285
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO 1ª CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL nº. 0002267-47.2015.8.19.0055 APELANTE: MARCELO ROCHA APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO RELATOR: DESEMBARGADOR MARCUS BASILIO
EMENTA: CONSTITUCIONAL – PENAL – PROCESSO PENAL ESTATUTO DO DESARMAMENTO – PROVA - PRELIMINAR REJEITADA – INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO – PRISÃO EM FLAGRANTE –DESNECESSIDADE DE ORDEM JUDICIAL NO CASO CONCRETO – CRIME PERMANENTE – PORTE DE ARMA DE FOGO E MUNIÇÕES – NUMERAÇÃO RASPADA – LAUDO PERICIAL POSITIVO – INCIDÊNCIA DO ARTIGO 16, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI 10.826/03 – PROVA – DEPOIMENTO DE POLICIAL – VALIDADE – CONDENAÇÃO – RECURSO DEFENSIVO – PLEITO ABSOLUTÓRIO INVIÁVEL – MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS – DOSIMETRIA CORRETAMENTE DOSADA. A situação de flagrância delitiva afasta a necessidade de mandado judicial para entrada em domicílio ou local de trabalho, consoante se extrai da leitura do art. 5°, XI, da Lei Maior. Caracterizado o delito de porte de arma de fogo e munições, cuja permanência lhe é própria, podem os agentes públicos adentrar ao local do trabalho do suspeito, que para lá se refugiara após breve abordagem e discussão, independentemente de mandado judicial. Precedentes. Preliminar que se rejeita.
MARCUS HENRIQUE PINTO BASILIO:000009696
Assinado em 12/07/2016 18:37:55 Local: GAB. DES MARCUS HENRIQUE PINTO BASILIO
286
Não mais se controverte acerca da validade do depoimento prestado pelo policial, podendo a sentença condenatória nele se escorar. Aplicação da súmula nº 70 do TJRJ. Prova suficiente para confirmar a imputação respectiva. Pena aplicada no mínimo legal, devidamente substituída por duas restritivas de direitos. Recurso desprovido.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos da APELAÇÃO CRIMINAL nº. 0002267-47.2015.8.19.0055, em que é Apelante: MARCELO ROCHA BASTOS; e Apelado: O MINISTÉRIO PÚBLICO; ACORDAM os Desembargadores que compõem a 1ª Câmara Criminal, por unanimidade de votos, em rejeitar o lance preliminar e no mérito negar provimento ao apelo defensivo. Rio de Janeiro, 12 de julho de 2016.
DESEMBARGADOR MARCUS BASILIO RELATOR
287
APELAÇÃO CRIMINAL N°. 0002267-47.20115.8.19.0055
VOTO
Conheço do recurso interposto, porquanto presentes seus pressupostos de admissibilidade.
Como antes relatado e de acordo com as razões recursais, a defesa técnica do acusado MARCELO apelou buscando, preliminarmente, a nulidade do feito, em razão da ilicitude da prova (ausência de autorização judicial/Mandado de Busca e Apreensão) e, no mérito, a absolvição por insuficiência probatória, sob o argumento de que a prova se alicerçou exclusivamente nas declarações dos policiais.
Inicialmente, destaco e rejeito a preliminar arguida pela defesa técnica que busca a nulidade do feito em decorrência de ofensa à inviolabilidade de domicílio.
Com efeito, a defesa procura destacar a ilicitude da diligência que culminou na apreensão de uma pistola calibre 380, com numeração raspada, 10 munições e na prisão do acusado, vindo a reclamar da ausência do mandado judicial de busca e
288
apreensão, o que torna a prova ilícita e, assim, imprestável para escorar o juízo de reprovação.
Penso que a diligência ocorreu de forma lícita.
Não se controverte que a carta magna assegura a inviolabilidade do domicílio. Todavia, ela mesma aponta exceções, ressaltando com relevância no caso concreto, “salvo em caso de flagrante delito”.
O delito de porte, ocultação ou ter em depósito arma de fogo é classificado como de caráter permanente e a situação da flagrância se prolonga no tempo, daí porque, mesmo que a entrada no imóvel não seja autorizada, o mandado judicial é prescindível ante a situação de flagrante delito.
A jurisprudência de ambas as Turmas de Direito Penal do STJ é pacífica neste sentido. Transcrevo:
Processo AgRg no HC 319643 / RJ Relator(a) Ministro GURGEL DE FARIA (1160) Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do Julgamento 03/11/2015 Data da Publicação/Fonte DJe 18/11/2015 Ementa
289
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE E BUSCA E APREENSÃO. NULIDADE POR AUSÊNCIA DE MANDADO JUDICIAL E AGRESSÃO FÍSICA SOFRIDA PELO PACIENTE. EXAME. INCURSÃO NO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE NO WRIT. 1. Não se conhece de habeas corpus quando a matéria ventilada demanda revolvimento fáticoprobatório. 2. Hipótese em que averiguar a existência de ilicitude na obtenção das provas, constatando eventual invasão de domicílio, bem como aferir a ocorrência da agressão física relatada, esta última sequer examinada na instância originária, constitui providência que não se coaduna com a via estreita do habeas corpus, por demandar necessária incursão no acervo fático-probatório, como declinado na decisão agravada. 3. Ainda que ultrapassado aquele empeço, a conclusão alvitrada no acórdão impugnado se harmoniza com a orientação pacificada nesta Corte, segundo a qual "é dispensável o mandado de busca e apreensão quando se trata de flagrante de crime permanente, como é o caso do tráfico ilícito de entorpecentes" (HC 322.609/SP, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO, DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE, QUINTA TURMA, julgado em 30/06/2015, DJe 19/08/2015). 4. Agravo regimental desprovido.
Processo HC 335910 Relator(a) Ministro NEFI CORDEIRO (1159) Órgão Julgador T6 - SEXTA TURMA Data do Julgamento 20/10/2015
/
SP
290
Data da Publicação/Fonte DJe 06/11/2015 Ementa PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO TRÁFICO DE ENTORPECENTES. NULIDADE DAS PROVAS. CRIME PERMANENTE. PERSEGUIÇÃO E INVASÃO DE DOMICÍLIO. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO. AUSÊNCIA DO REQUISITOS. REITERAÇÃO. ILEGALIDADE. INOCORRÊNCIA. 1. É assente nesta Corte Superior o entendimento de que por ser permanente o crime de tráfico de entorpecentes, desnecessário mandado de busca e apreensão para adentrar ao domicílio do flagranteado. Precedentes. Também se submetem a este entendimento as representações do Estatuto da Criança e do Adolescente, eis que à elas aplicam-se subsidiariamente as previsões do Código de Processo Penal. 2. Fundamentada a aplicação da medida de internação na reiteração infracional do adolescente, uma vez que o representado é reincidente e já passou por medida de liberdade assistida e internação (fls. 119), sem que disso resultassem efeitos positivos, preenchendo, pois, o inciso II do art. 122 do ECA, não se constatam ilegalidades no ato atacado. 2. Habeas corpus denegado.
No caso concreto, os policiais autores da prisão em flagrante narraram, em síntese, que, no dia dos fatos, estavam realizando abordagens em pessoas que se encontravam no local por conta de denúncia de tráfico de drogas que ali estaria ocorrendo, tendo o acusado MARCELO perguntado o motivo da operação. Após isso, por entender que havia certa conduta
291
suspeita, o policial militar FABIO acompanhou o acusado quando ele adentrou no estabelecimento comercial em que laborava, momento em que presenciou o momento em que ele tentou se desfazer de uma sacola embaixo da pia, vindo a constatar que se tratava de um invólucro contendo arma de fogo e munições, devidamente apreendida pelo policial.
Vê-se, assim, que a apreensão da arma ocorreu de forma regular, eis que o acusado, sem a devida autorização legal, portava e procurou esconder uma arma de fogo, conduta que tipifica delito de natureza permanente, circunstância, por si só, a autorizar a diligência policial independentemente de ordem judicial, eis que certo o estado de flagrância.
Desta forma, não há que se falar em prova ilícita.
Superada a questão preliminar, passo a análise do mérito recursal.
Nas respectivas razões, busca o apelante a absolvição sustentando a fragilidade do conjunto probatório em razão da condenação estar escorada, unicamente, no que foi dito pelos policiais.
Não assiste razão à defesa.
292
A materialidade restou comprovada pelo auto de apreensão (índex 15/16), laudo de exame de arma de fogo e munições (índex 195), sendo constatada pela perícia técnica que a arma apreendida tem capacidade de produzir disparos, sendo de uso permitido, estando, porém, com o seu número de série suprimido, não tendo sido possível a sua identificação, o que tipifica o delito do artigo 16, parágrafo único, IV, da Lei 10826/03.
Esclareço que a jurisprudência se firmou no sentido de que aquele que está na posse de arma de fogo com numeração raspada tem sua conduta tipificada no artigo 16, parágrafo único, IV, da Lei 10826/03, mesmo que o calibre do armamento corresponda a uma arma de uso permitido.
Neste sentido:
Processo AgRg no REsp 1362148 / SC Relator(a) Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA (1170) Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do Julgamento 08/03/2016 Data da Publicação/Fonte DJe 11/03/2016 Ementa AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. POSSE DE ARMA COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA OU RASPADA. CONDUTA QUE SE AMOLDA AO ART. 16, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO IV DA LEI 10.826/2003. PERÍCIA DESNECESSÁRIA, ANTE A
293
EVIDÊNCIA DA SUPRESSÃO DO NÚMERO DE SÉRIE. CRIME DE MERA CONDUTA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a posse de arma com numeração raspada, danificada ou suprimida implica o juízo de tipicidade do crime previsto no artigo 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei 10.826/03, independentemente da ausência de exame pericial no armamento, por se tratar de delito de mera conduta. 2. Agravo Regimental desprovido.
No tocante à autoria, como em regra ocorre nos crimes dessa natureza, a prova principal se baseia no que foi dito pelos policiais autores da prisão, já estando pacificado neste Tribunal que tal tipo de prova é válido como qualquer outra (súmula 70 do TJRJ).
No caso concreto, não há qualquer contradição de valor no que foi dito pelos autores da prisão, sendo certo que a defesa não produziu qualquer prova que pudesse levar este relator a desacreditar naqueles depoimentos, ficando demonstrada a apreensão, com o acusado, da arma referida na denúncia.
Por outro lado, em seu interrogatório, o acusado negou a propriedade da arma, fazendo uso do seu direito constitucional de autodefesa, nada trazendo aos autos, no entanto, no sentido de levar ao descrédito o que foi dito pelos policiais.
294
Assim, não há dúvida quanto à procedência plena da pretensão punitiva deduzida, devendo ser mantida a respectiva condenação, questão bem analisada na sentença guerreada.
Dosimetria irretocável, eis que a pena foi aplicada no mínimo legal, e, depois, substituída por duas restritivas de direitos.
Pelo exposto, dirijo meu voto no sentido de rejeitar o lance preliminar e no mérito negar provimento ao apelo defensivo. É como voto.
Rio de Janeiro, 12 de julho de 2016. DESEMBARGADOR MARCUS BASILIO RELATOR