A ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES DO RIO GRANDE DO SUL – AJURIS, por intermédio do seu Presidente, constituiu grupo de trabalho integrado pelos magistrados abaixo nominados para análise do teor e eficácia da Resolução CNJ 219 e seus reflexos no âmbito do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS, o que resultou na nota técnica que segue: Porto Alegre, 30 de agosto de 2017.
Eduardo Uhlein, Desembargador
Ricardo Pippi Schmidt, Desembargador
Roberto José Ludwig, Juiz de Direito
Leandro Raul Klippel, Juiz de Direito
Ruy Rosado de Aguiar Neto, Juiz de Direito
Juliano da Costa Stumpf, Juiz de Direito
NOTA TÉCNICA Em cumprimento à Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição instituída pela Resolução CNJ 194, de 26/05/2014, o Conselho Nacional de Justiça expediu a Resolução CNJ 219, em 26/04/2016, dispondo sobre a distribuição de servidores, cargos em comissão e funções de confiança nos órgãos do Poder Judiciário de primeiro e segundo graus. Tendo como norte a necessidade de estabelecer instrumentos efetivos de combate às causas dos problemas enfrentados pela primeira instância e à indevida desproporção verificada na alocação de pessoas, cargos em comissão e funções de confiança entre o primeiro e o segundo graus, o CNJ definiu parâmetros objetivos de distribuição da força de trabalho, vinculados à demanda de processos. De acordo com o art. 3º da referida Resolução, a quantidade total de servidores das áreas de apoio direto à atividade judicante de primeiro e segundo graus deve ser proporcional à quantidade média de casos novos distribuídos a cada grau de jurisdição no último triênio. Também estabelece que, quando a taxa de congestionamento de um grau superar em 10% a do outro, o tribunal deve providenciar a distribuição extra de servidores para o grau mais congestionado, a fim de promover a redução dos casos pendentes, exceto se o índice de produtividade dos servidores do grau mais congestionado for inferior ao índice de produtividade dos servidores do grau menos congestionado. O objetivo da Resolução é, pois, equalizar a distribuição da força de trabalho entre primeiro e segundo graus, proporcionalmente à demanda de processos.
A RESOLUÇÃO 219/2016-CNJ – CONCEITOS E CRITÉRIOS: Examinado o teor da resolução, constata-se, de plano, que a sua redação acusa preocupação centrada em tecnicalidades da estatística e desconhecimento grave da realidade dos foros e serviços judiciários em geral, notadamente quando se verifica a adoção de alguns conceitos com definições impróprias e empregos equivocados. Dois conceitos chamam atenção pela implicação de erros definicionais intrínsecos: “caso novo” e “processo baixado”. A própria Resolução, ao fixar os parâmetros para a definição da “lotação paradigma” e ao indicar o conceito de “casos novos”, equipara, equivocadamente, para os serviços de tribunal, “caso novo” a qualquer “feito” que tenha sido protocolizado no segundo grau – com ressalva de alguns ditos “interno” –, o que inclui as ações originárias e, também, os recursos oriundos da instância inferior, designados sob o termo “casos novos recursais de 2º Grau”. Por outro lado, a expressão “processos baixados” aporta em diversos comandos do texto e assume papel crucial na determinação da produtividade da unidade do serviço e, por derivação, da distribuição de servidores. Nesse cenário, tanto em “caso novo” como em “processo baixado” abrigam-se erros categoriais, uma vez que as respectivas definições se referem, equivocadamente, a realidades díspares, ou seja, pretendem subsumir numa unidade o que não é idêntico. Afinal, um recurso oriundo do primeiro grau jamais é, no sentido essencial, um caso novo, por definição, porque somente há recursos no curso de processos em andamento. Compreende-se que a Resolução CNJ 219, com base na Resolução CNJ 76 tenha buscado um parâmetro de comparação entre as atividades de primeiro e segundo grau. Porém, utilizou para esse fim um conceito que se mostra inadequado e contraditório. A inclusão dos recursos oriundos do primeiro grau como “caso novo” para a estatística do tribunal abriga um equívoco de definição, que não se mostra inócuo, uma vez que equipara partes de um caso com o seu todo, ou, dito de outro modo, fases de um mesmo processo com o próprio processo. Em primeiro grau, como se sabe, a atuação judicial envolve e exige o cumprimento de atividades múltiplas nas várias fases do processo: postulatória, conciliatória, de saneamento e organização do processo, instrutória e de julgamento. Já no segundo grau, de regra, há apenas a fase de julgamento instaurada a partir da interposição do recurso previsto em lei. Some-se a isso, ainda, as fases de cumprimento e execução processadas em primeira instância e que geram trabalho e dificuldades que acabam impactando significativamente a taxa de congestionamento do primeiro grau. A Resolução, portanto, adotou um conceito que não se adequa à realidade forense, ao assimilar recurso oriundo do primeiro grau a processo ou caso novo. Se, na maioria absoluta das situações, um caso novo demanda muito mais atos isolados do magistrado e do servidor do que os exigidos por um recurso oriundo do primeiro grau, a consequência óbvia é de que esse conceito não serve para comparar o volume de serviços de unidades com atividades distintas e, portanto, gera distorção se utilizado para a distribuição de servidores entre os serviços de primeiro e segundo graus.
Pela mesma ordem de razões, salta aos olhos o equívoco da utilização do termo “processo baixado” para incluir, ao mesmo tempo e sem distinções, um processo como unidade global e uma fração deste (recurso). Logo, o conceito de “processo baixado” não traduz, de modo equânime, a produtividade de um órgão de primeiro grau e de um órgão recursal. Em consequência, a distribuição de servidores e de premiações decorrentes da produtividade se concentrará nos serviços de segundo grau, em escala retroalimentada, o que fulminará o atingimento das finalidades de incrementar a eficiência (pelo menos no primeiro grau) e de equalizar a distribuição da força de trabalho entre os órgãos judiciários. Registro necessário se impõe ainda no que toca à omissão da Resolução em atentar para notória distorção que envolve a disparidade entre o número de servidores destacados para atividades diversas da atividade-fim do Poder Judiciário, lotados no segundo grau, e que evidentemente impactam os seus orçamentos. É o caso, por exemplo, do número de motoristas de desembargadores, copeiros e afins que, na estrutura funcional existente em muitos Tribunais, acabam por despender recursos que deveriam ser destinados para a prestação jurisdicional propriamente dita. A REALIDADE DO TJRS A PARTIR DOS PARÂMETROS DA RESOLUÇÃO CNJ 219 E DOS DADOS DISPONIBILIZADOS De acordo com os dados publicados pelo TJRS no portal da transparência, os casos novos têm ingressado 80% no primeiro grau e 20% no segundo grau. A distribuição atual de servidores da área de apoio direto à atividade judicante acompanha essa proporção, com alguma folga em favor do primeiro grau, justificada pela significativa diferença existente entre as taxas de congestionamento das duas instâncias (38% no 2º grau e 65% no 1º grau). No ponto relacionado com a distribuição de servidores, portanto, em que pese os equívocos conceituais acima destacados, não se evidencia descumprimento da Resolução CNJ 219 pelo Tribunal de Justiça no que toca à distribuição quantitativa de servidores. Já no que diz com a distribuição dos cargos em comissão e funções de confiança, o descumprimento é evidente. Segundo o art. 12 da Resolução CNJ 219, a alocação de cargos em comissão e de funções de confiança nas áreas de apoio direito à atividade judicante de primeiro e de segundo graus também deve ser proporcional à quantidade média de casos novos distribuídos a cada grau de jurisdição no último triênio, considerando-se, para tanto, não a quantidade de cargos em comissão e funções de confiança, mas, sim, o total das despesas com o pagamento desses cargos e funções. A julgar pelos dados fornecidos pela Assessoria da Presidência, que teriam sido extraídos do Justiça em Números 2016, a despesa com funções de confiança na área judiciária do primeiro grau é de R$ 18.962.176,00, o que significa 49% do total de R$ 38.380.295,00, quando o certo seria R$ 30.704.236, valor correspondente ao percentual de 80% de ingresso de casos novos. No segundo grau, onde atualmente está alocado o percentual de 51% das despesas com funções de confiança, equivalente a R$ 19.418.119,00, o correto, de
acordo com a Resolução, seria despender R$ 7.676.039,00, quantia referente ao percentual de 20% de ingresso de casos novos. Em matéria de distribuição de cargos em comissão, o descumprimento da Resolução CNJ 219 é ainda maior. O investimento com cargos em comissão na área judiciária do primeiro grau é de R$ 48.124.150,00, o que significa 36% do total de R$ 135.479.291,00, quando o certo seria R$ 108.383.432,80, valor correspondente ao percentual de 80% de ingresso de casos novos. No segundo grau, onde atualmente está alocado o percentual de 64% das despesas com cargos em comissão, equivalente a R$ 87.355.141,00, o correto, de acordo com a Resolução, seria despender R$ 27.095.858,20, quantia referente ao percentual de 20% de ingresso de casos novos. Considerando o somatório dos valores despendidos com funções gratificadas e cargos em comissão é evidente a distorção existente e o descumprimento da referida Resolução. Os valores despendidos no primeiro grau totalizam R$ 67.086.326,00, correspondendo a 38,59%, quando deveria ser de R$ 139.087.669,00 (80%). Já no segundo grau, a despesa total é de R$ 106.773.260,00, em percentual de 61,41%. Para cumprimento do art. 12 da Res. 219 tais valores deveriam ser de R$ 34.771.917,00 (20%). Em resumo, há uma diferença de mais de R$ 100.000.000,00 entre os valores que deveriam ser despendidos e os que efetivamente são pagos. Essas duas distorções impactam diretamente na taxa de congestionamento do primeiro grau de jurisdição, pois a diferença de vencimentos existente entre o secretário de juiz de entrância final (R$ 5.958,27) e o secretário de desembargador (R$ 12.037,00) e entre o assessor de juiz de entrância final (R$ 5.905,93) e o assessor de desembargador (R$ 14.003,01) dificulta a formação de uma equipe de gabinete qualificada na primeira instância, com importantes reflexos na produtividade. O PROJETO DE LEI Nº 93/2007 E SUA RELAÇÃO COM A RESOLUÇÃO CNJ 219 O PL 93/2017, a pretexto de cumprir a Resolução 219/2016 do CNJ, que determina a unificação de cargos entre o 1º e o 2º Graus, propõe a extinção paulatina (à medida que vagarem) do cargo de Oficial Escrevente (existente somente no 1º grau), e a sua substituição pelo cargo de Técnico Judiciário. Isso contraria a proposta do Plano de Cargos, porque adia, por cerca de trinta anos, a efetivação da carreira desses servidores de nível médio (e sua progressão, fator de estímulo e produtividade,) para os Oficiais Escreventes (os quais continuam a ser nomeados pela Administração do Tribunal, visto que há concurso válido). Os atuais Oficiais Escreventes continuarão fazendo parte de um cargo antigo, privativo do 1º grau, sem progressão e carreira, e sem condições de acesso ao 2º grau. O cargo atual de Oficial Escrevente, a se tornar um cargo em extinção pelo PL 93/2017, tem níveis remuneratórios vinculados a cada entrância (vencimento básico, na entrância inicial é R$ 3.695,82; na entrância intermediária, R$ 4.111,45; na entrância final, é R$ 4.571,78). Essa remuneração permanecerá inalterada, segundo o PL 93/2017. Ocorre que o novo cargo de Técnico Judiciário, instituído no PJRS pela Lei
Estadual nº 13.807/2011, tem vencimento básico inicial atualmente fixado em R$ 3.860,28. Assim, de acordo com o proposto pelo PL 93/2017, a nomeação de um Técnico Judiciário, na entrância inicial, implicará a percepção de uma remuneração inicial maior do que a paga aos Oficiais Escreventes postos em extinção, com quem aqueles conviverão por muitos anos até a sua completa extinção, e, nas entrâncias intermediária e final, uma remuneração inferior à dos Oficiais Escreventes em atividade, ainda que todos a realizar idênticas atividades, contrariando gravemente o princípio constitucional da isonomia e dando ensejo a futuras discussões judiciais sobre a juridicidade de tal tratamento remuneratório diferenciado. O PL 93/2017 nada prevê ou dispõe sobre os cargos de nível superior (cargo de Escrivão, privativo do primeiro grau). Somente no 2º grau, há o cargo de Analista Judiciário, de nível superior, instituído pela Lei nº 13.807/2010. Também nada refere sobre o cargo de Oficial de Justiça, o qual, atualmente, é cargo distinto e nãounificado para o 1º e para o 2º graus. Assim, para todos os cargos de nível superior e para os cargos de Oficial de Justiça, o PL 93/2017 não cumpre o preconizado pela Resolução CNJ 219. O PL 93/2007 não cria, de imediato, cargo algum, limitando-se a prever que o novo cargo de Técnico Judiciário será criado a cada extinção, por vacância, do antigo cargo de Oficial Escrevente (ressalvados 300 cargos, que inicialmente serão preservados de extinção). Ocorre que o novo cargo poderá ser lotado também no segundo grau (Tribunal de Justiça), o que poderia reduzir o efetivo de pessoal na atividade-fim justamente onde estão maiores as carências de pessoal (no Primeiro Grau). Ademais, diferentemente do que previsto no anteprojeto do Plano de Carreira, não se instituiu, no PL 93/2017, nenhum órgão de gestão de pessoal, necessário para planejar e gerir a distribuição equilibrada de cargos e servidores nos serviços judiciários e administrativos, observada a proporcionalidade da lotação entre os órgãos de 1º e 2º Graus. O PL 93/2017, embora encaminhado sob a justificativa de dar cumprimento á Resolução CNJ 219, nada dispõe sobre os cargos em comissão e funções gratificadas, que, atualmente, não são unificados no Judiciário do Rio Grande do Sul. A disparidade remuneratória entre a remuneração de um Assessor de Desembargador (vencimento básico de R$ 13.200,54, mais verba de representação de R$ 802,47) e um Assessor de Juiz de Direito (na entrância inicial do 1º Grau, vencimento básico de R$ 5.103,16) é motivo de alta rotatividade no cargo de assessoramento aos Juízes de 1º Grau, o que traz enorme prejuízo à qualidade e à produtividade. Ainda, as demais funções gratificadas integram tabelas distintas conforme a instância, sendo as reservadas ao Primeiro Grau com quantitativo e expressão monetária muito inferior às FGs instituídas para o pessoal lotado no 2º Grau, o que tampouco será alterado pelo PL 93/2017. A proposta, como se percebe da análise acima realizada, mesmo quando acerta ao criar um cargo que possa ser provido tanto no 1º como no 2º Graus, põe a perder todas as outras induvidosas vantagens de um Plano de Carreira, que são a sistematicidade, organicidade e previsibilidade na estruturação dos recursos humanos dos serviços judiciários, o que somente se conquista com estudo aprofundado da realidade dos serviços em ambos os graus, a análise dinâmica da movimentação de cargos e salários, a oitiva de todos os interessados e a atenção às demandas postas pelo planejamento estratégico de longo curso e pela eficiência da gestão de pessoal. Por conseguinte, o projeto mal pode ser considerado “um marco inicial para a unificação dos cargos de ensino médio do Poder Judiciário”, como constou da justificativa do PL, reduzindo-se, na verdade, a um singelo ganho de “flexibilidade na lotação de servidores”,
o que, longe de atingir os desideratos abrangentes da Resolução n. 219/CNJ e os objetivos de longo prazo do Planejamento Estratégico do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, parece ter sido, ao lado da economia momentânea no gasto com recursos humanos, o interesse predominante na concepção da iniciativa de lei.
CONCLUSÃO Pelo exposto: (a) conclui-se pela necessidade de revisão conceitual dos critérios utilizados para fins de comparação das atividades de primeiro e segundo graus previstos na Resolução CNJ 219 para que expressem a realidade dos serviços judiciários e possam ser atingidas as finalidades perseguidas; (b) mesmo na hipótese de manutenção dos critérios postos atualmente na Resolução CNJ 219, impõem-se o atendimento pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul do disposto nos seus artigos 12 a 14, que estabelece a proporcionalidade da distribuição das funções de confiança e cargos em comissão entre primeiro e segundo graus; (c) conclui-se por fim que o PL 93/2017 representa um retrocesso em relação ao planejamento estratégico do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, desprezando o anteprojeto de Plano de Carreira que prevê(ia) a instituição de um plano de cargos únicos para o 1º e 2º graus, com a instituição de um cargo de nível médio (Técnico Judiciário) e outro de nível superior (Analista Judiciário), sem entrâncias e instâncias, para as áreas judiciária, administrativa e especializada, já que deixa de promover a efetiva e imediata unificação das carreiras de nível médio e de nível superior e negligencia aspectos fundamentais para a equalização da força de trabalho entre o primeiro e o segundo graus.