vontade irresoluta pelo poder total ou incontrastável. Sua engenharia de poderes não se retém ao artificialismo de uma tripartição defasada das necessidades de nosso tempo. Ao contrário, recolhe as releituras feitas aos estudos de Montesquieu e às suas adaptações práticas, de maneira a incluir um sistema mais eficiente de freios e contrapesos, associado à existência de órgãos dotados de autonomia administrativa, orçamentária, financeira e operacional, fora dos quadrantes hierárquicos dos três poderes, como funções de ouvidoria, controladoria e guarda constitucional, como é o caso do Ministério Público. A abertura do Ano Judiciário de 2009 e, em conseqüência, o reinício dos trabalhos desse Tribunal Supremo, acirra as expectativas e renova as esperanças quanto à definição, nesta 3 Para Cândido Rangel Dinamarco, teoria dualista, in A Instrumentalidade do Processo, p. 189. 4 Idem, p. 189. 11

instância derradeira, de questões de indiscutível relevância para a sociedade e para a vida institucional do Estado, cuja enumeração é irrelevante nesta oportunidade solene. Como Procurador-Geral da República desde 2005, reafirmo que tanto as atividades de fiscalização e controle da administração pública, como as de persecução contra aqueles que incidem nas regras que tipificam condutas penalmente reprováveis, devem ser exercitadas continuamente e com o máximo de abrangência. O exercício pleno e efetivo dessas atribuições, que é o desejo de toda a sociedade, pressupõe, inexoravelmente, que os membros das instituições respectivas possam indagar, inquirir, averiguar, pesquisar, procurar, vale dizer, investigar. Sem conhecer e esclarecer plenamente os fatos, não é possível fiscalizar, controlar, nem formar juízos seguros sobre eventuais condutas ilícitas. O dever de investigar está ontologicamente vinculado ao de fiscalizar e exercer a persecução penal. Não há dúvida que as posições exclusivistas e marcadamente corporativas militam contra a efetividade dos deveres de fiscalização e persecução estatais. Diante do tempo já decorrido desde que o tema foi pela primeira vez apresentado a essa Corte Suprema, espaço temporal capaz de permitir a realização de uma reflexão, serena e sem preconceitos, sobre as instituições a que se conferem atribuições de fiscalização e de persecução, creio que já se faz oportuno o momento para o deslinde da questão. Estou convencido, assim como a maioria absoluta dos membros do Ministério Público, de que a prática de determinados atos de natureza investigatória deve observar parâmetros objetivos. A fixação de balizas afigura-se essencial para que as atividades se desenvolvam com clareza e segurança e em estrito respeito a direitos e liberdades individuais. Atento a essa necessidade, o Conselho Superior do Ministério Público Federal e o Conselho Nacional do Ministério Público editaram as Resoluções 77, de setembro de 2004, e 13, de outubro de 2006, respectivamente, regulamentando a atividade de investigação e estabelecendo mecanismos de controle. As citadas Resoluções indicam como substrato de validade de sua edição dispositivos da Lei Complementar 75/93 (art. 8º), da Lei 8.625/93 (art. 26) e do Código de Processo Penal (art. 4º, parágrafo único). Têm-se aí atos regulamentares que disciplinam a tramitação do procedimento

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de investigação criminal pelo Ministério Público, uniformizando as regras sobre atividade inerente às atribuições da Instituição. Senhor Presidente, Senhores Ministros, o Ministério Público da União e os Ministérios Públicos dos Estados nutrem a expectativa de que esse Supremo Tribunal Federal, porque sempre procura conferir às normas constitucionais interpretação que lhes assegure o máximo de efetividade, decidirá a questão de modo a reconhecer a legitimidade da atuação do Ministério Público em atos de investigação criminal. Senhor Presidente, em nome do Ministério Público, cumprimento Vossa Excelência e todos os integrantes da Corte nesta abertura do ano judiciário, com a certeza de que a atividade desse Tribunal continuará sendo de extrema importância para a vida institucional do País.

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___________________________________________ Mensagem do Excelentíssimo Senhor Deputado ARLINDO CHINAGLIA, Presidente da Câmara dos Deputados ___________________________________________

Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal. Impossibilitada de comparecer à solenidade de abertura do Ano Judiciário de 2009, a Presidência da Câmara dos Deputados, em nome dos parlamentares integrantes desta Casa Legislativa, tem a satisfação de saudar todos os integrantes do Poder Judiciário. Nesta oportunidade, reafirmamos nosso apreço e compromisso de estreita colaboração com o Poder Judiciário, de forma a construirmos a cada dia um País melhor e mais justo. A ampliação do exercício da cidadania em nossa jovem democracia acarreta uma crescente e significativa expansão das demandas da sociedade junto à Justiça, o que certamente requer estágios, cada dia mais elevados, de eficiência na prestação jurisdicional. Neste mister, a Câmara dos Deputados estará sempre à disposição do Poder Judiciário para que, com grande esforço e comprometimento com a causa jurídica, possamos melhor servir à população.

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___________________________________________ Mensagem do Excelentíssimo Senhor Senador GARIBALDI ALVES, Presidente do Senado Federal ___________________________________________

Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro GILMAR MENDES. Compromissos constitucionais do Poder Legislativo impossibilitam o nosso comparecimento à sessão solene de inauguração do Ano Judiciário de 2009. Temos muitas razões para nos orgulhar de nosso Poder Judiciário, defensor intransigente da ordem constitucional e, conseqüentemente, garante do Estado Democrático de Direito. Temos assistido, todavia, a um processo de hipertrofia tanto por parte do Executivo, com o abuso das medidas provisórias, como pelo ativismo judicial que, não raro, promove substanciais alterações constitucionais e infraconstitucionais, desconsiderando as leis que refletem o pensamento majoritário da sociedade, expresso por seus representantes no Parlamento. O Poder Legislativo, nesse processo, fica limitado por sua própria natureza, de Poder mitigado pelo embate das forças vivas da sociedade que o constituem e que internamente se contrapõem. Nesse passo, natural que surjam algumas tensões, solucionadas pelos instrumentos constitucionais, o que revela a consolidação do nosso processo democrático. Na última sessão plenária de 2008, Vossa Excelência revelou que já são sentidos na Corte os efeitos positivos da Repercussão Geral e da Súmula Vinculante, institutos positivados pela atuação conjunta dos três Poderes da República e consubstanciados em atos legislativos. Nesse mesmo contexto, entrou em vigor no ano passado a lei dos recursos repetitivos, uma demanda do Superior Tribunal de Justiça, para a racionalização dos seus procedimentos. A modernização das leis processuais, na busca da celeridade da prestação jurisdicional, e o aprimoramento institucional ainda exigirão muito esforço e dedicação de todos nós, em estreita cooperação. Confiantes de que os Poderes Constituídos saberão enfrentar os enormes desafios que se impõem à nação, transmitimos ao Supremo Tribunal Federal e ao Poder Judiciário a permanente disposição do Legislativo ao diálogo, com vistas ao aprimoramento das instituições republicanas e democráticas.

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Discurso do Senhor TARSO GENRO, Ministro de Estado da Justiça, Representante do Excelentíssimo Senhor Presidente da República

O Senhor Ministro Tarso Genro (Ministro de Estado da Justiça, Representante do Excelentíssimo Senhor Presidente da República) — Excelentíssimo Senhor Ministro Gilmar Mendes, Presidente do egrégio Supremo Tribunal Federal, em quem o Ministério da Justiça tem tido estreito regime de colaboração e que vincula o nosso trabalho ao trabalho desta egrégia Corte; Senhores Ministros da Corte, de hoje e sempre, dentre os quais o Senhor Ministro Carlos Ayres Britto, Presidente do Tribunal Superior Eleitoral; Excelentíssimos Senhores Presidentes Ministro Cesar Asfor Rocha, do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Tenente Brigadeiro do Ar Flávio de Oliveira Lencastre, do Superior Tribunal Militar, e Ministro Rider Nogueira de Brito, Presidente do Tribunal Superior do Trabalho; Excelentíssimo Senhor Doutor Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, digno Procurador-Geral da República; Ministro José Antônio Dias Toffoli, digno AdvogadoGeral da União; Senhor Ministro Ubiratan Aguiar, Presidente do Tribunal de Contas da União; Doutor Eduardo Flores Vieira, Defensor Público-Geral da União; Doutor Raimundo Cezar Britto de Aragão, Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Doutora Estefânia Viveiros, Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Distrito Federal, nas pessoas de quem saúdo todos os advogados aqui presentes; Senhor Núncio Apostólico, Dom Lorenzo Baldisseri; Senhores Presidentes de Associações Nacionais de Magistrados e demais representantes de entidades de classe; Senhores Desembargadores; Juízes e demais autoridades que prestigiam este ato. Passo a ler, como Representante do Presidente da República, Senhor Presidente, a mensagem do Presidente Lula, por ocasião da Abertura do Ano Judiciário. “A abertura do Ano Judiciário de 2009 é uma grande oportunidade para que todos relembremos o amadurecimento da democracia no Brasil. E, sobretudo, para que renovemos o nosso compromisso de trabalhar pela construção de uma sociedade cada vez mais justa, igualitária e com oportunidades para todos. Vivemos, felizmente, uma época marcada pela solidez de nossas instituições democráticas. As duas décadas de existência de nossa Constituição Federal de 1988, comemoradas há poucos meses,

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combinam com aquele que é talvez o maior período de normalidade institucional em nosso país. Esta normalidade só é possível graças à harmonia e à independência que marcam as relações entre os três Poderes da República: Executivo, Legislativo e Judiciário. E fornece aos brasileiros o ambiente oportuno para o exercício de sua cidadania e para a luta em defesa de seus direitos. Neste sentido, é muito importante destacar os esforços que o Judiciário vem empreendendo no sentido de se tornar cada vez mais ágil e eficiente – e, sobretudo, ainda mais próximo das comunidades e mais acessível a todos os cidadãos. Trata-se de um grande esforço conjunto, que teve início na aprovação da Emenda Constitucional 45, reforçado em dezembro 2004, com a assinatura do Pacto de Estado em Favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano. Tal documento – assinado por mim e pelos presidentes do Judiciário e do Legislativo – serviu de guia para uma série de iniciativas efetuadas deste então. Em um espaço de quatro anos, os esforços simbolizados pelo Pacto resultaram, por exemplo, na aprovação de dezoito Projetos de Lei, regulamentadores das diretrizes da Emenda Constitucional da Reforma do Judiciário. E possibilitaram a criação dos Conselhos Nacionais da Justiça e do Ministério Público, além de vários outros avanços com um profundo caráter republicano e democratizante. A grande verdade é que, com o Pacto firmado em 2004, os Poderes da República fortaleceram sua união em torno do bem comum da população brasileira, sem que com isso perdessem sua independência. E é exatamente por tal motivo que estamos todos novamente empenhados em prosseguir nesse diálogo. Estou certo de que nossos esforços conjuntos na realização de um Segundo Pacto resul-

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tarão em grandes conquistas para toda a população brasileira. Por isso, louvo o grande empenho do Supremo Tribunal Federal, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Ministério da Justiça, por meio da Secretaria de Reforma do Judiciário, que, juntos, estão conduzindo um diálogo produtivo e respeitoso com o objetivo de elaborar o novo documento. O Segundo Pacto definirá os principais projetos de lei a serem priorizados para continuarmos aperfeiçoando o sistema normativo brasileiro e dotando a Justiça de mais agilidade e efetividade. Também dará destaque à cooperação em políticas públicas voltadas à concretização dos direitos fundamentais e ao aprimoramento dos serviços prestados à sociedade. Quero, portanto, desejar a todas as senhoras e a todos os senhores um bom e produtivo ano de trabalho. E quero, especialmente, compartilhar com todos a certeza de que juntos poderemos continuar avançando, para que todos os brasileiros e brasileiras possam exercer de maneira cada vez mais efetiva o direito fundamental do acesso à Justiça. Muito obrigado.”

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Discurso do Excelentíssimo Senhor Ministro GILMAR MENDES, Presidente do Supremo Tribunal Federal

O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) — Excelentíssimo Senhor Ministro Tarso Genro, na condição de Representante do Presidente da República; Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal, de hoje e de sempre; Procurador-Geral da República, Doutor Antonio Fernando Barros e Silva de Souza; Senhores Presidentes e Ministros dos Tribunais Superiores; Senhor Núncio Apostólico; Senhor Ministro José Antônio Dias Toffoli, Advogado-Geral da União; Senhores Conselheiros do Conselho Nacional de Justiça; Senhor Presidente do Tribunal de Contas da União; Senhor Defensor Público-Geral da União; Doutor Cezar Britto, Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Doutora Estefânia Viveiros, Presidente da Ordem dos Advgados do Brasil, Seccional do Distrito Federal; Senhores Presidentes dos Tribunais de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Eleitorais, dos Tribunais do Trabalho; Senhores Presidentes de Associações; Senhores Desembargadores, Juízes, autoridades presentes, Senhores servidores do Judiciário, Senhoras e Senhores. É com imensa satisfação que lhes dou as boasvindas nesta sessão solene de abertura de um ano judiciário que, espero, seja tão ou mais promissor para a Justiça brasileira quanto o foi o ano de 2008. E não estou a me referir somente à expressiva redução no número de processos resultante de medidas de racionalização processual e de filtros recursais que finalmente permitiram solucionar o antigo desafio dos recursos idênticos e mecanicamente protocolados, dessa forma abrindo espaço para que a Corte pudesse se concentrar no debate de assuntos mais variados e de maior impacto social. De fato, pela primeira vez o Supremo experimentou significativa diminuição, cerca de 41% no total de processos distribuídos, obtida principalmente com a aplicação do instituto da Repercussão Geral. Entretanto, celebro mais a oportunidade que tivemos de apreciar alguns dos mais relevantes temas constitucionais, cujas decisões, extrapolando o interesse individual das partes envolvidas, repercutiram de modo decisivo no cenário socioeconômico e político do País e, assim, no cotidiano da população. Alguns há que desviaram os olhos do mundo para o Brasil, a exemplo da controvérsia acerca da realização de pesquisas científicas com células embrionárias humanas e do início do debate sobre a demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol. 23

Vale lembrar também, entre outros julgamentos de grande destaque, os relativos à fidelidade partidária, à proibição do nepotismo no âmbito de toda a administração pública nacional, à edição de medidas provisórias sobre créditos extraordinários, à constitucionalidade da especialização das varas, ao piso salarial de professores, à limitação do uso de algemas. Algumas dessas decisões resultaram na edição de súmulas vinculantes. Das 13 hoje existentes, 10 foram elaboradas em 2008. Casos houve em que, mediante a realização de audiências públicas e com a participação da figura do amicus curiae, a Corte se transformou num amplo foro de argumentação e reflexão do qual participaram segmentos os mais diversos da sociedade brasileira, da igreja à comunidade científica. Nesse ponto, é de registrar que até pouco tempo atrás seria verdadeiramente inimaginável tão abrangente pluralidade de sujeitos, argumentos e visões no âmbito da Corte. O certo é que, aperfeiçoados os mecanismos de abertura do processo constitucional, e aqui rendo uma homenagem ao meu Professor Peter Häberle, a Corte não só tem garantido os elementos técnicos disponíveis para apreciação, como também vem ensejando amplas possibilidades de participação de terceiros interessados. De tudo resulta que o desate do nó górdio que aprisionava a Corte na esdrúxula tarefa de apreciar recursos inviáveis ou improcedentes importou não só maior qualidade nas decisões proferidas, como também mais dinamismo e aproximação da sociedade, com evidente ganho nas relações de cidadania e do fortalecimento do Estado Democrático de Direito. Ademais, a eliminação dos gargalos que cerceavam o fluxo processual produziu efeitos em cascata em todo o Poder Judiciário, tanto no tocante ao sobrestamento na tramitação de causas idênticas, quanto no que concerne à pacificação definitiva de temas controversos, a implicar a solução de múltiplas demandas – às vezes, alcançando a casa dos milhões –, além de possibilitar a aplicação mais isonômica do texto constitucional. Nada obstante todo esse hercúleo esforço para racionalizar e otimizar as atividades judicantes, um desafio maior se impõe à sociedade brasileira como um todo: é preciso acabar

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com a velha mentalidade de que, no Brasil, o reconhecimento e a concretização de direitos só se dá por meio judicial. A judicialização pura e simples, por excessiva, além de se afigurar como uma das causas da morosidade processual, acaba desaguando no conhecido círculo vicioso em que mais processos demandam mais juízes, mais cargos, maior infraestrutura e, assim, infindáveis recursos a fim de manter, sempre em exponencial inchaço, a máquina administrativa necessária para fazer frente a atividade que deveria ser meio de pacificação social, nunca um fim em si mesma. Segundo dados do CNJ, no ano de 2007, tramitaram no Poder Judiciário brasileiro cerca de 68 milhões de processos, o que representava mais de uma demanda para cada 2,5 habitantes. Considerando que o acesso à justiça ainda é um problema para grande parte da população brasileira, se não houver uma revisão da “práxis judicializante”, em breve não haverá estrutura possível para a prestação jurisdicional que se exige no País. Ressalte-se que esta forte demanda não pode desestimular as ações para tornar o Poder Judiciário mais aberto e acessível. Nesse sentido, a cooperação do Judiciário com as defensorias públicas, com a OAB e instituições voluntárias para expandir a assistência judiciária deve ser aprofundada com maior afinco, dados os excelentes frutos percebidos nestas iniciativas. Daí a importância de firmar-se uma das diretrizes da atual política judiciária: estimular a solução de conflitos mediante conciliação de interesses, viabilizar meios de extensão da normatização de direitos, de maneira a alcançar a concretização de mais direitos com menor judicialização, até porque interessa ao próprio Estado brasileiro mais proatividade de seus órgãos em busca dessa universalização de direitos sem que seja necessária a intervenção judicial tópica. A boa notícia é que, ainda que com certa timidez, tem-se notado certa convergência de propósitos nesse sentido, a exemplo do acordo de cooperação técnica, subscrito pelo Conselho Nacional de Justiça, pelo Conselho da Justiça Federal, pela Advocacia-Geral da União e pelo Ministério da Previdência Social, que possibilitou a solução de mais de cem mil processos mediante a realização de mutirões. Além dessas composições amplas, chamam 25

atenção os casos de regulação espontânea de órgãos estatais que autorizam seus agentes a desistirem ou não recorrerem diante da pacificação de entendimento sobre a matéria discutida. Semelhantes iniciativas devem ser aplaudidas e estimuladas, pois revelam uma inflexão na tradicional, contraditória e improdutiva cultura de recorrer ao Judiciário como forma de ganhar tempo e protelar gastos. Num século em que a Ética parece se impor como necessário norte, já não se pode admitir nenhum tipo de abuso, sobretudo quando patrocinado por agentes do próprio Estado. O diálogo institucional entre órgãos inclusive de diferentes esferas de poder restou aprofundado em 2008, no afã de viabilizar soluções pragmáticas para problemas que infelizmente se perpetuam por décadas, como vem a ser o desrespeito de direitos humanos e garantias fundamentais, amiúde flagrado, por exemplo, no interior dos presídios brasileiros. Assim aconteceu quando da realização dos mutirões carcerários que tão bons resultados produziram nos Estados do Maranhão, Piauí, Pará e Rio de Janeiro. Esse esforço garantiu a liberdade, ainda que com condições em alguns casos, de 1.694 pessoas, o que equivale a 4,8 presídios de médio porte. Em 2009, tais procedimentos haverão de se multiplicar, sinalizando para um caminho que, definitivamente, não terá volta: o da modernização do Poder Judiciário, cujo efeito mais benéfico, além da celeridade processual, é a transparência e, portanto, o controle mais eficiente. Nessa perspectiva, encontro motivos para fundado otimismo, a exemplo da implantação das varas virtuais de execuções penais, que, permitindo o acompanhamento on line de tais feitos, viabilizarão mais efetividade às leis que regem as execuções penais, ao tempo em que, evitando ou corrigindo irregularidades, ensejarão o planejamento eficaz de recursos destinados à manutenção e ao aperfeiçoamento do sistema carcerário do País. Nesse sentido, deve ser enfatizada a iniciativa do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe que desenvolveu sistema para informatização de tais varas. Esse sistema já foi significativamente melhorado com a colaboração de outros Tribunais estaduais como o da Paraíba e do Pará sob os auspícios do Conselho Nacional 26

de Justiça, demonstrando excelentes frutos na cooperação de diferentes órgãos do Poder Judiciário. Também os Estados do Piauí e Maranhão em breve instalarão varas informatizadas de execução penal. Não tarda o dia em que, com todas as varas de execuções penais informatizadas, mostrar-se-á extravagante a permanência de um presidiário no cárcere por um único dia além do devido para o cumprimento legal da pena a si cominada. Esta informatização deve ser estendida também para os inquéritos e ações penais, não só como forma de garantir a prevalência dos direitos fundamentais, como também para evitar a impunidade e a morosidade dos processos criminais. A essa modernização e eficiência aspira toda a Justiça brasileira, como restou demonstrado no Encontro Nacional do Judiciário, marco no alinhamento de metas norteadoras da política judiciária. Do evento resultou a Carta do Judiciário, documento em que foi registrado o compromisso dos signatários com a execução compartilhada de ações voltadas ao aperfeiçoamento e à efetividade da prestação jurisdicional. Chegou-se, afinal, à convergência de propósitos, à orquestração de procedimentos e métodos, de cuja falta há muito se cobrava do Judiciário pátrio. Os ventos da renovação também alcançaram a política de comunicação social e institucional desta Corte, objetivando ampliar a produção de conteúdos informativos sobre as atividades do Judiciário, a serem repassados à sociedade. Ainda que o corte na dotação orçamentária destinada à Rádio e TV Justiça tenha sido expressivo, o aumento no número de horas de jornalismo da Rádio Justiça foi de 1000% – de uma para 11 horas diárias. Na TV Justiça, deu-se prioridade, na grade de programação, ao meio mais democrático de educação de massa – a educação a distância –, para a qual foi destinada uma faixa diária de quatro horas de duração, em que veiculados programas de grande repercussão, como o Saber Direito e Defenda sua Tese. Ao todo, a TV Justiça produziu 495 programas, 117 interprogramas, além de dois vídeos institucionais. Avançamos também no campo do diálogo internacional, na medida em que o Brasil mais e mais se firma como protagonista na esfera da cooperação judiciária internacional. Nesse mister, vale citar o pleito para compor a Comissão de Veneza como membro efetivo, a criação da Conferência das Cortes Constitucionais da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e 27

da Conferência Índia, Brasil e África do Sul (IBAS), além da ativa participação na Conferência Ibero-Americana de Justiça Constitucional e na realização do VI Fórum de Presidentes de Cortes Supremas do Mercosul. Todo esse empenho em ampliar a troca de experiências com outras nações sobre os valores constitucionais diz com o fortalecimento das instituições democráticas, nomeadamente no que tange à proteção dos direitos humanos. Sob esse prisma, no âmbito da cooperação entre órgãos de jurisdição constitucional, o Brasil tem muito a oferecer e talvez a ensinar. Neste primeiro semestre, receberemos magistrados provenientes de países integrantes e associados do Mercosul, que passarão um mês conhecendo a estrutura e o funcionamento do Poder Judiciário brasileiro. Além disso, o STF tem estimulado o intercâmbio de estudantes e acadêmicos no âmbito do Mercosul, com a finalidade de estreitar ainda mais os laços com estes países. Por outro lado, não se pode olvidar que os direitos fundamentais de caráter processual e as garantias jurisdicionais para a proteção da ordem constitucional têm merecido tratamento ímpar por parte do Supremo Tribunal Federal, a ponto de formar, nesse aspecto, um dos sistemas constitucionais mais completos do mundo. A um só tempo, ao exigir o respeito às garantias do devido processo legal e das liberdades em geral, o Supremo tem defendido, intransigentemente, a consolidação do Estado Constitucional pátrio. Algumas decisões tiveram importante significado na efetivação dessas garantias, como a vedação ao uso abusivo de algemas. Não se pode deixar de registrar tampouco os esforços do Poder Judiciário como um todo, no último ano, de zelar por essas garantias, como demonstra a drástica redução das interceptações telefônicas verificada pelo Conselho Nacional de Justiça. Repita-se que o cumprimento da difícil tarefa de assegurar que os direitos e garantias declarados no texto constitucional tornem-se realidade efetiva para toda a população brasileira não importa interferência negativa nas atividades do legislador democrático. A Corte tem a real dimensão de que não lhe cabe substituir-se ao legislador, muito menos restringir o exercício da atividade política, de essencial importância no Estado Constitucional. 28

Legislador democrático e jurisdição constitucional têm papéis igualmente relevantes nos Estados constitucionais contemporâneos, sendo a interpretação e a aplicação da Constituição tarefas cometidas a todos os Poderes, assim como a toda a sociedade. No Brasil, os Poderes da República encontram-se preparados e maduros para o diálogo político inteligente e suprapartidário. Todos os Poderes estão conscientes de seu dever de dar efetividade à Constituição, inclusive de aplicar os instrumentos que a própria Carta Magna previu para solucionar as omissões inconstitucionais, que obstam o pleno cumprimento de normas fundamentais. No mais é continuar trabalhando firmemente pela melhoria dos padrões de funcionamento da Justiça brasileira, que se quer sempre mais ágil, transparente, acessível e eficiente. Por derradeiro, faço registro de grande significação simbólica para esta Casa, a servir de sinalização para os demais órgãos judicantes e, por conseqüência, a toda a sociedade brasileira. A partir desse mês, o Supremo passa a contar com a atuação de novos especiais colaboradores. São quarenta pessoas sentenciadas, egressas de prisões, que trabalharão de seis a oito horas por dia, dando suporte administrativo ao Tribunal, por até um ano. Em processo de ressocialização, merecem todo o nosso apoio para que, bem adaptados às suas funções, desempenhem dignamente as tarefas que lhes forem designadas e retornem com sucesso ao convívio social. diciário de 2009.

Com estas palavras, declaro instalado o Ano JuMuito obrigado a todos.

Cumprida a sua finalidade, declaro encerrada esta Sessão Solene e peço a todos que permaneçam em seus lugares até a retirada da Corte e das demais autoridades que compõem a Mesa.

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Haverá, em seguida, breve confraternização no Salão Branco, com entrada pela porta à minha esquerda. Está encerrada a sessão.

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