para - segulr em trente

para -segulr em trente 0 tempo necessario, apos a morte de uma pessoa querida, para cicatrizar as emo@es e os cuidados que voc6 deve ter consigo mesmo...
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para -segulr em trente 0 tempo necessario, apos a morte de uma pessoa querida, para cicatrizar as emo@es e os cuidados que voc6 deve ter consigo mesmo

ERA MADRUGADA quando o telefone

tocou no meu apartamento e m S i o Paulo. E o unico horirio em que torqo para ser engano. Era meu irmio. Dizia que meu pai havia tido outro enfarte e que era melhor eu embarcar para Goilnia. Meu pai j i havia sido internado uma dezena de vezes nos anos anteriores, mas dessa vez havia uma solenidade na voz do meu irmio. E eu me perguntava se ja tinha acontecido. Comprei a passagem pela internet e esperei o amanhecer. Queria chegar a

tempo de encontrar meu pai vivo pela ultima vez, para algum tip0 de despedida. Na sala de embarque, tocou o celular. Era uma colega dos tempos da faculdade. Essa amiga me confortou com seus sentimentos e nunca soube que foi ela quem deu a noticia definitiva. E, n i o haveria despedida. Me lembro bem da sensaqio: sozinho naquele espaqo amplo e frio, com a mala de mio, tentando poupar a voz doce ao telefone de qualquer constrangimento. A verdade C que n

)I eu n i o sabia o que sentir. Quando finalmente vi o corpo do meu pai, fiquei surpreso com o fato de me sentir em paz. Ele parecia sereno. Nio sou de chorar. No velorio e no enterro, fui exposto ao choro dos outros, que despertava em mim um senso de inadequagio. 0 que havia de errado comigo? 0 fato e que passei todo o anode 2007 muito melancolico, com lagrimas que corriam facilmente. NBo sentipropriamente aperda - senti a ausencia, o que toma mais tempo. Para esta reportagem, conversei com estudiosos do luto. E com gente que perdeu urna filha, os pais, o marido. Academicos ou empiricos, esses especialistas me auxiliaram a perceber que o luto 6 uma experiencia sobretudo subjetiva. Aceitar isso 6 o melhor jeito de comegar a se ajudar nesse processo. "Nio e estranho que tenham sido desenvolvidos sistemas educacionais para quase tudo - de assar um bolo a tocar um negocio - e, mesmo assim, nBo nos ensinam a lidar com o que pode ser urna experiencia devastadora?", questiona a psicologa inglesa Ursula Markham no livro Luto - Esclarecendo Suas Duvidas g gora). "Apenas quando aprendemos a lidar com a morte e que temos condigdes de viver plenamente." A psicbloga Maria Aparecida Mautoni , coautora da obra Comer) , que sando sobre o Luto ( ~ ~ o r aafirma a dor da perda e universal, mas que o tabu em relagio ao assunto e um fen& meno que varia de acordo com a epoca e a cultura. "Ate o seculo 12, as pessoas conviviam em casa com a morte dos parentes. Com o surgimento dos hospitais, ela ficou escondida." Apesar de continuar sendo um desfecho

natural, parte da vida. A morte e um fato -um destino que todos necessariamente compartilhamos. Aceitar o desaparecimento de outrapessoa nos ajuda a diminuir os temores associados a ideia de nossa propria mortalidade. Esse acolhimento nos permite seguir em frente e viver da maneira mais autentica e positiva. A psiquiatra suiga Elisabeth Kliiber-Ross publicou o livro Sobre a Morte eoMorrer (Martins Fontes), em que apresenta as cinco fases do luto: nega$20 ("ISSOn i o pode estar acontecendo"), raiva ("Por que comigo?"), barganha ("Uma m i e tem de viver ate os filhos crescerem"), depress20 ("Nada faz sentido") e aceitagio ("Tudo vai acabar bem"). Aprincipio, esses estigios podem ser aplicados a qualquer tip0 de perda, como urna separagio, urna demissio, a morte de urna pessoa querida e ate urna doenga terminal. Mas essas fases nem sempre ocorrem nessa ordem e podem ser concomitantes, mas todo mundo deve passar por ao menos duas delas.

Sem nome Ha tr&sanos, a secretaria Marcia Noleto perdeu a filha Mariana, de 2 0 anos, em um acidente de helicopter0 na Bahia. "Aprendi que, quando tudo se desintegra, voc6 entra em contato com muitos sentimentos ", recorda-se. Saudade e amor disputam espago com emogdes menos nobres, como a furia e o desejo de vinganqa. "VocP tem de escolher quem vai ser e que atitudes tomar depois da destruigio." Quando a dor se assentou, Marcia passou a encarar o sofrimento como urna oportunidade de mudanga. "Valorizei mais a vida e passei a

saborear cada minuto e amar meus familiares com mais ardor." A secretaria criou tambemum grupo de apoio no Facebook para reunir outras mies que, como ela, tiveram de reformular suas vidas depois do luto de um filho. A comunidade Mies Sem Nome reune, atualmente, mais de 15 mil integrantes, como membros das famihas que perderam jovens no incendio da boate Kiss, em Santa Maria, ou na Chacina de Realengo, no Rio. Sio mies sem nome, porque, como explica a criadora, n i o ha como nomear quem enterra um filho - n i o existe um vocabulo como "orfio" ou "viuvo" que exprima essa condigio. Marcia organiza encontros e palestras para troca de experiencias entre os participantes. A rede social funciona tambCm como um centro de emergPncias emocionais, que funciona 24 horas. "E comum que mBes nessa situagio sofram de insbnia - sempre havera urna palavra amiga online." A reportagem que vocP 16 agorae, de algum modo, outro fruto do MBes Sem Nome. 0 tema foi sugerido pela propria Marcia, leitora de VIDA SIMPLES. Ela enviou urna mensagem para a redagio, em que contava como ler a revista foi importante em seu processo de luto. Ao mesmo tempo, dizia sentir falta de informagdes sobre o que urna pessoa pode fazer por si mesma para se confortar nesse periodo. Ler, conversar e ver filmes s i o recursos importantes para entrar em contato com os proprios sentimentos em um momento t i o delicado. De fato, tudo isso ajuda a refletir sobre o que se foi e o que ficou, atribuir significado aos acontecimentos. "E e essa compreensBo (de si mesmo) que n

faz o process0 ser mais ou menos doloroso", afirma a medica Adriana Thomaz, especialista em dor e psicoterapeuta de luto. "Sempre me perguntam: qua1 e a magica? Respondo que e ajudar opaciente a se entender, como pode passar por isso, quais recursos tem, qua1 o sentido de sua vida e o que ainda o mantem aqui", diz Adriana. 0 tempo medio de acompanhamentovaria entre seis meses e um ano. Mas a psicoterapeuta frisa que luto n5o tem prazo de expiraqHo.

))

Sem chiio Quando perdeu o marido em 2 0 0 2 , a secretaria Lisian Mascari ficou desolada. Tinha 28 anos e o marido, 32, quando ele descobriu um tumor no cerebro. "Fiquei sem chio, o teto e as paredes", lembra, extrapolando a metafora habitual na tentativa de descrever o que sentiu. Lisian se deu conta de que todos os seus planos eram em casal. Ficou, assim, sem qualquer sonhoouperspectiva que fosse capaz de a consolar naquele momento. Lisian retomou o trabalho pouco depois da morte do marido, seguindo a recomendaqfo de alguns colegas. Mas, dois anos depois, ainda se sentiapresa apetda. EntHo, pediudemiss50 para tirar um period0 sabatico. "Estava t50 infeliz que precisava fazer, por um tempo, so o que me desse prazer." Isso durou cinco anos. Viajousozinha para o Canada, fez cursos de danqa, tornou-se urna leitora assidua dos guias semanais de cultura de Sio Paulo, onde mora. Talvez ainda n i o fosse felicidade, mas era um jeito de manter a vida viavel. Para ela, como parece acontecer com muita gente nessa situaqio, o luto foi urna

experihcia de autoconhecimento. Hoje, aos 40, ela trabalha como organizadora pessoal freelancer. Contudo, alguns tipos de luto requerem uma cornpreens50 maior n5o de si mesmo, mas de quem partiu. No documentario nacional Elena, a irmH da personagem-titulo reconta a historia da jovem atriz brasileira que se mudou para Nova York, nadecada de 1990, em buscade urna carreira no cinema, masque, apos algumas investidas inocuas, caiu em depress50 e se matou. "Acho que essa e das dores mais profundas que alguem pode viver, urna dor que me marcou de formas das quais niio consigo falar, a n5o ser pela poesia", explica a cineasta Petra Costa, que tinha 7 anos quando tudo aconteceu. "Foi so por meio do cinema que pude falar dessa perda, expressar essa tristeza inexprimivel." Petra se identifica com o mod0 como Carlos Drummond de Andrade retrata o sentimento de perda nos versos do poema Aus&cia. " ~ a a u s & n cia n5o ha falta/ A aushcia 6 urn estar em mim", escreveu. "Durante a realizaq5odo filme, fui conhecendo muito mais a Elena, e isso fez com que eu ganhasse urna inn5 para imediatamente perd&-lade novo, de urna forma muito mais consciente", avalia. Isso lembra os versos finais do tal poeminha de Drummond: "Essa ausincia assimilada, ninguCm rouba mais de mim."

Sem explicaqiio Quando tinha 28 anos, a psicologa Maria Regina Monteiro, hoje com 42, perdeu o pai e a m5e em um interval0 de tr&smeses. A m5e entrou em coma diabetico, repentinamente. 0 pai n5o aceitou a perda e se matou. Enquanto

vivenciava o proprio luto, a psicologa precisava tambem administrar a dor do irm5o mais novo, que sofre de autismo e passou dois anos deprimido. A despeito de todo o trabalho, cuidar dele talvez tenha sidoum jeito de a irm5 se distrair da propria tristeza. Despois dessa experiencia, Maria Regina decidiu dedicar a carreira ao estudo do luto. Uma das bases da metodologia da psicologa e o estimulo ao pensamento simbblico, a partir das narrativas de livros e filmes. E um jeito de atribuir significadoao que n5o vem com explicaq50. No ano em que meu pai morreu, tive varios pesadelos com ele. Em um deles, eu fazia urna longa viagem de carro, por estradas desertas, ate encontra-lo para um abraqo. Em outro, eu ainda morava com a familia. Viviamos normalmente, exceto pelo fato de que ele e eu compartilh~vamos um segredo angustiante: so nos sabiamos que ele estava morto. Hoje ainda sonho com ele com alguma regularidade. E, em geral, s5o tambem momentos em familia. Eu ainda sou adolescente e o meu pai ainda esta vivo. Meu inconsciente parece terse desapegado da informaqf o de que ele se foi. Ficou o essential: e o meu pai e age como pai, sem nenhum tip0 de idealizaq50. Eu acordo desses sonhos com saudade. Mas sem sofrimento. Hoje, o enxergo como urna obra completa, urna pessoa completa, com comeqo, meio e fim. Eu o admiro pel0 ciclo que viveu, pela pessoa em que se transformou a cada etapa no correr dos 54 anos que lhe couberam. NPo precisamos de despedida. A saudade e so um jeito novo de conviver. rn