Palestra do Stanley Gacek – Seminário Agenda Social do Trabalho 2013- CEAT 29 de abril do 2013, Auditório da Arquidiocese do Rio de Janeiro
Introdução 1- Bom dia a todos e todas, companheiros e companheiras. É uma honra profunda para nosso Escritório da OIT em Brasília (e também um grande privilégio pessoal) a participar neste Seminário Agenda Social do Trabalho 2013 do CEAT. Saudações da Dra. Laís Abramo, da Dra. Elizabeth Tinoco, do Diretor-Geral Guy Ryder, o primeiro sindicalista a ser eleito DG da OIT desde sua fundação 94 anos atrás. 2- Também é uma honra absolutamente ímpar estar na mesa da abertura desse seminário com o Ministro do Trabalho e Emprego do Brasil, o Ilustre Dr. Manoel Dias, e com o Fundador do Centro de Atendimento ao Trabalhador, Sua Santidade, o Cardeal Dom Frei Cláudio Hummes. i-
Gostaria de registrar nosso agradecimento ao Ministro pela dedicação incontestável à causa do Trabalho Decente e da justiça social na carreira pública e na vida pessoal dele. E gostaria de reconhecer especialmente o empenho e a dedicação dele em prol do TD para as trabalhadoras e trabalhadores domésticos. Também quero reconhecer o papel chave dele na promulgação da Norma Regulamentadora no. 36 dos frigoríficos, que indubitavelmente vai realizar avanços substantivos na seguridade e saúde no trabalho no Brasil.
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Li na imprensa brasileira que Sua Santidade, Dom Cláudio, não gosta muito de rótulos, mas acredito com todo o respeito que o apelido “o cardeal dos trabalhadores”, como a imprensa europeia o chamou 1
quando ele foi convidado a falar no Parlamento Europeu oito anos atrás, é, na verdade, uma medalha de honra. Poucos líderes do mundo, sejam laicos ou eclesiásticos, tem feito tanto em prol da causa da justiça social e dos direitos do trabalho quanto ao Dom Cláudio, e a fundação do CEAT é uma das provas. iii-
Meu primeiro contato com o Brasil como um advogado sindical norte-americano bem mais jovem foi em fevereiro de 1981, para fazer parte de uma delegação internacional pequena (2 norte-americanos e 2 alemães) solidarizando-nos com a liderança metalúrgica do ABC, que foi julgada e condenada sob a Lei de Segurança Nacional pela organização da greve de 1980, inclusive um metalúrgico chamado Luiz Inácio Lula da Silva. E ouvi falar na época de um bispo de Santo André, que desafiou o regime militar e abriu as portas das igrejas do ABC para os grevistas. Confesso que é uma emoção muito forte compartilhar a mesa com ele hoje.
3- Além de ser um funcionário da OIT, sou advogado de formação e de carreira. Portanto, como qualquer bom advogado, vou começar minha fala de hoje com todas as ressalvas necessárias e todos os avisos prévios: i-
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Mesmo com mais de 30 anos de contato com Brasil e 19 meses de residência, falo um português com um sotaque dolorosamente perceptível e inevitável de um norteamericano, e com alto risco de tropeções no segundo idioma; Nenhum powerpoint – apenas eu falando, infelizmente. 2
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O tema da nossa mesa – “a realidade do trabalho hoje” – merece um curso universitário de um semestre, e tenho menos de 15 minutos agora. Portanto preciso ser bem sintético e excessivamente geral.
Definições Históricas do Trabalho na Ótica da OIT 4- Acredito que é fundamental definir o que significa o trabalho de hoje para a OIT. E sem dúvida nenhuma, a definição tem tudo a ver com valores. Ou seja, não há trabalho real e autêntico para a OIT a menos que ele seja trabalho decente que é: trabalho produtivo e adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna.
5- Um dos antecedentes fundamentais do conceito contemporâneo do TD foi a Declaração da Filadélfia de 1944, que reafirmava o princípio de que a paz permanente só pode estar baseada na justiça social e declarava, entre outros princípios, que o trabalho não é uma mercadoria. 6- Embora que a OIT seja absolutamente única (em contraste às outras organizações da ONU) em termos da sua governança interna tripartite e sua criação tripartite de direito internacional do trabalho (não apenas os governos, mas também os empregadores e os trabalhadores são os legisladores), a OIT não tem uma propriedade intelectual exclusiva, quanto aos princípios de justiça social e de trabalho decente. 7- Sem dúvida nenhuma, os movimentos trabalhistas e socialistas que nasceram no Século 19, e a Igreja Católica, como foi bem articulado no Rerum Novarum do 1890 do Papa 3
Leão XIII, estavam pregando e defendendo os valores que influenciaram a própria fundação da OIT. Por exemplo, a encíclica do Leão XIII defendia fortemente o direito incondicional de liberdade sindical, 58 anos antes da adoção da Convenção 87 da OIT. O Trabalho no Mundo de Hoje 8- Com toda essa referência histórica aos conceitos e definições de trabalho- por exemplo, o TD, a Declaração da Filadélfia, e o Rerum Novarum, como está a economia global de hoje? Temos progredido mesmo? 9- Não cabe dúvida que no Século 21 há um consenso global formal e normativo em termos de direitos humanos e direitos do trabalho que é bem diferente do que o estado de direito que existia no Século 19 e no começo da Revolução Industrial, com seus “moinhos satânicos” nominados assim por William Blake e com escravidão ainda legalizada no mundo, inclusive nos EUA e no Brasil. 10Há pelo menos alguma forma de legislação de proteções básicas no trabalho em quase todos os estados do mundo hoje que não existiam 150 anos atrás, e há um reconhecimento formal pela maioria da comunidade global das normas fundamentais do trabalho. Por exemplo, 173 dos 185 estados-membros da OIT já ratificaram a Convenção 182 Contra as Piores Formas de Trabalho Infantil, e 172 ratificaram a Convenção 29 Contra o Trabalho Forçado. 11Mas também temos que levar em conta que no mundo de hoje existem ameaças sérias, fundamentais, e ás vezes,
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estruturais em relação às definições do trabalho que acabei de pautar. 12Existe uma Crise Mundial de Emprego, que se expressa não apenas na existência de aproximadamente 200 milhões de pessoas desempregadas no mundo, mas também no fato de que, para uma grande proporção das pessoas ocupadas, o trabalho exercido não é garantia de acesso a uma vida digna: a metade delas recebe menos de 2 dólares ao dia, e 20% delas recebe menos de $1 dólar ao dia. 13E há a uma grande preocupação com um desemprego dos jovens, um desemprego mais e mais enraizado nas chamadas economias avançadas, com 35% dos trabalhadores jovens fora do mercado por 6 meses ou mais, e com a situação piorando diariamente, e especialmente na Espanha, no Portugal, na Grécia, mas também no Leste Europeu, na Ásia do Leste e do Sudeste, e no Oriente Médio. 14E essa debilidade dos mercados de trabalho está freando o consumo privado e o crescimento econômico global em geral. 15Há aproximadamente 21 milhões de pessoas em condições de trabalho escravo, mais de 215 milhões de crianças entre 5 e 17 anos sujeitas ao trabalho infantil, e mais de 115 milhões delas em trabalhos perigosos. 16O salário de mulheres por trabalho de igual valor representa em média 70 a 90% do salário dos homens, entre 40 e 50% das mulheres da União Europeia relatam alguma
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forma de assédio sexual no emprego, e a discriminação racial e étnica se persiste ou se agrava em muitas partes do mundo. 17Quase 75% da população mundial não está coberta por sistemas de seguridade social adequados, e a OIT acabou de lançar um relatório na observação de 28 de abril, concluindo que a cada 15 segundos, um trabalhador ou uma trabalhadora morre de acidentes ou doenças relacionadas com o trabalho, e que a cada 15 segundos, 115 trabalhadores sofrem um acidente laboral. 18E a Pesquisa Anual de Violações dos Direitos Sindicais em 2012, publicada pela CSI, destacou que a situação global piorou no final de 2011, com mais de 76 sindicalistas assassinados naquele ano, com milhares e milhares de trabalhadores presos ou demitidos pelas atividades sindicais, inclusive nos EUA, o meu país. Possibilidades de Esperança e o Caso do Brasil 19Algumas das chamadas economias emergentes, inclusive na região da América Latina, e especialmente o Brasil, têm representado uma raia de esperança nesses últimos anos de crise em relação aos valores de trabalho já articulados. 20Por exemplo, a adoção no Brasil de políticas fiscais e monetárias contra cíclicas, a valorização do salário mínimo, a manutenção e a ampliação dos programas sociais e previdenciários, a decisão de manter a política macroeconômica vigente baseada na estabilidade monetária, na saúde das contas públicas e no cambio flexível, além do estímulo ao consumo interno, tiveram um papel fundamental nesse cenário. 6
21Enquanto os países europeus lidam com um desemprego da ordem de 25%, registrou-se no Brasil em 2012, a menor taxa média anual desde 2002 – 5.5%. Entre 2009 e 2011 o rendimento médio real das pessoas ocupadas cresceu 8.3%. E um aumento real acumulado do salário mínimo de 70.5% entre 2002 e 2013. 22Entre 2003 e 2011, e em grande parte graças às políticas já mencionadas, mas também graças às políticas de sustentação e apoio direto à renda familiar, a pobreza reduziu-se em 58% no país. Também houve uma redução de 56% no trabalho infantil no Brasil entre 1992 e 2011, e entre 1995 e 2012, cerca de 43,000 pessoas foram libertadas do trabalho análogo ao de escravo, com mais de 86% deste contingente libertado entre 2003 e 2012. 23O Brasil tem realizado muito desses objetivos positivos devido a uma vontade política de enraizar a doutrina e a prática do TD em todas as instâncias de governança e da economia, e através de uma política de diálogo social robusto – mais de 25 conselhos, comissões e fóruns nacionais em todas as áreas das políticas econômicas, sociais e laborais para instruir políticas públicas e legislações. 24Não há outro estado membro da OIT com essa magnitude de incorporação do TD – Memorando de 2003, Agenda Nacional e Agenda Nacional para a Juventude de 2006, Agendas do TD vigentes na Bahia, Mato Grosso, Minas Gerais, Pernambuco, Tocantins, Paraná, e também em níveis regionais e municipais, como em Curitiba e na Região ABC Paulista. A I CNETD no agosto passado, mais de 250 7
conferências municipais e regionais, conferências estaduais em 26 dos 27 estados da União. 25No entanto, há problemas persistentes e bem preocupantes no Brasil em relação ao trabalho: a discriminação em matéria de emprego e ocupação, a informalidade e a precarização das relações de trabalho em muitos setores, o desemprego juvenil, a persistência do trabalho escravo e infantil, os índices elevados de acidentes e óbitos no trabalho e as doenças ocupacionais, a rotatividade no emprego, os dilemas da terceirização, a continuação de práticas anti sindicais, dentre outros, apontam para a necessidade de ainda mais diálogo social, de pactos, e de reformas estruturais. 26Também há uma preocupação com a sustentação de emprego por conta da necessidade de aumentar ainda mais o investimento produtivo na economia, inclusive investimentos na educação e treinamento para aprimorar as capacidades da força de trabalho. Há oportunidades e desafios no horizonte imediato para o TD no Brasil neste sentido, levando em consideração os grandes eventos esportivos das Confederações, da Copa e das Olimpíadas. 27Obviamente a crise global de hoje é uma preocupação para o Brasil, até porque nenhum país pode ficar inteiramente inoculado dos efeitos da economia global. Mas os sistemas de governança global estão reconhecendo, e melhor tarde do que nunca, que o emprego e o trabalho decente têm que ser o foco principal para a construção de respostas à crise – o reconhecimento no G 20, inclusive do papel da OIT, e graças aos esforços do Brasil começando na Presidência do Lula.
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28E agora neste mês, em Oslo, houve uma Reunião Regional Europeia com a OIT, juntando 38 Ministros e ViceMinistros da Europa e lideranças sindicais e empresariais, resultando em um plano para resgatar confiança no crescimento econômico e no emprego, inclusive: i- mais coordenação dos esforços entre os países da região para estimular a demanda agregada; ii- um esforço mais concentrado para melhorar a intermediação no mercado de trabalho através de mais treinamento e qualificação; e iii- um foco estratégico para reduzir o desemprego juvenil. 29Concluir com o ditado do JFK – “a palavra “crise” em chinês significa perigo, mas na mesma vez, oportunidade.” Há oportunidades e o exemplo do Brasil da última década é uma boa prova dessas oportunidades promissoras, que têm que ser reforçadas e sustentadas.
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