O El Niño mais forte em 50 anos - Fora do ar

4 Recife I 5 de setembro de 2015 I sábado economia www.jconline.com.br Alexandre Gondim/JC Imagem O risco de acontecer de novo Angela Fernanda Bel...
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Recife I 5 de setembro de 2015 I sábado

economia

www.jconline.com.br Alexandre Gondim/JC Imagem

O risco de acontecer de novo Angela Fernanda Belfort [email protected]

O

s produtores de leite do Agreste começaram a sentir os efeitos de mais uma estiagem. E, o que é pior, a possibilidade de que a seca se agrave é de 80% baseada nos estudos que analisam a formação do fenômeno climático El Niño (ver matéria abaixo) que pode ser um dos mais fortes dos últimos 50 anos. Com a escassez de água, aumentam os custos de produção para manter o animal e, dessa vez, a desaceleração da própria economia e alta do dólar estão contribuindo para aumentar a crise na bacia leiteira pernambucana. “Há 60 dias começou a piorar. A seca aumenta os custos de produção e as empresas não estão comprando o leite produzido na região. A diminuição dos compradores faz o preço cair. Já tem gente vendendo o litro por R$ 0,85 e o produto está sobrando”, diz o presidente do Sindicato dos Produtores de Leite de Pernambuco (Sinproleite), Saulo Malta. Segundo ele, a seca atinge cerca de 70% dos produtores dos municípios de Itaíba, Águas Belas, Buíque, Tupanatinga, Pedra e Venturosa, além de Bodocó, no Sertão. O dólar também contribui para aumentar os custos dos produtores. “O saco de soja com 50 quilos está sendo vendido por R$ 73, quando custava R$ 66 há dois meses. E a tendência é aumentar”, afirma Saulo. Geralmente, o gado criado em Pernambuco é alimentado com 70% de palma, uma fibra (que pode ser o sorgo ou capim) que

responde por 20% desse total e os 10% restantes são farelo de soja, ou de milho ou de algodão. Os três últimos são commodities e aumentam de preço, quando há uma alta da moeda americana. “Estamos emendando uma seca na outra. É o 5º ano de estiagem. A forragem (a ração) que tinha guardada acabou em abril. Desde então, cresceu 30% o custo do alimento do gado e o preço do leite caiu mais de 20% entre janeiro de 2014 e agosto de 2015”, conta o produtor Edson Félix que produz gado de leite em Altinho e em Buíque. Ele plantou sorgo em duas áreas da sua propriedade com a finalidade de ter uma ração na estiagem. A pouca quantidade de chuva resultou na perda do cereal. O jeito, segundo ele, é diminuir o rebanho, produzir menos leite e atravessar a seca com uma base genética boa para voltar a crescer, quando o clima melhorar. O produtor Pedro Galvão está trazendo a água de beber dos animais de caminhão por 35 quilômetros de uma fazenda em Pedra para outra em Buíque. “Usamos muito combustível e energia e ambos subiram muito”, lamenta. “Não estou mais fazendo conta, porque tudo está no prejuízo”, resume. A estiagem começou a impactar os produtores de leite no final de 2011. Em 2012, uma grande seca reduziu a produção de leite do Estado a 800 mil litros diários, contra os 2,8 milhões de litros diariamente produzidos em 2011. A maioria dos produtores se desfez do rebanho, perdeu animais e muitos faliram.

Chico Bezerra/Acervo JC Imagem

SECA Bacia leiteira de Pernambuco começa a sentir os efeitos de uma nova estiagem e teme pelo futuro da atividade

PASSADO Animais mortos na estrada e queda na produção são os reflexos do 5º ano de estiagem. Perspectivas não são boas

O El Niño mais forte em 50 anos O fenômeno climático El Niño em formação está sendo comparado com os dois mais fortes dos últimos 50 anos. “O atual tem características parecidas com o El Niño registrado em agosto de 58 e agosto de 98. Quando o El Niño é forte atinge duas estações chuvosas. Se essas previsões se confirmarem, ele chegará até o final de março de 2016 e a consequência maior é de ter mais uma seca”, conta o gerente de Meteorologia e Mudanças Climáticas da Agência Pernambucana de Águas e Climas (Apac), Patrice Oliveira. O El Niño é provocado pelo aquecimento das águas do Pacífico e pela re-

dução dos ventos alísios na região equatorial. Ele afeta o clima com as mudança nas correntes atmosféricas. No Brasil, geralmente causa estiagens no Nordeste e chuvas intensas na Região Sudeste. A probabilidade do El Niño permanecer até o período chuvoso do Sertão pernambucano (janeiro a abril) é maior que 80%, segundo um boletim emitido pelo Apac em agosto último. A agência vem monitorando o comportamento do El Niño desde maio deste ano. O site da agência (www.apac.pe. gov.br) traz boletins sobre o fenômeno e a estiagem em Pernambuco. As informações são enviadas as secretarias

estaduais mensalmente. A única dúvida, de acordo com Patrice, é sobre a intensidade do El Niño em 2015/2016. Ele argumenta que essa intensidade pode mudar, dependendo de algumas variáveis, como por exemplo a temperatura no Oceano Atlântico Sul. O El Niño de 1998 foi tão severo que a estiagem chegou a atingir a Zona da Mata, fazendo muitos produtores da Mata Norte perderem parte dos seus canaviais. “O grande problema é o passivo das secas. Desde 2011, as chuvas estão abaixo da média histórica em todo o Estado. Viemos de uma seca severa em 2012 que provocou o colapso das bar-

ragens no semiárido”, conta. E complementa: “Vivemos numa região semiárida. As chuvas variam muito . São cinco anos de seca e a única iniciativa que pode minimizar esse sofrimento é a transposição das águas do Rio São Francisco”. A transposição consiste na construção de dois grandes canais: os eixos Leste e Norte. O primeiro começa em Floresta e vai até Monteiro, na Paraíba. O segundo capta a água em Cabrobó e vai até o Ceará. Eles vão levar a água para municípios de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. O projeto está atrasado e a última previsão de sua conclusão ficou para 2017.

Seca pode ser mais intensa no Semiárido A intensidade do fenômeno El Niño vai comprometer mais o abastecimento de água no semiárido atingindo principalmente o Agreste e o Sertão do Estado, de acordo com o secretário executivo de Recursos Hídricos, Almir Cirilo “Na Região Metropolitana do Recife, as reservas são suficiente para atravessar o período de estiagem até 2016 com uma preocupação maior com a área Metropolitana Norte”, conta. Os reservatórios dessa região estão com menos água e o principal é Botafogo com 39,2% de armazenamento depois do inverno que está acabando no litoral. Essa área norte inclui as cidades de Paulista, Abreu e Lima, Olinda que estão em racionamento que deve continuar até 2016. “No Semiárido, a perspectiva é sombria em termos de água, principalmente porque os mananciais já estão quase secos, com algumas exceções”, resume Almir, se referindo ao fato de que o El Niño pode deixar a região com uma seca ainda mais severa. No Sertão, geralmente as chuvas começam em novembro e vão até abril. É justamente nesse período que o El Niño pode provocar a redução das chuvas no Estado, caso o fenômeno seja mais intenso. “A preocupação maior é com as cidades do Sertão que não foram abastecidas pela Adutora do Pajeú como São José do Egito, Brejinho, Itapetim, entre outras”, explica. As barragens do Sertão estão praticamente secas desde 2014. A região que terá o abastecimento mais crítico é o Agreste, caso a estiagem seja mais severa, de acordo com Cirilo. O governo do Estado planeja levar a água da Mata Sul que será retirada do Rio Pirangi (próximo a Palmares) ou na futura Barragem de Igarapeba, em São Benedito do Sul. “Vamos aproveitar os trechos da Adutora do Agreste que já estão prontos para distribuir essa água entre Caruaru e Belo Jardim”, afirma. De acordo com ele, nesse trecho as obras da Adutora do Agreste já estão com 60% de realização. Ainda no Agreste, a maior barragem é a de Jucazinho está com 3% da sua capacidade de armazenamento.