A crise do IBGE e a necessidade de mudanças Recentemente, o governo suspendeu a Contagem da População, que já havia sido adiada de 2015 para 2016. A alegação é que não há recursos orçamentários para bancar. A Contagem da População é realizada no período entre os Censos Demográficos, justamente para atualizar dados necessários a diversas finalidades. Para os municípios, a mais importante delas é o cálculo e atualização dos recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Em um país com população estimada em mais de 204 milhões de habitantes, distribuídos em mais de cinco mil cidades, essa não é qualquer questão. O cancelamento da Contagem prejudica muitos municípios no financiamento de sua gestão e, em consequencia, prejudica a população de cada um destes locais, especialmente aquela parcela que mais necessita da construção e atuação de políticas públicas. A todo o momento, o Instituto sofre novos cortes orçamentários e contém suas despesas, afetando duramente sua capacidade técnica e operacional. Anteriormente, o orçamento destinado às pesquisas já havia sido cortado para um terço do originalmente previsto. Ademais, o IBGE sofre de várias outras carências, como a escassez de pessoal e a falta de planejamento. Essa oscilação da produção do Instituto ao sabor das dinâmicas da economia e da política não é condizente com a estabilidade necessária para construir oficialmente a estatística, a cartografia e a geodésia do País. Tal quadro afeta dramaticamente a capacidade de construir as informações que o governo e a sociedade precisam para conhecer detalhadamente a realidade brasileira e agir no sentido de transformá-la. Assim, nem os acontecimentos de 2014, que deram visibilidade ao problema do IBGE, nem o cancelamento da Contagem da População, configuram casos isolados. Fazem parte de uma dramática crise institucional em curso no IBGE, cujos principais aspectos são mencionados a seguir: 1) Esvaziamento do quadro técnico: resultado de um efeito combinado, de um lado, pelas massivas aposentadorias e, de outro, pela evasão de novos quadros. De cerca de 14 mil funcionários nos anos 90, passamos a 5.895 (Mar/2015), dos quais 60% possuem mais de 26 anos de serviço, e 42% mais de 31 anos de serviço. Ou seja, há quase 4 mil trabalhadores prestes a sair da Casa, nos próximos anos. Os novos quadros que entraram no IBGE, por sua vez, não foram suficientes para repor as saídas por aposentadorias. De 2011 para cá, ocorreram 1.679 aposentadorias e entraram apenas 659 servidores. Além disso, os novos servidores sentem-se impelidos a buscar melhores condições de trabalho e de remuneração, em outros órgãos públicos ou mesmo no setor privado (houve 212 pedidos de exoneração no mesmo período). 2) Substituição de trabalhadores efetivos por temporários: o IBGE tem utilizado massivamente força de trabalho temporária, com salários ínfimos (cerca de 1,3 salário mínimo) e condições de trabalho precárias, assumindo responsabilidades em todas as etapas da produção (inclusive na supervisão das pesquisas). Hoje, há mais de 5.500 trabalhadores temporários atuando no IBGE, e o último processo seletivo simplificado foi para 7.825 vagas. Atualmente (dados de mar/2015), das 576 agências de coleta e disseminação, 4 funcionam sem nenhum servidor efetivo, 23 com apenas 1 servidor efetivo, 180 com apenas 2 servidores efetivos e 174 com apenas 3 servidores efetivos. De todas as Unidades Estaduais (UEs) do IBGE, apenas três apresentam uma proporção de temporários menor do que de efetivos. A média geral nas UEs é de 59% de temporários, e esse quadro deve se agravar, já que as aposentadorias se aceleram, bem como a absorção de novos temporários. Trata-se de uma força de
trabalho que entra e sai rapidamente do IBGE, pois, embora os contratos possam durar até 3 anos, as recorrentes avaliações de desempenho, pressões produtivistas e baixos salários indicam o caminho da saída. Isso dificulta muito a capacidade de treinamento e qualificação permanente no Instituto, com implicações sobre a qualidade das informações fornecidas à sociedade. 3) Cortes orçamentários: O orçamento do IBGE, além de estar aquém do que seria necessário para cumprir sua missão institucional, é alvo de recorrentes cortes, com fortes repercussões na capacidade de cumprir o plano de trabalho. Assim, sofre-se de um problema crônico de planejamento, que em grande medida está associado à instabilidade financeira do órgão. Em 2007, o orçamento executado do IBGE foi de R$ 1.464,6 milhões. Em 2013, foi de R$ 1.889,5. Nesse meio tempo, de maneira geral, pode-se dizer que o orçamento do IBGE, em termos nominais, esteve estagnado. Atualizando o orçamento para valores de 2013, considerando que a inflação do período, medida pelo IPCA, foi de 45,9%, vemos que, como a evolução do orçamento do IBGE nestes anos, em termos nominais, foi de 29%, há uma queda real no orçamento empenhado do IBGE, nos últimos anos, de 11,6%. Ao desmembrar o orçamento do IBGE neste mesmo período, vemos que as despesas com pessoal e encargos subiram 22%, em termos reais (cresceram de R$ 927,7 milhões para R$ 1.648,3 milhões, variação nominal de 77,7%). Entretanto, o item “outras despesas correntes”, que é o que impacta na realização das pesquisas, para o cumprimento cotidiano do plano de trabalho da instituição, teve uma queda real de 69,2% (passou de R$ 536,9 milhões para R$ 241,2 milhões, queda nominal de 55,1%). No que toca estritamente ao período mais recente, entre 2011 e 2013 o orçamento empenhado do IBGE cresceu, em termos nominais, 20%.Em termos reais, ficou estagnado. Excetuando as despesas com pessoal e encargos, sofreu queda real de 6%. O último corte na LDO implicou no novo adiamento da Contagem da População e da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), que ajuda na construção das ponderações dos indicadores de inflação. 4) Gestão gerencialista e autoritária: a direção do IBGE tem aceitado passivamente quaisquer restrições técnicas e orçamentárias, buscando passar à sociedade e ao corpo técnico da instituição a ideia de que é possível seguir normalmente com o plano de trabalho com a qualidade que nos é peculiar, fazendo sempre “mais com menos”. Os trabalhadores, por sua vez, têm se mostrado amplamente críticos à gestão do Instituto e requerem a realização de um Congresso Institucional para debater os rumos do IBGE, neste momento de amplas e dramáticas mudanças, com repercussões inevitáveis sobre o processo de trabalho. O ápice desta faceta da crise foi a decisão intempestiva e sem consulta ao corpo técnico de suspender a divulgação dos resultados da PNAD Contínua no ano passado, o que, combinado aos outros fatores, provocou uma greve de 80 dias, durante a qual a direção do IBGE demitiu cerca de 180 trabalhadores grevistas. Após a greve, a característica autoritária da direção do IBGE permanece com outras medidas anti-sindicais (limitação da comunicação do sindicato com os trabalhadores por meio de e-mails; proibição e restrição de assembleias; desrespeito ao acordo firmado ao fim da greve; etc.) e de rigidez na vigilância e controle dos trabalhadores. Importante destacar que os gestores do IBGE se perpetuam no poder há muitos anos, impondo uma lógica liberal e estreita de precarização e apequenamento do instituto. O contexto pelo qual passa o IBGE é dramático e precisa do envolvimento de toda a sociedade para a consolidação de uma saída positiva para sua crise institucional. É a capacidade de retratar o Brasil com informações necessárias ao conhecimento da sua realidade e ao exercício da cidadania que caracteriza a essência do trabalho do IBGE. Sem estas informações, absolutamente necessárias ao planejamento da política pública e dos diferentes setores econômicos e sociais, nem se constrói cidadania, nem o Brasil é capaz de avançar. ASSIBGE – EXECUTIVA NACIONAL