Vida e obra de Cheikh Anta Diop: o homem que revolucionou o pensamento africano Diallo, Alfa O um ar'Diallo, Cíntia Santos2 Introdução

Cheikh Anta Diop nasceu em 1923 num vilarejo senegalês cham ado Caytou. N a época, a África estava sob dominação co­ lonial européia, depois do perío­ do do tráfico negreiro que se ini­ ciou no século XVI. A violência da qual a África foi alvo não foi exclusivamente de natu reza mi­ litar, política e econômica. Mas teóricos (Voltaire, Hume, Hegel, Gobineau, Lévy Bruhl, etc.) e ins­ tituições européias (o Instituto de Etnologia da França, criado em 1925 por L. Lévy Bruhl, por exemplo) se empenham p ara ju s­ tificar estes atos abomináveis le­ gitimando, no plano moral e filo­ sófico, a inferioridade intelectu­ al do negro. A visão de um a Áfri­ ca sem história, cujos habitantes, os negros, nunca foram respon­ sáveis, por definição, por um único fato de civilização, impõese agora nos escritos e se fixa nas mentes. O Egito é, assim, arb i­ trariam ente, ligado ao Oriente e

ao mundo m editerrâneo geográ­ fica, antropológica e c u ltu r a l­ mente. E neste contexto singular­ mente hostil e obscurantista que Cheikh A nta Diop foi induzido a questionar, através de um a in ­ vestigação científica, metodoló­ gica, os fundam entos da cultura ocidental em relação à gênese da hum anidade e da civilização. O renascim ento da África, que im ­ plica a restauração da consciên­ cia h i s t ó r i c a , a p a r e c e p a r a Cheikh A nta Diop como um a t a ­ refa inevitável à qual ele consa­ g rará toda a sua vida.

I - O s p rim eiros p a s s o s do C h eik h A nta D iop

O jo v e m C h e ik h A n ta Diop “corre o risco, pela má dis­ posição do seu professor, o S e­ nhor Boyaud, de repetir pela te r­ ceira vez o último ano do prim ei­ ro grau, o que m o tiv a ria sem

sombra de dúvida a sua exclusão do liceu. O Senhor Boyaud é um professor sin gu lar, sendo que tive a oportunidade, desde seus p rim eiro s passo s no liceu, de constatar sua hostilidade à nos­ sa raça, às autoridades. Suas te ­ orias sobre a raça, que fazem dele um discípulo de Gobineau, são das m ais pern iciosas e fazem com que aum ente o abismo e n ­ tre o negro e o branco cada dia

U..”3 E sta carta, redigida em agosto de 1941 por um dos re s ­ ponsáveis pela adm inistração do liceu Van Vollenhoven de Dakar, foi endereçada p a ra o inspetor geral do ensino na África Ociden­ tal Francesa (AOF). O Senegal não existia ainda, e o clima que reinava no meio do ensino, assim como na pesquisa universitária, estava fortem ente im buído de c o lo n ia lism o e de r a c is m o antinegro. Cheikh A nta Diop vai peg ar o contrapé teórico deste meio soli­ damente estabelecido n a univer­ sidade francesa. Prim eiro pela apresentação da su a tese, que será recusada, depois pela publi­ cação do seu livro Nações negras e cultura, em 1954. O livro soa como um trovão no céu tranqüilo do “estabelecimen­ to” intelectual: o autor faz aí a

demonstração de que a civiliza­ ção do Egito antigo era negroafricana , justificando os objeti­ vos da sua pesquisa nestes termos^

A explicação da origem de um a civilização afri­ cana se to rn a lógica e aceitável, séria, objetiva e científica, somente se a gente chegasse, por q u a l q u e r via, a e ste branco místico em re la ­ ção ao qual não temos a menor preocupação em justificar a sua chegada e instalação nessas regi­ ões. Entendem os, sem dificuldade, como os s á ­ bios deviam ser condu­ zidos no seu raciocínio, nas suas deduções, lógi­ cas e dialéticas, à noção de “brancos de pele n e ­ g ra ”, muito expandida no meio dos especialis­ tas da Europa. Tais sis­ temas são evidentemen­ te sem futuro, pois lhes faltam um a base real. Eles se explicam somen­ te pela paixão dos seus autores, a qual aparece sob as aparências de ob­ jetividade e de serenida­ de.4

Se a o b ra incom oda os guardiões do templo, isto acon­ tece não somente porque Chiekh A n ta Diop p ro p ô s uma “descolonização” da história afri­ cana, mas também porque o li­ vro cria uma “História” africana e se coloca n a s fr o n te ir a s do engajamento político, a n a lisa n ­ do a identificação das grandes correntes migratórias e a forma­ ção das etnias! a delimitação da área cultural do mundo negro, que se estende até a Ásia Ociden­ tal, no Vale do Indus; a demons­ tração da aptidão das línguas africanas para suportarem o pen­ samento científico e filosófico, e fazendo, pela p rim e ira vez, a tra n sc riç ã o afric a n a n ão etnográfica destas línguas... Quando da sua pu b lica­ ção, o livro pareceu tão revoluci­ onário que poucos intelectu ais africanos tiveram a coragem de aderirem à causa. Somente Aimé Césaire se entusiasmou, no seu discurso sobre o colonialismo, evocando “o livro mais audacio­ so que um negro jam ais escre­ veu”5. Precisou-se tam bém espe­ ra r 20 anos p a ra que um a g ra n ­ de parte das suas teorias fosse reconhecida, durante o colóquio internacional do Cairo de 1974, organizado pela UNESCO, re u ­ n in d o os m a is e m i n e n t e s egiptólogos do mundo inteiro6.

Precisou-se esperar mais de 20 outros anos p a ra que sua obra fosse levada em consideração, isso após a sua morte. Algumas idéias de Cheikh A nta Diop, p rin ­ cipalm ente a historicidade das sociedades africanas, a anterio­ ridade da África e a africanidade do Egito, não são mais discuti­ das7. II - O e m b a te a c a d ê m ic o

Em um a época em que jo­ vens intelectuais africanos, de­ cepcionados com o conceito de negritude, buscavam um a ideo­ logia negra e m ilitante de subs­ tituição, p a ra Cheikh A nta Diop, uma das c o n d iç õ e s da federalização do continente p a s ­ sava pela consciência. R enovan­ do a história, um a consciência histórica p a ra os africanos, ele desejava sobretudo restabelecer su a dignidade. Quem poderia então acusá-lo de um a tal inicia­ tiva, assim como as ideologias que ele combatia? Ao lado do “e n ten dim en­ to cordial”, a controvérsia gira­ va em torno de três pontos im ­ portantes: Cheikh A nta Diop era acusado p elo s e u egito centrismo, im portância a trib u í­ da à noção de raça e a grande influência do seu combate p o lítr

co sobre suas teorias científicas. Sua obra ficaria im pregnada de ideologia. E preciso relem brar, como fez o Senhor Aboubacary Moussa Lam, professor da Facul­ dade de Letras e Ciências H u m a­ nas da Universidade de Dakar, que “Cheikh A nta não escolheu seu terreno de combate; ele so­ mente respondeu aos debates da sua época”. Mesmo não conseguindo contestar as idéias do intelectu­ al sobre a origem africana da h u ­ manidade, o professor e sociólo­ go P a th é D iag ne não “divide mais seu egito‘centrismo. Com este recuo, é como se o professor sociólogo não tivesse se e n g a n a ­ do sobre o Egito, mas vislumbrase que ele tinha estudado somen­ te o Egito”. Um ponto de vista c o m p a r t i l h a d o pelo S e n h o r Amady Aly Dieng, professor e a n ­ tigo c o m p a n h e iro de C h e ik h Anta Diop, é o segu inte: “Como Senghor, e talvez aí esteja o ú n i­ co ponto de convergência, ele con­ tinua m editerrâneo-centrista na sua análise da história africana. O professor P athé Diagne coloca a Grécia no centro enquanto que o professor Amady Aly Dieng cen­ traliza sobre o Egito. E se ele não desenvolve u m a visão t r a n s a ­ tlântica. é para valorizar a cul­ tu ra negra. E por isso que ele si­ lencia sobre o tráfico negreiro.”

Uma crítica que se encon­ tra em Ibrahim a Thioub, histo­ riador moderno: “Mesmo que o tráfico e a colonização represen ­ tem um segundo olhar da histó­ ria egípcia, é impossível fazer tábu a ra sa neles. Pois é a nossa história também e a nossa a tu a ­ lidade, senegaleses e africanos. E por isso que suspeito que ele tenha atribuído m uita im portân­ cia ao Egito, em toda fé, sem se dar conta.” Num outro plano, se a di­ visão da hum anidade em raças e o fundam ento da distinção b r a n ­ co/negro são considerados como provenientes de um a raciologia antiga refutada pelo desenvolvi­ mento da genética, pergunta-se em qual medida podemos acusar Cheikh A nta Diop de utilizar a term in o lo g ia da su a época. O Senhor Alain Froment, antropó­ logo na Orstom, explica que o fí­ sico “ficou du ran te muito tempo fiel à separação racial que exis­ tia na prim eira metade do sécu­ lo XX, o que a genética p ra tic a ­ m e n te d e sm a n te lo u h á m uito tempo”8. Em relação à genética, ele evoca as datas de 1982 e 1984, ou seja, quatro e dois anos antes do falecimento de Cheikh A nta Diop, portanto muitos anos após a publicação das suas principais obras.

Como d e m o n stra ra m os S e n h o r e s M a m a d o u D io u f e Mohamed M’Bodj, dois intelectu­ ais senegaleses^ P o d e r-se -ia a d m itir a acusação de racismo [...] se os danos causados em nome da ‘raça’ se encon­ trassem de forma igual de um lado e do outro, o que evidentemente não foi o caso. O utrossim , este ‘racismo negro’ te ­ ria um valor se ele p u ­ desse criar um comple­ xo de culpabilidade nos europeus, o que não era o objetivo de C h e ik h A nta Diop. Diop, assim como ele não procurava c o n fo rta r u m a crença popular,' ele e sc re v eu p a r a u m a elite f o r te ­ m e n te c o n v en c id a da igualdade da espécie h u ­ m ana.9 Por isso, é incontestável que ele se utilizou das mesmas arm as que seus “adversários ci­ entíficos”; portanto, não podemos acusar Cheikh Anta Diop de r a ­ cismo. Os testem unhos são u n â ­ n im e s em a p r e s e n tá - lo como uma gran d e fig u ra do hu m an ism o : “O problem a, ele explica na sua intervenção no co­ lóquio de A te n as, o rg a n iz ad o

pela UNESCO, em 1981; é p re ­ ciso reeducar a nossa percepção do ser humano, p a ra que ela se desprenda da aparência racial e se polarize sobre o homem des­ provido de todas as coordenadas éticas?.” “E u não gosto de u sar a noção de raça (que não existe) [...]. Não devemos dar uma im ­ portância excessiva à noção de raça. E o acaso da evolução.”10 De fato, C h e ik h Anta Diop sonhava discretam en­ te com um a síntese entre a p u ­ reza e a mestiçagem cultural. “A plenitude cultural torna um povo mais apto para contribuir ao pro­ gresso geral da h u m a n id a d e e p a ra se aproxim ar de outros po­ vos em conhecimento de causa.”11 Hoje os discípulos do “último dos f a r a ó s ” (T h é o p h ile O b e n g a , Aboubacary M oussa Lam, etc...) continuam a defender com brilho os resultados da sua pesquisai claramente, 53 anos após a p u ­ blicação da obra “Nações negras e C u ltu ra”, os principais tem as desenvolvidos no seu livro são ainda de atualidade. E verdade que o contex­ to da época (1954) era um te rre ­ no propício às m a n ip u la ç õ e s, pois, até 1848, a escravidão es­ ta v a ainda na p rática legal da Europa. Também a segregação racial estava ainda em vigor em ■ r

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países como os Estados Unidos da América ou a África do Sul, sem contar a colonização que es­ tava nos seus últimos anos. III - A África, b erço da civilização?

P a ra falar dos traços físi­ cos do negro, os argum entos de um cientista ocidental tão “sério” como Champollion-Figeac s u s ­ tentavam, entre outros, não sem provocar o sorriso brincalhão de Cheikh Anta Diop, que “[...] es­ tas duas qualidades físicas (os cabelos crespos e a pele negra) não são suficientes para carac­ terizar a raça negra L.].”12 De fato, nesta iniciativa tão laboriosa quanto desespera­ da, Champollion-Figeac queria s u s te n ta r os resultados de um c ie n tis ta fran cês de boa-fé, o C om te [ t r a t a - s e de A u g u s to Comte] de Volney (1757-1820), que tinha observados nos coptas - o povo de onde se originaram os faraós - os mesmos traços da célebre esfinge d esco berta no Egito. “[...] A colonização de Volney, relativa à origem antiga da população egípcia, é forçada e inadmissível”, diria a rb itra ri­ amente Champollion sem a rg u ­ mentos. “Este Champollion to r­ nou-se daltônico”, pensou o ho­

mem que revolucionou o p e n sa ­ mento negro, pois, com toda a evidência, estávamos longe das leis cientificas. E por isso que o cientista senegalês retrucou di­ zendo que “agora não bastava só ser negro da cabeça aos pés e ter cabelos crespos para ser negro!”. Champollion-Figeac era o irmão de Campollion o jovem - o p ri­ m eiro c ie n tis ta o c id ental que conseguiu decifrar os hieróglifos —, m as ele usou e sta fa ç an h a p ara contornar um a realidade da época: os traços negros dos a n ti­ gos egípcios. Estes seres selvagens que eram capturados no mato para serem a b arro ta d o s como gado n a s c a r a v e la s com d e stin o à América, “estes homens com os rostos sombrios”, segundo a ex­ pressão favorita dos racistas ig n o ra d o s e h u m ilh a d o s , são aqueles que deram ao mundo as bases da c iv iliz a ç ã o . In a c r e d itá v e l! I n a d m is s ív e l! Q uem acred ita ria n isso ? Champollion não foi o único, in ­ felizmente, nesta tarefa de te n ­ ta r provar cientificamente a in ­ ferioridade intelectual e cultural dos negros. Os fatos relembrados e as provas trazidas por Cheikh Anta Diop não deixam nenhum a d ú ­ vida de que são os negros que ex-

p an d iram a civilização nos ou­ tros povos do mundo, primeiro através da N úbia - atu al Sudão - (em torno de 6000 a.C.), e de­ pois no Egito (em torno de 4000 a.C.), portanto muitos milênios antes da Grécia em torno de 2000 a.C.) e mais tarde em Roma em torno de 700 a.C.). Não satisfeito, Comte de Gobineau, idealizador do nazis­ mo no estado bruto, com o seu pseudocientificismo, queria ex­ plicar o porquê da superioridade da raça branca sobre os negros e os o u tr o s 13. U m a c ele b rid a d e como Pierre Larousse, num a das suas teses sobre a arte africana, afirma de forma peremptória que “o cérebro dos africanos tem o mesmo desenvolvimento que o cérebro do macaco, um outro ele­ mento que comprova o seu lado anim al e sua fraqueza intelec­ tual”. E prossegue afirmando que “o cérebro dos negros é menor, mais leve e menos volumoso que o cérebro do branco, e como em toda a série animal, a inteligên­ cia tem uma ligação direta com as dimensões do cérebro, do n ú ­ mero e da profundeza”. Outros “a f r i c a n i s t a s ”, como M au rice Delafosse, S u r e t C anale, etc., mesmo sendo mais cautelosos e m a is m o d e ra d o s do que Gobineau ou Larousse, negaram a evidência que Comte descrevia.

Neste contexto, não seria um a surpresa ver o mundo cien­ tífico ocidental perder a cabeça e ficar im potente diante da a n tí­ tese das suas teorias, trazida por um jovem negro. O c ie n t is ta Cheikh A nta Diop (matemático, físico, químico, egiptólogo, histo­ riador, lingüista, além de des­ tru ir as teses mais “sólidas” que pretendiam que a civilização vi­ esse do m undo ocidental. Diop provou que todos os homens são iguais, q u a lq u e r que seja su a raça, e, por conseqüência, a colo­ nização e, pior, a escravidão não podem servir p a ra ju stificar a sup eriorid ad e da ra ç a branca. Pois, além da dívida moral devi­ da aos n eg ro s e longe de um apagão do passado, é necessário reescrever a verdadeira história da humanidade. IV - O s te s te m u n h o s d o s s á b io s gregos

N u m a b u s c a lógica, Cheikh A nta Diop trouxe os te s­ te m u n h o s dos a n tig o s gregos Heródoto, Estrabo, Deodoro da Sicília, etc..., esses mesmos que são testem unhos oculares da ci­ vilização egípcia. Querendo ex­ plicar o fenômeno das in u n d a ­ ções do Nilo, Heródoto, conside­ rado o pai da historiografia, es­

creverá em relação ao Egito que “[...] a terceira razão vem do fato de que o calor do lugar torna as pessoas pretas L..]”14. O mesmo Heródoto prosseguirá, p a ra s u ­ blinhar a origem egípcia na base grega, afirmando: “[...] E q u a n ­ do eles acrescentam que esta si­ lhueta era negra, Heródoto nos faz e n ten d e r que esta mulher, isto é, C leóp atra, e ra egípcia [...]." O sábio grego diria o m es­ mo em relação aos h a b itan tes de Colchide nos arredores do atu al M ar Negro, perto da Turquia, pois queria sublinhar a sua ori­ gem egípcia. “[...] Os egípcios pensam que estes povos são des­ cendentes de um a parte das tro­ pas de Sésostris.15 Eu os exam i­ no com base em dois critérios: o primeiro é que eles são negros e que eles têm cabelos crespos U . ”1B

Outros cientistas gregos da a n tig u id a d e , E strab o , P i t á g o r a s , T a le s, E u c lid e s , Deodoro, cuja maioria iniciou-se no Egito, confirmarão os te s te ­ munhos de Heródoto. Mesmo que a lgu ns o m ita m a inform ação, notadam ente Platão, sobre a fon­ te dos seus conhecimentos (reco­ nhecendo todos sua iniciação no Egito em todas as áreas das ci­ ências da época deles!), os p ap i­ ros redigidos pelos sacerdotes negros que resistiram ao tempo

provarão que foi atribuída, por engano, aos gregos a p a te rn id a ­ de das descobertas do Egito a n ­ tigo. C heikh A n ta Diop revela que u m a p e r s o n a g e m como Estrabo não hesitou em tr a ta r P itá g o ra s como “v u l g a r plagiador”.... Cheikh A nta Diop susten­ ta sua tese sobre os fu ndam en­ tos lingüísticos, então científicos, fazendo a demonstração do p a ­ rentesco genético entre o Egito antigo e as línguas negro-african a s 17, colocando o acento sobre vários ritos, tradições, religiões e costumes negros que sobrevi­ veram além do Egito antigo. Buscar-se-ão, sem sucesso, os m es­ mos traços no Ocidente... Melhor ainda, são os argumentos forne­ cidos pelos próprios egípcios, que se representavam como negros, isso reforçado por novas técnicas de pesquisa, tais como o carbono 14 p a ra a datação, mas também a química, a antropologia, a a r ­ queologia, a paleontologia. Alguns ideólogos ociden­ tais vão te n ta r elaborar uma n e ­ b u lo s a te o r i a da c iv iliz a ç ã o ham ita ou camita, perdendo de vista a referência ao Cam (um dos filhos de Noé, o patriarca da Bíblia), um a personagem que foi amaldiçoada, segundo esses m es­ mos ideólogos. Segundo a Bíblia, Cam seria o primeiro negro... Os

ham itas seriam, segundo os de­ fensores da “civilização branca”, um a ramificação desta civiliza­ ção ocidental que eles queriam ap resen tar como precursora da civilização h um ana. Em outros termos, num momento em que o conceito de civilização não exis­ tia no espírito dos ocidentais, os ham itas tinham colocado as b a ­ ses da civilização nos negros... antes de desaparecerem. O obstáculo p rin cip al a este tipo de masturbação intelec­ tual é que em nenhum lugar no mundo encontrou-se, pelo menos e n tr e os d e fe n so re s da “r a ç a branca”, traços de civilização que dominam ao mesmo tempo a ge­ ometria, a arquitetura, a a ritm é ­ tica, a química, a astronom ia, etc., na época do Egito antigo negro e pelo menos dois milêni­ os depois do surgimento desta ci­ vilização. Pois, d u ra n te muito tempo, o Egito foi o único centro intelectual do mundo. A estas teses fantásticas do ham ita “civilizador”, a respos­ ta de Cheikh Anta Diop foi ta m ­ bém fantástica^ “[...] Vê-se então que, dependendo da causa e da necessidade, Cam é maldiçoado, preto e se torna o ancestral dos negros. E o caso toda vez que se fala das relações sociais contem­ p o râ n e a s . M as ele é e m b r a n ­ quecido toda vez que se busca a

origem da civilização, pois ele está presente no primeiro país ci­ vilizado do mundo.”18 U m a das m anobras mais grotesca por parte dos cientistas ocidentais foi, sem som bra de dúvida, a criação de todas as p e­ ças do crânio de um “hom em ”, para reforçar a tese da raça b ra n ­ ca. V - A n ova a p ro x im a çã o

Até o seu falecimento em 1986, Cheikh A n ta Diop sempre defendeu a tese segundo a qual é o negro que migrou em direção aos outros continentes p a ra se a d a p ta r a estes locais, em todos os estágios da evolução do h o­ mem, inclusivo o Homo sapiens sapiens (que corresponde ao ho­ mem moderno). E assim que as outras raças teriam aparecido. O fóssil de Homo sapiens mais a n ­ tigo da época, segundo Cheikh A nta Diop, é um negro (Omo I, em torno de 150.000 a.C.), e as outras descobertas sobre os con­ tin e n te s são do tipo negróide (Homem de Grimaldi, etc.). A tese de C h eik h A n ta Diop não foi d esm en tida pelas recentes descobertas. Segundo a revista “A História “ de dezem­ bro de 2004, os pesq uisad ores acharam em 2003 um novo fós­

sil... na Etiópia! A revista indica que o fóssil se apresenta “sob a forma de centenas de fragm en­ tos, que são os restos de dois adultos e de uma criança sendo atribuídos por Tim White a um Sapiens: Homo Sapiens Idaltu esta últim a palavra significa ‘a n ­ tigo’ na língua local... Ele foi d a ­ tado de 160.000 anos.” Conclu­ são: “Eis e ntão o m ais antigo Homo S a p ie n s conhecido nos nossos dias.” Todavia, se a quase to ta ­ lidade dos cientistas do mundo concordam hoje sobre a origem a fric a n a do hom em , eles não compartilham as vias escolhidas por Cheikh Anta Diop. U m a p e r­ sonalidade científica como o fran ­ cês Yves Coppens, que fazia p a r ­ te do grupo que descobriu o mais antigo esqueleto de astralopiteco até os nossos dias (3,2 milhões de anos), é adepto da teoria do policentrismo. Em outras p a la ­ vras, o Sr. Coppens tende p a ra a teoria que quer dem onstrar que houve um a separação no estágio do homo erectus (“o homem de pé”, an terior ao Homo sapiens sapiens) e que muito centros h u ­ manos se desenvolveram em v á ­ rios lugares do mundo no e s tá ­ gio do Sapiens...

Conclusão

Mesmo que o debate este ­ ja aberto neste estágio da pesqui­ sa, ele não resolve o problema da origem da civilização. Querendo s a n a r todas as dúvidas sobre os traços negros de Ramsés II (uma das m úm ias mais conservadas), apesar das provas trazidas hoje p e la a r q u e o lo g ia ( p i n t u r a , estatuetas, língua, etc.), Cheikh A nta Diop revelou na sua obra “Civilização e barbárie” que soli­ citou às autoridades egípcias, por ocasião do congresso científico de 1974, alguns milímetros da pele do fa ra ó p a r a f a z e r t e s t e s laboratoriais. Ele não teve êxito, sob a alegação de que não queri­ am tocar na integridade física da múmia... D urante toda a sua vida, o pesquisador senegalês se con­ frontou com este tipo de m ano­ bras. O seu principal objetivo era de provar a raça negra dos a n ti­ gos egípcios que fundaram a p ri­ meira civilização do mundo.

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The Surreptitious Speech'Présence africaine and the Politics of Otherness, 1947-1987. Chicago:

The U niversity of Chicago Press, 1992.p . 135 . 8 Conférence du Centre GeorgesPompidou, 7 juin 1985, Nom ade , P a r is , n. 1-2, 1990; BERNAL, Martin. B lack AthenaThe Afroasiatic Roots of Classical C iv iliza tio n , tom os I e II. New B r u n s w ic k : R u t g e r s U n i v e r s i ty P re ss , 1988-1991. Veja ta m b é m OBENGA, Théophile. ' C h e ik h A n ta Diop, Volney e t le S p h in x . P r é s e n c e a f r i c a i n e e t Khepera, Paris, 1996. Revue Ankh, éditions Khepera, BP 11. 91192 Gif-sur-Yvette Cedex. n Cheikh Anta Diop, Antériorité des civilisations nègres: mythe ou vérité historique? Présence africaine . Paris, 1967. p. 185. 10 CHAMPOLLION-FIGEAC, Egypte A ncienne Paris: Firmin-Didot, 1950, Un Volu­ me In-8°, 500 p. 11 G O B IN E A U , J o s e p h - A r t h u r (Comte de) (1816-1882). Essai sur 1 inégalité des races hum aines (1853­ 1855) . P a r i s : E ditions P ie rre Belfond, 1967.878 p. 12 HÉRODOTE. H istoire, trad, du grec p ar Larcher,' avec des notes de Bochard, Wesseling, Scaliger [et al.]. Paris: Charpentier, 1950. 13 Sésostris é a forma grega do nome dos três faraós da XIIa dinastia do

império. O nome egípcio, Sénousert, significa “a deusa O usert”, que fa­ zia p a rte da composição do título real como nome de As-Rê ou nomen. 14 Hérodote, Livre II. 15 P a ren té génétique de 1 ’é g y p t i e n p h a r a o n i q u e e t des langues né gro-africaine s, IFAN Edi­ tora NEA, Dakar, 1977. 16 Nations Nègres et Culture.

Notas 1 Doutor em Direito Internacional pela UFRGS, Coordenador do Curso de R e la ç õ e s I n t e r n a c i o n a i s do U N IL A S A L L E /R S , m em bro fundador do Instituto Brasileiro de Estudos Africanos - IBEA. 2 G r a d u a d a em H i s t ó r i a e Pedagogia, M e stre em Educação p ela U N ISU L/SC , p ro fe sso ra da R ede P ú b lic a do E s t a d o de Rio Grande do Sul e membro fundadora do Instituto Brasileiro de Estudos Africanos —IBEA. 3 Lettre datée du 7 août 1941, Dossier Cheikh A nta Diop, Archives Nationales du Sénégal, Dakar. 4 Cheikh A nta Diop, Nations nègres et culture, t. I, Présence africaine, Paris, 1979. 5 Aimé Césaire, Discours sur le colonialisme. Présence africaine, Paris, 1955. 6KIZERBO, loseph. Histoire générale de l ’Afrique: Etudes et documents, v. I. Paris: Unesco, 1978. 7Actes du colloque “L'oeuvre de Cheikh Anta Diop: la renaissance de 1’Afrique au

seuil du troisième millénaire”, DakarCaytu, 26 février-2 mars 1996. 8 FR O M EN T , A la in . O rig in e e t évolution de l’homme dans la pensée de Cheikh Anta Diop: une analyse critiq u e . C a h ie r s D ’é tu d e s Africaines, Paris, n. 121-122, 1991. 9 D IO U F, M a m a d o u ; M B O D J, Mohamad. The Shadow of Cheikh A nta Diop. In: The S u rrep titio u s Speech•' Présence africaine and the Politics of O therness, 1947-1987. Chicago: The University of Chicago Press, 1992. p. 135 . 10 Conférence du Centre GeorgesPompidou, 7 ju in 1985, N om ade, P a r i s , n. 1-2, 19901 B E R N A L , M a r t i n . B la c k A t h e n a ■' The A f r o a s i a t i c R oots of C l a s s i c a l C iv iliza tio n , tom os I e II. New B ru n s w ic k : R u t g e r s U n i v e r s i ty P re ss , 1988-1991. Veja ta m b é m OBENGA, Théophile. Cheikh Anta Diop, Volney et le Sphinx. Présence africaine et Khepera, Paris, 1996. Revue Ankh, éditions Khepera, BP 11, 91192 Gif-sur-Yvette Cedex. 11 Cheikh Anta Diop, Antériorité des civilisations nègres: mythe ou vérité h is to r iq u e ? P ré se n c e a fric a in e . Paris, 1967. p. 185. 12 CH A M P OLLI O N -F IG E AC, E g yp te A n cien n e. P a ris: Firm inDidot, 1950, Un Volume In-8°, 500 P13 GOBINEAU, Joseph-Arthur (Comte de) (1816-1882). Essai sur l ’inégalité des races hum aines (1853-1855). Paris: Éditions Pierre Belfond, 1967. 878 p. 14 HÉRODOTE. H istoire, trad, du grec par Larcher.: avec des notes de

Bochard, Wesseling, Scaliger [et al.]. Paris: Charpentier, 1950. 15 Sésostris é a forma grega do nome dos três faraós da XIIa dinastia do império. O nome egípcio, Sénousert, significa “a deusa Ousert”, que fazia parte da composição do título real como nome de As-Rê ou nomen. 16 Hérodote, Livre II. 17 P aren té génétique de l’égyptien pharaonique et des langues négroa f r ic a in e s , IFAN E d i t o r a NEA. Dakar, 1977. 18 Nations Nègres et Culture.