resenhas
Pesquisa e seleção de embriões humanos Darlei Dall’Agnol
A
Lei de Biossegurança (nº de e o do Futuro de Valor. Cada um 11.105/2005), que normatidesses argumentos é reconstruído za pesquisas com embriões e formalizado em suas premissas humanos, gerou muita polêmica. para então examiná-las cuidadosaO artigo 5º torna permissíveis tais mente, concluindo que nenhum dos pesquisas, mas estabelece duas argumentos é capaz de mostrar que condições: i) os embriões devem a resposta à primeira questão deve ser inviáveis para reprodução e ii) ser negativa. Eis, então, o segredo devem estar congelados há mais da qualidade do livro: sejamos fade três anos. Em maio de 2008, o voráveis ou contrários à pesquisa Supremo Tribunal Federal julgou embrionária, teremos que discua lei negando o pedido de inconstir o que Lincoln Frias estabeleceu titucionalidade. A questão moral, sobre cada um desses argumentos. a saber, como lidar com embriões A ética do uso e da Além disso, o autor procura verifihumanos congelados ou, mais im- seleção de embriões car o resultado obtido com testes, Farias portante ainda, como justificar a Lincoln por exemplo, o da Clínica em ChaEditora UFSC / Fapemig sua utilização em tais pesquisas, é 266 páginas; R$ 36,00 mas, comprovando que embriões um problema ético difícil e não esnão possuem direito à vida. tá plenamente resolvido. Da mesma maneira, a O segundo e o terceiro capítulos tratam da questão da escolha de embriões resultantes de pergunta “b”, procurando responder ao antisseleprocessos de fertilização in vitro é delicada e cionismo (a tese de que não deveríamos praticar polêmica sob o ponto de vista moral. a seleção genética). Novamente, o autor analisa O livro A ética do uso e da seleção de embriões cada um dos argumentos contrários, a saber, o (Série Ethica), de Lincoln Frias, é uma discussão Argumento Brincar de Deus, do Valor do Acaso, séria e muito benfeita sobre posições pró e contra da Autonomia, da Eugenia, da Incondicionalidaa utilização de embriões humanos em pesquisas de do Amor dos Pais, da Desigualdade, do Efeito e também sobre argumentos favoráveis ou con- Dominó e da Não Identidade para, no final, retrários à seleção embrionária com vistas à me- cusar que eles sejam suficientes para responder lhoria genética. O livro resultou de uma tese de negativamente à segunda pergunta. A conclusão doutoramento em filosofia que foi premiada co- que o autor chega é de que a seleção é moralmenmo a melhor do ano na Universidade Federal de te justificável. O terceiro capítulo, finalmente, Minas Gerais (UFMG) e foi um dos três trabalhos analisa em que circunstâncias ela é permitida e que receberam o Grande Prêmio Capes de teses os critérios para executá-la. 2011. Prêmios realmente merecidos não somente O tema é polêmico: o desenvolvimento da enpor tratar de questões importantes e difíceis, mas genharia genética e da biotecnologia trará muipor elevar o debate a um nível argumentativo que tas questões sobre a seleção de embriões reaninguém mais poderá desconsiderar. cendendo os temores sobre os limites entre um O livro parte de duas perguntas: melhoramento genético moralmente aceitável a) a pesquisa com células-tronco embrionárias e práticas eugênicas. A contribuição de Lincoln deve ser autorizada? Frias para esses debates, sejamos favoráveis ou b) a seleção genética de embriões deve ser não às suas posições, é inegável, tornando o seu permitida? livro uma leitura obrigatória para todos os inteO primeiro capítulo do livro trata da questão “a” ressados ou envolvidos profissionalmente com e procura responder ao concepcionismo (a tese de questões bioéticas. que o embrião possui direito à vida desde a concepção) analisando criticamente o Argumento da Dall’Agnol é professor de filosofia da Universidade Descontinuidade, da Individualidade Genética, do Darlei Federal de Santa Catarina e pesquisador do Conselho Pertencimento à Espécie Humana, da Potencialida- Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 124 | outubro DE 2012
Imagens ideológicas
E
m 1937, no mesmo ano em de “livro de imagens luminosas”. que Vargas inaugurava o EsMas não era qualquer filme. Os tado Novo com uma cerimômelodramas e outros do gênero nia em que as bandeiras estaduais só estragavam as novas gerações. eram queimadas numa pira, para O fim precípuo do meio era edumostrar que agora o Brasil era uma car e mostrar a “verdade”. Para nação, sob o comando de um únio cinema, o novo status foi uma co homem, estreava nos cinemas O sorte grande e início da relação descobrimento do Brasil, do cineasta perigosa com o Estado. Humberto Mauro (1897-1983). Entre Filmes eram meios de gerar proa imolação e a criação, curiosamente, gresso, mesmo que falando do pashavia muita coisa em comum: ambos sado. Daí o investimento feito pelo preconizavam o fim das “diferenças” Humberto Mauro, cinema, governo para ser um curta encoe o novo culto aos símbolos nacio- história mendado pelo Instituto do Cacau Casa Editorial / nais como forma de reunir o povo Alameda da Bahia, que convidou Mauro, FAPESP em torno do ideal varguista. então à frente do Instituto Nacio496 páginas; R$ 79,00 A pesquisa de Eduardo Morettin, nal de Cinema Educativo, o Ince, professor da Escola de Comunicações e Artes da para dirigir a película. A oportunidade serviu Universidade de São Paulo (ECA-USP), traz à luz para Roquette-Pinto e Mauro mostrarem como a utilização do cinema por Vargas como forma de deveria ser o cinema histórico, com um retrato cooptar os brasileiros para o Estado Novo e seus científico do descobrimento, incluindo-se a suideais. Em especial, Morettin recupera uma faceta pervisão do diretor do Museu Paulista, tudo ao pouco lembrada do cineasta, mais conhecido da som do músico do regime, Villa-Lobos. crítica pelos filmes de ficção de linguagem hollyO filme virou uma mera animação de quadros woodiana que fez antes da propaganda varguista: históricos e da carta de Caminha, tendo ao fundo Brasa dormida (1929) e Ganga bruta (1933). Neles, a música do maestro dando o tom geral do corpo no espírito dos preceitos da revista Cinearte, de unido em torno de uma nação e um líder, cujo Adhemar Gonzaga, Mauro já falava em nação, momento exemplar é a cena em que os índios mas de forma polida, como o “país do futuro”. são recebidos a bordo do navio de Cabral e posA ascensão de Vargas fez com que adotasse uma tos carinhosamente a dormir pelo capitão. Mas é visão nacionalista mais radical, mais conserva- injusto, nota Morettin, ver em Mauro o arrivista dora, já que, passou a acreditar, o país ainda não do regime, como na relação entre a cineasta Leni estava pronto para as vanguardas. Para Mauro, Riefenstahl e Hitler. naquele momento, o cinema era sinônimo de O brasileiro não se ligava ideologicamente ao educação, como queriam intelectuais getulistas regime e, de forma mesmo inconsciente, Mauro como Roquette-Pinto e Fernando Azevedo. Não até incluiu críticas sutis, como ao fim de Descoseria com a ficção que o país melhoraria, mas com brimento, em que a música patriótica de Villa o amor à pátria, capaz de redimir os brasileiros tem como contraponto a imagem da cruz e os “corrompidos pelo pecado original”. rostos desolados dos degredados abandonados O ditador entendia de “modernidade”, a seu na nova terra. No filme Os bandeirantes (1940), modo, e sabia do valor dos novos veículos, como que fala da epopeia de Fernão Dias Paes em buso rádio e o cinema, como poucos. O referencial ca das esmeraldas, é igualmente feito com “preda Alemanha nazista, onde a UFA, estúdio cine- cisão” histórica e com toques unitaristas, como matográfico alemão, funcionou como arma de na cena em que o bandeirante se vê obrigado a propaganda ideológica, era forte entre os res- enforcar o filho em prol da ordem, como faria o ponsáveis pela cultura, como Roquette-Pinto. E “pai” Getúlio. O encontro das esmeraldas é um o Brasil era ideal para o meio, já que “terra de anticlímax e o filme se encerra com a melancóanalfabetos”: não sem razão, Vargas chamou-o lica morte de Paes. Carlos Haag PESQUISA FAPESP 200 | 125