José Carranca Redondo Centenário do nascimento do fundador
José Carranca Redondo Centenário do nascimento do fundador
Título: José Carranca Redondo. Centenário do nascimento do fundador Coleção I’M a Brand Edição: I’M in Motion e Have a Nice Day Coordenação I’M in Motion: Cristina Amaro Coordenação Have a Nice Day: Ana Rita Ramos Edição: Catarina Armindo e Sílvia Romão Capa: Licor Beirão Design: Mário C. Pedro e Margarida Girão Fotografia: AFFP - Agência Fotográfica Filipe Pombo e arquivo Licor Beirão Impressão: VRBL Tiragem: 1.000 exemplares Abril 2017 Depósito Legal: 424583/17
ÍNDICE
Prefácio 04 Cronologia A Marca e o Tempo
08
História O poder de uma boa história Mais do que números O homem que nasceu cedo demais
14 33 36
Ponto de viragem Fonte da Juventude
50
Comunicação e Design Marca que veio para ficar
62
Sou fã Mixologia de Paixão
78
Momento Vital Beirão pelo mundo
84
Bastidores Um segredo bem guardado
92
Futuro Compromisso familiar
102
Para quem gosta de histórias de amor, este livro começa bem: “Se casares comigo, Maria, compro a fábrica de licores”. Lêem-se estas palavras nas primeiras páginas deste livro. Mal sabia quem as proferiu que um dia fariam parte da história da sua própria marca, por sinal, hoje, uma das
Uma história à patrão Cristina Amaro
portuguesas mais icónicas... Além de atrevido e irreverente para a época, também no que toca aos amores, José Carranca Redondo era um vendedor desempregado que pouco tinha a ver com o licor. Olhando para trás, não é difícil perceber por que Maria aceitou o original pedido de casamento. Mas o que vale mesmo a pena saber é como se constrói uma marca com o mesmo ADN do seu fundador... Carranca Redondo não está cá para ver o que é hoje o seu
Diretora Editorial
licor... mas estará muito orgulhoso, esteja onde estiver,
Imagens de Marca
do caminho que construiu com a sua Maria e que a família continuou. Em particular o filho, também ele de nome José, e os netos, que também se entregaram ao negócio. Ao que parece, os bisnetos seguem-lhes os passos e daqui a meia dúzia de anos já serão eles a percorrer os mesmos corredores onde hoje se perdem nas brincadeiras. O pequeno mundo do enorme Licor Beirão visita-se nestas páginas. Uma quinta privada. Uma fábrica exclusiva. Um terreno onde também se plantam plantas e sementes aromáticas que fazem parte da receita do seu principal produto e uma única casa de habitação, a dos proprietários
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que vivem e trabalham num local tranquilo mesmo às portas da vila da Lousã. É beirão, o que diz ser “O Licor de Portugal”. Puro. E tem orgulho de o ser! Talvez a genuinidade lhe dê esse algo especial que o faz ser apreciado em muitos países onde se pode saborear, em vez de o ter tornado num produto serrano e sem expressão. Pais, filhos e netos olham para isso como mais-valia e não como obstáculo. Estar na Lousã em nada o impede de chegar onde quer. Como sempre foi. Já Carranca Redondo o fazia andar nas bocas do mundo com as suas estratégias inovadoras e a sua visão disruptiva para a época. Por muitos considerado o pioneiro do marketing em Portugal, José Carranca Redondo fazia de tudo para distribuir amostras de produto, publicitar a marca e levar todos e mais algum a saboreá-la. Os episódios que hoje a família conta são muitos. E muito reveladores das sua personalidade e irreverência. O Imagens de Marca teve o privilégio de o ter conhecido e entrevistado há 13 anos. Hoje, sou eu que tenho a honra de convidar o leitor a folhear as páginas de um livro que reúne as histórias da vida de uma marca, que se cruza com a vida de um homem que a ninguém deixa indiferente. Saboreie a leitura. Vai ver que se vai deliciar...
Licor Beirão Prefácio | 5
Se casares comigo, Maria, compro a fábrica de licores. José Carranca Redondo
datas que marcam
Líder nacional do mercado das bebidas espirituosas, o Licor Beirão tem uma história antiga, feita de perseverança, irreverência e inovação. Recordamos aqui os seus momentos mais marcantes.
1900
Inventado em finais do século XIX, um licor natural com fins digestivos começa a ser produzido e comercializado numa farmácia da Lousã
1908 O regicídio prenuncia a instauração do regime republicano, que se concretiza em outubro de 1910
1910
A venda de licores em farmácias é proibida
1916
José Carranca Redondo nasce a 29 de abril de 1916, na Lousã
1917
As primeiras aparições de Fátima
8 | Licor Beirão O Licor de Portugal
1928
Com apenas 12 anos, José Carranca Redondo torna-se funcionário da fábrica de licores da Lousã, onde trabalha durante dois anos
1929
O licor digestivo da Lousã ganha o nome de “Licor Beirão” em homenagem ao 2º Congresso Beirão de Castelo Branco Crash da bolsa de Nova Iorque. A chamada “quinta-feira negra” marca o início da “Grande Depressão”, o pior e mais longo período de recessão económica do século XX
1933 Primeiro registo da marca Licor Beirão
1939 Início da Segunda Guerra Mundial
1940
José Carranca Redondo compra a fábrica de licores e funda a empresa J. Carranca Redondo. Recorre a um financiamento, e dá início às primeiras campanhas publicitárias do Licor Beirão, percorrendo o centro do país a afixar cartazes
1951 Primeiros “painéis de publicidade” (outdoors)
1955 José Carranca Redondo apoia o ciclismo e promove o Licor Beirão em todo o país Licor Beirão Cronologia | 9
1958 O Licor Beirão é a segunda empresa portuguesa a utilizar a televisão para fins publicitários “Obviamente demito-o!” é uma das mais célebres frases da política portuguesa, proferida a 10 de maio por Humberto Delgado, que promete demitir Salazar no caso de ganhar as presidenciais
1960 José Redondo cria o icónico slogan “Licor Beirão – O licor de Portugal” e assume o papel de braço direito do pai na empresa e em todos os negócios da família
1961
A publicidade nas estradas é proibida, mas Carranca Redondo, numa atitude de rebeldia, continua a colocar os seus anúncios Sempre irreverente, Carranca Redondo “desafia” a ditadura criando uma publicidade ao licor que anuncia “O Beirão de quem todos gostam”
1968
Em setembro, Salazar sofre um acidente cerebral ao cair de uma cadeira no Forte de S. Julião. A sua morte ocorre dois anos depois, a 27 de julho de 1970.
1970
Carranca Redondo compra a Quinta do Meiral
10 | Licor Beirão O Licor de Portugal
1974 Portugal assiste à Revolução dos Cravos e, a 9 de agosto do mesmo ano, Richard Nixon renuncia à presidência dos EUA
1979 As vendas do Licor Beirão atingem 268.000 garrafas de litro e 7.000 de meio litro
1985
Spot de televisão com Tony de Matos como protagonista A 12 junho é assinado, em Lisboa, o Tratado de Adesão de Portugal à CEE
1997
O Licor Beirão vende pela primeira vez um milhão de garrafas por ano
1998 Exposição Mundial de Lisboa de 1998, dedicada aos Oceanos e integrada nas comemorações dos 500 anos da chegada de Vasco da Gama à Índia
1999
O Licor Beirão atinge 1.500.000 de garrafas
2000
Daniel Redondo, neto de José Carranca Redondo dá início às campanhas de rejuvenescimento da marca, promovendo novas formas de consumo Vendas do Licor Beirão ultrapassam os 2.000.000 de garrafas Licor Beirão Cronologia | 11
2002 O Licor Beirão marca pela primeira vez presença na Queima das Fitas de Coimbra, apostando no Caipirão Lançamento da campanha “O que é que se bebe aqui”, com Manuel João Vieira Entrada em circulação do Euro em 12 países da União Europeia, incluindo Portugal
2005 José Carranca Redondo morre a 15 de junho de 2005, aos 89 anos O neto Ricardo Redondo entra na J. Carranca Redondo como diretor financeiro e Daniel Redondo assume a gestão da empresa, como diretor geral O Licor Beirão é distinguido pela Associação Portuguesa de Anunciantes, na primeira edição dos Prémios Eficácia, com o Prémio Excelência: “Licor Beirão - A marca do século” O Licor Beirão torna-se líder de mercado
2006 José Diogo Quintela (Gato Fedorento) protagoniza a campanha televisiva “A Primeira Bebida da Noite”
2007 Primeira revisão significativa da rotulagem do Licor Beirão
12 | Licor Beirão O Licor de Portugal
2010
O Licor Beirão atinge os 3.000.000 de garrafas vendidas A 4 de janeiro, é oficialmente inaugurado, no Dubai, o Burj Khalifa, o prédio mais alto do mundo, com 828 metros
2012
A campanha do Licor Beirão “Soluções à Portuguesa”, com Paulo Futre, é considerada a melhor campanha mundial desenvolvida em 2011, segundo a ICOM, uma das maiores redes de agências de publicidade do mundo
2014
Apresentação de uma nova garrafa. Visualmente mais atrativa, a garrafa regressa à fita em tecido, num estilo revivalista que acompanha as tendências atuais
2015 O humorista Pedro Fernandes protagoniza a campanha “Licor Beirão é sempre à Patrão”, que se torna a música desse verão
2016
Celebração do centenário do nascimento de José Carranca Redondo
Licor Beirão Cronologia | 13
14 | Licor Beirão José Carranca Redondo
O PODER DE UMA BOA HISTÓRIA
O Licor Beirão tem as suas origens assentes numa história de amor. Ganhou contornos de lenda nacional graças à irreverência de uma família que transformou uma bebida artesanal numa das marcas com maior notoriedade do país. Uma aventura contada na primeira pessoa. “SEMPRE ACREDITEI que o Licor Beirão
tinha futuro, mesmo numa época em que as vendas eram sazonais e tínhamos de investir noutros negócios”. José Redondo recorda essa sua certeza dos tempos em que começou a trabalhar com o pai, José Carranca Redondo, fundador da empresa J. Carranca Redondo e o verdadeiro “pai” do Licor Beirão. Mas porque sabe que as grandes marcas estão sempre alicerçadas num grande passado, o atual administrador não se cansa de contar as histórias do antigamente. E o Licor Beirão tem uma história rica, romances e aventuras inesperadas. Tudo terá começado em finais do século XIX, quando um caixeiroviajante, comerciante de vinhos do Porto de passagem pela Lousã, cai de amores pela filha do farmacêuti-
co da vila, e rapidamente o namoro acaba em casamento. Além dos medicamentos habituais, na farmácia local vendiam-se vários licores naturais, entre eles um licor medicinal para problemas de estômago, com alguma popularidade a nível regional. Só que, em 1910, entra em vigor uma lei que proíbe a venda de alcoóleos nas farmácias. Vendo ali uma oportunidade de negócio, Luíz de Pinho (assim se chamava o jovem caixeiro-viajante), autonomizou a produção dos licores numa pequena fabriqueta local, segundo as mesmas receitas e processos artesanais.
Retrato de família José Carranca Redondo com o filho José Redondo, em meados dos anos 1950, na Lousã
CHAMEM-LHE BEIRÃO, LICOR BEIRÃO
Nessa altura, o elixir que virou licor ainda não tinha nome até que alguém sugere: “Chamem-lhe Beirão, Licor Beirão”. A ideia surge em 1929, Licor Beirão História | 15
tada pelo governo norte-americano para produzir armamento “e o meu pai fica desempregado”. Em 1940, a fábrica dos licores estava à venda e José Carranca Redondo decide arriscar e investir todas as suas economias neste negócio. “Pede a minha mãe em casamento, com quem tentava namoriscar sem sucesso, e dizlhe, ‘se aceitares compro a fábrica’”. O contrato é assinado a 11 de março de 1940, e “a 5 de outubro desse mesmo ano casam-se”. RASGO DE GÉNIO
José Carranca Redondo nos primeiros escritórios da empresa. Na pág. ao lado: uma das primeiras garrafas/edições de Licor Beirão e outras bebidas produzidos em 1940, quando comprou a fábrica de produção de licores
após o segundo Congresso Beirão de Castelo Branco, um evento importante na época, onde a marca ganha o seu primeiro prémio ainda antes de o ser. A Segunda Guerra Mundial chega pouco depois, e com ela mudanças radicais na vida de muita gente. José Carranca Redondo, natural da Lousã, tinha trabalhado na fábrica de licores com apenas 12 anos. Depois de uma passagem pela Companhia de Papel do Prado, o jovem vai para a Remington, empresa norte-americana de máquinas de escrever, “onde durante seis anos foi um dos melhores vendedores”, lembra o filho e proprietário do Licor Beirão. Só que, com a chegada da guerra, a Remington é requisi-
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Quando compra a fábrica, esta produz cerca de 70 produtos diferentes (amêndoa amarga, amêndoa popular, amor perfeito, anacoreta, ananás extra, anis, anisete, banana, beirão, cana, cherry branco, conventino, curaçau, brandy, ginjinha, licor Monte Carlo…), mas José Carranca Redondo tem a perspicácia de perceber que era preferível apostar em duas ou três boas marcas do que dispersar-se e reduz logo a produção a cinco bebidas, entre elas o Licor Beirão. Passados mais de 75 anos, José Redondo folheia os livros de contas e receitas envelhecidas, recordando fórmulas e curiosidades antigas, como o “Licor de Rachel”, nome da filha do antigo farmacêutico que viria a inspirar o nome da sua própria filha mais velha. Nesta história as emoções estão sempre à flor da pele e trazem consigo muitas memórias, ou não fosse o passado da empresa quase coincidente com a história da fa-
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I
Irreverente
Alguns dos cartazes publicitários dos anos 1950 ficaram para a história. É o caso da imagem da pin-up e da tabuleta de madeira com a Serra da Lousã no horizonte
CARTAZ POLÉMICO
Data de 1951 um dos cartazes mais audazes do Licor Beirão.
Portugal era um país conservador, onde a moralidade e os bons costumes ditavam as regras de conduta. Foi nesse contexto que Carranca Redondo decidiu fazer um cartaz publicitário que tinha como figura central uma pin-up americana, vestida de “Majorette”, ou seja, com uns calções e uma t-shirt curtos com as iniciais da marca (LB), deixando bem visíveis as formas sensuais do corpo da mulher. No slogan do cartaz lia-se: “É de bom gosto servi-lo, é de bom gosto bebê-lo”. O cartaz era demasiado audacioso, gerou polémica em todo o país, e um dos funcionários responsáveis por afixar cartazes chegou mesmo a ver o carro baleado... Hoje o vintage está na moda e o cartaz regressou à ribalta, vendido em tela ou poster decorativo.
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mília. “A genialidade do meu pai foi a aposta na publicidade”, não hesita em afirmar, após um momento de pausa. “Em tempo de guerra, o licor não era um produto de venda fácil”. Não era certamente um produto de primeira necessidade, mas Carranca Redondo teve a coragem e a visão de perceber que a propaganda poderia fazer a diferença. Numa época em que o conceito era quase desconhecido em Portugal, pedir um empréstimo para começar uma campanha publicitária a um licor produzido no interior do país parecia uma “atitude lunática”, mas foi o que fez logo no ano seguinte a comprar a fábrica. Ninguém sabe ao certo como surgiu a ideia. “Comunicar era algo inato no meu pai”, explica José Redondo. “Costumava dizer que ‘uma galinha quando põe o ovo começa a cacarejar’. Foi o que ele fez: se queria que o licor se vendesse tinha que o dar a conhecer às pessoas”. E assim nasceu aquela que seria a primeira grande campanha publicitária de uma marca nacional. Uma campanha massiva, visível nas estradas e cafés de norte a sul de Portugal, que deu a conhecer o Licor Beirão à maioria dos portugueses na década de 1950. “Andava aos fins de semana com um escadote e um balde de cola a afixar cartazes que tinha mandado fazer na Litografia Coimbra”, prossegue José Redondo, sempre a sorrir, com orgulho mal disfarçado. E depois de porta em porta, a apresentar o Licor Beirão a potenciais clientes e a distribuir “presentes”. Como uns
de licor Num copo antiga receita bem a ig receção am utor o d o ao tio e a de licor N um c o p o l i fazer ma a v que não oçura há pura d de ternura o c u um p o
de licor Num copo e cortesia franqueza e à tia à madrinha prior o e mesmo a
M
memória
NA CAIXA QUE MUDOU O MUNDO
Tony de Matos, uma das grandes estrelas da década de oitenta, foi o primeiro protagonista famoso de um spot televisivo do Licor Beirão.
chapéus de papel com o logo da marca, que eram agrafados e entregues nos jogos de futebol. “Foi um hábito que ganhei do meu pai. Durante anos, aos fins de semana, metia a família no carro para passear e aproveitava sempre para ir aos cafés para conversar com o dono e distribuir autocolantes, réguas, porta-guardanapos e todo o tipo de publicidade ao Licor Beirão”, conta José Redondo. Muito mais do que um hábito, era uma estratégia de marketing com resultado comprovados. “É importante que os proprietários dos cafés, nossos potenciais clientes, conhecessem quem fabricava o produto. Ficavam impressionados com a visita do dono do Licor Beirão. Por isso, mais tarde, quando o vendedor batia à porta, eram eles próprios a querer comprar mais garrafas”. CAMPANHAS VISIONÁRIAS
Em 1985 o Licor Beirão lançou um anúncio televisivo que ficou na memória de todos. O spot, que passava na RTP, durava trinta segundos e retratava a tradicional revista à portuguesa. O cantor Tony de Matos, uma das grandes estrelas desses tempos, era o protagonista do filme, que, acompanhado por um grupo de coristas, cantava uma canção original, ainda hoje trauteada por muitos portugueses.
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Foram os primórdios do merchandise, e também o início de outras indústrias da família. Os autocolantes distribuídos eram produzidos “dentro de casa”, onde montaram uma serigrafia como não existia em Portugal. O mesmo aconteceu com as famosas réguas de madeira, oferecidas um pouco por todo o país, com os slogans “Que licor, senhor doutor!”, “Que licor porreiro, senhor engenheiro!”, “Que licor feliz, senhor juiz”, “Que licor divinal, senhor general” ou “Que licor, senhor prior!”. O Licor Beirão era, na altura, um produto sazonal e para não dispensar os marceneiros e carpinteiros que faziam as caixas de
Exemplo de diverso material publicitário, como cartazes e placas pintadas à mão, distribuídas por estradas e cafés de todo o país nos anos 1960. O Licor Beirão chegou mesmo a fazer baloiços “patrocinados”, colocados de forma gratuita em diversas povoações, algo impensável hoje em dia
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televisão em Portugal tiveram início em 1957 e, um ano depois, o Licor Beirão já era o segundo anunciante da RTP, outra aposta revolucionária que comprova o carácter disruptivo e a visão imediata de Carranca Redondo, um homem com a quarta classe, mas que conseguiu ver o potencial deste novo meio de comunicação. Quanto ao anúncio, era apenas a imagem estática de uma garrafa de Licor Beirão em cima de uma mesa, mostrado no final do “Quem Sabe, Sabe!”, o primeiro grande concurso de cultura geral da televisão portuguesa. Custou à marca lousanense 700 escudos, valor que equivalia ao ordenado de um professor. Carrinha que levou nove lousanenses a participar no popular concurso de TV dos anos 1950, “Quem sabe sabe!”, apresentado por Artur Agostinho
madeira onde saía o Licor Beirão – então despachado nos caminhos de ferro, envolto em capas de palha –, Carranca Redondo ocupava os funcionários noutros trabalhos, como a produção de réguas que depois usava para promover o Beirão, material de campismo em madeira ou a criar brinquedos em madeira para aquela que chegou a ser a segunda fábrica de brinquedos do país, a seguir à Majora. “Era assim que descobria novos negócios”, revela o filho, sem disfarçar uma admiração tremenda. Dos cartazes surgiu, em 1951, a ideia dos painéis de publicidade em madeira, como então eram chamados os outdoors. O mais icónico foi a célebre tabuleta de madeira com um passarinho que anunciava o Licor Beirão com a Serra da Lousã em pano de fundo, afixado por esse país fora. As primeiras emissões regulares de
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NEGÓCIOS DE SUCESSO
As ideias inovadoras de Carranca Redondo tiveram resultados inesperados – até mesmo para ele. Colocados em locais estratégicos, os cartazes do Licor Beirão começaram a ser notados por outras empresas. “Telefonavam-nos a perguntar quem tinha colocado os nossos cartazes, e diziam que queriam os cartazes deles ao pé dos nossos. Foi assim, quase por acaso, que criámos a nossa agência de publicidade”, conta José Redondo, divertido. Grandes empresas como a Philips, a Mabor, a Autosil e a Lever, entre outras, entregaram o trabalho de colagem de cartazes publicitários a Carranca Redondo. “E um golpe de sorte impulsionou-nos o negócio”. Na década de 50 ainda havia cinco ou seis concorrentes, só que em 1959 sai um decreto-lei que
Brinquedos e material de campismo produzidos pela empresa nos anos 1955-60. Sinais de trânsito em fibra de vidro “inventados” pela J. Carranca Redondo com publicidade ao Licor Beirão no verso! (em cima). Produção de serigrafias para promoção da marca (anos 80)
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Outdoor de 1986, com garrafa e cálice do Licor Beirão em relevo. Na época, a bebida era distribuída pela Sandeman, que retirou o “O” da frase “O Licor de Portugal”, provocando a indignação de José Redondo
proíbe a publicidade ao longo das estradas e, como Carranca Redondo não acata a lei, mantendo-se no ativo, “tornámo-nos a única empresa no país a afixar cartazes, com imenso sucesso”. Era um negócio de milhares, mas que também trouxe consequências negativas, que José Carranca Redondo não hesitou em enfrentar. “O meu pai foi a tribunal 94 vezes. Mas só perdeu a primeira, porque levou um advogado. A partir daí apresentava-se sozinho perante o juíz, e ganhava sempre”. Foi também nessa época que começaram a usar fibra de vidro, mais leve e resistente, para construir os painéis de publicidade. “Foi outra indústria que montámos, também com muito sucesso. Fabricámos depósitos, barcos e, sobretudo, sina-
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lização rodoviária. Fomos a maior empresa do país a fornecer sinais de trânsito nas décadas de 1960 e 1970”. Diz-se que a necessidade aguça o engenho e no caso dos Redondo não pode ser mais verdadeiro. Porque a publicidade era um dos fatores de diferenciação do Licor Beirão, estavam sempre atentos a tudo o que se fazia de novo no mundo, e por isso na linha da frente no que diz respeito à publicidade feita em Portugal. O material refletor tornouse essencial para tornar os cartazes mais visíveis, mas “em vez de o comprarmos decidimos fabricá-lo”, explica José Redondo. “O meu pai foi aos Estados Unidos tentar descobrir como fazer. Fizemos centenas de experiências até começarmos a fabricar o nosso próprio material refletor. Com misturas de esferas e tinta, consegui produzir o líquido cinzento que ainda hoje brilha de noite em muitas estradas do país”. E as vendas não se limitavam ao território nacional. “Exportámos muita tinta refletora para Espanha e França”. O LICOR DE PORTUGAL
José Redondo é, sem dúvida, o guardião da História e dos valores da marca. Herdou de Carranca Redondo um ativo precioso, mas também o talento criativo e o espírito visionário. “Eu era o braço direito dele. O meu pai dizia na brincadeira que depois de me ter fabricado deixou de ter problemas de fabrico. Porque eu era o executante de todas as suas ideias”. Não há, na verdade, uma
única tarefa ou negócio em que não tenha participado ativamente: desenhou e imprimiu milhares de autocolantes, tampas para caixas de madeira, porta-guardanapos e quadros de serigrafia, personalizou milhares de t-shirts, pintou centenas de painéis de publicidade, afixou cartazes por Portugal e Espanha e fabricou centenas de litros de tinta refletora utilizada em sinais de trânsito e painéis de publicidade. Mas tudo se tornava mais complicado quando, em vez de executar, tinha uma ideia própria e não da lavra do pai. Uma ficou para a História. Em 1960, queriam lançar uma nova campanha, que ficasse nos ouvidos dos portugueses e fosse repetida em toda a parte. Com apenas 18 anos, o então estudante de Engenharia Mecânica na Universidade de Coimbra lembrou-se do slogan “O Licor de Portugal”. Na altura, ninguém deu valor à ideia. “Os meus amigos da faculdade diziam ‘Não vais vender com essa frase. Os produtos que se vendem são escoceses ou ingleses, tens que dizer que aquilo vem de fora’”. Mas, tal como o pai, José não desistiu. Acreditou no valor da portugalidade e a frase passou a ser conhecida em todo o país. E, passado meio século, o ser português é, sem dúvida, uma das grandes mais-valias da marca. No ano seguinte, talvez inspirado pela competição criativa encontrada dentro de casa, Carranca Redondo cria outro dos anúncios que marcou a história da publicidade em Portugal, com a frase “o Beirão de quem todos
C
curiosidade
LICORCOLANTE
Não havia táxi em Portugal que não tivesse um autocolante do Licor Beirão a dizer “feche a porta com cuidado”.
José Redondo desenhou centenas de autocolantes. O objetivo era sempre o mesmo: divulgar a marca e enraizar no imaginário dos consumidores a ideia que “O Licor Beirão, O Licor de Portugal” estava em toda a parte. De início, ofereciam autocolantes aos taxistas para que
Os Redondo (pai e filho) aproveitavam as mais diversas situações do quotidiano para divulgar o Licor Beirão
estes os colocassem nos carros a alertar os clientes para fechar as portas devagar, “depois já eram os próprios taxistas quem os pedia”. Estratégia de sucesso que se estendeu aos donos dos cafés de norte a sul do país, material que estes colocavam em locais bem visíveis, como foi o caso dos autocolantes das casas de banho com o lembrete “não se esqueça de apertar as calças”. Licor Beirão História | 27
José Carranca Redondo e a mulher, Maria José Redondo, destiladora e “mãe” do Licor Beirão. Ao lado, a filha mais velha do casal, Maria Manuela Redondo
gostam”. Houve um professor primário que lhe disse: “Oh Carranca, não é o beirão de quem todos gostam, é o beirão de que todos gostam, o “que” refere-se a coisas e o “quem” refere-se a pessoas”. Ao que o Sr. Licor, como era conhecido, terá respondido, “mas é isso mesmo que eu quero, que se refira a pessoas!”. Em pleno salazarismo poderia ter dado mau resultado, mas reza a história que Salazar terá achado piada ao atrevimento e comentando com o secretário, Solari Alegro, com ligações familiares à Lousã: “O homem tem alguma graça”. A MESTRE DESTILADORA
José Redondo repete, com frequência, uma máxima: “Podemos ter o melhor produto do mundo, mas se não tiver um bom marketing não o vendemos. O contrário também é verdade. Podemos fazer a melhor publicidade do mundo, mas se o 28 | Licor Beirão José Carranca Redondo
produto não tiver qualidade não vende”. O sucesso do Licor Beirão resulta precisamente desse binómio: ser simultaneamente o melhor licor do mercado e uma das marcas nacionais com maior notoriedade. Mas o seu segredo é também resultado de uma relação de simbiose. “O meu pai era um empreendedor, não perdia tempo na produção”, por isso é justo contar que quem o ajudou a garantir e preservar a qualidade e originalidade da receita do “Licor de Portugal” foi a sua mulher, Maria José. Também natural da Lousã, era ela a grande mestre destiladora. As funcionárias mais antigas recordamna como uma beirã de gema, mulher de trabalho, que geria a produção, o engarrafamento, as encomendas e a labuta do dia a dia, enquanto o marido pensava em formas inovadoras de dar a conhecer o nome do Licor Beirão ao mundo, e criava novos
José Redondo foi sempre o braço-direito do pai, e é ainda hoje o grande guardião dos valores da marca
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P
produto
A GARRAFA QUE NASCE NA ÁRVORE
A Aguardente de Pera é a única exceção numa empresa monomarca que tem o Licor Beirão como cabeça de cartaz.
O primeiro pomar da Quinta do Meiral foi plantado em 1971, com o objetivo de produzir uma original aguardente de pera, tradição que se mantém até hoje
A Quinta do Meiral foi comprada em 1970 e um ano depois já estavam a ser plantadas 3000 pereiras. “Tínhamos visto na Suíça uma aguardente de pera que nos pareceu interessante”, conta o administrador José Redondo. A garrafa é colocada na pereira quando a pera tem aproximadamente dois ou três centímetros. Esta desenvolve-se naturalmente dentro da garrafa e quando atinge a maturidade desejada é retirada da árvore. Após as devidas higienizações da pera e da garrafa, introduz-se a aguardente de pera destilada nos alambiques da J. Carranca Redondo. “Chegámos a fazer cerca de 80 mil
negócios. “A minha mãe acordava muito cedo para vir abrir a porta da fábrica, orientava as funcionárias e supervisionava toda a produção. Só pedia ajuda ao meu pai quando havia algum problema que não conseguia resolver”, recorda Maria Manuela, filha mais velha do casal Carranca Redondo, que nos anos 1960-70 trabalhava como assessora do pai em todos os negócios da família. “Lembro de ouvir a minha mãe a queixar-se porque ele retirava-lhe funcionários da fábrica”. Como a filha faz questão de relembrar, “além de uma mãe atenta e carinhosa, e com um grande espírito de sacrifício pelos filhos e marido”, era ela quem assegurava a escolha, a pesagem das plantas aromáticas e especiarias e a qualidade final do licor, feito sempre segundo a receita original, do século XIX, que só ela conhecia e cujo segredo passou ao filho José. “Andei vários anos a pesar plantas com a minha mãe. Entre as viagens que fazia com o meu pai, ela chamava-me e dizia-me para ir com ela para a sala das sementes”, recorda o filho com saudade. “Aprendi tudo o que sei dos dois lados, mas só agora me apercebo que este ritual deveria ser também a forma que a minha mãe arranjava para passar mais tempo a sós comigo”.
garrafas por ano, mas agora a produção é muito reduzida. Dá tanto trabalho que só
‘BOOM’ DOS ANOS 80
o mantenho como uma homenagem ao
A Quinta do Meiral, às portas da Lousã, onde hoje se situa a fábrica e os escritórios da empresa, só foi comprada em 1970. “Tivemos cinco ou seis pequenas fábricas em vários
meu pai e à minha mãe”. E para assinalar essa preciosidade, a Aguardente de Pera da Quinta do Meiral apresenta-se agora com nova garrafa e rotulagem. 30 | Licor Beirão José Carranca Redondo
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As três gerações da família Redondo - pai, filho e neto fotografadas em 2001, quando Daniel Redondo começa a trabalhar na empresa a tempo inteiro
locais dentro da vila. A compra da quinta foi um negócio arriscado e muitos achavam que o empréstimo bancário de vulto poderia ser a perdição do meu pai”, mas ninguém tinha noção da dimensão da fortuna que José Carranca Redondo já tinha amealhado. Sem deixar nada ao acaso, tudo decorre de acordo com o planeado. José Redondo estava então na guerra do Ultramar, mas o pai mantinha-o a par de tudo, e quando regressou só teve de dar seguimento ao processo. Inscrito na ordem dos construtores civis, foi ele quem assinou o projeto
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da nova fábrica e deu início às primeiras plantações. Alguns dos ingredientes que constituem a receita do Licor Beirão começaram a ser cultivados aqui. Controlar todo o processo sempre foi apanágio da família. “Temos de ter a sensibilidade para saber se os ingredientes são mais ou menos fortes, se têm mais ou menos aroma. Porque é nessa mistura que nasce o segredo do aroma excecional”, explica José Redondo. Apesar de nunca ter parado de crescer, o Licor Beirão começa a aumentar significativamente o volume de vendas nos anos 1980 e torna-se o único licor português com relevância no mercado. Até então, não representava mais de 10% dos negócios totais da família. Mas o boom do retalho em Portugal e a profissionalização das distribuidoras obriga pai e filho e concentrar a atividade no licor, a investir na fábrica, automatizando as linhas de enchimento, e começam a abandonar as outras atividades. “A minha ideia era reiniciar os outros negócios mais tarde, quando os meus quatro filhos acabassem os cursos. Mas à velocidade do progresso industrial e tecnológico, passados três, quatro anos estava tudo desatualizado”. José Redondo ainda tentou relançar a serigrafia com o filho Daniel (atual diretor geral da empresa) – “fizemos uns milhões de réguas em plástico do Licor Beirão…” –, mas os tempos eram outros. Havia que dar lugar às ideias da nova geração e às histórias que estavam prestes a começar.•
BI beirão
mais do que números
Dados estatísticos que refletem a história e o valor da marca…
quota de mercado da categoria licores
4% cimento em 2015 99,9%
Marca
cres
notoriedade
(público com + de 18 anos)
Produção
de plantas, sementes e especiarias utilizadas anualmente
1.400 km
de fita de cetim utilizada todos os anos para decorar as garrafas Presença em mais de 40 países + de 40 milhões de doses de Licor Beirão são vendidas anualmente em todo o mundo
de até
30.000 3,5 milhões
fazem parte da receita secreta do Licor Beirão
20 toneladas
Líder de mercado
50%
13
ingredientes
3.000.000€ investidos em renovação de instalações e novas linhas de enchimento
garrafas/dia
de garrafas vendidas anualmente
Stock médio de 1 milhão de litros de Licor Beirão + de 93% dos pontos de venda em Portugal (canal HORECA, hipermercados e supermercados) 20% da produção é destinada a exportação
+ de 90% dos fornecedores são portugueses Presença numa média de 50 a 100 eventos/ano
+ 800.000 de fãs no Facebook (Janeiro 2017) É a marca com mais seguidores em Portugal (no sector “Alimentação e Bebidas”) Licor Beirão História | 33
Vender o negócio? Nem pensar! Nunca me passou pela cabeça vender um filho meu. José Redondo
36 | Licor Beirão José Carranca Redondo
O HOMEM QUE NASCEU CEDO DEMAIS
Considerado por muitos o “pai” da publicidade em Portugal, José Carranca Redondo nasceu há 100 anos. Era um visionário, um homem criativo e empreendedor que se multiplicava em ideias arrojadas e novos negócios. “O MEU PAI ERA UM VULCÃO DE IDEIAS”.
José Redondo fala do pai com paixão. Às vezes com saudade, outras com admiração, mas quase sempre com a cumplicidade de um companheiro de vida. “Era um homem comunicativo por natureza e um vendedor nato”. José Carranca Redondo nasceu a 29 de abril de 1916, na Lousã, terra onde sempre viveu, onde montou todos os seus negócios e com a qual tinha uma relação de amor. O filho recorda-se de ver o pai “interromper as viagens a meio” para voltar à terra natal, só por saudades. Costumava dizer que “era tão pobre, tão pobre, que quando nasceu nem pai tinha!”. E a verdade é que o seu progenitor morreu vítima de pneumonia, deixando a mulher grávida de três meses. José estudou apenas até à quarta classe e começou a trabalhar aos 12 anos para ajudar
a mãe. O seu primeiro emprego foi, curiosamente, na fabriqueta de licores de Luíz de Pinho, fundador da indústria de licores da Lousã, que mais tarde viria a comprar e a transformar numa das empresas mais mediáticas do país. Mas antes fez de tudo um pouco. Aos 13 anos foi representante do jornal Primeiro de Janeiro, o que contribuiu para desenvolver o espírito de vendedor que tinha dentro de si. Para aprender o ofício e sem receber qualquer remuneração, trabalhou na companhia de papel do Prado da Lousã, que ainda hoje existe, e ainda antes de completar 20 anos tornou-se o melhor vendedor de uma empresa norte-americana de máquinas de escrever ao conseguir um contrato com o Ministério da Justiça. Dizia que “era um cigano ambulante”, pois durante a juventude fez e vendeu tudo o que lhe rendesse dinheiro vivo.
Visionário Um lutador e comunicador nato, José Carranca Redondo foi o grande responsável pelo sucesso do Licor Beirão
Licor Beirão História | 37
E
Estratégia
ENTÃO O SR. NÃO TEM LICOR BEIRÃO?
José Carranca Redondo utilizava as mais diversas estratégias para promoção da marca. Sempre que entrava num café, o fundador do Licor Beirão olhava para as prateleiras e pedia “a sua bebida”. Se não havia, dizia logo: “Então o senhor não tem Licor Beirão, o melhor licor do mundo? Toda a gente bebe Licor Beirão”. Outras vezes, reunia um grupo de amigos para ir a Lisboa fazer um périplo por cafés que ainda não vendiam o licor. Entravam à vez e todos pediam Beirão. No final, Carranca Redondo, oferecia-se para entrar em contacto com o agente da área, pedindo-lhe para ir ao local, no dia seguinte, vender algumas garrafas.
L
LEMA
SEMPRE PROVOCADOR
Carranca Redondo não deixava passar uma oportunidade para pregar uma partida. E o 5 de outubro era sempre uma boa desculpa. A Lousã sempre foi uma terra de monárquicos, com famílias brasonadas, “mas o meu pai era profundamente republicano”, conta José Redondo. “Ora, como estava sempre do contra, e era malta do reviralho, como se costumava dizer na altura, foi pedir ao presidente da Câmara para celebrar a implantação da República e lançar foguetes para provocar “os talassas da terra”. Como não foi autorizado, no ano seguinte a autorização foi solicitada para celebrar o seu casamento, que tinha acontecido precisamente no dia 5 de outubro. A partir de então, todos os anos passou a festejar a data com foguetes. E por vezes até tinha direito a banda filarmónica a percorrer as ruas da vila. “Depois ia para o café da vila, divertidíssimo!”, conclui o filho, entre gargalhadas. 38 | Licor Beirão José Carranca Redondo
Em 1940, em plena Segunda Guerra Mundial, José Carranca Redondo fica desempregado. “Com a Remington a fechar as portas em Portugal, o meu pai recusa-se a trabalhar na Companhia Eléctrica das Beiras, onde ia ganhar 300 escudos quando já ganhava 1000” e, estando a fábrica de licores à venda, aproveita para pedir a mão à sua futura mulher, convidando-a a tornar-se sua parceira de vida. Ao receber o “sim”, compra a empresa quase de imediato por 12 contos, quantia paga a pronto. Nesse mesmo ano, casa com Maria José, também natural da Lousã, que viria a ser o seu braço direito, a grande responsável pela produção do Licor Beirão e mãe dos seus três filhos: Manuela, José e Suzana. Carranca Redondo dizia com frequência que “voltaria a casar com a mesma mulher que me aturou mais de 60 anos”, e ela nunca se cansou de lhe levar o pequeno-almoço à cama todos os dias da sua existência em comum. Casar pela igreja, para agradar à noiva e aos sogros, talvez tenha sido o único “sapo que engoliu” na vida. Era profundamente anticlerical e ateu, como recorda um dos seus grandes amigos, Augusto Coroado, hoje com 85 anos. “Às vezes perguntava-me, em jeito de despique: ‘O seu Deus, como vai?’ e eu dizia-lhe, ‘não é só meu, é nosso’. Ao que ele respondia, sempre provocador: ‘Eu dispenso a minha parte!’”. Conheceram-se nos anos 1970, era Augusto Coroado funcionário de um banco que tinha como cliente a J. Carranca Redondo,
José Carranca Redondo com 21 anos, na equipa de futebol do lousanense (em cima). Nos antigos escritórios, com a mulher, Maria José Redondo e o filho, José Redondo. Numa visita à fábrica com amigos, Emídio Guerreiro e Edmundo Pedro, e a oferecer uma garrafa de Licor Beirão a António Guterres, em finais dos anos 90 (em baixo)
Licor Beirão História | 39
40 | Licor Beirão José Carranca Redondo
José Carranca Redondo fotografado com o neto, Daniel Redondo, atual diretor geral da empresa, na altura com apenas 15 anos
Carranca Redondo nos escritórios da empresa, nos anos 1990
Lda. Das frequentes visitas comerciais nasceu uma grande amizade e uma admiração eterna: “Era um homem singular, multifacetado, um autodidata, capaz de discutir qualquer assunto com qualquer pessoa. Da mais elevada craveira intelectual, e ao mesmo tempo uma pessoa muito modesta. Sabia ouvir, mas tinha sempre uma opinião, uma resposta na ponta da língua que desarmava qualquer um”. Imparável e persistente
Logo após a compra da fábrica de licores, decide começar a fazer publicidade ao Licor Beirão por sua conta e risco. O tempo viria a provar que mais do que arriscar, José Carranca Redondo teve uma visão certeira. 42 | Licor Beirão José Carranca Redondo
Até porque as vendas duplicaram logo ao fim do primeiro ano de publicidade. Depois foi uma sequência de “invenções”, ideias inovadoras que outros viriam a copiar, provando que este homem quase sem estudos estava bem à frente do seu tempo. Nos anos 1950, o seu talento publicitário começa a dar nas vistas. Havia cartazes e outdoors colocados em todas estradas do país e em locais improváveis, sempre muito visíveis. O resto faz parte da História da publicidade em Portugal. Carranca Redondo começou a ser requisitado por outras empresas para que lhes colocasse os cartazes, acabando por criar uma das maiores agências de publicidade do país, que lhe rendeu parte da fortuna que acumulou ao
longo da vida. Aliás, foi deste talento criativo que nasceram muitos outros negócios, nas mais diversas áreas, incluindo refrigerantes, brinquedos, fibra de vidro, sinalização rodoviária e produção de material de campismo. Tudo por sua exclusiva iniciativa. “O meu pai teve uma empresa com um sócio nos anos 1940 que exportava eucalipto para os EUA, mas que não resultou. Por isso nunca mais quis ter uma sociedade a não ser com a mulher e os filhos”, relata José Redondo. “Acho que teve mais de meia centena de negócios. Estava sempre com ideias novas e aproveitava todas as oportunidades que a vida lhe dava”. Um homem com extrema perspicácia, que conseguia ver negócios onde outros viam deserto. Foi o caso de Ulisses Cruz de Aguiar Cortês, Ministro da Economia entre 1950 e 1958. “Quando o meu pai começou a colocar cartazes a fazer publicidade ao Licor Beirão, Ulisses Cortês mandou recado pelas irmãs, que viviam na Lousã: ‘Está a gastar dinheiro numa coisa que não se vende’”. O filho recorda o exemplo e prossegue: “Como podemos acreditar nos ministros? Este era possivelmente um homem que se formou com 18 valores e vem um homem com a 4ª classe e demonstra o oposto”. Augusto Coroado, por sua vez, garante: “A verdade é que o senhor José tinha a experiência da vida. Tinha uma visão do negócio muito apurada. Via para além das paredes. Por isso é que ganhava dinheiro com facilidade, parecia saber o que ia acontecer”. A todas
M
memória
À BOLEIA DO SATÉLITE
O “pai” do Licor Beirão aproveitava todos os pretextos para que as pessoas falassem do licor.
Nos anos 1960, todos queriam avistar nos céus os primeiros satélites de comunicações. “Eram enormes bolas metálicas. Eu passei muitos finais de tarde a vê-los e fiz um horário”, recorda José Redondo. Sendo um acontecimento que gerava curiosidade, Carranca Redondo começou a enviar os horários de passagem para todos os jornais nacionais, que publicavam uma pequena notícia a dizer: “Do senhor José Carranca Redondo, industrial da Lousã, fabricante do Licor Beirão, recebemos o horário para a passagem dos satélites”. E assim criava uma oportunidade de fazer publicidade gratuita ao Licor. “Mas o Jornal de Notícias divulgava os horários sem fazer referência ao Licor Beirão, por isso o meu pai decidiu enviar para lá os horários trocados! É claro que os leitores começaram a ligar a reclamar, e quando o diretor escreveu a dizer-lhe que enviava horários errados, o meu pai respondeu que era de propósito, pois nunca lhe tinham agradecido a gentileza… A verdade é que conseguiu um pedido de desculpa e garantiu mais publicidade ao Beirão!”. Licor Beirão História | 43
Uma das famosas réguas de madeira distribuídas por todo o país
(Página seguinte) A guerra que Carranca Redondo manteve com a Junta Autónoma das Estradas na década de 1960 era seguida por todos os jornais da época
estas qualidades juntava-se a persistência. O seu neto mais novo, Ricardo Redondo, hoje diretor financeiro da empresa da família, confirma que esse foi o seu maior legado: “Dizia sempre que, se acreditamos em algo, é para ir atrás, começar logo e ir até ao fim. Acreditar naquilo que fazemos e nunca ter medo”. Teimoso e amante de uma boa luta
Mais do que nunca ter medo, “adorava uma boa polémica, e mais ainda uma boa luta”, relembra o filho. Ficou para os anais a guerra que manteve, na década de 1960, com a Junta Autónoma de Estradas. Quando, em 1959, foi publicado um decreto-lei que proibia a publicidade nas estradas, José Carranca Redondo decidiu não o cumprir. “Sou contra proibições”, dizia. A teimosia garantiulhe, a partir de 1961, o monopólio do negócio da afixação de cartazes e 94
T José Carranca Redondo, “Se não lutamos por aquilo em que acreditamos, no íntimo duvidamos da sua veracidade” 44 | Licor Beirão José Carranca Redondo
processos em tribunal. “O meu pai só perdeu o primeiro, porque levou um advogado. A partir daí ia sozinho a tribunal, ganhando sempre”. Quem o conheceu lembra-se que tinha o escritório cheio de livros de direito. Não se deixava influenciar por uma afirmação. Estudava e informava-se para garantir a vitória. “Tinha uma tertúlia em Coimbra em que participavam advogados e juízes conselheiros e eles davam-lhe as dicas que usava para se defender. Era esperto e muito forreta. Não gastava um tostão com advogados”, conta o filho, sem conter o riso. E como o decreto não tinha sido publicado em Diário da República… os processos em tribunal acabavam por ser arquivados. Depois, para provar que “a sua publicidade” não causava acidentes, “colocou cartazes do Beirão nas curvas mais perigosas do país cheios de material refletor e conseguiu que a seguradora A Social fizesse um seguro que pagaria cem contos de indemnização a quem tivesse um acidente naquelas curvas e demonstrasse que era por culpa da publicidade. Até hoje, nunca se pagou”, prossegue o filho, com o entusiasmo de quem testemunhou ao vivo todas as aventuras. A verdade é que os acidentes diminuíram nesses locais e a intensa campanha que realizou em prol da sua causa também teve efeitos junto da comunicação social e da opinião pública. “E como não se registavam desastres, começou a ganhar a luta
F
FILHOS
Herdeiros do Beirão
O “Sr. Beirão” foi um homem de vários ofícios e também pai de três filhos, a quem legou um negócio familiar que todos garantem já fazer parte do ADN dos Redondo.
com a Junta Autónoma de Estradas”. São, aliás, dessa época as célebres réguas de madeira embrulhadas em circulares que enviava para todos os cafés de Portugal (cerca de 3.500) com os endereços todos escritos à mão! Essas circulares denunciavam as prepotências da Junta Autónoma de Estradas e explicavam porque é que a publicidade era importante para o desenvolvimento do país. “A verdade é que ele estava 50 anos avançado em relação ao país. Hoje há publicidade em todo o lado!”, conclui. UM HOMEM TAMBÉM CHORA
A filha mais nova de José Carranca Redondo, Suzana Maria Fernandes Redondo (70 anos), nunca participou ativamente nos negócios da família, enveredando por uma carreira profissional na área da saúde, mas acompanha os irmãos, Maria Manuela Fernandes Redondo (75 anos) e José Fernandes de Oliveira Redondo (73 anos), no amor pelo Licor Beirão. Todos reconhecem no pai “um grande homem” que sempre “mostrou preocupação em que os filhos fossem sempre pessoas dignas e honestas”, valores que Maria Manuela acredita serem a verdadeira receita do sucesso do Licor Beirão: “Fazemos as coisas com a máxima honestidade e isso transparece nos resultados”. 46 | Licor Beirão José Carranca Redondo
José Carranca Redondo faleceu em 2005, aos 89 anos. A morte da mulher e companheira de toda a vida, dois anos antes, deitou-o “muito abaixo”. Ainda assim, foi presença diária na fábrica da Quinta do Meiral quase até ao fim, envolvendo-se em todas as áreas da empresa, da produção ao marketing, nem sempre de acordo com as decisões dos netos, como era seu apanágio. Deixou um enorme vazio, mas uma herança feita de coragem e determinação. Os netos recordam José Carranca Redondo como um avô pouco convencional. “A quantidade de vezes que uma pessoa se disponibiliza para ir a tribunal como acusado é algo impressionante. O avô não só era destemido como gostava da luta. O dia a dia dele connosco também era assim”, conta o neto Ricardo. “Tanto era muito sério como muito brincalhão. Sabíamos que, quando vínhamos à fábrica, tínhamos que ter cui-
dado porque era a zona de trabalho”, acrescenta Daniel. “Lembro-me do avô sentado à secretária, a fazer as suas contas de cabeça e sempre a rabiscar”, memória partilhada por todos os que o conheceram. Mas fosse em que situação fosse “arranjava sempre forma de nos pôr a pensar. Desafiava-nos a toda a hora”. José Redondo ri, e revê em si mesmo algumas das características do pai: “Trocava-lhes as voltas para os obrigar a puxar pela cabeça”. Depois, é sabido o gosto pelas partidas e o sentido de humor que tão bem o caracterizava e que transportou para o Licor Beirão. Há centenas de histórias, como a vez em que se lembrou de colocar na meta da Lousã, da Volta a Portugal em bicicleta, um cartaz que dizia “meta para os jornalistas”, ao lado de uma mesa cheia de garrafas de licor! Austero, por vezes até rude, José Carranca Redondo também era um homem emotivo, ao ponto de não conter as lágrimas em público com a partida do filho para a guerra. Uma saudade que tentava sanar através da escrita. Os cerca de 500 aerogramas que escreveu a José Redondo enquanto este estava em Moçambique davam um livro. São relatos detalhados do quotidiano, que incluem análises da sociedade portuguesa, de clarividência impressionante, e que deixam a descoberto uma expressão de afetos, e uma relação de proximidade com o filho certamente pouco usual para a época. Também aqui terá sido pioneiro.•
M
Memória
Amor de pai
A correspondência entre Carranca Redondo e o filho dava um livro, relato da relação e também do país.
“Só agora reparo que ontem não escrevi ao meu amigo Zé e então, resolvi, dirá o Senhor que muito bem, escrever ao meu menino. Meu menino, chiça. Ao Senhor Oficial. Ora bem, Senhor Oficial. Vamos lá a dizer umas coisas. Mas sobre o quê. De política, por exemplo. Os homens da oposição cá do nosso distrito vieram convidar-me para fazer uma perninha. Estou nessa disposição mas ainda não dou o sim. (...) O mundo ainda é governado por grandes confrarias e aqui em Portugal há algumas e bem poderosas. (...) Cá estou eu outra vez. Esta noite, eram 4 e pouco, houve outro tremor de terra, relativamente grande. A casa estremeceu, mas eu desta vez não saí da cama. (...)”
Foram várias as centenas de aerogramas trocados entre pai e filho durante o período em que José Redondo esteve destacado em Moçambique
Licor Beirão História | 47
A empresa é como um elemento da família que tem de ser preservado e passado cada vez mais forte à geração seguinte. Ricardo Redondo
Licor Beirão Capitúlo | 49
50 | Licor Beirão José Carranca Redondo
FONTE DA JUVENTUDE
No seio da família Redondo, os primeiros anos do século XXI foram totalmente investidos no rejuvenescimento da imagem do Licor Beirão, com o objetivo de atingir novos públicos. Algo só possível com a chegada de sangue novo. “O MEU AVÔ DESPEDIU-ME três vezes”,
diz Daniel Redondo com um sorriso nos lábios. O neto do fundador do Licor Beirão e atual diretor geral da J. Carranca Redondo Lda. recorda que a sua entrada na empresa, em 2000, após conclusão da licenciatura em Economia na Universidade de Coimbra, não foi fácil. “Despedia-me, mas esperava ver-me no dia seguinte no escritório”. Habituado a gerir os negócios sozinho, contando exclusivamente com a ajuda do filho, seu braço direito de sempre, José Carranca Redondo acreditava que o ditado popular “pai rico, filho nobre, neto pobre” poderia tornar-se realidade. “Fazer passar as minhas ideias era muito complicado”, lembra Daniel. “Principalmente quando o avô dizia com naturalidade que era a terceira geração que ia dar cabo disto”, enfatiza o seu irmão, Ricardo
Redondo, hoje diretor financeiro da empresa. “Ele estava absolutamente convicto de que os netos iriam acabar com tudo”, confessa José Redondo. “Via-os como miúdos e não como gestores”. Mas se é verdade que nos anos 1980 as vendas do Licor Beirão dispararam, tornando-o o principal negócio da família, o certo é que à medida que os anos foram passando, mesmo gozando de notoriedade muitíssimo elevada, a fama deixou de se refletir nas vendas como seria desejável. No início do século XXI, a bebida era vista como um licor “antigo”, vocacionado para um segmento idoso e tradicional: bebia-se em cafés e restaurantes, como aperitivo ou digestivo, mas não em locais noturnos frequentados por um público mais jovem. A entrada da terceira geração dos Redondo não só era algo natu-
Terceira geração Daniel Redondo, atual diretor geral da J. Carranca Redondo Lda., começou a trabalhar na empresa da família aos 18 anos
Licor Beirão Ponto de Viragem | 51
H
história
LOUCO POR RÂGUEBI
A história de vida de José Redondo confunde-se com o jogo da bola oval “ERA ESTUDANTE EM COIMBRA quando experimentei o râguebi pela primeira vez e fiquei logo viciado”, conta o administrador da J. Carranca Redondo. Em 1973, pouco depois de regressar do serviço militar em África, José Redondo decide lançar a modalidade na Lousã. Em 1978 tinha um grupo de juniores que em 1981 já eram seniores. “Hoje tenho cerca de 200 atletas”, conta o fundador do Rugby Club da Lousã (RCL), ex-treinador, presidente da Assembleia Geral e “paitrocinador oficial”, como dizem os filhos, pois o pai canaliza para o desporto grande parte da responsabilidade social da empresa. “Todos temos paixões e o râguebi é a minha”. Sempre inovador, José A grande paixão de José Redondo é o Rugby Club da Lousã, desde sempre patrocinado pelo Licor Beirão
Redondo até contribuiu para a modernização da modalidade quando há uns anos decidiu dar aos seus jogadores camisolas justas para dificultar as placagens. A ideia revelou-se tão eficaz que o novo equipamento do RCL acabou por ser copiado pelas seleções de todo o mundo. Os filhos jogaram râguebi, chegaram a ser internacionais e oito dos dez netos (cinco rapazes e cinco raparigas) já são jogadores. “A modalidade é uma espécie de religião familiar”.
52 | Licor Beirão José Carranca Redondo
ral – os netos tinham crescido com a empresa, na Quinta do Meiral, indo a reuniões mesmo antes dos cursos concluídos – como essencial para o futuro do negócio. CORAGEM DE MUDAR
“Como estudantes universitários e potenciais consumidores da bebida, tínhamos noção que a marca estava envelhecida. Que o público mais jovem não considerava o Licor Beirão. A notoriedade existia, conheciam a marca, mas não a consumiam”, explica Ricardo. Em 2002, Daniel propõe a entrada na Queima das Fitas: “Era necessário fazer novas campanhas. Explicar aos jovens o que era a marca, o que era a sua história”. Acreditava que estar presente nas tasquinhas desta grande e tradicional festa estudantil era aposta certeira para o rejuvenescimento da marca. “O meu avô foi contra, disse que era muito caro, por isso decidi fazer um investimento pessoal e levar o Licor Beirão à Queima das Fitas sem o apoio da empresa”, recorda Daniel. Como correu? “Não perdemos muito dinheiro”, responde Daniel entre gargalhadas. “A verdade é que foi fabuloso para a empresa”, intervém José Redondo. “Não se vai a festas ou festivais para ganhar dinheiro. Mas em termos de promoção demos um salto”, justifica o jovem gestor, “de qualquer modo, mostrámos ao avô que era possível chegar a novos públicos e a partir daí passou a ser um bom argumento”. Ricardo, o mais jovem dos netos
Para Ricardo Redondo, diretor financeiro da empresa, o importante é nunca deixar de apostar na criação de valor na marca
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“O que é que se bebe aqui?”, campanha publicitária protagonizada por Manuel João Vieira, marcou o ponto de viragem para o século XXI
e Licor Beirão (mas sem açúcar) resultaram numa bebida fresca, ideal para o ambiente de festa, que no início nem tinha nome – “Caipirão foi um nome que surgiu de uma conversa familiar, porque fazia sentido”. Só mais tarde começaram a publicitá-lo (tal como ao Morangão) a nível nacional, com uma campanha estruturada. “Fomos a primeira marca a publicitar diretamente um cocktail”, afirma Ricardo Redondo. Também aqui foram pioneiros. Na época, as marcas não faziam promoção de cocktails. “Tivemos a coragem de mostrar que uma bebida deve ser tomada de acordo com o gosto de cada pessoa”. Redondo, que regressou a “casa” depois de trabalhar na Deloitte e no BESI, sustenta a tese do irmão: “O que fizemos foi criação de valor na marca. Ações, publicidade e marketing fora da caixa, impactantes. Ser muito eficientes em tudo o que fazíamos (e fazemos). E privilegiar os números. Gastar pouco e lucrar muito. Era essa a estratégia do meu avô e continuou a ser a nossa. No essencial, nada se alterou”. Começaram então a fazer vários eventos e ações promocionais [como o Rock in Rio ou o NOS Alive] “e fomos a pouco e pouco adicionando novas formas de promover a marca”. Foi o caso do Caipirão, cocktail inventado por um professor da Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra, e lançado durante a primeira Queima das Fitas em que participaram, que virou um caso de sucesso. Lima, gelo
54 | Licor Beirão José Carranca Redondo
O QUE É QUE SE BEBE AQUI?
É também em 2002 que acontece uma campanha publicitária marcante, uma das mais importantes de sempre. “Foi a grande campanha de viragem do século passado para este”, assume Daniel Redondo. “A ideia era transmitir aos mais jovens uma das forças da marca: que o Licor Beirão está em todo o lado”. E assim foi. Há alguém que não se lembre de ver Manuel João Vieira, vocalista dos Ena Pá 2000, a percorrer os bares de norte a sul do país e a perguntar “O que é que se bebe aqui?”. Sobre a escolha do protagonista, Daniel recorda: “Agora é uma decisão fácil de tomar, mas na altura não era evidente”. Quando a agência (a Publinter) fez a proposta, o jovem administrador achou muita piada à ideia, pois o músico, pintor e perfo-
Depois do vocalista dos Ena Pá 2000 mostrar que o Licor Beirão estava mesmo em todo o lado, José Diogo Quintela vestiu-se de campino para levar a marca a um público mais jovem e global
Licor Beirão Ponto de Viragem | 55
P
PERSONAGENS
BRINDE À LOUCURA
O humor e a irreverência são valores intrínsecos ao Licor Beirão. A prová-lo a ligação que a marca mantém com Manuel João Vieira e José Diogo Quintela. O protagonista de uma das mais célebres campanhas de publicidade do “Licor de Portugal”, Manuel João Vieira, não hesita em falar sobre a sua relação com a marca. “Mandei substituir a companhia da água e neste momento a canalização da minha casa só deita Licor Beirão. O mesmo acontece no meu jato particular e no meu iate. Aconselho a não beber nunca menos do que cinco garrafas por dia porque menos pode causar dependência. Ideal para acompanhar outras bebidas como bagaço. Fresco é mais saboroso.” O discurso parece raiar a loucura, não estivéssemos a falar de um artista – três vezes candidato à Presidência da República – conhecido pela sua postura de provocação permanente, à qual o Licor Beirão não tem qualquer problema em associar-se. Um pouco mais comedido, José Diogo Quintela recorda que não demorou a aceitar o convite da Partners para gravar “A primeira bebida da noite”: “Devo ter-me feito difícil, mas só da boca para fora”. Já conhecia o Licor Beirão dos tempos em que jogava râguebi (“joguei contra o Daniel e o Ricardo algumas vezes. Eram muito rijos”). E, apesar de admitir que depois da sua participação passou a ouvir muitas vezes a frase “o que é que se bebe aqui?”, vê a sua contribuição para o sucesso do Licor Beirão com modéstia: “fizeram um anúncio com o Tony de Matos. Isso, sim, é prestígio”.
56 | Licor Beirão José Carranca Redondo
mer era então um ídolo da juventude. “Mas quando vim propor a ideia ao meu pai e ao meu avô… fiquei mais aflito. A verdade é que foi relativamente fácil. O meu avô não conhecia a vertente artista do Manuel João Vieira, mas gostava do facto de ele ser candidato à Presidência da República e ser do contra!”. O resto faz parte da história da publicidade. A campanha correu muito bem, “o slogan ficou e ainda hoje é utilizado”. Quatro anos depois, a campanha “A primeira bebida da noite”, protagonizada pelo humorista José Diogo Quintela, conquista definitivamente os segmentos mais jovens. Lourenço Thomaz, diretor criativo da Partners, agência responsável pela campanha, conhecia o Licor Beirão desde criança porque jogou várias vezes contra a equipa de râguebi da Lousã patrocinada pela marca. Talvez por isso guarde bem na memória a primeira reunião que teve com Daniel, Ricardo e José Redondo: “Se antes já achava o Licor Beirão uma marca irreverente, inovadora, provocadora e sem medo de dizer o que pensa, fiquei ainda mais impressionado. Não senti qualquer resistência a ideias arrojadas, aliás, o briefing era mesmo esse”. Depois do sucesso da campanha com Manuel João Vieira, “o maior desafio era simplesmente continuar a ter graça, mostrar uma marca arrojada, mas não gratuitamente. Deveria continuar a ser pertinente, e acima de tudo a ser falada. Um dos desafios era também alargar o target da mar-
ca, torná-la cada vez mais global”. Os Gato Fedorento estavam numa escalada de sucesso e de saída da SIC Radical para a RTP, e o contrato com José Diogo Quintela surgiu mesmo antes de assinarem exclusividade com a PT. De alguma forma, o talento dos Redondo para aproveitar as oportunidades, no momento certo, repetia-se. “Os Gato Fedorento tinham um sketch em que Zé Diogo Quintela fazia de campino e aparecia sempre que alguém não estava a fazer o que devia. Pegámos nessa ideia e, juntamente com Daniel Redondo, criámos o conceito da ‘primeira bebida da noite’. Quando havia pessoas a pedir outras bebidas que não Licor Beirão, o Zé Diogo aparecia no seu personagem de campino e metia ‘ordem na casa’, sempre com muita graça”, recorda o diretor criativo. Na época as vendas já eram muito boas, “mas era um consumidor envergonhado porque o Licor não era uma bebida fashion, não tinha estatuto, as pessoas não queriam de ser vistas a pedir Beirão, mesmo sendo apreciadores”, refere Daniel. “Uma parte desta estratégia foi precisamente legitimar o consumidor. Dizer: o Licor Beirão é uma bebida séria, é uma bebida com valores e com história e nós, portugueses, temos que orgulhar-nos”.
C
curiosidade
O QUE É QUE SE COME AQUI?
O Licor Beirão está em toda a parte e também já pode ser saboreado em cone ou em copo.
A ideia é sempre promover a marca, mas a escolha dos parceiros tem de ser cuidadosa, para garantir a associação a marcas de qualidade. O primeiro gelado Licor Beirão da história resultou de uma parceria com a Geladaria Emanha, casa de gelados artesanais na Figueira da Foz (com um ponto de venda no Parque das Nações, em Lisboa). Depois foi a vez da
TEMPO DE CRESCER
Santini, marca nacional que se orgulha de privilegiar relações
Na verdade, nunca foram feitas alterações de monta no produto, apenas na linha de comunicação, agora mais concertada e profissionalizada.
com outras marcas portuguesas. Mas para quem prefere chocolate, há os bombons Licor Beirão. Produzidos inicialmente para acompanhar a venda de garrafas no Natal, tiveram tanto sucesso que são comercializados em todo o país. Licor Beirão Ponto de Viragem | 57
Nos últimos anos, a estratégia de crescimento passou também pelo investimento de três milhões de euros na renovação das instalações e linhas de enchimento
“A estratégia deixou de ser fazer coisas isoladas e one shot [como acontecia no tempo de Carranca Redondo], e passar a fazer tudo suportado por uma estratégia global e envolvente. E aqui o papel do Daniel foi fundamental”, afirma Lourenço Thomaz. Para Daniel Redondo, tudo se resumiu “a uma necessidade do século XX. O produto mesmo sendo antigo, tinha de passar uma nova imagem”. Esta necessidade de profissionalização da comunicação estendeuse também à gestão da J. Carranca Redondo. Ao contrário do pai, José Redondo tinha a certeza que incluir os filhos na gestão da empresa era crucial: “Até então, como tinha as vendas entregues a uma multinacional, geria o negócio estilo mercearia. Fazer tudo sozinho com o meu pai já não era possível”. Por isso, em finais de 2007, avançam para uma mudança de peso. Decidem sair da gigante
58 | Licor Beirão José Carranca Redondo
multinacional Pernod Ricard e criar, com mais dois sócios, uma nova distribuidora, a Active Brands, com o objetivo de obter maior valor para as marcas representadas. Mas como a falta de alinhamento de objetivos se mantém, em 2011 “decidimos criar a nossa própria distribuição com a Meiral – Companhia Espirituosa, S.A.”. A nova empresa consolida-se em pouco tempo como uma distribuidora de referência em Portugal (representa também marcas como a tequila José Cuervo, o whiskey Bushmills ou o Porto Cruz), aproveitando a larga experiência e sucesso no setor das bebidas espirituosas e usufruindo das vantagens de ser também ela uma empresa de cariz familiar, indo diretamente ao encontro dos objetivos do Licor Beirão. É também durante estes primeiros anos do século XXI que a J. Carranca Redondo ganha outra estrutura. Torna-se necessário fazer contratações e criar os departamentos de marketing, logística, contabilidade, recursos humanos… Ou seja, é criada uma equipa de raiz. Basta dizer que hoje o número de colaboradores ronda aproximadamente as 70 pessoas e continua a crescer. “Quando comecei a trabalhar, só estávamos os três (pai, filho e neto) no escritório”, lembra Daniel. “Às vezes, em conversa com o meu irmão, perguntamo-nos como era possível numa empresa com vendas já na ordem dos milhões, fazermos tudo? Como conseguíamos e quantas oportunidades perdemos?”.•
P
produto
FORMAS DE CONSUMO
A “invenção” do Caipirão, em 2001, abriu portas a um sem número de formas de consumo do Licor Beirão.
“On-the-rocks”, (em baixo) “À patrão”, com gelo e uma casca de limão (em baixo, à direita), “Morangão”, “Caipirão” e o “B-Shot” podem ser as formas mais convencionais de beber Beirão, mas hoje multiplicam-se as receitas de cocktails que têm este licor como ingrediente principal. Do Beirão Tónico à sangria ou as sobremesas com Licor Beirão, é só experimentar e escolher a sua forma favorita de beber.
Licor Beirão Ponto de Viragem | 59
A comunicação é tão importante que até a galinha quando põe um ovo cacareja. José Carranca Redondo
62 | Licor Beirão José Carranca Redondo
UMA MARCA QUE VEIO PARA FICAR
O Licor Beirão não ambiciona ser moda, não trabalha para ser um produto sazonal e não se associa diretamente a um estatuto, a uma faixa etária ou a um modo de vida. É “O Licor de Portugal”. é muito transversal. Esta é uma das nossas vantagens que desde que o meu irmão e eu aqui chegámos temos vindo a reforçar através de estratégias de comunicação muito bem pensadas”, explica o atual diretor geral do Licor Beirão, Daniel Redondo. Reforçar a ideia de intemporalidade tem sido o maior investimento da marca nos últimos anos. “Estamos focados em ser ‘O Licor de Portugal’”, explica Estíbaliz Vicario, responsável de marketing da empresa. “Não é nossa ambição ser trendy. Queremos ser parte da cultura portuguesa como o bacalhau ou o pastel de nata. É esse o nosso objetivo a longo prazo”.
“O nosso público
Para desenvolver este conceito, a família Redondo conta com a dupla Carlos Coelho e Paulo Rocha, dois dos maiores nomes nacionais na área do branding e à frente da agência Ivity Brand Corp. “Não há dúvida que o Licor Beirão tem um património importante de imagem de portugalidade associado à sua história”, explica Carlos Coelho. “O nosso trabalho é desenvolvido no sentido de recuperar esses símbolos e integrá-los na marca. Foi o que aconteceu com os corações a lembrar os bordados dos lenços dos namorados do Norte do país. Na altura foram criados para o Caipirão. Acabámos por integrá-los no design das embalagens. Hoje o
Tradição O trabalho de integração de simbologia ligada à tradição e iconografia nacionais na imagem corporativa da marca é uma das estratégias do “Licor de Portugal”
Licor Beirão Comunicação | 63
Carlos Coelho e Paulo Rocha, a dupla criativa à frente da agência Ivity Corp, trabalha a marca Licor Beirão na sua vertente corporativa
coração é um símbolo inquestionável da marca que liga o Licor Beirão às suas raízes tradicionais de forma mais contextualizada”. A ideia de bem patrimonial constrói-se devagar. Como qualquer marca, precisa de tempo, tem de saber preservar a sua história enquanto vai transformando tudo isto em estratégias de comunicação e posicionamento aparentemente pouco óbvias mas transversais e duradouras. “Nós trabalhamos o lado ‘conservador’ do património Licor Beirão,” explica Paulo Rocha, diretor criativo da Ivity. A marca e a família confundem-se. E família tem intrinsecamente uma continui-
64 | Licor Beirão José Carranca Redondo
dade intemporal indissociável da marca. É nesse sentido que a Ivity está também a colaborar nas celebrações dos 100 anos do nascimento do patriarca, José Carranca Redondo. Para tal foi lançado um concurso, o Prémio Carranca Redondo, que desafia os portugueses a despertarem a sua veia criativa e a apresentarem ideias inovadoras, bem-humoradas, rebeldes e disruptivas. “Queremos saber quanto de Carranca Redondo há em ti”, é a frase promocional. “Este prémio relembra a revolução que o meu avô fez ao nível da publicidade em Portugal, usando a criatividade para fazer crescer o negócio”, explica Daniel Redondo. Carlos Coelho acrescenta que, no fundo, “é uma forma de partilhar com o público os valores profundos de irreverência e de criatividade da marca. De criatividade não apenas como uma questão de comunicação, mas do próprio modelo de negócio”. Em paralelo, outra iniciativa tomou forma. Para assinalar esta data tão importante, a marca preparou uma edição limitada do seu licor, o Beirão D’Honra que, pela primeira vez, apresenta alterações à receita original. “É um produto de celebração uma forma de a marca assinalar este momento tão importante da sua história, oferecendo um produto com um posicionamento de exclusividade”, explica Carlos Coelho, guardião do design da garrafa que vai acondicionar tal preciosidade.
P
porche
EM BUSCA DO PORSCHE AMARELO
Não era amarelo, não era o do Futre mas era um Porsche cheio de aventuras para contar.
O contributo deste trabalho estrutural desenvolvido pela Ivity Corp enriquece a continuidade narrativa deste licor. Contudo, as campanhas de publicidade mais direccionadas para o imediato apresentam também importância vital no seu posicionamento ao longo dos anos. A evolução da estratégia de publicidade é uma história que se confunde com a história desta família de licoristas irreverentes. HISTÓRIA CONTADA EM ANÚNCIOS
O concurso de criatividade “Soluções à Portuguesa” desafiava os portugueses a sugerirem medidas ao estilo Futre. O prémio era um Pors}che amarelo a lembrar aquele que o futebolista em tempos conduzira pelas ruas de Lisboa. Manuel Oliveira recorda que não foi assim tão fácil encontrar um carro com aquelas caraterísticas. “Descobrimos um que nem era o mesmo modelo nem era amarelo. A maior semelhança era que também tinha 30 anos”. O negócio foi fechado por telefone e no dia seguinte era preciso ir buscá-lo “a uma garagem subterrânea perto de Picoas, em Lisboa”, recorda Manuel Oliveira. “Paguei ao vendedor que em troca me passou para a mão a chave e um saco de fusíveis. Garantiu-me que iria precisar deles. Antes de chegar com o carro à agência, no Príncipe Real, já tinha percebido o que ele tinha querido dizer”. O Porsche foi reparado e coberto de vinil amarelo. O vencedor foi um piloto de aviação civil, por coincidência colecionador de carros antigos. “Durante muito tempo estimou o carro”, conta Estíbaliz Vicário, responsável de marketing do Licor Beirão. “Até que decidiu vendê-lo. Nós comprámo-lo! Faz agora parte do nosso espólio”. 66 | Licor Beirão José Carranca Redondo
Quando, em 2005, Daniel e Ricardo assumiram a liderança da empresa, puseram em marcha uma mudança fundamental na evolução da marca. Os números provam o sucesso das suas iniciativas. Em 2007 o Licor Beirão foi a única bebida que cresceu em vendas, enquanto todo o mercado das bebidas espirituosas sofria uma queda generalizada. Para isso muito contribuiu o impacto gerado pelas campanhas de Manuel João Vieira e de José Diogo Quintela. Continuar a comunicar era imperativo. Encontrar a forma mais original, mais bem humorada e mais contemporânea para o fazer era o caminho. Manter a qualidade a nível de irreverência criativa, com o humor e a contemporaneidade capazes de captar a essência da marca era o grande desafio. Para isso a equipa de marketing estabelece uma relação muito própria com as agências de publicidade, selecionando parceiros campanha a campanha através de concursos.
Daniel esclarece: “Não temos como política trabalhar sempre com a mesma agência. Variamos porque ninguém tem propriedade sobre a criatividade. Se uma agência faz uma campanha fabulosa e nós pedimos uma segunda, pode já não ser tão impactante. Não é fácil manter constantes golpes de génio. É a nossa forma de trabalhar”. Normalmente a abordagem é feita apenas a agências de pequena dimensão. “Sentimos que têm mais facilidade em desenvolver uma relação afetiva com a marca. Uma multinacional percebe melhor uma multinacional”. Daniel acrescenta ainda que “os briefings são muito abertos. Sabemos que por isso as agências gostam de trabalhar o Licor Beirão. Porque temos flexibilidade. Se nos apresentam uma ideia maluca, somos muito bem capazes de a aceitar. Numa empresa grande é mais difícil o marketeer arriscar. No Licor Beirão somos nós que decidimos”. Este foi precisamente o segredo do sucesso da campanha “Soluções à Portuguesa”, protagonizada por Paulo Futre em 2011. Uma campanha feita de mupis, outdoors, online e imprensa. Desenvolvida por Manuel Soares de Oliveira, então diretor geral da agência Uzina, a campanha correu tão bem que o Licor Beirão voltou a desafiar a agência para desenvolver a campanha da Natal desse mesmo ano. Para isso Manuel Oliveira sentouse à mesa de reuniões acompanhado por Maurício Santos e Ricardo
C
campanha
SOLUÇÕES: PRÉMIO INTERNACIONAL DE CRIATIVIDADE
Uma campanha que ultrapassou todas as ambições da equipa de marketing.
Eficiência A ausência de uma estrutura pesada de decisão é a grande vantagem da marca que assim trabalha a criatividade aproveitando o timing certo
O sucesso da campanha “Soluções à Portuguesa” ultrapassou as fronteiras nacionais. Em 2011 ganhou o prémio de melhor campanha mundial promovido pela rede de agências de publicidade ICOM, gerando grande visibilidade alémfronteiras. Licor Beirão Comunicação | 67
S
sucesso
FMI
Como um anúncio concebido numa tarde para resolver uma emergência se transforma num caso de sucesso. O anúncio com as caricaturas da Angela Merkel e do Nicolas Sarkozy era internacionalizável. Facilmente qualquer país da Europa perceberia a mensagem. Por isso foi aproveitado para uma pequena ação além-fronteiras, marcando presença no verso de capa de algumas revistas de bordo de companhias aéreas. Em vésperas de Natal, pouco depois de o material publicitário ter seguido para cada revista, a equipa de marketing recebeu um telefonema da EasyJet. “Recusaram-se a publicar o nosso anúncio”, conta Estíbaliz Vicário. “Não queriam associar-se a provocações políticas”. A publicação exigia ao Licor Beirão outro conteúdo. “Claro que não tínhamos outro anúncio. Aquele era o anúncio!”. Estíbaliz telefonou para a Uzina, a agência responsável pela campanha, a pedir ajuda. Manuel Oliveira chamou Gustavo Suarez e, numa tarde, criaram o que ficou conhecido como o anúncio do FMI, que brincava com o constante envio de grupos de trabalho a Portugal. Qual a mensagem que ficava no ar com a frase “Imagine porque é que o FMI vem tantas vezes a Portugal”? O Licor Beirão era a verdadeira causa de tantas visitas. O problema
Dias. A estratégia para o brainstorming foi a mesma que a utilizada para “Soluções à Portuguesa”: olhar para a atualidade, encontrar assuntos quentes e arranjar maneira de brincar com eles. Na ordem do dia estava a presença da Troika e as restrições económicas impostas pela União Europeia a Portugal. O país estava zangado com os principais líderes europeus. Surgiu então a ideia de caricaturar Nicolas (Sarkozy) e Angela (Merkel). No anúncio, as personagens aparecem a segurar uma garrafa de Licor Beirão, dando a entender que de Portugal estariam efetivamente a receber o que havia de melhor. “Esta campanha deu-nos a consciência de um fenómeno muito curioso”, lembra Estíbaliz. “O sucesso foi enorme mas, dada a polémica do tema e das figuras caricaturadas, nem toda a gente entendeu a mensagem de forma positiva. Nas redes sociais levantaram-se vozes críticas. Em conjunto com a nossa equipa de social media management começámos a preparar uma reação em nossa defesa. Mas num ápice todos os fãs da marca fizeram esse trabalho por nós. Defenderam-nos com unhas e dentes. Esta campanha trouxe-nos esta constatação do valor imenso que tem a nossa presença nas redes sociais”.
causado pela EasyJet deu origem a uma das campanhas da marca mais bem acolhidas internacionalmente, garantindo-
APRENDER com cada momento
lhe o prémio “Heights Awards” na categoria de Alimentação e
No início de 2012 o crescimento das vendas e a popularidade da marca estavam em velocidade de cruzeiro.
Bebidas, galardão que distingue a qualidade criativa de anúncios publicados em revistas de bordo e aeroportos. 68 | Licor Beirão José Carranca Redondo
Licor Beirão Comunicação | 69
T
talento
Pedro Fernandes, Uma Aventura com Gelo e Limão
Pedro Fernandes é um artista de múltiplos talentos. Humorista, desportista e apresentador de televisão são alguns dos mais conhecidos. Protagonizar o anúncio do Licor Beirão em 2014 revelou ainda outro: o de cantor. Como foi trabalhar com a marca Licor Beirão? Nunca fui grande consumidor de bebidas alcoólicas. Umas das poucas excepções é o Licor Beirão. Quando surgiu a primeira oportunidade de participar num filme da marca, nem pensei duas vezes. Nunca daria a cara por uma marca que não gostasse. Sendo fã e consumidor de Licor Beirão, foi um verdadeiro prazer.
O jingle da campanha “À Patrão” é cantado por si. Como encarou o desafio? Com naturalidade e alegria. Já tenho um historial de cantorias na televisão e sempre que tenho a oportunidade de cantar, nunca digo que não. Poderia estar mais afinado e peço desde já desculpa aos Lunáticos, os autores do tema original “Estou na Lua”.
Lembra-se de alguma situação engraçada durante as filmagens? Lembro-me do difícil que foi na última cena estarmos deitados no chão e simular com naturalidade estarmos sentados num bar a beber um Licor Beirão. Para aqueles que perguntam como é que não entornámos uma gota de Beirão: era gelatina!
É consumidor de Licor Beirão? Como prefere tomá-lo? Gosto muito de Licor Beirão. Bebo em balão (quanto maior, melhor) com muito gelo. 70 | Licor Beirão José Carranca Redondo
O Beirão já não era só líder de vendas na área dos licores. Liderava o mercado das bebidas espirituosas, ultrapassando as principais marcas de whiskey. Nesse ano foram consumidos 2,2 milhões de litros de Beirão, representando um crescimento de 2,4%. Facto impressionante já que Portugal estava em plena crise económica. A marca pretendia posicionar-se como a bebida da mesa de Natal dos portugueses. Foi este o briefing dado à Uzina, que sugeriu João Paulo Rodrigues para protagonizar a nova campanha. “O jovem era já um humorista reconhecido e depois de ter vencido um concurso de talentos em televisão a sua popularidade disparara. Achámos que traria grande mais-valia à marca”, explica Daniel Redondo. Foram criadas quatro figuras inspiradas em grandes nomes da história a serem interpretadas pelo humorista: Fernando Pessoa, Luís de Camões, Gaspar (num trocadilho entre o rei mago e o então Ministro das Finanças) e Salazar. Além da televisão, a campanha esteve presente indoor, imprensa e online. Daniel Redondo faz o balanço: “Não ficámos totalmente satisfeitos. Em termos de criatividade os filmes eram muito bons mas tiveram pouca visibilidade. Foi nesta altura que optámos por deixar de trabalhar com agências de meios. Passámos a chamar a nós essa tarefa quando percebemos que o orçamento que disponibilizámos não tinha sido
distribuído de forma eficaz. Atualmente somos nós que negociamos diretamente com cada meio em cada campanha que fazemos. Quando estas situações acontecem não nos deixamos bloquear”. MUDANÇAS “À PATRÃO”
2014 voltou a ser um ano histórico. Pela primeira vez em 85 anos de existência o licor mudou não só a rotulagem como também a garrafa. “Queríamos torná-la mais atual. Não só para Portugal mas também com um olho na internacionalização”, justifica Daniel Redondo. A campanha “À Patrão” serviu não apenas para apresentar subtilmente esta nova garrafa, mas também para aproximar a imagem da marca à leveza do verão, a momentos de boa disposição e prazer. Pedro Fernandes, figura ligada ao programa “5 Para a Meia Noite”, da RTP, cantava num ambiente tropical um jingle ao som de uma conhecida música da banda Os Lunáticos. UM AUMENTO PARA o MARKETING!
Mas há desafios em que o acaso responde com golpes de sorte aproveitados pelo apurado sentido de oportunidade desta família. Na Primavera de 2016, as várias equipas europeias disputavam jogos de preparação para o Campeonato Europeu de Futebol. “Propuseram-nos colocar o nosso anúncio no jogo particular entre Inglaterra e Portugal. Estávamos longe de ter orçamento que nos permitisse investir nos jogos oficiais
I
imagem
NOVA GARRAFA
Detalhes de uma nova roupagem para uma imagem mais trendy, reflexo do valor e da qualidade que a marca representa:
A garrafa cresce em altura, diminui em perímetro e acentua as suas curvas.
A assinatura do avô é substituída pela do pai, uma estratégia para evitar falsificações.
A fita é agora de cetim, material mais nobre e elegante.
O papel utilizado para a rotulagem é substituído por outro de melhor qualidade.
É introduzido o compromisso de honra como garantia de qualidade.
A árvore dos corações passa a fazer parte do rótulo. Simboliza a árvore genealógica e os seus conceitos de continuidade e herança ancestral. Licor Beirão Comunicação | 71
D
design
evolução da imagem
De 1940 até aos dias de hoje, as mudanças na garrafa e na rotulagem do Licor Beirão foram poucas mas todas muito bem planeadas.
1940
1960
1970
1990
2004
72 | Licor Beirão José Carranca Redondo
2014
do Europeu. Esta era a forma possível de marcarmos presença. Aceitámos!”, recorda Estíbaliz. O que aconteceu a seguir foi uma sequência de coincidências que a equipa brilhantemente transformou em benefício. O jogador português Bruno Alves pontapeia a cabeça do adversário inglês Harry Kane. A imagem choca pela violência e é consecutivamente difundida pelos meios de comunicação, incluindo televisões. Em pano de fundo estava o painel com o anúncio do Licor Beirão. Daniel recorda o entusiasmo desse serão: “Eu estava sentado no sofá e já não via a repetição da jogada. O que via era o Licor Beirão a passar sucessivamente em todas as televisões. Telefonei para a Escritório, agência que estava a trabalhar na nova campanha e desafiei-os a fazerem alguma coisa com o impacto que aquelas imagens estavam a ter”. Em menos de 48 horas o filme em que o Licor Beirão apresenta um pedido de desculpas a Harry Kane estava online. Foi o sétimo vídeo mais visto do Europeu de futebol, ultrapassando o próprio vídeo oficial de Harry Kane. Milhões de visualizações, milhares de comentários e outras tantas partilhas. A campanha valeu-lhes ainda cumprimentos de todos os meios de comunicação nacionais e de muitos outros órgãos internacionais. “A vossa equipa de marketing merece um aumento”, escrevia alguém nas redes sociais. “Com esta iniciativa, convenceram-
Golpe de génio Foi como muitos profissionais de marketing descreveram o oportuno filme do Licor Beirão para o Europeu de Futebol de 2016
me a comprar uma garrafa do vosso licor”, declarou por sua vez um conterrâneo de Harry Kane. “O sucesso desta iniciativa só foi possível graças ao nosso método de trabalho muito particular. Embora com outras características, foi um fenómeno semelhante ao da campa-
nha com o Paulo Futre. Acontecem porque não temos uma hierarquia pesada de decisão. Permite-nos manter uma comunicação fora da caixa. É por aí que queremos continuar a comunicar. Com esta flexibilidade e esta loucura”, conclui Daniel.• Licor Beirão Comunicação | 73
V
visão
A URGÊNCIA É A MÃE DE TODA A CRIATIVIDADE
Manuel Oliveira foi o criativo que mais anos trabalhou o Licor Beirão. Desse tempo recorda a coragem da marca para arriscar e como isso o desafiava a superar-se profissionalmente. Qual foi a sua estratégia para ser bem-sucedido? Passei duas semanas mergulhado nos conceitos de comunicação da marca: portugalidade, humor, atualidade. Criámos o Rouxinol Faduncho que brincava com o estereotipo do que é ser português. Mas ainda não estava totalmente satisfeito. Na altura o Primeiro-Ministro José Sócrates tinha-se demitido, ia haver eleições, e o Futre tinha feito a sua famosa conferência de imprensa. De repente, juntámos os pontos.
Receava que a proposta fosse rejeitada? Levámos duas propostas. A reunião começou com a apresentação do Rouxinol Faduncho. O Daniel adorou. No final acrescentei: “Tenho uma outra proposta. Implica risco e para ser feita tem de ser aprovada já. Se não perde a atualidade”. Esta é uma
Como começou a sua relação com o Licor Beirão?
das grandes vantagens de se trabalhar com o Licor
Em 2011 ainda na minha outra agência, a Uzina.
Beirão: não há uma estrutura hierárquica morosa de
Fomos contactados pelo Daniel Redondo, desafiados
decisão. Nessa mesma tarde recebo o telefonema a
a entrar num concurso para uma campanha de pu-
confirmar a aprovação.
blicidade. Fiquei muito entusiasmado, identifico-me com a irreverência e ousadia da marca.
Como foi criar uma campanha em tão pouco tempo?
Surgiu assim a campanha do Futre?
O que fizemos foi um cartaz político, uma área
A história é mais longa do que isso. Fomos à Lousã
onde eu já tinha alguma experiência. Foi preciso
apresentar a nossa proposta, construída à volta do
ainda convencer o Paulo Futre, que ao início estava
conceito “Licor Beirão torna tudo mais português”.
hesitante. Mas quando percebeu que a melhor
Logo nessa reunião o Daniel disse-me: “Manuel,
maneira de acabar com um país inteiro a rir-se dele
vamos trabalhar juntos. Mas consegues fazer ainda
era juntar-se ao público e rir-se com ele, aceitou. Os
melhor que isto. Posso pedir-te que sejas genial?”.
anos seguintes provaram que foi a melhor decisão
Como é que se sentiu?
que podia ter tomado.
Uma angústia. Por um lado, o cliente tinha gostado
O que é que lhe deu mais prazer?
da nossa proposta. Por outro, trazia na bagagem um
Trabalhar com um cliente que tem coragem de arris-
enorme desafio. Duvidava ser capaz de fazer melhor.
car. Nisso o Licor Beirão é exímio.
74 | Licor Beirão José Carranca Redondo
S
sorriso
A RECEITA PARA UMA CARA FELIZ
Em 2016 o Licor Beirão revela a receita para combater a ‘má cara’ numa campanha que obteve sucesso imediato nas redes sociais.
Um anúncio criativo, irreverente e polémico: os ingredientes indispensáveis nas estratégias de comunicação da marca
Em Julho de 2016 foi lançada a mais re-
vodka. Como pano de fundo, o humor, cla-
cente campanha do Licor Beirão, desenvol-
ro. Os primeiros números que chegam das
vida pela agência O Escritório. A estratégia
redes sociais deixam antever uma aposta
manteve-se: cultivar a proximidade a um
ganha. Em 24 horas o anúncio online já
público jovem e, em simultâneo, brincar
acumulava mais de 7 mil visualizações e
com os concorrentes como o whiskey e a
duas mil partilhas no Facebook. Licor Beirão Comunicação | 75
Onde há um português, bebe-se Licor Beirão. José Redondo
78 | Licor Beirão José Carranca Redondo
Mixologia de Paixão
João Pessoa é um caso especial: de uma paixão construiu uma carreira profissional de sucesso. A orientar-lhe o caminho desde novo esteve sempre o Licor Beirão, a bebida da sua terra natal. Como tantos outros lousanenses,
também João Pessoa foi jogador na equipa do Rugby Club da Lousã. Com seis anos estava longe de imaginar que o símbolo do Licor Beirão estampado na sua camisola de atleta não tardaria a carimbar o seu coração e a impulsionar a sua paixão de vida. Aos 16 anos começou a trabalhar na marca. Aproveitava o tempo livre das férias de verão para reforçar a sua mesada. O trabalho com o Licor Beirão dava-lhe a oportunidade de viajar de norte a sul do país a promover a bebida da sua terra, de que tanto se orgulhava. Ainda sem ideia do que seria o futuro, João sabia que por muito que
este trabalho lhe desse enorme motivação, era importante continuar a estudar. Começou a trabalhar como “apanha-copos” numa discoteca para ajudar a pagar a sua formação. Um part-time aparentemente inocente que se revelou fundamental para que descobrisse o seu grande sonho: o mundo dos bares, das bebidas espirituosas e dos cocktails. Fez formação na área do turismo, trabalhou num hotel, num bar. Entre aprendizagem, investigação pessoal e trabalho, João percorreu bares de norte a sul do país. Chegou a chefe de bar de uma discoteca de renome. O Licor Beirão, esse, nunca o largou. Qualquer oportunidade era
Sangue na guelra De promotor sazonal a brand ambassador do Licor Beirão, João Pessoa é um apaixonado pela sua profissão
Licor Beirão Sou Fã | 79
E
exótico
O Lado Exótico do Licor Beirão
Em Londres o Licor Beirão é o ingrediente nobre de dois cocktails no famoso The Gibson.
Marian Becke esteve dois anos consecutivos em Portugal a ensinar a arte de fazer cocktails com Licor Beirão
Marian Becke, um dos maiores mestres mundiais da cocktelaria, à frente do famoso cocktail bar de Londres, The Gibson, foi o convidado de honra no stand do Licor Beirão na segunda edição do Lisbon Bar Show em 2015. Aqui apresentou um original guest bartending. Esta iniciativa teve um impacto tão positivo que tanto a marca como o barman não hesitaram em repetir a experiência no ano seguinte. No balanço do entusiasmo Becke pegou no Licor Beirão e criou dois novos cocktails: o Mylk, Egges and Chese e Wizard of Oz. Para prová-los só mesmo no The Gibson.
80 | Licor Beirão José Carranca Redondo
boa para falar da marca mais famosa da sua terra. O percurso profissional de João Pessoa não passou ao lado dos olhos atentos da família Redondo. Aquele jovem tinha garra. E garra é coisa que estes licoristas não deixam passar ao lado. Convidaram-no a compilar um livro de receitas de cocktail com Licor Beirão. A concretização do seu sonho e a sua paixão pelo Licor, foram a mistura perfeita para que João Pessoa transformasse a iniciativa num sucesso. “Ele foi mais além do que lhe tínhamos pedido. Contactou os melhores barmen de Portugal e foi além-fronteiras desafiar profissionais portugueses a trabalhar fora e, pelo caminho, ainda motivou um grupo de barmen estrangeiros a integrarem o projecto. Gerou-se uma forte sinergia entre o Licor Beirão e o mundo dos cocktails”, recorda Estíbaliz Vicário, responsável de marketing da marca. O convite para assumir o papel de Brand Ambassador foi a evolução natural da relação de João Pessoa com a marca, resultado do seu talento e da dedicação ao “Licor de Portugal”. “Não pude dizer que não!”, conta. O sonho tinha-se feito realidade. Desde 2015 que João Pessoa percorre o mundo em nome do Licor Beirão. Na bagagem leva paixão pelo que faz e orgulho naquilo que promove. Quando, no estrangeiro, lhe perguntam a que sabe o Licor Beirão, João sorri e, com olhar desafiador, responde: “Licor Beirão?... Sabe a Licor Beirão!”.•
Um livro de receitas de cocktails de assinatura com Licor Beirão: O resultado final de uma iniciativa de sucesso com profissionais de todo o mundo
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Avô, tu tens cá uma pedalada! Tomás Redondo
84 | Licor Beirão José Carranca Redondo
BEIRÃO PELO MUNDO
José Luís Santos cresceu a ouvir as histórias que o pai trazia a cada regresso a casa, das suas múltiplas viagens. E foram muitas. As suficientes para sentir que, quando crescesse, queria também ser viajante. com tantos lousanenses, desde cedo que o Licor Beirão está presente na memória de José Luís Santos. No seu caso graças a uma longa amizade entre o pai e José Carranca Redondo. Nascidos no mesmo ano (1916), uniram-se no desejo de se livrarem da tropa numa altura em que a Primeira Grande Guerra ameaçava a Europa. A estratégia orquestrada e nunca revelada por nenhum dos dois foi bem-sucedida e serviu de mote para bons momentos de confraternização entre as duas famílias. José Luís foi precoce nas suas aventuras pelo mundo. “O passar dos anos empurrou-me para a maioridade e, como na natureza selvagem, a cria despega-se dos progenitores e faz-se à vida sozinho”, conta, com Como acontece
certa nostalgia. A primeira partida fê-la de comboio pela Europa, à boleia do programa inter-rail. No regresso a casa a sua única vontade era voltar a sair. Foi o que fez. Uma e outra e mais outra vez. Até hoje. De origens modestas, as suas viagens eram organizadas à medida dos tostões contados. “Tive de espremer os trocos e partir com a carteira mais recheada de desejo e inconsciência do que de outra coisa qualquer”, recorda. “Contava as moedas a cada passo dado, dormia em comboios, estações, parques de estacionamento, no chão frio da rua, sempre de olho aberto com receio de acordar sem a minha máquina fotográfica”. Foi precisamente este desafio que lhe mostrou os outros dois grandes pilares da sua existência: a fotogra-
Havana José Luís atravessa o Atlântico e aterra em Cuba. Este personagem tão fotogénico foi um dos seus primeiros encontros nas ruas de Havana Em família Numa aldeia remota no norte da Tailândia, perto da fronteira com o Myanmar, José Luís conhece outra família. Todos provaram o Licor Beirão com entusiasmo especial
Licor Beirão Momento Vital | 85
Já no Uzbequistão, em Bukhara, José Luís cruza-se com outro casal de noivos. Delicadamente, infiltra-se na festa e pede aos noivos que posem para uma fotografia com o seu Licor. Ao provarem ambos concordam: “Delicioso!”
fia e a escrita. A cada regresso a casa trazia o corpo moído pelas noites mal dormidas, o estômago apertado pela escassez de refeições e a alma a transbordar de apetite pela vida. “E com vontade imensa de contar histórias, de dizê-las, assim, como que cantando, a toda a gente”, acrescenta, brincando com o famoso poema de Florbela Espanca. Esta vontade de comunicar juntou-se à necessidade de criar uma estrutura financeira que o apoiasse no vício de conhecer o mundo. José Luís tornou-se professor de História na sua terra natal. Foi também na Lousã que surgiu a oportunidade de escrever sobre as suas aventuras em
86 | Licor Beirão José Carranca Redondo
países tão variados como Itália, Síria, Jordânia, Balcãs, Turquia, Cuba, Líbano. O jornal Trevim, semanário lousanense fundado em 1967 por José Redondo, ofereceu-lhe o espaço de uma crónica na sua publicação. Por sua vez, José Redondo, homem também ele destemido e inveterado patrocinador de histórias de coragem, entusiasmou-se com a leitura dos relatos escritos por José Luís no seu jornal. Sabiam-lhe a pouco, queria mais, com mais frequência. Quando os dois se cruzaram em 2014 numa cerimónia de apresentação do trabalho fotográfico do viajante, o diálogo acendeu-se e ganhou entusiasmo. No final do evento José Luís lançou uma proposta a José Redon-
Perto da mítica “Ponte Sobre o Rio Kway”, esta família delicia-se com a prova do Licor Beirão num restaurante local, o que inesperadamente colocou José Luís numa situação delicada: os clientes das outras mesas também queriam provar, mas o stock de Licor Beirão estava mesmo no fim
À beira do Lago Song Kol, a 3 mil metros de altitude no Quirguistão, José Luís é convidado a juntar-se ao piquenique de um grupo de amigos. Quando lhes revela a sua nacionalidade, Ronaldo é o primeiro nome que surge. “Very good!”, é a expressão proferida, servindo de mote a José Luís para lhes apresentar o Licor Beirão mostrando-lhes que Portugal tem outros “very good!” Licor Beirão Momento Vital | 87
Petra, Jordânia. Atrás, o templo do tesouro, à frente, um beduíno que ganha a vida a transportar pessoas a cavalo. José Luís conhece-o, apresenta-lhe o Licor Beirão. A reação: “Quero provar a bebida do tal país do Cristiano Ronaldo!”
do. “Se o Licor está em toda a parte, porque não estender esta amplitude à escala mundial?”. Poucos dias depois, foi à fábrica apresentar-lhe o projeto. “A ideia era levar garrafas de Licor Beirão a sítios recônditos do globo e dá-lo a provar às pessoas, fotografando-as para ilustrar o momento”. Em troca José Redondo teria maior quantidade de histórias para ler e com um protagonista muito particular: o seu Licor Beirão. Hoje, a marca é patrocinadora de José Luís em muitas das suas viagens. Em troca o viajante leva o Licor a conhecer o mundo. Juntos
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colecionam histórias únicas de pessoas extraordinárias e locais improváveis. Em 2014 as garrafas de Licor Beirão acompanharam este viajante a locais tão remotos como o Líbano, Jordânia, Israel e Palestina. Em 2015 partiram de novo juntos para conhecer o Quirguistão, Uzbequistão e Cuba. Em 2016 já foram à Tailândia e ao Camboja. No regresso, o que não falta são histórias para contar. Nada melhor do que as imagens para descreverem as aventuras únicas do Licor português mais viajado do mundo.•
Em Maekong, pequena cidade ainda na Tailândia, este mercado acontece em cima da linha de caminho de ferro. Quando o comboio se aproxima, os vendedores afastam as suas tendas para que as composições passem. Os seus produtos ficam na ferrovia sem que o comboio lhes toque. Entre dois comboios não faltaram oportunidades para os vendedores provarem Licor Beirão
De regresso ao Oriente, um grupo de trabalhadores corta gengibre no Mercado das Flores em Banguecoque. A prova do Licor Beirão foi mais uma vez um sucesso. Estes tailandeses conhecem agora mais uma maravilha de Portugal – além de Ronaldo!
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A fábrica é o palco onde os netos andam, pulam, ajudam e atrapalham enquanto absorvem o gosto pela marca. Daniel Redondo
UM SEGREDO BEM GUARDADO
Da plantação dos ingredientes à rotulagem das garrafas, conheça todos os passos que garantem uma produção diária de 30 mil garrafas de Licor Beirão. Os bastidores de uma empresa familiar que desvenda muitas histórias, mas não a sua receita secreta. Há quem diga que é um segredo mais bem guardado que o da Coca-Cola…
Para conhecer as origens do Licor de Portugal é preciso viajar até ao interior do país e visitar a Quinta do Meiral, na Lousã. É na propriedade da família, com mais de 12 hectares, que são cultivadas algumas das plantas e sementes aromáticas essenciais à produção do licor, e é no local que se situa a fábrica e as restantes instalações da J. Carranca Redondo Lda. Alfazema, eucalipto, menta e funcho são algumas das plantas que aqui nascem. Fazem parte dos 13 ingredientes que constituem o ADN secreto do Licor Beirão. Outros, como a canela ou o cardamomo, são importados dos quatro cantos do mundo e fazem parte da nossa cultura gastronómica desde a época dos Descobrimentos. 94 | Licor Beirão José Carranca Redondo
O que marca a diferença entre o Licor Beirão e todos os outros licores é precisamente o facto de o seu aroma ser feito exatamente de acordo com o processo original, fruto do saber geracional da família.
Tudo começa na “sala das sementes”, um armazém fechado à chave onde, todas as semanas, José Redondo, mestre destilador do Licor Beirão há mais de 40 anos, faz a seleção e a pesagem das sementes, especiarias e plantas aromáticas. Só ele e o seu filho mais novo, Ricardo, conhecem esta receita secular. Licor Beirão Bastidores | 95
Depois de pesados, os ingredientes são moídos e colocados em maceração com álcool de origem agrícola durante um período mínimo de três semanas, libertando todas suas propriedades e aromas.
Segue-se a dupla destilação feita em alambiques de cobre, porque este material não passa sabor ao álcool, resiste aos ácidos e conduz bem o calor. É nestes alambiques que se separam as substâncias que têm diferentes pontos de ebulição – os primeiros cinco litros, “a cabeça”, são logo retirados, pois é onde se concentram os piores aromas, voltando o resto a ser redestilado. Por fim, obtém-se o alcoolato.
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A mistura do alcoolato com os restantes ingredientes que compõem o Licor Beirão é então filtrada e armazenada em enormes depósitos de inox (com capacidade para 25.000 a 100.000 litros) durante alguns meses para que haja um blending, uniformização dos diferentes lotes, e o resultado final seja o licor homogéneo, de sabor doce e aroma envolvente que tão bem o caracterizam. A água utilizada durante o processo vem diretamente da Serra da Lousã. E mesmo sendo água 100% pura, é sempre desmineralizada para não afetar o sabor do licor. Licor Beirão Bastidores | 97
A linha de enchimento é totalmente automatizada. Máquinas de calibragem sofisticada garantem que, após o enchimento, a colocação dos quatro rótulos é feita de forma milimétrica. Não é por acaso que, atualmente, a capacidade média de produção da fábrica é de 30.000 garrafas por dia. Há uma década era 10 vezes inferior.
A única exceção à mecanização é a colocação da tradicional fita amarela que decora todas garrafas - inclusive as miniaturas cujo rótulo, também colocado manualmente, pode até ser personalizado - e que é feita exatamente como há 75 anos! 98 | Licor Beirão José Carranca Redondo
Antes de serem embaladas, também de forma mecânica, as garrafas são sujeitas a um último controlo de qualidade para garantir que estão em condições perfeitas. Prontas a fazer-se à estrada, as paletas de Licor Beirão aguardam a expedição no armazém, a par de muitas centenas de caixas com materiais promocionais que há várias décadas ajudam a promover “O Licor de Portugal” por todo o país e por esse mundo fora.
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Para fora comportamo-nos como uma multinacional mas internamente fazemos questão de continuar a ser uma empresa familiar José Redondo
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UM COMPROMISSO FAMILIAR
Redondo é o mundo e o nome de uma família destemida, que faz do futuro presente, honrando o compromisso de se tornar mais forte e valiosa a cada nova geração. Uma das maiores histórias de sucesso em inovação do País nasceu num local onde a maioria dos empresários nunca pisou: a Lousã. Um negócio que atravessa gerações e que agora, com os dois netos à frente da empresa, transborda entusiasmo e profissionalismo. Quando em 2004 o Licor Beirão deu um pulo de crescimento, o trabalho nos escritórios era feito apenas por quatro pessoas, todas elas da família Redondo. A entrada de novos colaboradores era prioritária. Um processo rigoroso para uma empresa familiar que valoriza a ligação emocional à marca mas também a importância de manter o negócio em saudável evolução. “A nossa estrutura de recursos humanos cresceu muito nos últimos quatro anos. Neste momento precisamos de pessoas de respon-
sabilidade para liderar um conjunto de subnegócios. Somos muito rigorosos na contratação de pessoal. Por isso fico muito feliz quando vejo como estão a crescer depressa os dez elementos da quarta geração da família. Sei que em pouco tempo provavelmente terei na equipa pessoas com forte vínculo emocional à empresa”, afirma Daniel Redondo, diretor geral da empresa. Acrescenta: “As multinacionais vivem da sua dimensão, de serem empresas globais, anónimas. O método de gestão de recursos humanos é simples: se o negócio corre bem naquele ano, a equipa está a fazer bem o seu trabalho. Se não, são substituídos. Nós não temos essa filosofia. Apostamos no longo prazo. Não arriscamos contratar uma pessoa só porque vem com ótimas referências. Num ano
Legado Duas gerações da família Redondo representam o presente e o futuro do Licor Beirão. É agora a vez dos filhos Daniel e Ricardo assumirem a responsabilidade de continuar a fazer crescer o negócio para as gerações vindouras
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A história da marca Licor Beirão confunde-se com a história da família. Fábrica e escritórios partilham o mesmo espaço que a casa de habitação do patriarca
apresenta excelentes resultados mas dificilmente estará connosco a longo prazo. Chamar a família a trabalhar na empresa é a melhor forma de garantir esse vínculo”. Mas quando a equipa precisou de crescer, a nova geração ainda estava a gatinhar no mundo dos negócios. Foi preciso ir buscar recursos fora da realidade familiar e dar-lhes formação rigorosa sobre os valores fundamentais da marca. “Criamos empregos para a vida. Não estamos interessados na rotação de pessoal”, justifica Ricardo Redondo, responsável financeiro da empresa. Por isso, incentivar os novos membros da família a interessarem-se pelo negócio sempre foi e continua a ser a estratégia preferida de re-
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cursos humanos. Um estímulo que acontece desde cedo, através de um processo natural, orgânico, quase intuitivo. “Toda a zona da Quinta e da fábrica é um espaço onde apetece estar. Os campos são imensos, no Verão existe o tanque para tomarem banho. Os nossos filhos sentem-se muito motivados a estar aqui”, explica Ricardo, recordando o tempo em que o avô o desafiava a pensar e a resolver problemas relacionados com a fábrica como se de um jogo se tratasse. Daniel e Ricardo têm as melhores memórias das férias quando, aos 12 anos, depois de dias passados entre brincadeiras e explorações na fábrica, o avô os levava a passear de carro pelas estradas desertas da serra.
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Estratégia Toda a família trabalha em conjunto para o sucesso da marca. Através de uma estratégia orgânica e natural de fazer crescer desde cedo o gosto pelo negócio
Convidava-os sempre a saltar para trás do volante e ensinava-os a conduzir. Os dois irmãos sabiam que estas lições de condução antes do tempo só aconteceriam se durante o dia tivessem dado o seu contributo na empresa. A provar o sucesso desta estratégia, Daniel e Ricardo Redondo estão hoje à frente do negócio. Foram o sangue novo que revolucionou a imagem da marca. Contudo, ambos mantêm perfeita consciência de que a sua frescura não dura para sempre. “Verificamos que estamos a ficar distantes de algumas das tendências do público mais jovem”, constata Ricardo Redondo. “Naturalmente, vamos ficar mais velhos e mais conservadores. Já não nos apetece vir ao fim de semana abrir a fábrica, carregar a carrinha e ir montar a tenda em eventos pelo país fora. Agora é a vez dos nossos filhos nos desafiarem com as suas próprias iniciativas”. O despertar da paixão pela fábrica é um trabalho que José Redondo desenvolve com orgulho e entusiasmo junto dos seus dez netos. Este avô com energia inesgotável não lhes dá apenas os mimos das férias grandes na piscina da quinta ou na casa de praia em Quiaios. O avô tem a sua própria estratégia. Uma estratégia que há pouco tempo levou Tomás, o seu neto mais velho, depois de o ter seguido para todo o lado durante um dia normal de trabalho, a declarar: “Ó avô! Tens cá uma pedalada!”. Para José Redondo “é fundamental incutir-lhes desde muito cedo não só
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os valores, mas também as emoções que estão por de trás do Licor Beirão. Os meus netos são o futuro, deles depende a continuidade da marca. Precisam de ser integrados, de conhecer as ferramentas essenciais para a gestão da empresa”. À semelhança do que aconteceu com as gerações anteriores, durante as férias escolares todos os netos contribuem com uma hora diária do seu tempo para trabalhar na fábrica. Escolhem a tarefa que mais lhes apetece fazer: engarrafamento, arrumação de materiais promocionais, organização do correio, verificação de faturas ou qualquer outra adequada à idade de cada um. Antes de voltarem à brincadeira, passam pelo gabinete do avô para recolherem o pagamento correspondente ao serviço prestado. Para isso elaboram um relatório com as tarefas realizadas, o valor que julgam merecer e os argumentos que o justifiquem. O documento serve de abertura a uma negociação entre as duas partes. “Esta dinâmica cria oportunidades de diálogo incríveis com cada um dos meus netos, em que consigo transmitir-lhes os valores estruturais da marca ligados à história da família”. Uma ideia incentivada pelos próprios pais desta quarta geração, como reforça Daniel Redondo. “Não chega virem para aqui brincar. Há que ter em atenção a educação e a formação dentro da realidade que é a nossa família. Desde pequenos que começam a ter contacto com hábitos de trabalho, a desenvolver o respeito
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pelo dinheiro e a valorizar a meritocracia”. Neste processo, naturalmente alguns deles irão entusiasmar-se e integrarão a empresa. As pequenas tarefas que realizam durante as férias ajudam-nos em vários aspetos: a estarem a par do que se passa, a não serem vistos apenas como “filhos de…” junto dos restantes funcionários e a explorarem as várias áreas para descobrirem aquelas com as quais sentem mais afinidade. Tomás e Maria, os dois netos mais velhos, ambos com 14 anos, já fazem sugestões inovadoras para o marketing e a comunicação da marca. Por escolha própria, decidiram aproveitar uma das semanas das férias para participarem num programa de estudos da Universidade de Verão, no Porto. Querem perceber a melhor forma de viabilizar as suas iniciativas e estarem à altura de responder aos desafios que o avô lhes vai propondo. Toda a família sabe que nada disto garante que sejam eles os futuros gestores da empresa. Acima de tudo, está um enorme respeito pela liberdade de escolha de cada um. É imperativo que a integração seja totalmente voluntária. Não sendo o caso, a dedicação não será a mesma. “São dez netos. Não sabemos ainda quem realmente ficará à frente da empresa. Nem temos um plano de quantos, de quem, para onde… Temos de esperar”, diz Daniel. “Esta estratégia da família tem enorme vantagem. Somos nós que assumimos as 108 | Licor Beirão José Carranca Redondo
consequências do nosso trabalho. Se fizermos algo mal feito ninguém é despedido. Estamos cá para trabalhar em equipa, perceber os erros e alterar estratégias sempre que for preciso. O Licor Beirão é um elemento da família e funciona como tal. É por este caminho que queremos continuar a evoluir”, conclui Ricardo. DEVAGAR SE VAI AO LONGE
Antes que a quarta geração tome as rédeas da empresa ainda há muito trabalho a fazer, como explica Daniel Redondo: “Não há a expectativa de que as decisões que tomamos hoje tenham retorno imediato. Queremos assegurar que a marca será mais forte quando a entregarmos aos nossos filhos e aos filhos deles. O Licor Beirão é o legado da família. Se for bem gerido, mantendo o grau de exigência do meu avô, sabemos que pode prolongar-se por gerações e gerações”. Vender é, por isso, opção fora do baralho. “Já lhe passou pela cabeça vender um filho seu?”, é a pergunta que José Redondo devolve sempre que lhe colocam esta hipótese. Mas o mercado português tem as suas limitações – não só na dimensão mas nas características económicas e financeiras. Isto pode ser um obstáculo para o compromisso de crescimento contínuo assumido por cada geração. É por isso que a atual geração investe na internacionalização. “Queremos percorrer a maratona de crescimento lá fora, usando a mes-
P
palavra
DE ESPANHA… BOM CASAMENTO!
Numa empresa com uma seleção rigorosa de colaboradores, uma história de amor transformou-se em mais-valia de Recursos Humanos. Estíbaliz e Daniel conheceram-se nos
a disponibilidade da mulher e começou
tempos de faculdade. As suas vidas cru-
a pedir-lhe apoio em alguns assuntos do
zaram-se na fria cidade de Groningen, no
departamento de marketing. O regres-
norte da Holanda, onde ambos estudaram
so ao trabalho
ao abrigo do programa Erasmus. As tem-
chegou no verão
peraturas negativas do Inverno rigoroso
quando os dias são
não foram suficientes para arrefecer os
longos e o ritmo de
corações dos dois estudantes. Estíbaliz e
trabalho abranda.
Daniel apaixonaram-se, e essa notícia foi
Estibaliz não con-
recebida de início com alguma apreensão
seguiu abandonar
pelo pai, José Redondo. “Esperava que o
a sua colaboração
futuro profissional do meu filho passasse
na fábrica. Pouco
pela fábrica. Quando ele me apresenta a
a pouco come-
namorada espanhola, receei que, se se ca-
çou a desconfiar
sassem, ele fosse viver para Espanha. É o
que o seu futuro
que normalmente acontece nestas situa-
talvez estivesse
ções: o marido segue a mulher”. Estíbaliz e
no Licor Beirão. A
Daniel casaram-se e para alegria de todos,
mudança deu-se
em especial de José Redondo, foi a jovem
gradualmente e
que se mudou para a Lousã onde começou
sempre com muita
a trabalhar como formadora.
cautela. “A Estiba-
Em 2006 nasceu a primeira filha do casal.
liz veio colmatar
A licença de maternidade levou Estíbaliz
uma necessidade
a passar os dias com a bebé na Quinta do
vital, num processo
Meiral. Entre os passeios pelos campos de
que aconteceu or-
ervas aromáticas e as visitas à fábrica, a
ganicamente, sem
jovem mãe oferecia a sua ajuda por onde
que nada tivesse
passava. “A minha filha era uma bebé
sido planeado”, explica Daniel. Contrariando
calma, deixava-me muito tempo livre.
os primeiros receios do pai José Redondo,
Eu gostava de me sentir útil”, recorda
de Espanha não podia ter vindo melhor ca-
Estíbaliz.
samento. Estíbaliz veio comprovar a forma
Daniel, que começava a não ter mãos a
eficaz como a família seduz cada elemento
medir para tanta solicitação, aproveitou
a apaixonar-se pelo negócio.
“Nunca me tinha passado pela cabeça trabalhar na empresa da família.”
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Flexibilidade Uma empresa familiar que trabalha como uma multinacional
ma abordagem que temos usado em Portugal. Devagar mas com solidez”, afirma Daniel. Ricardo Redondo reforça: “É uma maratona! Se o Licor Beirão está hoje onde está a nível nacional é resultado do trabalho de muitas décadas. Desde que chegou à nossa família nos anos 40, mesmo nos períodos mais desafiantes, nunca deixou de crescer em notoriedade e em vendas. Lá fora estamos a trabalhar nesse sentido, utilizando as ferramentas que tão bem conhecemos”. Não sendo uma multinacional, a marca apresenta as limitações naturais de uma empresa familiar em termos de flexibilidade de orçamento. Investir neste ou naquele mercado não é uma decisão que possa ser tomada de ânimo leve. Para isso nada melhor que recorrer à experiência que o avô deixou como herança: transformar o tempo e a perseverança em estratégias de investimento. “Os resultados começarão a surgir mais tarde. Anos mais tarde. Estamos perfeitamente conscientes disso. Estamos agora a dar os primeiros passos”, revela Ricardo Redondo. “Internacionalmente o nosso core ainda são as comunidades portuguesas. Mas começam a surgir muitos consumidores não portugueses que já experimentaram o licor. São ainda números pequenos comparados com os milhões de fãs que precisamos em todo o mundo para conseguirmos tornar o Licor Beirão sustentável no mercado internacional, mas
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é um primeiro passo”, acrescenta Daniel Redondo. Os valores, esses, já refletem o investimento feito: em 2015 as exportações representaram 25% do total de venda, número que ganha expressão quando comparado com os valores de 2005, em que as exportações não ultrapassaram os 10%. A aposta tem sido feita em mercados muito específicos, como explica Ricardo Redondo: “A costa leste dos EUA é, atualmente, um mercado muito importante para nós. A marca é mais
forte graças à longa história de imigração portuguesa, embora hoje o Licor já seja consumido por grande parte da população nativa. Estamos a ultrapassar a barreira do mercado da saudade”. Para levar o Licor de Portugal ao mundo, a marca conta com uma grande vantagem. “No setor das bebidas espirituosas como os whiskies, por exemplo, a tradição é um argumento muito valorizado pelo consumidor. Tradição é exatamente o que nós temos. O público americano, por
exemplo, dá grande valor a histórias familiares ancestrais. Temos claramente vantagem.”, afirma Daniel Redondo. Histórias arrojadas como estas trazem uma poderosa lição: sem encarar o mercado internacional, uma marca como o Licor Beirão terá mais dificuldade em sobreviver. Além disto, a marca concentra-se menos no lucro a curto prazo e muito mais, na qualidade do produto e no relacionamento com os clientes. E isso é um ensinamento para o futuro.• Licor Beirão Futuro | 111