Neurologia em foco

Nº 2 • dezembro de 2012

Avaliação laboratorial, por imagem e eletroneuromiográfica da miastenia gravis O caso Paciente masculino, 68 anos, comerciante, com antecedente de hipertensão arterial sistêmica e sedentarismo. Procurou o serviço médico devido a uma queixa de diplopia iniciada um mês antes, que se intensificava com o olhar lateral para ambos os lados. Referia piora do quadro no calor e no período vespertino. Na semana anterior à consulta, notara ptose palpebral à esquerda. Negava fraqueza nos membros, disfagia ou disfonia. Alegava cansaço para andar longas distâncias, o que atribuía à falta de condicionamento físico. Ao exame físico, evidenciou-se ptose bilateral assimétrica, pior à esquerda. Não foi observada nenhuma alteração na motricidade ocular, exceto a dificuldade de sustentar o olhar para cima por dois minutos. As pupilas eram isocóricas e fotorreagentes. O restante do exame mostrou-se normal. Diante dos achados, levantou-se a hipótese de miastenia gravis. Assim, o paciente foi submetido à pesquisa de anticorpos ligadores contra o receptor de acetilcolina, com resultado na faixa indeterminada (0,34 nmol/L). A eletroneuromiografia com teste de estimulação repetitiva, por sua vez, não apresentou alterações. Já a eletromiografia de fibra única demonstrou jitter aumentado nos músculos orbicular do olho e extensor dos dedos, com presença de bloqueio no primeiro músculo.

Para entender a miastenia gravis Considerada o mais comum distúrbio primário da transmissão neuromuscular, a miastenia gravis (MG) tem, como causa, anormalidades imunológicas adquiridas que resultam, na maioria dos pacientes, na produção de anticorpos contra os receptores de acetilcolina na junção neuromuscular pós-sináptica. Com um padrão de incidência bimodal, essa doença ocorre mais comumente em mulheres na segunda e terceira décadas de vida, apresentando um segundo pico na sexta e sétima décadas, período no qual os homens são mais frequentemente acometidos. O sintoma inicial geralmente é a diplopia e/ou a ptose palpebral com característica de fatigabilidade, ou seja, piora no decorrer do dia ou aos esforços e melhora com o repouso. A fraqueza pode permanecer restrita aos músculos oculares em aproximadamente 15% dos pacientes, caracterizando as formas oculares da doença. A maioria dos indivíduos evolui, no decorrer do tempo, para a forma generalizada da MG, quando outros músculos são afetados, como os faciais, da mastigação, da fala, da deglutição e do pescoço, bem como os respiratórios e os proximais dos membros. Clinicamente, existe a possibilidade de a fraqueza ser demonstrada em qualquer músculo acometido por meio de atividades repetidas ou mantidas. A oftalmoplegia é fatigável e não se justifica por comprometimento de um único nervo craniano. A crise miastênica corresponde à apresentação mais grave da MG e indica instalação de insuficiência respiratória aguda, que pode ser precipitada por broncopneumonia, sepse, medicações ou cirurgias. O diagnóstico da MG baseia-se em dados clínicos, laboratoriais e eletrofisiológicos, conforme esta publicação demonstra nas páginas que se seguem.

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A discussão O papel da eletroneuromiografia com estimulação repetitiva na MG O teste de estimulação repetitiva normalmente faz parte da eletroneuromiografia, mas não configura uma avaliação de rotina. Por isso, é sempre importante solicitá-lo explicitamente ou detalhar a hipótese clínica no pedido. Na prática, o exame estimula o nervo cerca de três vezes por segundo e registra de quatro a dez potenciais sobre o músculo-alvo. Se houver fatigabilidade anormal, a amplitude do potencial muscular diminui progressivamente do primeiro ao quarto estímulo, estabilizando-se posteriormente. Se houver queda da amplitude maior que 10%, o teste é considerado anormal. A sensibilidade desse método alcança por volta de 80% nas formas generalizadas da doença, mas a positividade nas formas oculares não passa de 50%. O fato é que a eletroneuromiografia mostra-se mais sensível quando realizada em músculos clinicamente fracos, em particular os da face ou os do ombro.

Teste de estimulação repetitiva em músculo facial demonstra decremento patológico entre o primeiro e o quarto potencial.

A contribuição da eletromiografia de fibra única

Avaliação do mediastino por imagem

O teste neurofisiológico mais sensível para o diagnóstico da MG é a eletromiografia de fibra única (EMGFU), uma técnica avançada que estuda a junção neuromuscular e tem particular utilidade em pacientes com poucos sintomas ou fraqueza restrita aos músculos da face, quando frequentemente o exame de estimulação repetitiva está normal.

Calcula-se que 33% dos pacientes com timoma tenham MG e que de 10% a 15% dos miastênicos apresentem esse tumor, o que torna necessária a avaliação de tais indivíduos por métodos de imagem.

A EMGFU permite o estudo seletivo de uma única fibra muscular e, por meio da análise do jitter, avalia a variabilidade no tempo de transmissão neuromuscular. O valor do jitter é mensurado em microssegundos e encontrase aumentado em pacientes com MG, porém também pode estar elevado em doenças do nervo e do músculo – que, portanto, devem ser excluídas pelo exame clínico e, se necessário, pela eletroneuromiografia convencional. A análise do jitter apresenta alta sensibilidade para o diagnóstico da MG, embora não seja específica para tal fim. Dessa forma, é praticamente possível afastar a doença se a EMGFU for normal em um músculo clinicamente fraco. Sensibilidade dos diferentes testes diagnósticos para miastenia gravis Forma (n=503)

Estimulação repetitiva

Fibra única

Ocular

48%

97%

Generalizada

76%

99%

Por sua alta sensibilidade, a tomografia computadorizada (TC) é o exame de escolha para a identificação dos timomas, tanto para o diagnóstico das lesões quanto para a pesquisa da possível infiltração tumoral dos planos adiposos, das estruturas vasculares, do pulmão e da superfície pleural adjacentes. O aspecto tomográfico mais comum é o de formação expansiva sólida, com densidade de partes moles e, geralmente, margens lobuladas. A lesão costuma crescer num dos lados do mediastino anterior e evidenciar realce homogêneo pelo contraste iodado, às vezes com áreas císticas, necrose ou hemorragia no interior. Também é possível observar calcificações focais ou difusas. Mais raramente, a massa surge em outro compartimento mediastinal ou no pescoço.

Sanders and Stalberg, Muscle and Nerve: 1996.

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A utilidade dos exames laboratoriais na confirmação da doença Os marcadores sorológicos para o diagnóstico da MG incluem os anticorpos antirreceptor de acetilcolina (antiAChR), antitirosinoquinase específica de músculo estriado (anti-MuSK) e antimúsculo estriado.

Os anticorpos contra a tirosinoquinase específica de músculo estriado, uma proteína de membrana, mostram-se altamente específicos para o diagnóstico de MG e ocorrem em cerca de 50% dos soronegativos para o anti-AChR.

Há três tipos de anticorpo contra o receptor de acetilcolina: os ligadores, os moduladores e os bloqueadores. Os marcadores mais sensíveis são os ligadores, que estão presentes em 85-90% dos casos de MG generalizada não tratada, em 80% dos pacientes tratados e em 60-70% das formas oculares puras, tendo especificidade próxima a 100%. Apesar disso, podem ser observados também em até 10% dos casos da síndrome Eaton-Lambert e em algumas formas de neuropatia periférica e radiculopatia. Os moduladores também demonstram alta especificidade e sensibilidade e, em raras situações, são detectados na ausência dos ligadores. Os bloqueadores, por sua vez, não possuem utilidade prática, visto que não agregam informação clínica aos dois primeiros.

Já o antimúsculo estriado sugere a presença de timoma em pacientes que apresentam anti-AChR. De qualquer modo, existe a possibilidade de encontrá-lo isoladamente em outras doenças autoimunes, como tiroidite de Hashimoto e anemia perniciosa. VR dos anticorpos ligadores contra o receptor de acetilcolina Não reagente

Inferior ou igual a 0,20 nmol/L

Indeterminado

De 0,21 a 0,49 nmol/L

Reagente

Superior ou igual a 0,50 nmol/L

A forma invasiva do timoma pode se mostrar como implantes pleurais focais ou difusos, derrame e até mesmo espessamento pleural circunferencial. Esses achados, vale destacar, são sempre homolaterais à lesão de origem. A ressonância magnética (RM) não adiciona informações importantes em relação à TC nesse contexto clínico, porém pode sugerir, em alguns casos, invasão vascular mesmo sem o uso do contraste iodado, o que representa vantagem quando este é contraindicado. A RM também não detecta calcificações, além de levar mais tempo que a tomografia. Convém lembrar que, principalmente diante de timos globalmente aumentados, os métodos de imagem não são capazes de diferenciar glândulas normais de hiperplasia tímica ou timoma.

TC de tórax mostra lesão nodular sólida de contornos regulares no mediastino anterior, relativamente homogênea, medindo 2,8 cm em seus maiores diâmetros.

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Conclusão A investigação diagnóstica da miastenia gravis deve ser feita por métodos neurofisiológicos e imunológicos. Se a eletroneuromiografia com estimulação repetitiva e a dosagem de anticorpos contra o receptor de acetilcolina forem normais, a abordagem deve avançar para a solicitação da eletromiografia de fibra única e da pesquisa de anticorpos anti-MuSK. Após a confirmação diagnóstica, é indispensável proceder ao rastreamento de neoplasias do timo pela tomografia de tórax, dada a íntima relação entre a MG e a ocorrência de timomas.

Relatório integrado ajuda a esclarecer e acompanhar os casos Os clientes que realizam exames no Fleury para a investigação dessa doença recebem o Relatório Integrado de Miastenia Gravis. O documento, que começou a ser emitido em 2011, reflete a opinião dos assessores médicos das áreas de Neurologia, Imagem e Imunologia do Grupo Fleury sobre todos os casos que se beneficiam da análise integrada de múltiplos resultados de exames paraclínicos. A discussão entre os especialistas leva em conta a análise dos dados clínicos disponíveis e confronta os exames atuais e prévios do paciente. Além de oferecer mais uma opinião diagnóstica para cada caso, o relatório facilita o arquivamento das informações relevantes.

ALGORITMO DE INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA DA MIASTENIA GRAVIS

Suspeita clínica da doença

Eletroneuromiografia + teste de estimulação repetitiva

Pesquisa de anticorpos ligadores para receptor de acetilcolina

Confirmação diagnóstica Eletromiografia de fibra única

Pesquisa de anticorpos anti-MuSK

Tomografia computadorizada de tórax

ASSESSORES MÉDICOS QUE COLABORARAM COM ESTA EDIÇÃO: Publicação do Fleury Medicina e Saúde Editores científicos: Dra. Kaline Medeiros Costa Pereira e Dr. Manoel Neves Responsável técnico: Dr. Rui M. B. Maciel (CRM 16.266) Editora executiva: Solange Arruda Produção gráfica: Solange M. Candido Impressão: SJS 4 • Neurologia em Foco

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Eletroneuromiografia Dr. Otto Heise - otto.heise@ grupofleury.com.br Dra. Flávia C. N. Machado - flavia.machado@ grupofleury.com.br Dra. Sonia Maria de Toledo - sonia.toledo@ grupofleury.com.br Imagem Dr. Antonio Carlos M. Maia Jr. - antonio.maia@ grupofleury.com.br Dr. Antonio J. Rocha - antonio.rocha@ grupofleury.com.br Dr. Augusto C. de Macedo Neto - augusto.macedo@ grupofleury.com.br Imunologia Dr. Luis Eduardo Coelho Andrade - luis.andrade@ grupofleury.com.br Neurologia Dr. Aurélio Pimenta Dutra - aurelio.dutra@ grupofleury.com.br 26/11/2012 10:53:26