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Tradução cultural e política: recepção de Walter Benjamin em Homi Bhabha Rodrigo Souza Fontes de Salles Graça*

RESUMO Nesta comunicação é abordada de forma breve a recepção das considerações sobre a tradução (A Tarefa do Tradutor) de Walter Benjamin no crítico literário Homi Bhabha. Exploramos em que medida tais apropriações do pensamento benjaminiano, se circunscrevem para Bhabha como possibilidade política de fundamentação da cultura na chave do conceito de tradução cultural. Para tanto abordamos trechos de ensaios que compõe a coletânea O Local da Cultura que reúne produção intelectual do autor na década de 1980 e 1990 - e entrevista. Inicialmente é problematizado em Bhabha o uso “metafórico” da tradução para se pensar a cultura, em seguida passa-se a abordagem da centralidade que adquire a recepção benjaminiana em seu pensamento e por fim se destaca a importância política do conceito de tradução cultural perpassando brevemente três contextos que Bhabha analisa: o refluxo migratório na Inglaterra do século XX, o colonialismo inglês no século XIX, e os discursos da Nação na contemporaneidade. Observa-se como a construção dos conceitos de cultura e tradução cultural fundamenta-se na apropriação do léxico benjaminiano indicado em termos como traduzibilidade, intraduzibilidade e outros. Argumenta-se que, parcialmente, a partir destes referenciais, a política é tomada enquanto processo de ressignificação, no sentido de que a autoridade é questionada na ruptura com as pretensas totalidades das culturas. PALAVRAS-CHAVE: Homi Bhabha, Walter Benjamin, tradução cultural, política.

Nas décadas de 1980, 1990 e 2000 debates políticos se voltaram cada vez mais para as denominadas minorias, sejam de gênero, populações autóctones ou migrantes. Neste contexto, termos como reconhecimento e cultura adquiriram relevância em correntes como comunitarismo ou teoria crítica. No bojo destas problemáticas políticas e debates emergentes encontramos também em desenvolvimento o pensamento pós-colonial e, através deste, uma *

Mestrando do Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bolsista CAPES. E-mail: [email protected].

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386 série de conceitos. Termos como cultura hibrida tradução, tradução cultural ou diferença cultural adquiriram variável importância entre representantes pós-coloniais como Gayatri Spivak, Robert Young e Homi Bhabha. Neste trabalho nos voltamos para um desses conceitos emergentes, o de tradução cultural. O uso do termo tradução cultural já havia sido desenvolvido na antropologia social britânica desde a primeira metade do século XX (ASAD, 1986). Com o crítico literário Homi Bhabha, observamos sua formulação nas décadas de 1980 e 1990 não tanto a partir de uma inflexão do uso feito pela antropologia social britânica, mas em partes - como se busca argumentar – a partir de uma apropriação das considerações sobre a tradução presente em A Tarefa do Tradutor (Die Aufgabe des Übersetzers) de Walter Benjamin. O ensaio A Tarefa do Tradutor (1923) deteve vasto impacto na teoria da tradução perpassando autores como Paul de Mann, Jacques Derrida, Haroldo de Campos e outros (LAGES, 2007, p.161). Em Homi Bhabha tal recepção adquire certa notoriedade por ser transposta para pensar cultura, apesar de em “A Tarefa do Tradutor” não encontrarmos, como salienta Susana Kampff Lages, algo equivalente a uma “dimensão antropológica ou culturalista manifesta”(LAGES,2007,p.170). Todavia, em entrevista de 1990 encontramos explicitado em Bhabha a importância da recepção do pensamento benjaminiano para o desenvolvimento do seu conceito de cultura e tradução cultural: Gostaria de introduzir a noção de “tradução cultural” (e o meu uso é desenvolvido a partir das observações originais de Walter Benjamin sobre a tarefa da tradução e a tarefa do tradutor) para propor que todas as formas de cultura são de alguma forma relacionadas entre si pela cultura ser formada através da significação ou atividade simbólica. (RUTHERFORD, 1990, p.209, tradução nossa).

De acordo com Sherry Simon(1995, p.46) diferentemente de Spivak que na perspectiva pós-colonial desenvolve reflexão em referência direta a respeito da tradução lingüística, Bhabha retoma uma forma “metaforizada” da tradução para pensar a cultura. Peter Burke também chamará atenção para o recurso “metafórico” do uso do conceito tradução cultural de uma forma geral (BURKE, 2009) e Lages indicará especificamente em Bhabha ”espécie de

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387 paráfrase da teoria linguagem e da tradução de Benjamin” (LAGES, 2007, p.81). Todavia, tal como se nota na referência a Benjamin na citação acima, não devemos interpretar a referência a “metáfora” ou “paráfrase” como uma diminuição da importância da apropriação da teoria da tradução de Benjamin em Bhabha1·.No mais, na história das ciências humanas parece recorrente lançar a mão a conceitos não referidos explicitamente a realidade em que busca ser utilizado. Encontramos, por exemplo, em Max Weber a retomado do termo “afinidade” da alquimia e do misticismo para se pensar as relações não-causais entre a ética protestante e o desenvolvimento do capitalismo (LÖWY,1989,p. 13) . Walter Benjamin retomará de Goethe o termo “Origem”, utilizado inicialmente para pensar a metamorfose das plantas, para pensar história(BENJAMIN, 1984). Neste texto, nos centramos na observação das formas que adquire a recepção do conceito de tradução de Benjamin em Bhabha, em particular no que diz respeito ao que se indica como política. Aspecto central dessa recepção de Benjamin seria a ênfase no caráter descentrado das culturas. Bhabha argumenta a respeito da relativa abertura ou não-totalização das culturas a partir da interpretação em A Tarefa do Tradutor da não-completude ou acabamento das obras originais e das línguas a serem traduzidas. Recorremos novamente a trecho da entrevista de Bhabha: o original esta sempre aberto para a tradução por isso não se pode afirmar que haja um momento prioritário de ser e sentido – uma essência. O que isso significa é que toda cultura só é constituída em relação à alteridade interna ao seu próprio processo de formação simbólica, tornando-se assim estruturas descentradas – através deste deslocamento ou limiar existe a possibilidade de articulação da diferença, até mesmo de práticas culturais e prioridades incomensuráveis. (RUTHERFORD,1990,210-211, tradução nossa).

O autor busca, portanto se afastar de uma concepção de cultura enquanto totalidade essencial presente em determinadas formulações multiculturalistas. Bhabha se apropria de 1

Evidentemente não se deve perder de vista a centralidade da recepção de outros diversos pensadores como Mikhail Bakhtin ou Jacques Derrida a partir dos quais conceitos de diferença cultural ou cultura hibrida, imbricados ao de tradução cultural, são desenvolvidos.

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388 Benjamin interpretando a partir deste a não-valorização da totalidade do original ou a sua prioridade. Como argumenta o autor se diferenciando de Paul de Mann e Derrida: “Ao contrário de Derrida e De Mann estou menos interessado na fragmentação metonímica do ‘original’.” (BHABHA, 1998d, p.312). Segue-se que este descentramento da traduzibilidade das culturas deve ser compreendido a partir da transposição de características complementares da tradução indicada em Benjamin: a intraduzibilidade, ou a estrangeiridade das línguas se tornam referenciais centrais 2. A partir deste eixo o autor visa pensar não apenas o deslocamento das culturas, mas a sua não assimilação totalizante. Acoplados a este referencial benjaminiano o autor pensa ainda uma concepção de signo próxima ao de Bakhtin – e também como veremos interpretada por Bhabha no próprio Benjamin – como argumenta Menezes de Souza (2004, p.117), reinscrito sócio-históricamente, e ainda em contraposição ao símbolo que aparece no autor como significação acabada 3: Este jogo disjuntivo de símbolo e signo torna a interdisciplinaridade um exemplo do momento fronteiriço da tradução, descrito por Benjamin como “estrangeiridade das línguas”. A “estrangeiridade” da língua é o núcleo do intraduzível que vai além da transferência do conteúdo entre textos ou práticas culturais. A transferência de significado nunca pode ser total entre sistemas de significados dentro deles, pois “a linguagem da tradução envolve seu conteúdo como um manto real de amplas dobras... ela significa uma linguagem mais exaltada do que a sua própria e, portanto, continua

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Bhabha retoma as considerações de “A tarefa do tradutor” respeito da traduzibilidade (Übersetzbarkeit) e do intraduzível (Unübersetzbar) (Opto pela tradução de Susana Kampff Lages). “De maneira análoga, a traduzibilidade de construções de linguagem deveria ser levada em consideração, ainda que elas fossem intraduzíveis para os homens. E, não seriam elas, até certo ponto, de fato intraduzíveis, se partirmos de um determinado conceito de tradução? E é preservando tal separação que se deve questionar se a tradução de determinada estrutura de linguagem deve ser exigida. Pois vale o princípio: se a tradução é uma forma, a traduzibilidade deve ser essencial a certas obras. A traduzibilidade é, em essência, inerente a certas obras; isso não quer dizer que sua tradução seja essencial para elas mesmas, mas que determinado significado inerente aos originais se exprime na sua traduzibilidade.”(BENJAMIN, 2008 p.68). Nota-se ainda a referência a estranheza das línguas(Fremdheit der Sprachen):”Com isso admite-se evidentemente que toda tradução é apenas um modo provisório de lidar com a estranheza das línguas”(BENJAMIN,2008, p.73). 3 Os conceitos de signo e símbolo devem sem dúvida ser mais bem delimitados na obra de Bhabha. Encontraríamos aqui além de Bakhtin e do próprio Benjamin, influências nas considerações em Jacques Derrida. Acrescento outra citação de Bhabha para melhor explicitar a definição provisória que busco indicar neste texrto: “Na apreensão do signo, como argumentei, não há nem negação dialética nem significante vazio: há contestação dos símbolos de autoridade dados que fazem mudar o terreno do antagonismo. O sincronismo na ordenação social dos símbolos é desafiado em seus próprios termos, mas as bases do embate foram deslocadas em um movimento suplementar que excede aqueles termos.”(BHABHA, 1998c ,p.268)

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389 inadequada para seu conteúdo, dominante e estrangeiro.” 1998b.p.229-239).

(BHABHA,

O “núcleo do intraduzível” referido a partir de Benjamin compõe-se em Bhabha por um lado, como a impossibilidade de uma imposição cultural totalizante, pois os signos volvemse passíveis de ressignficação constantemente. Nessa última longa citação de Benjamin presente no trecho acima, Bhabha indica também a impossibilidade da totalização do signo no sistema em que é traduzido. A seguir podemos notar os potenciais políticos de tal concepção de cultura e/ ou tradução cultural. Nas abordagens da obra The Satanic Verses de Salman Rushdie Bhabha ressalta a dinâmica da traduzibilidade e intraduzibilidade no cotidiano de migrantes das Metrópoles do século XX. A aventura dos dois migrantes indianos - que narra a obra de ficção Rushdie- um tendendo a assumir a “nacionalidade” inglesa, o outro a persistir e perpetuar a indiana, representaria para Bhabha (1998d, p.308), “Cultura irresolvível, fronteiriça, do hibridismo que articula seus problemas de identificação e sua estética diaspórica em uma temporalidade estanha, disjuntiva, que é ao mesmo tempo, o tempo do deslocamento cultural e o espaço do ‘intraduzível’”. Entre outros aspectos da obra de Rushdie , Bhabha destaca o uso do nome inferior de Maomé e a atribuição dos nomes das esposas do profeta mulçumano a prostitutas de bordeis (BHABHA, 1998. p.309). Tratar-se-ia de referencias considerados sacrílegos por tradições de leitura do Corão, gerando assim debates políticos, polêmica e revolta entre comunidades islâmicas diversas. Para Bhabha (1998d, p.310), tal deslocamento e polêmica constituem, no entanto, característica propriamente política da tradução cultural: Poderíamos argumentar, creio que em vez de simplesmente deturpar o Corão, o pecado de Rushdie reside na abertura de um espaço de contestação discursiva que coloca a autoridade do Corão dentro de uma perspectiva do relativismo histórico e cultural. Não é que o “conteúdo” do Corão seja diretamente contestado; ao revelar outras posições e possibilidades enunciativas dentro do quadro de leitura do Corão, Rushdie põe em prática a subversão de sua autenticidade através do ato de tradução cultural – ele realoca a “intencionalidade” do Corão repetindo-a e reinscrevendo-a no cenário do romance das migrações e diásporas culturais do pós-guerra. (Bhabha 1998d, p.310).

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Observa-se que para indicar o deslocamento operado na interpretação do Corão por Rushdie, Bhabha usa o termo intencionalidade presente em A Tarefa do Tradutor. O uso se aproxima parcialmente da argumentação de Benjamin sobre a transformação do designado a partir das diversas intencionalidades que compõe as línguas4. Reescrever a “intencionalidade” do Corão num novo “cenário”, realizar essa denominada forma de tradução cultura, possibilita o questionamento da totalidade ou originalidade da cultura ao “tornar os efeitos e valores (político, social, cultural) inteiramente incomensurável com as tradições de interpretação teológica ou histórica da cultura recebida de leitura e escrita corânica” (BHABHA,1990, p.212, tradução nossa). No processo de tradução cultural revela-se a intraduzibilidade ou estrangeiridade presente nas culturas, ou ainda, a possibilidade de seu desmembramento em signos a serem ressignificados em outra “intenção”. Desta forma, pensar a cultura como tradução cultural permite a Bhabha refletir sobre a reapropriação discursiva de minorias como potencial político, no sentido de que, nos processos mesmos de ressignificação questiona-se a autoridade dos sistemas culturais que se impõem. Os referenciais benjaminianos da traduzibilidade, intraduzibilidade ou estrangeiridade são retomados por Bhabha para questionar o estatuto da cultura original ou essencial, e desta forma, sua pretensa autoridade. No ensaio Signos Tidos Como Milagres encontramos argumento semelhante apesar de neste não encontrarmos referência direta aos escritos de Benjamin. A análise perpassa os relatórios de Anund Messeh, catequista indiano no período colonialista no inicio do século XIX. Nestes relatórios, Bhabha destaca as apropriações desconcertantes da Bíblia entre hinduístas vegetarianos na Índia: As perguntas do nativo transformam literalmente a origem do livro em um enigma. Primeiro: como pôde a palavra de Deus sair das bocas carnívoras dos 4

Segue trecho em A Tarefa do Tradutor: “Toda afinidade meta-histórica entre as línguas repousa sobre o fato de que, em cada uma delas, tomada como um todo, uma só e a mesma coisa é designada; algo que, no entanto, não pode ser alcançado por nenhuma delas, isoladamente, mas somente como totalidade de suas intenções reciprocamente complementares: na pura língua(...).Pois nas línguas tomadas isoladamente, incompletas, aquilo que nelas é designado nunca se encontra de maneira relativamente autônoma, como nas palavras e frases isoladas: encontra-se em constante transformação, até que da harmonia de todos aqueles modos de designar consiga emergir como pura língua. ” (BENJAMIN, 1998,p.72)

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391 ingleses? – uma pergunta que confronta o pressuposto unitário e universalista da autoridade com a diferença cultural de seu momento de enunciação. E depois: como pode ser o Livro Europeu, quando estamos convictos de que é um presente de Deus para nós?(BHABHA, 1998a, p.169).

Como aponta Robert Young (2006, p.10) tal evento colonialista torna-se “um ejemplo del tipo diferente de marco de referencia que la cultura ocidental recibe cuando se traduce a diferentes contextos(...)”. Desta forma encontramos no processo de deslocamento e tradução cultural resistência à mera assimilação, e nesse caso específico, o questionamento da autoridade colonial cristã. Como destaca Bhabha (1998a, p.179): “Ao assumir sua postura com base na lei alimentar, os nativos resistem à miraculosa equivalência entre Deus e os ingleses.”. Em DissemiNação e – indiretamente – em O Pós-Colonial e o Pós-Moderno Bhabha retoma o conceito e as considerações de Benjamin sobre a tradução para pensar os discursos homogeneizantes da “nação” e do “povo” na contemporaneidade. O autor demonstra haver a uma “incomensurabilidade” entre o posicionamento pedagógico do Estado-Nação que visa criar identidades compactas a partir da “origem comum” e da delimitação territorial, e a condição performática, “sobrevivente” e migrante da criação de identidades e do cotidiano de grupos marginalizados (BHABHA, 1998, p.240). Em realidade Bhabha (1998, p.241) busca na chave da tradução cultural apontar os processos de circulação global como possibilidade de questionamento das narrativas homogeneizadoras: A cultura como estratégia de sobrevivência é tanto transnacional como tradutória (...) A cultura é tradutória porque essas histórias espaciais de deslocamento – agora acompanhadas pelas ambições territoriais das tecnologias ‘globais’ da mídia – tornam a questão de como a cultura significa, ou o que é significado por cultura, um assunto bastante complexo. (...) A dimensão transnacional da transformação cultural – migração, diáspora, deslocamento, relocação- torna o processo de tradução cultural uma forma complexa de significação. O discurso natural (izado), unificador, da “nação”, dos “povos” ou da tradição “popular” autêntica, não pode ter referências imediatas. A grande, embora desestabilizadora, vantagem dessa posição é que ela torna progressivamente conscientes da construção da cultura e da invenção da tradição. (BHABHA,1998c, p241).

Frente à totalização dos discursos nacionais e de determinadas perspectivas multiculturalista – a oposição aqui é ao conceito de diversidade cultural - Bhabha propõe o Anais do VII Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar (2011)

392 conceito de diferença cultural. Neste se opera aquele de tradução cultural. Trata-se de “(...) rearticular a soma do conhecimento a partir da posição de significação da minoria, que resiste a totalização (...)” (BHABHA, 1998, p.228). O autor se refere à formulação do conceito a partir dos referenciais benjaminianos que compõe a tradução cultural: O argumento de Benjamin pode ser reelaborado em uma teoria da diferença cultural. É somente se envolvendo com o que ele denomina o ‘ambiente lingüístico mais puro’ – o signo como algo anterior a qualquer lugar de sentido – que o efeito de realidade do conteúdo pode ser dominado, o que torna então todas as linguagens culturais ‘estrangeiras’ a elas mesmas. No ato da tradução, o conteúdo “dado” se torna estranho e estranhado, e isso, por sua vez deixa a linguagem da tradução, Aufgabe, sempre em confronto com seu duplo, o intraduzível – estranho e estrangeiro. (BHABHA, 1998b, p.231).

Trata-se para Bhabha (1998, p.230) de notar que as “significações sociais estão elas mesmas sendo constituídas no ato da enunciação (...)”. A resistência aos processos de totalização do discurso Nacional se desenvolve nesse caráter performático e tradutório da dinâmica da cultura e da identidade, os quais – potencialmente -se redefinem a cada ato da enunciação. A significação do signo esta sempre sendo reinscrita. Portanto, como se buscou expor nessa comunicação, os sentidos da política em Bhabha são desenvolvidos a partir de reformulação do conceito de cultura e tradução cultural. Nestes encontramos constantemente presente o referencial de tradução benjaminiano. A concepção dinâmica de cultura e tradução cultural, o potencial de ressignificação entre o traduzível e intraduzível, é sustentado na argumentação do autor como possibilidade de se questionar a autoridade das pretensas totalidades culturais. Observamos brevemente estes questionamentos na leitura heterodoxa do Corão no contexto das migrações contemporâneas; na apropriação da Bíblia no colonialismo inglês na Índia; e por fim, nos discursos nacionais. Para Bhabha pensar os processos de significação e ressignificação da tradução cultural se mostra como forma de pensar a política e a possibilidade de subversão5.

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Pretendia-se inicialmente desenvolver considerações complementares sobre como, na abordagem da tradução cultural e no questionamento da autoridade, Bhabha desenvolve reflexão crítica sobre a temporalidade histórica através da apropriação direta do “Sobre o Conceito de História”(1940) de Walter Benjamin. No entanto, pela limitação deste trabalho, não foi possível o desenvolvimento.

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393 Evidentemente permanece a ser explorado diversas questões centrais nessa temática. Qual seria comparativamente a especificidade de uma recepção da tradução que preconiza “metáforas” e “paráfrases” (se concordarmos aqui com as considerações de Simon Sherry, Peter Burke ou Lages)? Ou ainda: qual a relação propriamente entre linguagem e cultura em Bhabha?

Tais questionamentos serão pesquisados no desenvolvimento da dissertação

mestrado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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