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OPINIÃO



PRETO/BRANCO

PÁGINA 7 - Edição: 26/09/2011 - Impresso: 25/09/2011 — 20: 56 h

OPINIÃO

Segunda-feira, 26 de setembro de 2011



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O GLOBO

Crianças on-line SUSANE GARRIDO

A

onda da virtualização e da mobilidade via tecnologias digitais não é uma novidade da “nossa Era”. É, sim, a possibilidade da materialização de algo que a humanidade vem fazendo há milhares de anos, desde que precisou sobreviver e viver melhor em ambientes diversos e com condições nem sempre favoráveis. Virtualizar-se é expandir-se, é promover um movimento de autocriação e de brincar com dimensões de tempo e espaço de uma forma mais “palpável” (embora com outros sentidos). É proporcionar a ampliação de conhecimentos e de relações de todos os tipos, como já estamos vivendo — Heráclito já dizia isso. Estamos imersos em um contexto em que viver é estar também virtualmente presente, o que produz os multicenários e as sincronias midiáticas de criação e de exposição que vemos diariamente. A Era do Virtual é um caminho para essa perspectiva múltipla, e a mobilidade é um meio para o alcance da liberdade de expressão que pode ocorrer a qualquer tempo, em qualquer lugar e com qualquer pessoa. Do Relatório Norton On-line, de junho do ano passado: "Globalmente, as crianças estão passando mais tempo on-line: em média, mais de 1,6 hora por dia. Isso nos traz um total de 11,4 horas por semana, um aumento de 10% quando comparado aos dados de 2009. Talvez, surpreendentemente, quase metade (48%) das crianças em todo o mundo considera que passa tempo demais online. As crianças brasileiras são as que mais ficam on-line, passando em média 18,3 horas on-line por semana. No entanto, oito em dez admitem que esse número é exagerado. No Japão, onde os jovens gastam somente 5,6 horas na internet, menos de dois em dez entrevistados considera esse número excessivo”. As crianças brasileiras, as nossas crianças, bateram o próprio recorde em 2010 com 73,2 horas por mês, o que representa, em média, uma hora a mais por semana, enquanto despendiam 70 horas por mês navegando em 2009. Esses dados alarmam, em um curto espaço de tempo: há uma nova cultura nascendo em todos os âmbitos, que vai desde o simples brincar ao crescer, estudar, trabalhar e se relacionar. Tal comportamento independe do que pensamos estar certo ou errado (no contexto medieval), pois este binômio não é mais aplicável com uma solução razoável. As plataformas móveis, sejam estas os notes, os celulares 3G (e em breve o 4G) ou os tablets, são as possibilidades atuais para executarem este momento “livre” do ser humano na realização de suas tarefas e na demonstração de suas ideias e seus desejos. As instituições de ensino que se atentaram para a utilização dos tablets estão dando um passo à frente na possibilidade tanto de aproximação mais rápida com as linguagens/percepções de seus alunos quanto em efetivamente realizar o seu papel de formação na educação, ampliando o espectro de conhecimentos dos alunos — uma vez que as instituições físicas, apenas mundo real, não serão mais capazes de fazer. E não se coloca aqui que está simplesmente nos tablets, na internet ou nos celulares o segredo para uma educação eficaz. No sentido de alargamento do contingente cognitivo, o segredo está em permitir que as pessoas, sejam elas estudantes ou não, possam extrair e ao mesmo tempo “gerar” conteúdo nesse novo contexto. Estamos em um momento no qual todos somos criadores e consumidores críticos de informações diversas. Isso significa podermos compilar aquilo que desejamos e transformarmos em novas informações, e assim potencializarmos entendimentos muito mais simples (porque nós mesmos fizemos) e apropriados ao contexto que quisermos. A geração de novos conhecimentos já está acontecendo dessa forma. Nesse novo modelo, os conteúdos não são mais simplesmente empacotados do professor para o aluno; mas são conteúdos que permitem a produção de uma parcela enorme de contribuições pelo estudante, geradas por meio de buscas ou de interações com qualquer parte do mundo ou da História, e expressos nas mais diversas formas midiáticas que fomos, até ontem, capazes de conhecer. Se os tablets são os recursos mais apropriados para produção desse salto de conhecimentos e de virtualização de nossos estudantes, feliz daqueles que os utilizam e utilizarão, até que outro recurso, mais eficiente, chegue ao mercado. SUSANE GARRIDO é diretora acadêmica e reitora da Universidade Estácio em São Paulo.

I

PAULO GUEDES Das inovações à ciranda financeira

ntensificam-se comparações entre a “crise de 2008-2009” e o que seria uma outra agora conflagrada, uma nova “crise de 2011-2012”. São também comparados os desempenhos dos Estados Unidos e da Europa ao longo desse temível “duplo mergulho”, como atletas deficientes em uma paraolimpíada. Poucos percebem que são diferentes dimensões de um mesmo e colossal fenômeno resultante da colisão de dois mundos. De um lado, a ascensão de bilhões de eurasianos do antigo universo socialista aos mercados globais de mão de obra, de crédito, de matériasprimas e de produção industrial. De outro lado, o declínio da civilização ocidental por seus próprios excessos. Os americanos são ainda os mais empreendedores e inovadores representantes da Grande Sociedade Aberta ocidental. É verdade que estão descen-

do pelos excessos de seus financistas, embalados por erros de suas autoridades. Mas, a exemplo do que ocorre com a natureza, o longo e rigoroso inverno de uma crise traz também a implacável erradicação das pragas com que os financistas contaminaram as economias de mercado. Lembrava-me um bom amigo, raríssimo exemplar de grande empresário e refinado intelecto, dos aspectos distintos da cultura popular americana: a associação do sucesso com o esforço e o talento, o culto da excelência e da meritocracia, o entusiasmo pela inteligência aplicada às inovações tecnológicas, a crença na cooperação voluntária por meio de contratos — em contraste à visão de luta de classes —, a não discriminação quanto à procedência, pois seus imigrantes, vindos de qualquer parte do mundo, passam a

chamar os EUA de “nosso grande país”. Tudo isso sugeria uma perspectiva de “normalização” ao fim da crise americana. E esse fim de crise estaria próximo graças ao incessante ativismo de seu banco central, o Federal Reserve. Essa era até há pouco a visão dominante nos mercados financeiros. Mas está cada vez mais distante a “volta aos bons tempos”. A própria atuação cada vez mais desesperada do Fed indica sua impotência ante a exaustão do mais longo ciclo de crescimento da história americana. Sua última iniciativa, a operação “twist”, é uma tentativa de derrubar artificialmente as taxas de juros de longo prazo sem ter de injetar ainda mais liquidez na economia. Vende títulos de curto prazo para financiar a compra de títulos de longo prazo. Arma o cadafalso da ciranda financeira em que será sacrificado.

De onde vem a bola?

Alvim

LUÍS ROBERTO BARROSO

A

Constituição brasileira prevê uma série de regras aplicáveis às empresas jornalísticas e às emissoras de televisão. Além de assegurar ampla liberdade de expressão, elas impõem que a propriedade de tais empresas, assim como sua gestão administrativa e intelectual caibam a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos. Tal disciplina, como natural, deve valer para o jornalismo impresso, televisivo e, também, para o jornalismo veiculado em portais de notícias na internet, quando voltados para o público brasileiro. O assunto discutido neste artigo é o risco de empresas jornalísticas e de televisão controladas por estrangeiros operarem diretamente no Brasil. A primeira questão a ser enfrentada diz respeito ao fato de que as empresas genuinamente brasileiras que atuam nesse mercado não podem ter mais de 30% de capital estrangeiro, por imposição constitucional. Admitir-se empresas com 100% de capital estrangeiro fazendo jornalismo ou televisão no Brasil não apenas viola a Constituição como cria uma competição desigual. Imaginese um jogo de futebol em que um dos times devesse observar as regras tradicionais e o outro pudesse pegar a bola com a mão, fazer faltas livremente e marcar gols em impedimento. A injustiça seria patente. Existem, todavia, razões mais substantivas para que as regras sejam mantidas e respeitadas. O Brasil é um país cioso de suas tradições culturais, que incluem uma belíssima música popular, o melhor futebol do planeta, novelas premiadas mundo afora e cobertura jornalística acerca dos fatos de interesse nacional. Entregar o jornalismo e a televisão ao controle estrangeiro poderia criar um ambiente de surpresas indesejáveis. No noticiário e na programação, teríamos touradas ou jogos de

beisebol. Ou, quem sabe, de hora em hora, entraria em tela cheia a imagem do camarada Mao, grande condutor dos povos. Como matéria de destaque, uma reportagem investigativa provando que Carlos Gardel era uruguaio e não argentino. Pura emoção. À noite, um documentário defenderia a internacionalização da Amazônia, na voz popular de Anderson Cooper. A Constituição instituiu as regras em vigor com o propósito de proteger a soberania, a identidade e a cultura nacionais. Ela deseja assegurar que a visão, a voz e os interesses do Brasil sejam veiculados, impedindo-se sua colonização por empresas, cultura e capitais estrangeiros. Os riscos são evidentes: a des-

nacionalização da agenda política e social do país e a imposição progressiva de valores culturais hegemônicos em outras partes do mundo. O objetivo não é o de uma reserva de mercado, mas justamente o contrário: pretendese assegurar o pluralismo e a diversidade. Todas as empresas jornalísticas do mundo podem veicular seus conteúdos para o Brasil, inclusive e notadamente por via da rede mundial de computadores. E, da mesma forma, as empresas jornalísticas brasileiras podem colocar na internet as notícias e opiniões que desejarem. A pluralidade de fontes de informação é uma das facetas positivas do mundo contemporâneo. O que não

se admite é o contrabando ou a falsificação: o produto que se apresenta como nacional e autêntico, quando não é. Em suma: é injusto que competidores em um mesmo mercado estejam sujeitos a regras diversas; é ruim que a cultura brasileira seja devorada por valores e interesses estrangeiros; seria desastroso que a agenda política do Brasil fosse definida fora do país. Podemos jogar qualquer jogo. Mas as regras devem ser as mesmas para todos e, sobretudo, precisamos saber de onde vem a bola. LUÍS ROBERTO BARROSO é professor de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e advogado da Abert.

O alto custo da energia de Angra III JOAQUIM FRANCISCO DE CARVALHO e ILDO LUÍS SAUER

O

custo da energia produzida em uma usina nuclear inclui a amortização do capital, o custo do combustível, os custos de administração dos rejeitos de baixa e média atividade, as despesas de descontaminação e desativação da usina ao cabo de sua vida útil e, ainda, a deposição final dos rejeitos de alta atividade. No caso de Angra III, para se calcular o verdadeiro custo de sua produção, deve-se, evidentemente, incluir o valor do investimento já realizado no projeto, o qual, referido a valores de hoje, monta a R$ 1,2 bilhão. Há muito otimismo nas previsões de custos de usinas nucleares. Nos Estados Unidos, por exemplo, as usinas implantadas entre 1966 e 1986 tiveram, em média, custos 200% acima do previsto (CBO — Congressional Budget Office, 2008, “Nuclear power’s rôle in generating Electricity”, May 2nd, 2008). E os PWRs de nova geração que a

empresa francêsa Areva está construin- ros de 7,5% ao ano (TJLP + 1%), endo na Finlândia, por exemplo, já estão trando os 30% restantes como equity custando o dobro do que foi estimado (entre 8% e 12% a.a). Admitimos, antes do começo da obra (Rienstra, A., também, que o custo do combustivel “Splitting the atom costs double in Fin- sera igual ao de Angra II, isto é, R$ 12/MWh. land — Energy, Finance Estima-se que, no and Business Finland”, Brasil, o descomissioSep, 16, 2008). Assinalenamento de uma usina se que é a mesma Areva Nossa energia nuclear implicará futuque, em associação ros investimentos de, com a Eletronuclear, senuclear vai no mínimo, R$ 800 por rá responsável pela kW elétrico instalado, obra de Angra III. custar quase o o que, somado ao que O governo brasileiro será gasto na adminisdestinou recursos no dobro da traçâo dos rejeitos de montante de R$ 10 bibaixa e média atividalhões para a conclusão energia eólica des e na deposição fida obra, sem incluir os nal dos rejeitos de alta juros durante a consatividade, poderá incitrução. A este valor deve ser somada a quantia de R$ 1,2 bi- dir com algo em torno de R$ 3/MWh lhão, correspondente ao que já foi in- na tarifa de geração, ao longo da vivestido na obra, sem considerar os da útil da usina. Efetuando os cálculos com base custos financeiros. Nos cálculos que resumimos a se- nestas premissas, vê-se que o invesguir, admitimos que Angra III será timento de capital na obra de Angra construída em 66 meses e que o BN- III será de R$ 19,5 bilhoes, resultando DES financiará 70% de seu custo, a ju- daí custos anuais de R$ 2,5 bilhões

(incluindo anuidade para a recuperação do capital, seguros, manutenção, despesas com pessoal, encargos trabalhistas etc.). Admitindo-se, com otimismo, que Angra III opere a plena capacidade durante 7.450 horas por ano e, também com otimismo, que o custo do combustível tenha uma incidência de R$ 12/MWh no custo final, conclui-se que a energia gerada em Angra III custará R$ 190/MWh. Para comparar, a energia eólica, cujo potencial de geração no Brasil é muito superior ao do urânio, foi negociada a R$ 100/MWh no leilão realizado em agosto passado. JOAQUIM FRANCISCO DE CARVALHO foi diretor industrial da Nuclen (atual Eletronuclear) e é pesquisador do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da Universidade de São Paulo. ILDO LUÍS SAUER foi diretor de Gás e Energia da Petrobras e é diretor do IEE.

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