Parto anônimo Ana Carolina Amorim Cláudio Melquíades Medeiros³ Gabriela Cristine B. Voltolini² Gilson Sêmer Guimarães² Joana Garcia Dias²
Recebido em: 18/4/2011 Aprovado em: 22/9/2011 Resumo: O presente artigo trata do parto anônimo, ou seja, aquele que acontece com a possibilidade de a mãe dar à luz em anonimato e deixar a criança para adoção sem nem ao menos ter nenhum contato com ela. O instituto do parto anônimo já existe legalmente há cerca de 20 anos e está sendo difundido no mundo contemporâneo. Diante disso, no Brasil existem projetos de lei tramitando sobre a permissão do parto anônimo, assunto que está em análise desde 2008 e que vem repercutindo curiosamente entre os interessados na matéria. Palavras-chave: Parto anônimo; IBDFAM; direito da criança e da mãe; direito à vida; direito à identidade; direito à origem genética; direito ao nome. Abstract: The present article treats concerning the Anonymous Parturition, that one that happens with the possibility of a mother gives birth in anonymity and to leave the child for adoption without have any contact with him/her. That institute of the Anonymous Parturition already exists legally for about 20 (twenty) years and it has been diffused in the contemporaneous world. In front of this, in Brazil there are law projects following about certain subject, allowing the Anonymous Parturition, subject that is in analysis since 2008 and that it comes curiously reverberating among the interested parties in the subject. Keywords: Anonymous parturition; IBDFAM; right of the child and mother; right to life; right to identity; right to genetic origin; right to name.
Introdução O parto anônimo vem sendo difundido no mundo, tendo em vista o interesse na preservação dos interesses da genitora que, sem querer ser identificada, deixa a criança para adoção. Salienta-se que para a configuração
do parto anônimo é necessário não apenas a mulher ser “anônima”, mas também o suposto pai da criança, ficando esta em total abandono parental. Esse instituto foi inicialmente incorporado na França e na Itália, locais em que muitas mães se utilizavam da “roda dos expostos”
Artigo elaborado na disciplina de Direito da Família do curso de pós-graduação lato sensu de Direito Civil e Direito Processual Civil da Univille, sob responsabilidade da Profa. M.Sc. Patrícia Fontanella. 1
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Pós-graduandos lato sensu do curso de Direito Civil e Direito Processual Civil da Univille.
³ Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí. Doutorando em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor da Univille. Coordenador do curso de Ciências Jurídicas e do curso de Pós-Graduação lato sensu de Direito Civil e Direito Processual Civil da Univille.
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para deixar seus filhos para adoção com o intuito de não serem identificadas. Atualmente é legalmente aceito nos países já citados e também na Áustria, nos Estados Unidos, em Luxemburgo e na Bélgica. No Brasil, o parto anônimo está sendo discutido no Congresso Nacional por intermédio dos projetos de lei n.º 2.747∕2008 e n.º 3.220∕2008, a fim de legalizá-lo. Os referidos projetos de lei expõem a possibilidade de a genitora da criança manter o anonimato, tanto na fase do pré-natal quanto no parto da criança, devendo a rede SUS garantir tal direito à mulher. Após o parto, a criança ficará sob a responsabilidade do hospital. O registro da criança deve ser feito, em caráter provisório, pelo juiz da infância e juventude da comarca em que a criança se encontra. Ressalta-se que, certamente, a criança só será encaminhada à adoção após a certeza de que os genitores realmente não possuem nenhum interesse em criá-la. Apesar de serem relativamente novos os projetos de lei, o parto anônimo vem sendo amplamente discutido pela doutrina pátria, havendo posicionamentos a favor e outros contrários à aprovação desse instituto. Os posicionamentos favoráveis à sua aprovação argumentam a garantia do direito à vida, evitando-se o abandono de crianças. Todavia os entendimentos contrários afirmam que, se tal condição ocorrer, haverá a extinção do direito à identidade, tendo em vista que a criança não terá referências de seu histórico familiar e histórico genético, pois haverá ferimento total do princípio da dignidade da pessoa humana. O instituto do parto anônimo visa ao impedimento de aborto, infanticídio ou abandono de crianças indesejadas por seus genitores. Entretanto, apesar de diversos entendimentos e posicionamentos acerca do assunto, entende-se que não haveria necessidade de sua criação, mas sim seria preciso investir mais e melhor nas leis já existentes, tornandoas mais eficazes, quando então passaria a existir a real segurança jurídica. Entrementes,
uma gravidez indesejada pode ser evitada e não apenas resolvida no final, deixando-se a criança para adoção, apesar de toda a gestação ocorrida no período de nove meses, originando um vínculo não apenas genético, mas também afetivo entre a genitora e o infante, o qual nenhuma relação tem com a irresponsabilidade de seus genitores.
Conceito e histórico do parto anônimo Para fundamentar o início deste artigo, passar-se-á a um breve conceito de parto anônimo dado por Daniele Bogado Bastos de Oliveira (2008) com base nos projetos de lei brasileiros n.º 3.320/08 e n.º 2.747/08: A idéia do parto anônimo é permitir à mulher, sem se identificar, dar à luz e/ou entregar o bebê para a adoção no próprio hospital (que, por exemplo, teria berços com sensores), o que poderia acontecer em dois momentos: depois do nascimento, quando a mãe deixa o filho em portinholas nos hospitais destinadas a este fim e antes do nascimento quando a mãe comparece no hospital declarando que não quer a criança, querendo realizar o pré-natal e o parto sem ser identificada. E aí, neste segundo, caso a gestante teria acompanhamento psicossocial, bem como explicação das conseqüências jurídicas de seu ato e da importância dos filhos terem conhecimento das próprias origens. [...] Trata-se, então, da possibilidade da mãe biológica não assumir a maternidade da criança que gerou, ficando isenta de qualquer responsabilidade.
Nas palavras de Laura Affonso da Costa Levy (2010), os adeptos ao parto anônimo consideram-no uma boa evolução das rodas dos enjeitados, por permitir à mulher assistência médica,
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social e psicológica antes, durante e após o parto. Todavia, pela análise jurídica, o parto anônimo traz diversas dificuldades e incertezas legais do que a entrega de uma criança numa roda dos enjeitados.
Com relação às críticas apresentadas ao parto anônimo, será dedicado a elas um capítulo à parte. O instituto do parto anônimo no Brasil está sendo discutido recentemente pela doutrina, em virtude da apresentação dos projetos de lei no Congresso Nacional, mas reporta-se, na essência, ao que se conhecia na Idade Média como “roda dos enjeitados” ou “roda dos expostos”, em que as mães que não queriam seus filhos, por quaisquer motivos, os colocavam num determinado artefato e, num movimento, a criança passava para o interior de determinada instituição. Laura Affonso da Costa Levy (2010) esclarece que o nome roda se deu pelo fato de ser fixado no muro ou na janela, normalmente das Santas Casas de Misericórdias, hospitais ou conventos, um artefato de madeira no qual era colocada a criança e mediante um giro era conduzida ao interior daquelas dependências. Um toque na campainha, ou um badalar de sino, era o sinal de que mais uma criança se encontrava na “roda” e que quem a colocou não queria ser identificada.
Estados Unidos (28 dos 50 estados permitem), França, Itália, Luxemburgo e Bélgica. Segundo o IBDFAM (2010c), o parto anônimo [...] permite que a mulher que não pode ou não quer o filho seja atendida de forma gratuita no hospital, durante toda a gravidez, sem ter de fornecer seu nome ou seus dados verdadeiros. Tendo sua identidade mantida em segredo, com um nome fictício, a grávida realiza o parto com todas as condições sanitárias necessárias.
Ainda nessa pesquisa, o IBDFAM aponta como um dos problemas do parto anônimo o fato de a criança não ter identidade até que seja efetivamente adotada; e, para isso, a mãe ainda deve autorizar a adoção do filho, renunciando, definitivamente, ao poder familiar. O consentimento de entregar o filho para adoção deve ser feito num determinado período após o parto, e esse prazo varia: na Bélgica, na Alemanha e na França, é de dois meses após o parto; na Grã-Bretanha, de seis semanas. A França ocupa o segundo lugar mundial no tráfico de crianças na adoção internacional e, perante isso, legalizou o parto anônimo em 1993, com a Lei n.º 93-22, de 8 de janeiro de 1993. Luciana Dadalto Penalva (2009, p. 88) assim se manifesta sobre a legislação francesa: Esta lei estabeleceu que “escolher dar à luz secretamente não gera nenhum efeito na determinação da filiação” e no que tange aos efeitos registrais, no lugar do nome da mãe, constará a letra “X”, até que a criança seja adotada, razão pela qual este procedimento francês é conhecido como “accouchementsous X”. O processo de abandono era verbal, e a mãe tinha a faculdade de deixar informações sobre sua saúde e sobre a saúde do pai da criança, sobre as origens da criança e, ainda, sobre as razões e circunstâncias do abandono. Estas informações só seriam reveladas após autorização expressa da mãe.
A França e a Itália foram as pioneiras no uso da “roda dos expostos”; posteriormente, a prática estendeu-se aos demais países europeus. No Brasil o uso desse instituto começou na época do Brasil Colônia, tendo em vista a herança de Portugal, que já fazia uso da “roda dos expostos”, estendendo-se até 1950 (LEVY, 2010). O Instituto Brasileiro de Direito da Família (IBDFAM) apresenta em seu site uma pesquisa sobre o parto anônimo, indicando os países em que ele já é utilizado: Áustria, Grã-Bretanha,
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A Lei 2002-93, de 22 de janeiro de 2002, introduziu o “acesso pelas pessoas adotadas e pelas pessoas submetidas à proteção estatal às informações sobre suas origens”. Instituiu o Conselho Nacional para acesso à informação sobre origem pessoal, formalizou o processo, que passou a ser escrito, e aboliu o direito dos pais de requererem a confidencialidade de informações relativas à sua saúde, às origens da criança e às razões e circunstâncias do abandono. Agora, eles têm apenas a faculdade de deixar ou não essas informações. Contudo, a partir do momento em que decidirem por fazê-lo, não têm mais domínio sobre tais dados, ou seja, não será mais necessária uma autorização para a revelação destes (PENALVA, 2009, p. 88-89).
Na Alemanha, em 2002, em dois momentos o debate e a votação dos projetos de lei que pretendiam introduzir o parto anônimo foram protelados no Parlamento alemão. Nos termos desses projetos de lei, “a mulher daria à luz sem revelar seu nome, o bebê seria entregue aos cuidados do juizado de menores e a mãe teria oito semanas de prazo para se decidir, ao fim das quais a criança seria liberada para adoção” (IBDFAM, 2010c). Como não houve na Alemanha aprovação do parto anônimo, desde 1999, buscando reduzir o número de abandonos de bebês, bem como os de assassinatos de recém-nascidos, em Hamburgo foi instituída a denominada “portinhola para o bebê” ou “janela de Moisés”. Acerca desse assunto, os mantenedores ligados às instituições religiosas estabelecem: [...] junto a um hospital ou outro centro em que a assistência médica seja garantida, uma espécie de guichê em que uma mulher que tenha dado à luz pode depositar seu bebê anonimamente e sem possibilidade de ser identificada. Cada uma dessas janelas, que podem ser acessadas do lado de fora do edifício, é equipada com bercinhos
aquecidos e coloca à disposição da mãe materiais informativos em vários idiomas sobre entidades em que ela pode buscar ajuda (IBDFAM, 2010c).
Há muitas discussões sobre o uso da “portinhola para o bebê” na Alemanha, pois os defensores afirmam que esse instrumento é uma forma concreta de salvar vidas. Já os que se opõem o comparam com a “roda dos abandonados” utilizada na Idade Média, apenas numa versão mais moderna, com mais segurança e atendimento médico adequado aos bebês. Na pesquisa realizada pelo IBDFAM sobre o parto anônimo no mundo ficou evidenciado ainda que no Japão, no ano de 2007, foi apresentada uma proposta para construir um hospital nos moldes do utilizado pelos alemães, chamado em japonês de “lacuna de la cigüeña”, tendo forma de uma incubadora com temperatura adequada para o bebê e com uma porta acessível de fora do hospital. “Essas ‘janelas’ para bebês existem em países do mundo com altos índices de abandono de crianças: Índia, Paquistão, Áustria, República Tcheca, África do Sul, Hungria, onde crianças são abandonadas em parques, centros comerciais e depósitos de lixo” (2010c). Na Itália, a lei permite o parto anônimo desde 1997, visando atender “imigrantes de diversas nacionalidades e prostitutas que são proibidas de ter filhos pelos cafetões e abandonavam os bebês em situações desumanas” (IBDFAM, 2010c). Em 2003, a Corte Europeia de Direitos Humanos referendou a eficácia da lei do parto anônimo na França, já existente desde 1993 (IBDFAM, 2010c). No Brasil, há dois projetos de lei que versam sobre o parto anônimo (PL n.º 2.747/08 e PL n.º 3.320/2008). No entanto desde janeiro de 1996 existe a Lei n.º 9.263, que trata do planejamento familiar. O objetivo dela é dar atendimento global e integral à saúde da família.
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O presidente do IBDFAM, Rodrigo da Cunha Pereira (2010), afirma que essa lei não é colocada em prática pelo próprio governo. Nela, ou mesmo em outra lei específica, não há previsão ou apoio para o parto anônimo. Na prática, as mulheres continuam abortando clandestinamente e se as crianças indesejadas chegam a nascer, são abandonadas de variadas formas. Algumas vão para o esgoto ou a lata de lixo como um objeto descartável qualquer, outras são “toleradas”, e são abandonadas mais tardiamente, engrossando a estatística dos meninos de rua e na rua.
não serem vítimas de abandono, aborto ou infanticídio e ainda assegurar à mãe o direito ao anonimato. Nesse diapasão, dispõem os projetos de lei n.º 2.747/2008 e n.º 3.220/2008, respectivamente: Artigo 4.º A rede do SUS garantirá a mãe, antes do nascimento, que comparecer aos Hospitais declarando que não deseja a criança, contudo, quer realizar o pré-natal e o parto, sem ser identificada (BRASIL, 2008a). Artigo 2.º É assegurada à mulher, durante o período da gravidez, ou até o dia em que deixar a unidade de saúde após o parto, a possibilidade de não assumir a maternidade da criança que gerou (BRASIL, 2008b).
Aspectos destacados dos projetos de lei sobre o parto anônimo no Brasil Primeiramente cumpre destacar que, na tentativa de solucionar um problema com alto grau de complexidade correspondente ao abandono materno e paterno, e ainda buscando proteger a criança de um possível abandono, foram apresentados no Congresso Nacional dois projetos de lei sobre o parto anônimo. O Projeto de Lei n.º 2.747/2008, apresentado em 11 de fevereiro de 2008, de iniciativa do deputado Eduardo Valverde (PT – Rondônia), destaca no preâmbulo a criação de mecanismos para coibir o abandono materno. Já o Projeto de Lei n.º 3.220/2008, proposto após amplo debate pelo IBDFAM, foi apresentado em 9 de abril de 2008, de iniciativa do deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT – Bahia), destacando como regular o direito ao parto anônimo. Esclarece-se que os projetos de lei supracitados têm o objetivo de instituir no Brasil a possibilidade de a mãe manter-se no anonimato, não sendo declarada sua identidade após o parto, e que, por consequência, não seria assumida a maternidade do filho que gerou. Assim se explica que o instituto do parto anônimo visa evitar os filhos indesejados para
Os projetos de lei apontados apresentam disposições semelhantes em alguns pontos, como a criação de acessos sigilosos nos hospitais para o atendimento de mães e bebês nascidos de parto anônimo, bem como isentam a mãe de qualquer responsabilidade civil ou criminal; nesse último caso, somente o Projeto de Lei n.° 3.220/2008 excetua a hipótese prevista no artigo 123 do CP: “Infanticídio – Art. 123 – Matar sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto, ou logo após”. Ademais, os projetos de lei propostos têm alguns pontos divergentes, contudo não alteram a natureza das propostas legislativas. Porém constatam-se diferenças no procedimento que será adotado no caso de ocorrer o parto anônimo, no que se refere à criança. Eis o que Fernanda Molinari (2010, p. 106) tem entendido sobre a proposta dos projetos de lei: O primeiro (PL n.° 2.747/08) não define a expressão “parto anônimo”, limitandose a dizer que são asseguradas à mulher condições para a sua realização, garantindolhe acompanhamento psicológico; o segundo (PL n.° 3.220/08), por sua vez,
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afirma ser assegurado à mulher, durante o período da gravidez ou até o dia de deixar a unidade de saúde, após o parto, a possibilidade de não assumir a maternidade da criança que gerou, sendo-lhe oferecido atendimento psicossocial.
Nessa esteira, com base nos projetos de lei apresentados ao Congresso Nacional (PL n.º 2.747/2008 e PL n.º 3.220/2008), Fernanda Molinari (2010, p. 106-107) aponta ainda: Segundo o primeiro projeto, a responsabilidade pelas formalidades e encaminhamentos à adoção será dos médicos e enfermeiros que acolhem a criança abandonada, bem como do diretor do hospital, sem mencionar a participação do Juizado da Infância e Juventude. Para o segundo, os profissionais da saúde que acolherem o bebê, assim como a direção do hospital ou unidade de saúde onde ocorreu o nascimento, ou onde a criança foi deixada, serão responsáveis pelas formalidades e o encaminhamento da criança ao juizado, consoante dispõe o artigo 14. Deverá ainda, pelo segundo projeto, a unidade de saúde onde ocorreu o nascimento, no prazo máximo de 24 horas, informar o fato ao Juizado da Infância e Juventude da Comarca, por meio de formulário próprio, e, tão logo tenha condições médicas, a criança deve ser encaminhada ao local indicado pelo mesmo Juizado.
criança somente será registrada quando for concretizada a adoção. Ainda, outro aspecto a ser destacado dos projetos de lei refere-se à adoção, pois o primeiro projeto (PL n.º 2.747/2008) prevê que a criança somente será adotada após transcorrido o lapso temporal de oito semanas da data em que chegou ao hospital, ou, tratando-se de criança nascida no próprio hospital, a adoção somente poderá ser feita após oito semanas do nascimento da criança. Já o segundo projeto (PL n.º 3.220/2008) dispõe em seu artigo 8.º, caput e parágrafos, que o bebê será encaminhado à adoção após transcorridos dez dias da data de seu nascimento, e, se ela não ocorrer nesse prazo, a criança será incluída no Cadastro Nacional de Adoção.
Posicionamento da doutrina sobre o instituto do parto anônimo no Brasil: pesos e contrapesos Os defensores do parto anônimo partem da premissa de que ele protege os recémnascidos das diversas formas de abandono, bem como a mãe de ser responsabilizada civil e criminalmente pelo ato de deixar a criança, sem se identificar. Na lição de Pereira e Sales (2008, apud PENALVA, 2009, p. 91), essa desvinculação mãe e bebê não precisa ocorrer de forma clandestina, à margem dos direitos fundamentais. Nesse primeiro momento, o parto anônimo alia o direito à vida, saúde, e dignidade do recém-nascido a direito de liberdade da mãe. A criança é entregue em segurança a hospitais ou instituições especializadas que irão cuidar de sua saúde e em seguida irão encaminhá-lo à adoção, assegurando a potencial chance de convivência em família substituta. Por sua vez, a mãe terá assegurada a liberdade de dispor do
Oportuno aclarar que, em conformidade com o Projeto de Lei n.º 3.220/2008, o registro da criança nascida de parto anônimo deverá acontecer pelo Juizado da Infância e Juventude, contendo um registro civil provisório, em que constará um prenome. Destaca-se que esse projeto confere à mãe o direito de escolher o nome que será dado ao filho “abandonado”. Já o Projeto de Lei n.º 2.747/2008 é omisso em tais questões, deixando implícito que a
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filho biológico sem ser condenada, civil ou penalmente, por sua conduta.
O IBDFAM defende a ideia de que o projeto do parto anônimo permite à mulher a devida assistência de forma anônima e gratuita com todas as condições imprescindíveis e com acompanhamento psicológico, durante toda a gravidez e posteriormente ao parto, com a entrega do filho para adoção; mesmo parecendo paradoxal, os defensores dessa ideia afirmam que o instituto garante o direito à vida e à integridade da criança. Outros argumentos favoráveis ao instituto do parto anônimo se referem ao direito à identidade da criança, em que outros institutos respaldados em legislação e aceitos pela sociedade também limitam o direito à identidade. É o caso, por exemplo, da inseminação artificial, em que os doadores de gameta não registram sua identidade, resguardando, portanto, o direito ao anonimato. Noutro norte, a doutrina majoritária critica essa violação do direito à identidade. Nesse sentido, o IBDFAM (FREITAS, 2010) afirma que o direito à identidade não será violado, tendo em vista que o artigo 6.º do Projeto de Lei n.° 3.220/2008 prevê que a mãe deverá fornecer e prestar informações sobre sua saúde e a do genitor, bem como sobre as origens da criança e as circunstâncias do nascimento, informações essas que permanecerão em sigilo na unidade de saúde em que ocorrer o parto. A principal argumentação dos defensores, ainda, é ponderar a prevalência de um dos direitos fundamentais expostos, ou seja, o direito da identidade do nascituro ou a proteção à vida da criança. O IBDFAM (2010a), tratando sobre a discussão da identidade do nascituro, declara: Antes de ser conhecida sua origem genética, deve ser dada à criança o direito maior sem o qual ela sequer tornar-se-á sujeito de direitos e obrigações: o próprio direito
à vida. E mais: não basta apenas concedêla o direito de viver ao lado de uma mãe e uma família que não a deseja, deve-se acima de tudo, concedê-la o direito de uma vida inerente de dignidade.
Farias e Rosenvald (2010, p. 560), posicionando-se sobre o direito ao estado de filiação e direito à origem genética, no caso no parto anônimo, destacam: Também não nos parece objetivável a alegação de que a criança tem direito a uma genitora. Com efeito, já se apresentou, exaustivamente, a tese de que a filiação, na perspectiva pluralista das relações de família contemporâneas, é calçada no afeto e na solidariedade, perpassando o alcance, tão só, biológico. Assim o direito ao estado filiatório, garantido constitucionalmente, pode ser resolvido pela utilização do critério da afetividade, não sendo obstada pelo uso no parto anônimo. Nada obstará que, no futuro, a criança rejeitada pela genitora possa, mesmo já possuindo uma mãe afetiva, investigar a sua origem genética, uma vez que lhe é reconhecido o direito à ancestralidade, como verdadeiro direito da personalidade.
Ademais, o posicionamento majoritário da doutrina brasileira sobre o projeto do parto anônimo é destacado como um retrocesso social e jurídico, que procura adequar o processo legislativo à realidade do Brasil e que esquece que as mães só abandonam seus bebês porque desconhecem a existência do Conselho Tutelar e do Ministério Público, ou seja, ferramentas que o Estado já possui para auxiliar as mães e as crianças (ABMP, 2008). Esses críticos do instituto do parto anônimo afirmam, ainda, que tal projeto é mais fácil do que buscar um investimento mais alto em distribuição de renda, educação, cultura. Douglas Phillips Freitas (2010), coordenador das comissões do IBDFAM/SC, ao tratar sobre essa questão diz:
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Sem dúvidas que tais posicionamentos são de uma verdade pungente, porém trata-se da velha discussão kelseniana sobre o ser e o dever ser. O ideal era que todos tivessem ciência dos instrumentos estatais, melhor ainda, seria antes se estes instrumentos funcionassem perfeitamente.
Os defensores do Projeto de Lei do Parto Anônimo entendem que sua aprovação resolverá parte do problema de adoção existente hoje no Brasil, visto que a maioria das famílias procura crianças recém-nascidas. Nas palavras de Freitas (2010), este projeto não resolverá todo o problema da adoção, mas parte dele, sem dúvidas, já que legalizará a “adoção à brasileira”, em que mães que não conseguem ou desejam criar seus filhos os doam para outras famílias, geralmente de melhor renda. A nova família busca a regularização desta situação de filiação sócio-afetiva após certo tempo e, durante todo o período, ficam em estado de insegurança emocional e jurídica por estarem praticando um ilícito e temer perder o “filho do coração” ao Estado ou aos antigos pais que não formalizaram a adoção ainda.
Além de os defensores afirmarem que o parto anônimo garante à criança o princípio do direito à vida (art. 5.º, caput CF), bem como o princípio da dignidade humana (art. 1.º, III, CF), Farias e Rosenvald (2010, p. 557) alegam: Palmilhando essa trilha e preocupados com a afirmação da dignidade das pessoas envolvidas na questão, parecenos que o parto anônimo, sem ser, é óbvio, uma forma definitiva de solução dos problemas sérios atinentes à pobreza e à falta de educação, saúde e cultura do povo brasileiro, pode contribuir para diminuir o número de crianças mortas ou simplesmente abandonadas no meio de lagos, rios poluídos, banheiros de estação de trem, escadarias de igreja, construções
e outros lugares ainda mais assustadores, como noticia a imprensa brasileira a todo tempo.
Os argumentos para rebater o instituto e o Projeto de Lei do Parto Anônimo que tramita no Brasil são vários, a começar pela afirmação de que esse projeto é um retrocesso no que se refere aos direitos fundamentais garantidos à criança e ao adolescente na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e Adolescente (Lei n.º 8.069/1990). Fernanda Molinari (2010, p. 111), ao tratar dos projetos de lei que versam sobre o parto anônimo, destaca: As propostas, portanto, não se inserem numa perspectiva de garantia de direitos, apresentando-se estreitas e insuficientes para solucionar o problema, seguindo o velho paradigma protetivo, de querer remover as crianças de situações perigosas ou das quais suas necessidades não possam ser atendidas, em vez de, efetivamente, mudar a própria situação em que se encontram, para que possam ser garantidos seus direitos.
A mesma autora critica, ainda, o fato de os projetos serem redundantes, visto que criam algumas propostas que já são previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Uma situação é a isenção de responsabilidade civil ou criminal ou apenas civil daquela que optar pelo parto anônimo (art. 12 do PL n.º 2.747/2008 e art. 10 do PL n.º 3.220/2008). Tal previsão já existe no ECA, conforme evidencia Fernanda Molinari (2010, p. 112), haja vista que a mãe [...] que se apresenta no Conselho Tutelar ou à Vara da Infância e Juventude, declarando a intenção de encaminhar o filho a uma família substituta, inclusive mediante adoção, não tipifica crime de qualquer natureza e não gera qualquer tipo de responsabilização; pelo contrário, recebe ela apoio e orientação social, jurídica e psicológica inerentes à situação.
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Os defensores do parto anônimo afirmam que tal instituto visa garantir o direito à vida da criança, pois tem como objetivo impedir que as mães abandonem os filhos. Todavia os projetos sobre o parto anônimo preveem que haja uma estrutura física adequada que permita o acesso sigiloso da mãe ao hospital e o acolhimento da criança pelos médicos. Diante disso, há um paradoxo, pois se o Estado não consegue cumprir nem mesmo o que já prevê a Constituição Federal (CF), no que se refere ao direito à saúde (art. 6.º e art. 196 da CF), de que forma o Estado conseguirá criar uma estrutura física adequada dentro dos hospitais para o recebimento de crianças nascidas de mães que querem se manter anônimas? Outra falha estrutural nos projetos corresponde ao fato de a criança ser entregue diretamente aos profissionais da saúde, sem a devida participação do Conselho Tutelar, conforme prevê o artigo 227 da CF e disposições da Lei n.º 8.069/90 (MOLINARI, 2010, p. 113). Os críticos do parto anônimo não retiram da mulher um direito constitucionalmente garantido, que é o planejamento familiar, entretanto, conforme afiança Luciana Dadalto Penalva (2009, p. 92),
os mesmos direitos já resguardados pelo ECA. Em contrapartida, os direitos fundamentais garantidos à criança nesse estatuto são violados. Nessa esteira, a CF, em seu artigo 5.º, consagra o direito fundamental à vida, em que engloba especialmente o direito à existência, à dignidade da pessoa humana, à privacidade e à integridade físico-corporal e moral. Assim, a criança como sujeito de direito dotado de todas as garantias fundamentais não se vê protegida pelo instituto do parto anônimo proposto nos projetos, tendo em vista que eles não só ferem o direito da criança à sua dignidade, como também outros direitos fundamentais e princípios reconhecidos no ordenamento jurídico brasileiro. O direito ao nome como atributo da personalidade humana, garantido até pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, é totalmente afrontado nos projetos. No primeiro (PL n.º 2.747/2008) não há menção sobre o direito da criança de ser registrada; já no segundo (PL n.º 3.220/2008) há previsão de a criança ser registrada pelo Juizado da Infância e Juventude, com um registro provisório. Também nesse sentido Fernanda Molinari (2010) se manifesta: O que se vislumbra é uma nítida inversão de valores. A criança, que é reconhecida, constitucionalmente, como prioridade absoluta e, por conseqüência, merecedora de proteção integral, fica submetida a receber o nome escolhido por uma mãe que a abandonou e que, notoriamente nunca teve a intenção de estabelecer um vínculo materno-filial. [...] Aceitar esse retrocesso é caminhar na contramão do reconhecimento das crianças como sujeitos de direitos, merecedoras de proteção integral. É negar-lhes o direito ao nome, à sua identidade, à sua origem. É deixá-las marcadas pelo abandono, pela ausência de qualquer referencial em que elas possam afirmar que foi preservada sua própria dignidade.
[...] tal direito não significa que o Estado deve proteger uma situação que este planejamento frustrou-se, pois, do contrário, estaria legitimando a paternidade e a maternidade responsável. O papel do Estado no caso de gravidez indesejada deve ser o de amparar a gestante, garantindolhe o acompanhamento médico adequado durante a gravidez e, após o parto, possibilitando-lhe o acesso a um trabalho digno e garantindo educação e saúde à criança, e não o de respaldar o abandono. Razão pela qual, não nos parece existir um pretenso direito à liberdade da mulher de abandonar seu filho.
Assim, conforme se extrai da leitura dos projetos, eles pretendem assegurar à mulher
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No que se refere ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, a identidade e a origem genética são direitos personalíssimos da criança, não podendo ser violados conforme proposto nos projetos, pois a identidade garante à pessoa o conhecimento de sua origem genética, o que, mesmo nos casos de adoção, deve ser resguardado. Conforme Luciana Dadalto Penalva (2009, p. 94-95),
Nesse sentido, os projetos não inovam em nada; pelo contrário, no entendimento de Fernanda Molinari (2010, p. 147), “na tentativa de coibir o abandono de crianças recém-nascidas, incentivam-no, ocorrendo um processo de desresponsabilização dos genitores pela geração e nascimento de uma criança”.
os defensores do parto anônimo têm feito uma confusão à origem genética, e ao estado de filiação, pois, o que este instituto poderia afastar é, no máximo o direito do filho de ser reconhecido como tal por sua mãe biológica mas nunca do direito personalíssimo deste de saber quais são suas origens. A análise do projeto de lei 3.220/08 nos permite comprovar esta confusão, pois enquanto o artigo 1.º assegura a possibilidade da mulher de não assumir a maternidade da criança que gerou e, portanto, abole o estado de filiação da criança com sua genitora, o artigo 6.º, no caput e no parágrafo único, nos faz entender que a criança só terá acesso as suas origens após autorização expressa da genitora, ou seja, de pronto retira da criança um direito que é personalíssimo e portanto irrenunciável.
Ao analisar a questão do projeto de lei acerca da regulamentação do parto anônimo, verifica-se que existem muitos pontos controvertidos ou que não trazem solução a questões existentes, razão pela qual o referido projeto tem causado mal-estar em diversos segmentos da sociedade. Em 2008 a Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude (ABMP) emitiu manifestação intitulada “Não ao parto anônimo. Sim à proteção e garantia dos direitos humanos de crianças e adolescentes”, em que teceu severas críticas ao IBDFAM por ser apoiador de um dos dois projetos de lei que estavam tramitando no congresso, sob a argumentação de que
No que tange ao direito fundamental da criança à convivência familiar, este se encontra amparado no artigo 19 do ECA, dispondo que toda criança tem direito a ser criada e educada no seio de sua família natural, excepcionando-se as famílias substitutas, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. Contudo os projetos que versam sobre o instituto do parto anônimo afastam em parte o direito ao convívio familiar, quando asseguram à mãe a possibilidade de deixar a criança no hospital para, posteriormente, ser encaminhada ao Juizado da Infância e Juventude.
Considerações finais
a instituição do parto anônimo ofende o direito à identidade enquanto atributo da dignidade de todo ser humano e não contribui em nada para a prevenção de episódios extremos ou cruéis de abandono de recém-nascidos, além de gerar graves retrocessos; por outro lado, o eventual sofrimento psicológico ou moral de mulheres que não desejam ou não se consideram capazes, por qualquer motivo, de manterem consigo os filhos que geram, poderá ser minimizado através da informação, orientação e defesa de seus direitos, inclusive sociais [...].
Ainda assegura a ABMP que a garantia de atendimento pré e perinatal humanizado e de qualidade a todas as gestantes, considerando
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as dimensões sociais, familiares, psicológicas e afetivas da gestação, a cargo do SUS, conforme já está previsto no ECA, artigo 8.º, bem como o papel do Estado em combater a exclusão social e da Justiça da Infância e Juventude em acolher e decidir sobre o destino a ser dado às crianças que não puderem ficar com suas famílias biológicas, é a ação mais adequada, já que, ao serem levadas em conta todas essas prerrogativas, se estará visando ao bem-estar de ambos, mãe e filho; será uma tentativa de não afastá-los e sim de conseguir dar uma vida mais digna a essa nova família. Outras críticas aos projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional dizem respeito ao fato de que, no Brasil, já existem várias leis que procuram proteger a criança, a mãe – a qual deve ser devidamente acompanhada durante a gravidez para um parto sem riscos – e, principalmente, que a lei que regulamenta a adoção possui características semelhantes aos projetos de parto anônimo, porém, em vez de privilegiar apenas e tão somente a mãe, prima pela preservação da família como um todo. A equipe, ao analisar os diversos materiais sobre o assunto, deparou com o artigo da advogada Luciana Dadalto Penalva (2009, p. 97), a qual, embora sendo também membro do IBDFAM, teceu severas críticas aos projetos, pois entende que tutelar o direito à liberdade da mulher, neste caso, não é a solução mais adequada, pois, ao assegurar à mulher a possibilidade de não assumir a maternidade, protegese, ao invés da liberdade individual, a maternidade irresponsável e, portanto, ferese preceito constitucional. Acreditamos que o problema do abandono de recémnascidos deve ser enfrentado, contudo, não concordamos que este enfrentamento deve partir da instituição do parto anônimo, e sim de políticas públicas inclusivas, de iguais oportunidades de emprego, de acesso à educação, à saúde,
aos métodos contraceptivos, enfim, de ações sociais que incluam essas mulheres e que as dotem de responsabilidade, pois, do contrário, estaremos legitimando a irresponsabilidade e a coisificação do ser humano.
Por fim, termina Luciana Dadalto Penalva (2009, p. 98) por argumentar que “garantir à mulher a possibilidade de não assumir a maternidade é prestigiar a incapacidade das políticas públicas de respaldarem os direitos individuais e de garantirem os direitos sociais”. Como visto, várias são as opiniões acerca dos dois projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, porém o que se torna cristalino é que ambos os lados têm respaldo em seus argumentos, pois o tema não é de simples complexidade; pelo contrário, o assunto é tão complexo que ao longo dos anos a discussão se perpetua nos países mais desenvolvidos sem que se encontre uma solução que possa realmente pôr fim a essa questão. A “roda dos expostos ou enjeitados” ou a “janela de Moisés”, métodos utilizados em países como França, Alemanha, Holanda e outros, ao longo dos anos se mostraram ineficazes para garantir a plena assistência tanto às mães como aos recém-nascidos. Tanto é verdade que na França, no ano de 2007, várias pessoas, fruto desse tipo de procedimento, foram às ruas para terem direito de saber quem foram seus genitores – mais um exemplo de que tal método não é o mais adequado para tratar de um assunto que envolve vidas. Em consonância com as correntes que defendem não ser necessário aprovar mais uma lei, mas sim assegurar direitos da criança e da mãe que já constam de leis aprovadas, acreditamos que mais prudente e humano seria investir no sentido de que as leis já existentes fossem mais eficazes, surtindo realmente o efeito e a segurança jurídica almejados pelo legislador.
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De nada adianta, na atualidade, aprovar uma lei isentando totalmente a mãe que, por mera vontade ou necessidade, não queira criar o filho que irresponsavelmente gerou para abandoná-lo aos médicos e enfermeiros, como se os hospitais brasileiros, da noite para o dia, ou em qualquer outro tempo, estivessem preparados para atender às demandas impostas. Em momento algum os requisitos da lei do parto anônimo poderiam ser cumpridos pelos profissionais da área da saúde, tendo em vista a falta quase completa nos hospitais públicos de infraestrutura administrativa e técnica. Investir na legislação que discorre sobre a adoção no Brasil, deixando-a mais ágil, célere e assistencial, tanto para quem doa quanto para a família que recebe o recém-nascido, tornar eficazes as diretrizes do ECA no que diz respeito aos direitos do recém-nascido e, principalmente, investir em política de informação, educação e métodos preventivos para que mulheres e homens não contraiam uma gravidez indesejada, bem como numa política de maior proteção à mulher, principalmente as que vivem abaixo da linha da pobreza, com certeza são iniciativas mais eficazes para combater as práticas cruéis de abandono de recém-nascidos do que aprovar mais uma lei, que somada às tantas já existentes acabaria na vala do esquecimento pela sociedade brasileira. O dever do Estado e da sociedade que nele vive não é zelar pelo direito da mãe em detrimento do direito do filho de saber quem o “trouxe” ao mundo, razão pela qual, em vez de legalmente dar opção à mãe de simplesmente abrir mão de ficar com seu filho, se deve primar pela continuidade da família e, apenas em últimos casos, depois de esgotadas todas as opções melhores, permitir que uma criança seja colocada para adoção, porém sempre com o acompanhamento da mãe genitora, até o momento em que o Estado tenha plenas condições de receber esse recém-nascido e encontrar uma família adotiva para ele.
Por fim, tomamos para nós a fala do deputado Antonio Genaro ao discorrer que, nos dias de hoje, a televisão dita o padrão moral da sociedade, sendo imprescindível aos pais que eduquem as crianças e os adolescentes para evitar a gravidez indesejada, pois não há melhor remédio do que a prevenção.
REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MAGISTRADOS E PROMOTORES DE JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE – ABMP. Não ao parto anônimo. Sim à proteção e garantia dos direitos humanos de crianças e adolescentes. 1.º mar. 2008. Disponível em: . Acesso em: 20 nov. 2010. BRASIL. Projeto de Lei n.º 2.747/2008. Cria mecanismos para coibir o abandono materno e dispõe sobre o instituto do parto anônimo e dá outras providências. 2008a. Disponível em: . Acesso em: 29 nov. 2010. ______. Projeto de Lei n.º 3.220/2008. Regula o direito ao parto anônimo e dá outras providências. 2008b. Disponível em: . Acesso em: 29 nov. 2010. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. FREITAS, Douglas Phillips. Parto anônimo. Disponível em: . Acesso em: 29 nov. 2010.
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MOLINARI, Fernanda. Parto anônimo: uma origem na obscuridade frente aos direitos fundamentais da criança. Rio de Janeiro: GZ, 2010. OLIVEIRA, Daniele Bogado Bastos de. Parto anônimo: aspectos históricos, políticos e sociais contemporâneos. In: ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA 2008 DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE HISTÓRIA, 13., Rio de Janeiro, ago. 2008. Anais... Disponível em: . Acesso em: 20 dez. 2010. PENALVA, Luciana Dadalto. Parto anônimo e direitos de personalidade. Revista IOB de Direito de Família, Porto Alegre, v. 9, n. 52, p. 87-99, mar. 2009. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Parto anônimo – uma janela para a vida. Disponível em: . Acesso em: 29 nov. 2010.
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