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XIV Colóquio Ibérico de Geografia/ XIV Coloquio Ibérico de Geografía 11-14 novembro de 2014/ 11-14 Noviembre de 2014 Departamento de Geografia, Univer...
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XIV Colóquio Ibérico de Geografia/ XIV Coloquio Ibérico de Geografía 11-14 novembro de 2014/ 11-14 Noviembre de 2014 Departamento de Geografia, Universidade do Minho

Entre obras de arte e cartografia geográfica: intercessores Gisele Girardi(a) (a)

Departamento de Geografia/Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade Federal do Espírito SantoBrasil, Email [email protected]

Resumo Na contemporaneidade os mapas constituem um campo de tensão, que pode ser sintetizado na coexistência de seu caráter representacional do espaço extensivo, legado da cartografia moderna, e a reapropriação social da atividade de mapear proporcionada pelas tecnologias de informação e comunicação, que ora ratificam e ora fazem deslizar a linguagem rumo a outros modos de entendimento da espacialidade. Parte-se, neste trabalho, da premissa que o vigoroso movimento de aproximação e fertilização cruzada entre arte e cartografia na atualidade força o repensar da normatividade da cartografia bem como aponta para possibilidades outras de pensamento e ação no mundo e na ciência, em especial na geografia. Articula-se o conceito de intercessor de Gilles Deleuze e Félix Guattari, a problemática do representacional em cartografia, e tomam-se obras do artista brasileiro Marcelo Moscheta, constituídas com/a partir de imagens cartográficas, como intercessores para pensar elementos da cartografia geográfica contemporânea. Palavras chave: cartografia geográfica, intercessores, artes plásticas, espacialidades.

1. Introdução As imagens cartográficas são parte cada vez mais intensa da multiplicidade que compõe o espaço atual e têm grande importância no modo como pensamos e agimos, no modo como imaginamos o espaço e configuramos a dimensão espacial de nossa existência. No campo da cartografia em sua relação com a produção do conhecimento geográfico tem-se apontado para um descolamento entre formas de mapear e formas de pensar o espaço, o que pode ser traduzido pela divergência entre a rigidez do espaço da cartografia e o espaço multidimensional e multiescalar da geografia bem como pelo peso da tradição da técnica cartográfica em subjugar o espacial, transformando-o em uma superfície sincrônica e lisa, com poder para imprimir ao pensamento espacial esta marca, encapsulando os processos espaciais num bloco único, dotado de uma mesma história (a hegemônica) e numa mesma perspectiva evolutiva dos lugares (a hegemonização) (Massey, 2008). Assim, para além da finalidade pragmática a que a cartografia e os mapas podem servir na geografia (e são muitas as possibilidades de aplicação), atenção deve ser dada para o modo como as imagens cartográficas afetam o modo como pensamos o espaço, como colaboram na constituição de uma política da espacialidade. Podemos dizer que há possibilidade de haver tantas cartografias quanto sejam as geografias possíveis, mas para isso é preciso retomar – e reinventar – a linguagem cartográfica na coerência com o

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pensamento sobre o espaço. Temos denominado este campo problemático de “cartografia geográfica”, para o qual convergem tanto as questões acerca da espacialidade formuladas pela geografia como as abordagens atuais da cartografia, em especial da cartografia crítica. Nesta esfera, Crampton e Krygier (2006) apontam arenas em que mapas e mapeamentos emergem em diferentes âmbitos da vida social e que mereceriam atenção da cartografia crítica como aberturas para o novo. Dentre elas destacam os artistas, pelas suas ricas e variadas apropriações do mapeamento, desafiando noções de espaço e também dos próprios cânones da cartografia. Na abordagem das conexões entre cartografia geográfica e obras de arte lidamos com o conceito de intercessores, sempre no plural, tomado das obras de Gilles Deleuze e Félix Guattari1 que se refere a corpos (humanos, não humanos, materiais, imateriais) em evolução a-paralela que, agenciados, entram em conexão. Intercessores andam ao lado, pois nunca seguem ou são seguidos, funcionam como aliados do estranhar-se e assim é que produzem um “entre” no qual se dá a criação. Assim, ao trabalharmos com obras de arte e cartografia geográfica como intercessoras umas das outras, estamos a situar possibilidades de criação no “entre” estes dois termos. Não se trata somente (mas também) de ver como a ciência cartográfica tem tratado a arte, e nem somente (mas também) como a arte tem se apropriado da linguagem cartográfica. Trata-se de investigar as conexões mútuas, ou então as fertilizações cruzadas, que possam fazer arrastar ambas, permitindo pensar na questão que nos é problemática: imagens cartográficas para as espacialidades da geografia contemporânea. Nesta abordagem, o primeiro movimento é o de limpar do mapa a função de representação do espaço. Para Kitchin, Perkins e Dodge (2009) o pensamento representacional tem sido uma camisa de força para a própria cartografia, pois esta perspectiva implica em um conjunto de pressuposições, tais como: o espaço é concebido como um receptáculo com uma geometria explícita e cabe à cartografia representar esta geometria; objetivos do cartógrafo seriam a redução dos erros da representação e o aumento da efetividade do mapa por meio de um bom design; o usuário do mapa seria concebido como um receptor apolítico do conhecimento e o cartógrafo como um técnico empenhado em entregar uma representação espacialmente precisa e neutra produzida com base em experimentos cuidadosamente controlados; o mapeamento revelaria a verdade por meio de uma abordagem científica confiante nos modos ocidentais de ver e nas tecnologias da visão. Assim, para estes autores a agenda da cartografia crítica seria desconstruir o trabalho das representações espaciais no mundo e a ciência que as produzem. É nesta perspectiva que este trabalho se insere, limpando do mapa a função de representação e trazendo obras do artista Marcelo Moscheta como intercessoras para o pensar sobre a cartografia geográfica.

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Em especial: Deleuze, 1992, 2007; Deleuze e Guattari, 1992.

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2. Obras de arte de Marcelo Moscheta intercessoras da cartografia geográfica Na vasta obra de Marcelo Moscheta2 são recorrentes temas do escopo científico da geografia, como terra, fronteira, espaço, território, paisagem e também imagens cartográficas. Pode-se, portanto, dizer que a ciência funciona como intercessores para sua arte. No que se refere especificamente aos mapas, o artista nos informou, em entrevista3, que sempre tivera um fascínio por mapas, mas que só muito recentemente descobrira que mapas eram também invenções e que comportariam poéticas. Este parece ser sido o impulso para a incorporação de mapas ou de modos de ver da cartografia em sua obra. Escolhemos duas obras do artista para, no movimento inverso, fazê-las intercessoras de nosso próprio pensamento sobre mapas e sobre a linguagem cartográfica. A primeira delas, da série Void, de 2010 (Figura 1), é materialmente constituída pela eliminação de todo o código linguístico da cópia heliográfica de um mapa topográfico, que é colado em uma superfície de alumínio que permite, nos vazios do recorte das palavras, algum tipo de espelhamento do observador.

Figura 1 – Marcelo Moscheta. Série VOID 002, 2010. Mapa topográfico recortado e alumínio 62 x 93 cm. Disponível em www.http://galerialeme.com/artist/marcelo-moscheta/

Ao eliminar todos os elementos do código linguístico do mapa – título, textos de legenda, topônimos – perdemo-nos. Evidencia-se assim o quanto nas práticas cartográficas da geografia a linguagem desaparece ou transparece, fazendo-nos tomar o mapa como o próprio local, sendo essa sua força de figuração e representação. Valemo-nos da proposição de Oliveira Jr.(2012) para adensar essa questão: 2

Ver http://www.marcelomoscheta.art.br e http://galerialeme.com/artist/marcelo-moscheta/. Entrevista concedida pelo artista a Wenceslao Machado de Oliveira Júnior e Gisele Girardi, em seu ateliê em Campinas-SP, em 25 de outubro de 2013. 3

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Por que gostamos tanto de convenções, de clichês? Para olharmos rápido e já descartarmos aquilo que nos deu a informação. [...] Esta é a mais potente e a menos notável educação que os mapas fortemente convencionais nos dão. Eles ensinam o desprezo por aquilo que nos deu a informação, justamente por ela ter sido dada de maneira rápida e inequívoca. Este desprezo existe em tudo aquilo que nos é útil e somente útil. A rotina da utilidade apaga os objetos que dela participam, contendo a imaginação em margens estreitas para irmos além do uso dos mapas para localizar lugares e orientarmo-nos. (Oliveira Jr., 2012, p. 9).

Void, ao retirar o mapa de sua utilidade, ou seja, ao fazê-lo perder o sentido de falar de um lugar específico, abre possibilidades de falar de todos os mapas, da linguagem cartográfica e da relação que uma mente treinada em leitura de mapas estabelece com ele. Tensiona a transparência da linguagem e cria uma estratégia de entrarmos no mapa, por aqueles orifícios que nos espelham, que espalham fragmentos da nossa própria imagem por toda a superfície do mapa. Em Void não há horror vacui, aquela necessidade de povoar para controlar toda a superfície do mapa que é de algum modo fundador da cartografia moderna. Ao contrário, o vazio, o vácuo é apresentado como potência (Girardi, 2013). Tal poética arrasta com ela toda a linguagem cartográfica ao instaurar um desequilíbrio na ordem ou na cultura de leitura de mapas. Abre a possibilidade de pensamentos outros acerca da própria linguagem cartográfica na relação com a geografia. Afinal, que espacialidade é essa, criada pelos mapas topográficos, que nos convence que assim é o real, um todo já conectado? Que conformação do pensamento a rotina de utilidade dos mapas sedimenta a partir de nossas práticas geográficas? A segunda obra, “Potências de 10”, é apresentada em uma publicação impressa, no formato tabloide, contendo 32 páginas. (Figura 2).

Figura 2 – Marcelo Moscheta. POTÊNCIAS DE 10, 2013. Série de 15 fotografias e suas respectivas imagens invertidas, em publicação de 32 páginas em formato tabloide, montadas como pranchas de ilustração científica. Disponível em http://www.marcelomoscheta.art.br/Powers-of-10

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A obra toma como base o filme “Powers of Ten”, de Ray e Charles Eames (1977)4, “considerado um marco histórico na relação perceptiva do homem com seu próprio espaço” (Moscheta, 2013). São quinze fotografias e suas respectivas imagens invertidas, cada uma delas emoldurada por uma sequência de quadrados vazados e contendo um quadrado central (que no filme citado indicam as dimensões de cada potência de 10 consideradas). Assim como nas cenas do filme, são inseridas nas bordas a notação matemática (derivações de 10 metros) e a unidade de medida por extenso (por exemplo, 1011 metros; 100 milhões de quilômetros). Na obra as notações variam entre 1014metros a 10-14metros (100 bilhões de quilômetros a 10 fentômetros). As fotografias relacionadas às potências positivas são invertidas nas potências negativas. Na contracapa da obra, lê-se: “Esse ensaio questiona o nosso real conhecimento experimentado frente às ofertas visuais cotidianas e a constituição de um repertório imagético norteado por artifícios tecnológicos como ferramentas de navegação e mapas virtuais” (Moscheta, 2013), tensão que já estivera presente na série Satélite, do mesmo artista, de 2010. “Potências de 10” desestabiliza pelo menos duas noções muito caras à geografia e à cartografia: a escala e a mediação do olhar pela tecnologia. A escala cartográfica por muito tempo foi considerada o balizador da escala de análise geográfica: vê-se o que a escala permite. Esta noção, pelo menos a partir dos anos 1980 tem sido problematizada. No entanto, a ampla disseminação de tecnologias do olhar (aqui destacamos aplicativos tais como Google Earth) atualiza uma cultura visual já manifestada no filme dos Eames, reafirmando no dispositivo de zoom a armadilha da satisfação do empirismo com a objetividade geométrica (Castro, 1995), o que é em grande medida reproduzido nas práticas cartográficas com sistemas de informações geográficas na contemporaneidade. Do mesmo modo, a disseminação das codificadas imagens obtidas por meio de dispositivos tecnológicos, o que genericamente se denomina de “visualização” (visualização cartográfica, visualização científica, visualização geográfica) ao mesmo tempo em que reiteram e constituem a visualidade como marca da sociedade atual, caminham para a transparência destes mesmos códigos. “Potências de 10”, ao mesmo tempo em que nos traz a familiaridade com códigos científicos (as notações matemáticas de pretensas escalas) bem como com o repertório visual das imagens tecnológicas (de imagens de satélite às imagens de tomografias, ressonâncias magnéticas, etc.), nos arremessa para um não sentido constituído na fusão destes dois numa mesma imagem. Faz, assim, com que a objetividade de ambos entre em colapso, arrastando junto nossas certezas (e crenças?) e seguranças em relação ao espaço que a imagem apresenta e à própria imagem como representação.

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Disponível em www.powersof10.com/film.

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3. Considerações finais Ao trabalhar com obras de arte como intercessores da cartografia geográfica abrem-se possibilidades para desestabilizar o clichê da representação e revigorar mapas como componente do pensamento espacial contemporâneo. Não se trata de abordagens que tomam a arte na cartografia como melhoria de aspectos estéticos, o que não só não coloca em xeque o modelo racional e representacional da cartografia como promove um profundo empobrecimento da arte como prática humana. Trata-se, pois, de reconhecer, como o fazem Deleuze e Guattari (1992) a existência de domínios distintos do pensamento (Arte, Ciência lógica e Filosofia) e suas respectivas criações (agregados sensíveis, funções e conceitos), todos com seus movimentos, lado a lado, e como intercessores uns dos outros provocam o novo, o pensar o ainda não pensado. Ao tomarmos como intercessores obras do artista Marcelo Moscheta fizemos um pequeno exercício da produtividade de desacostumar o pensamento do já estabelecido, ao nos dispormos a habitar o “entre” dois corpos (obra de arte e cartografia geográfica) como possibilidade de criação.

4. Agradecimentos À FAPES - Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo e ao CNPq - Conselho Nacional da Pesquisa Científica e Tecnológica. Aos membros da rede de pesquisa “Imagens, Geografias e Educação”, em especial a Wenceslao Machado de Oliveira Júnior.

5. Bibliografia Castro, I. E. (1995). O problema da escala. In: I. E. Castro; P. C. Gomes; R. L. Corrêa (Eds.), Geografia: conceitos e temas (pp. 117-140). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. Crampton, J.; Krygier, J. (2006). An introduction to critical cartography. ACME: An international e-journal for critical geographies, [Online] 4(1),11-33. Disponível em: http://www.acme-journal.org. [Acesso em 20 de maio de 2010]. Deleuze, G. (1992). Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34. Deleuze, G. (2007). Francis Bacon: lógica da sensação. Rio de Janeiro: Zahar. Deleuze, G.; Guattari, F. (1992).O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Editora 34. Girardi, G. (2013). Horror vacui: cartografia e imaginações espaciais. Anais do III CIEIG, [Online] 1, 1-8. Disponível em http://www.geoimagens.net/#!__anaiscieig [Acesso em 28 de dezembro de 2013] Kitchin, R.; Perkins, C.; Dodge, M. (2009). Thinking about maps. In: __ (Eds.) Rethinking Maps (pp. 1-25) New York: Routledge. Massey, D. (2008). Pelo espaço: uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. Moscheta, M. (2013). Potências de 10. São Paulo: Funarte. Oliveira Jr., W. M. (2012). Mapas em deriva: imaginação e cartografia escolar. Geografares, [Online] 12, 01-49. Disponível em: http://www.periodicos.ufes.br/geografares [Acesso em 14 de março de 2013].