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1 Nona Câmara Cível Apelação Cível nº 0029455-55.2010.8.19.0066 Desembargador GILBERTO DUTRA MOREIRA Apelação Cível. Indenizatória. Vítima de golpe que utiliza o cheque recebido do estelionatário para adquirir automóvel usado de empresa de um amigo que, em face da confiança decorrente da relação de amizade, entregou o veículo antes da compensação. Inexistência de relação de consumo. Venda que não se consumou. Automóvel entregue sem o efetivo pagamento, com base em confiança pessoal. Ausência de fundos. Autores que, no ínterim, viajaram para local sem sinal telefônico, por 17 dias. Empresa apelante que comunicou a ocorrência à autoridade policial. Direito da empresa em buscar auxílio da autoridade policial com o objetivo de resguardar o patrimônio que continuava sendo seu e se encontrava na posse dos autores. Precedente do Colendo Superior Tribunal de Justiça. Primeiro autor encaminhado à delegacia para averiguações sem qualquer conseqüência posterior. Esclarecimentos que se faziam necessários em face de o ato do autor ter estendido ao réu os efeitos da ação do estelionatário. Condução à delegacia. Procedimento corriqueiro que não basta para causar danos à personalidade de qualquer pessoa. Danos morais não configurados. Comprador que, sem qualquer cuidado, repassou a terceiro cheque sem fundos que recebera de estelionatário, retirou o bem antecipadamente e se ausentou por longo período sem possibilidade de comunicação com a empresa, provocando o registro da ocorrência. Provimento do recurso, para julgar improcedente o pedido, invertidos os ônus sucumbenciais. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0029455-55.2010.8.19.0066, em que é apelante Sueth Automóveis Ltda, e apelados Ilson Paulo Herdy, Desedina Alves Herdy, Cristiane Alves Herdy e Gabriel Herdy de Moraes.
GILBERTO DUTRA MOREIRA:000006771
Assinado em 03/05/2016 18:27:50 Local: GAB. DES GILBERTO DUTRA MOREIRA
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2 Nona Câmara Cível Apelação Cível nº 0029455-55.2010.8.19.0066 Desembargador GILBERTO DUTRA MOREIRA ACORDAM os Desembargadores da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso. Trata-se de ação indenizatória ajuizada pelos Apelados em face da Apelante, alegando que, em 14/01/09, adquiriu um veículo junto à ré, ofertando como pagamento cheque de terceiro recebido em pagamento de alienação de imóvel; que a ré aquiesceu com a retirada do veículo e em diligenciar a regularização da documentação e do seguro, entregando-lhes os documentos quatro dias após, permitindo que o autor e sua família partissem em viagem de férias para local sem sinal telefônico; que, alguns dias depois, em ato calunioso, efetuou falsa comunicação de crime, sob o argumento de que o autor teria retirado o veículo apenas para um test drive, gerando a busca e apreensão do bem com a abordagem de policiais que deu voz de prisão ao primeiro autor, com forte armamento, e o algemaram, conduzindo-o para a delegacia com seus familiares, ora coautores, situação vexatória e humilhante que foi noticiada no jornal da cidade, que o autor e sua família foram vítimas de estelionatário; que a ré ficou de posse do cheque durante vinte dias e efetuou falsa comunicação de delito, pretendem a inversão do ônus da prova e indenização por danos morais. Contestando o feito (fls. 99/112), a ré invocou preliminar de ilegitimidade ad causam no pólo ativo com relação aos três últimos autores e, no mérito, aduziu que o negócio só estaria concluído com o pagamento e que o autor só receberia o veículo e os documentos após a compensação do cheque do terceiro, tendo entregue o automóvel com base na confiança que nele possuía; que o cheque não possuía fundos, tendo sido emitido por fraudador; que não encontrou o autor, motivo porque comunicou os fatos à Polícia Militar que reteve o veículo e os autores para “averiguação”, sendo liberados ato contínuo; que ofertou veículo para levar os autores para sua residência; que não ocorreu qualquer comunicação caluniosa, não tendo atribuído crime, mas apenas comunicado o ato praticado por terceiro fraudador; que os autores se sentiram ofendidos com a abordagem dos policiais, que deve ser aplicada a exclusão de responsabilidade prevista no art. 14, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor; que não há dever de indenizar por falta de prova de ilícito ou falha na prestação dos serviços; que a lide é temerária e há litigância de má-fé.
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3 Nona Câmara Cível Apelação Cível nº 0029455-55.2010.8.19.0066 Desembargador GILBERTO DUTRA MOREIRA Na decisão de fls. 146, a preliminar foi rejeitada. O Ministério público, em defesa do co-autor menor, às fls. 169/171, opinou pela procedência parcial do pedido. Na sentença de fls. 172/173, o douto Juízo a quo julgou procedente em parte o pedido, condenando a ré a indenizar os danos morais do 1º autor em R$ 8.000,00 (oito mil reais) e em R$ 2.000,00 (dois mil reais) para cada um dos demais, totalizando a indenização a quantia de R$ 14.000,00 (quatorze mil reais), impondo à ré os ônus sucumbenciais, arbitrados os honorários em 10% sobre o valor da condenação. Os embargos de declaração de fls. 174/179 foram rejeitados pela decisão de fls. 182. A ré apelou, às fls. 189/200, requerendo a reforma da sentença, insistindo nos argumentos de sua peça de defesa, acrescentando que não ocorreu o recolhimento das despesas judiciais, como determinado na impugnação à gratuidade em apenso, sustentando que há caso fortuito, insistindo não haver nexo de causalidade que legitime a condenação. Em contra-razões, os apelados prestigiaram o julgado (fls. 207/209). No despacho de fls. 245/246 foi determinada a retificação da autuação em razão da maioridade do 4º apelado e o recolhimento da integralidade das custas e taxa judiciária, em cumprimento ao incidente de impugnação à gratuidade em apenso, o que foi devidamente cumprido conforme fls. 270 e 285. É o relatório. Com efeito, o primeiro autor foi vítima de golpe por estelionatário e utilizou o cheque dele recebido para adquirir automóvel usado da empresa-apelante, de propriedade de um amigo que, em face da confiança decorrente da relação de amizade, entregou o veículo antes da compensação da referida cártula. Em seguida, partiu em viagem com a família, para local onde, segundo ele, não havia sinal telefônico, se ausentando por 17 dias. Ocorre o cheque não possuía fundos e a empresa-ré, ora apelante, comunicou a ocorrência à autoridade policial o que, segundo os autores, seria motivo de danos morais que pretendem sejam indenizados.
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4 Nona Câmara Cível Apelação Cível nº 0029455-55.2010.8.19.0066 Desembargador GILBERTO DUTRA MOREIRA Assim, verifica-se que a situação, embora tenha envolvido uma intenção de compra, não se configura como relação de consumo, já que a venda não se consumou, tendo sido o automóvel entregue sem o efetivo pagamento, antecipadamente, com base em confiança decorrente da amizade então existente entre o autor e o representante legal da ré. Quanto à condução à delegacia para averiguações, por serem imperiosamente necessários os esclarecimentos em face de o ato do primeiro autor ter estendido ao réu os efeitos da ação do estelionatário e da eventual possibilidade de estarem autor e estelionatário agindo em conjunto, trata-se de procedimento corriqueiro que não basta para causar danos à personalidade de qualquer cidadão, sendo claro que o registro da ocorrência não motivou qualquer conseqüência posterior, retornando o automóvel às mãos da empresa. De fato, não se vislumbra qualquer má-fé ou abuso no proceder da empresa, que buscou apenas resguardar o patrimônio que continuava sendo seu e se encontrava na posse dos autores. Neste sentido já decidiu o Colendo Superior Tribunal de Justiça: INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. DENÚNCIA. POLÍCIA. Trata-se de indenização por dano moral causado por culpa in eligendo e in vigilando do empregador (recorrente) em relação a atos praticados por seus empregados os quais imputaram à autora, ora recorrida, suposta prática de ato criminoso (furto). (...) culminou na investigação da Polícia Civil. (...) em princípio, não responde por danos morais aquele que reporta à autoridade policial atitude suspeita ou prática criminosa, porquanto esse ato constitui exercício regular de um direito do cidadão, ainda que fique provada a inocência do acusado. Isso porque, só pode configurarse o ilícito civil indenizável quando o denunciante age com dolo ou culpa e seu ato foi relevante para a produção do resultado lesivo. (...) REsp 1.040.096-PR, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4ª Turma - julgado em 8/2/2011.
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5 Nona Câmara Cível Apelação Cível nº 0029455-55.2010.8.19.0066 Desembargador GILBERTO DUTRA MOREIRA Pelo contrário, a atuação do primeiro-autor que, sem qualquer cuidado, repassou a terceiro cheque sem fundos que recebera de estelionatário, retirou o bem antecipadamente e se ausentou por longo período sem se comunicar com a empresa, é que provocou o registro da ocorrência. Por tais motivos, não há que se falar em danos morais, tendo sido o autor vítima de sua própria falta de cuidado no trato comercial. Também não há que se falar no ressarcimento de quaisquer valores despendidos com reparos no automóvel, posto que os autores dele fizeram uso durante vários dias sem qualquer pagamento. Por tais fundamentos, dá-se provimento ao recurso, para julgar improcedente o pedido, invertidos os ônus sucumbenciais. Rio de Janeiro, 03 de maio de 2016.
GILBERTO DUTRA MOREIRA Desembargador Relator