Foto: © Acervo IEB / Lucas Filho

MEGAPROJETOS DE INFRAES TRUTURA : impactos e riscos socioambientais para a agricultura familiar no Baixo Tocantins. AP RESENTAÇÃO

As

transformações nos territórios amazônicos mostram-se aceleradas, com destaque ao chamado “arco norte” como um lócus de implantação acelerada de empreendimentos de infraestrutura, com significativos impactos na microrregião do Baixo Tocantins e especialmente no município de Barcarena (PA). Compreender tais transformações apresenta-se como uma necessidade para as organizações da sociedade civil manter a resistência e construir estratégias de enfrentamento aos impactos que advêm destas mudanças.

O evento contou com a participação de 34 pessoas, sendo 25 agricultores/as oriundos de 18 municípios do Estado do Pará, 5 representantes de organizações da sociedade civil de Barcarena; 02 expositores, Guilherme Carvalho, historiador, coordenador do Programa Amazonia da FASE; e Rogério Hohn, dirigente do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e 02 representantes do IEB. Esta publicação sistematiza as principais contribuições, reflexões e conteúdos abordados.

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Foi sob esse foco que o Instituto Internacional de Educação (IEB), com o apoio da Ajuda da Igreja Norueguesa (AIN) realizou em 1º de julho de 2016, no sítio No Limite, em Barcarena (PA), o Seminário Temático “Megaprojetos de infraestrutura na Amazônia: impactos e riscos para a agricultura familiar”, compondo a programação do 1º Encontro Paraense de Práticas Formativas (I EPAFOR), realizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e a Federação dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais do Estado do Pará (FETAGRI).

A importância estratégica do Baixo Tocantins O Baixo Tocantins abrange uma área de 36.024,20 km², com 11 municípios: Abaetetuba, Barcarena, Moju, Igarapé-Miri, Cametá, Baião, Oeiras do Pará, Tailândia, Limoeiro do Ajuru, Mocajuba e Acará. Encontra-se numa zona de fronteira, localizado entre a Amazônia Central e Amazônia Oriental, no Nordeste do Pará, por onde passa a microrregião da Bacia do rio Tocantins, considerada a segunda mais importante do país, superada apenas pela Bacia do rio Amazonas. O rio Tocantins, faz parte do complexo estuário amazônico, se comunicando com os rios Pará e Guamá, que se juntam na foz do rio Amazonas. Próxima à foz do Amazonas, o Baixo Tocantins se constitui efetivamente na porta de saída de recursos naturais e de outros produtos de grande interesse no comércio internacional. Alumínio, gado e madeira são apenas algumas das mercadorias com forte valorização no mercado crescentemente globalizado. Não é à toa, portanto, que essa microrregião vem sendo alvo da implantação de empresas com forte presença internacional, assim como da execução de variados projetos de infraestrutura. Entre estes, destacam-se: a ampliação e modernização do Porto de Barcarena e a instalação do Terminal Portuário Fronteira Norte (Terfron) da transnacional Bunge; a recuperação da rodovia PA-152, fundamental para interligação da capital com as regiões Sul e Sudeste do Pará; a recuperação da BR-151, que vai do entroncamento com a PA-152 até o município de Baião, a construção da ponte sobre o rio Meruú, no município de Igarapé-Miri, além da implantação de torres de monitoramento do gado que vem de outros pontos do estado e são exportados a partir de Barcarena. Essas obras quando articuladas a outras e à expansão de redes de serviços no Nordeste Paraense formam o sistema logístico requerido por empresas produtoras de dendê - BioVale, Agropalma, BioPetro, Marborges etc. É o caso, por exemplo, da construção da ponte sobre o rio Capim, no município de São Domingos do Capim, onde atua a transnacional Archer Daniels Midland Company (ADM). Se ampliarmos nossa perspectiva veremos que as obras de infraestrutura no Baixo Tocantins estão sintonizadas com outras executadas fora do Pará e mesmo em países Pan-Amazônicos. A ampliação do Porto de Vila do Conde em Barcarena, ou a ponte sobre o rio Capim tem tudo a ver com os portos, ferrovias, hidrovias ou rodovias que estão sendo construídos no Peru ou na Bolívia, por exemplo. Tudo está conectado.

“Os grandes projetos atraem um grande contingente de pessoas para as cidades sede destes empreendimentos, estas num primeiro momento conseguem adentrar no mercado de trabalho, mas passada a fase inicial, vão aumentar a população do munícipio, cuja estrutura já fragilizada fica ainda mais....” “Quanto mais as lutas e problemáticas locais forem vistas e conhecidas por pessoas de fora da nossa realidade a gente consegue avançar bem mais, é fundamental que a gente se articule em redes” Roni Santos Movimento Barcarena Livre

O discurso da domin ação É muito comum ouvirmos de empresários e integrantes de governos que os projetos de infraestrutura trarão desenvolvimento e progresso para a Amazônia. Contudo, os projetos de infraestrutura acabam por inviabilizar qualquer outro projeto diferente, gestado por povos indígenas, agricultores(as) familiares, quilombolas ou outro segmento social que se contraponha à lógica do capitalismo globalizado. Ou seja, a estrada que facilita o transporte de mercadorias para uma feira municipal é apenas o efeito secundário do verdadeiro objetivo que é o de apropriação dos territórios por transnacionais e grandes corporações nacionais, bem como a exploração intensiva dos recursos naturais neles contidos para serem exportados. Os chamados desenvolvimento e progresso são na realidade instrumentos de dominação política e ideológica.

As debilidades que nos enfraquecem... Os movimentos sociais do Baixo Tocantins possuem um longo e rico histórico de luta e de resistência. Foi assim durante a construção da hidrelétrica de Tucuruí e contra a ditadura militar, por exemplo. Ainda hoje há diferentes iniciativas voltadas ao acesso às políticas públicas, à regularização fundiária, ao fortalecimento da agricultura familiar e à defesa dos direitos das mulheres, entre outros. Contudo, é verdade também que há muitos problemas, cuja permanência colocam em risco a capacidade desses mesmos movimentos de realizarem, inclusive, a resistência à expansão acelerada do grande capital na região e às consequências advindas desse processo. Entre as debilidades, destacamos: • A rticulação política e organizações frágeis – Há experiências interessantes como o Comitê Regional Fundiário, a organização quilombola a partir da Malungu ou a presença de estruturas sindicais como a FETAGRI. Não obstante, um dos problemas consiste justamente no fato de que essas instâncias e/ou organizações mantêm pouco diálogo entre si, cada uma cuidando das suas problemáticas como se fosse possível combater isoladamente o bloco de poder que reúne governos, empresas, bancos, grande parte do judiciário, parlamentos, a mídia corporativa e até setores dos movimentos sociais e das ONGs na defesa dos interesses do grande capital. Essa insuficiência demonstrada para o diálogo, à afirmação de pautas comuns e à mobilização social conjunta tende a se voltar contra elas próprias ao longo do tempo.

“O município de Barcarena é um corredor do sistema logístico que envolve portos, ferrovias, hidrovias para a exportação da produção do sul, sudeste, seja os grãos, minérios, dendê, isso gera riqueza, mas para as comunidades isso gera impactos, retiradas de comunidades inteiras que tem que se deslocar de suas terras originárias e vão para as cidades, gerando problemas sociais como a prostituição, as drogas...” Petronilo Alves Conselho das Cidades de Barcarena e Frente Nacional Resistência Urbana

“Os grandes projetos trazem riscos pra nossa biodiversidade, o enfraquecimento da agricultura familiar, as promessas feitas pelos compradores de dendê na nossa região não foram cumpridas...” “A união dos agricultores e agricultoras, a organização são as únicas maneiras de fazer o enfrentamento aos grandes projetos” Selma Queiroz Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de São Domingos do Capim

• Carência de novas lideranças – Isto é particularmente visível no movimento sindical. A saída da juventude do campo para a cidade em busca de oportunidades de estudo e trabalho, a dificuldade dos sindicatos para implementarem políticas consistentes que atraiam jovens para o interior das entidades e mesmo tendências mais gerais que envolvem a “captura ideológica” da juventude pela “sociedade do consumo e do desperdício”, são algumas das questões que contribuem para esse quadro. Isto não significa a inexistência de ações para reverter tal situação. O programa de formação implementado pela CONTAG é um bom exemplo.

“As grandes empresas fazem ações pontuais, como um grande cala a boca pras pessoas, dão uma coisinha aqui, outra ali a determinadas entidades e comunidades, e com isso tiram a força do movimento se organizar e cobrar o que é de direito das pessoas que vivem ali naquela situação”

• A pouca compreensão sobre as novas dinâmicas socioterritoriais presentes na região – Esta dificuldade não é exclusiva dos movimentos sociais, mas abarca também outros segmentos. O fato, porém, é que antigos referenciais políticos e teóricos que foram fundamentais em processos de resistência, de mobilização e de compreensão das realidades passadas já não são suficientes para entendermos o que está acontecendo no chão dos territórios numa sociedade capitalista que também se globaliza. Como executar ações consistentes de enfrentamento ao grande capital sem entender a sua natureza atual? Sem vincular, por exemplo, os termos dos contratos para a produção do dendê com as estratégias das grandes corporações econômicas para viabilizar o mercado de carbono, sequer conseguiremos entender o interesse das empresas envolvidas em contratos de comodatos pela manutenção intocada de parcelas em propriedades de agricultores(as) familiares.

“Onde esta a compensação pra natureza? pras famílias?” “A terra é nossa mãe, nós não podemos estar negociando ela, ela que dá o nosso sustento, nós temos que encontrar saídas porque nós não estamos trabalhando só pra nós, nós estamos trabalhando pra defender o universo, pra defender a vida...”

Foto: © Acervo IEB

Maria Rosa Almeida FETAGRI – Oriximiná

• Burocratização das organizações - Isto ocorre de diferentes formas. Os sindicatos, por exemplo, dedicam cada vez mais tempo e energia à questão previdenciária. Por outro lado, as exigências impostas pelo Estado, principalmente no que diz respeito à gestão de projetos, colocam tantas amarras às entidades que estas acabam tendo que montar estruturas administrativas enormes a fim de evitar a criminalização das organizações e de seus integrantes. Mesmo políticas públicas importantes, como os Programas de Aquisição de Alimentos (PAA) e de Alimentação e Nutrição Escolar (PNAE), acabam gerando constrangimentos de toda ordem: se um contrato estabelece que deve ser entregue banana para uma escola, mas por conta de uma doença na plantação a cooperativa abastece a unidade com abacate, isto poderá ser motivo para a criminalização dos fornecedores e mesmo da própria política pública. Ou seja, cada vez mais as questões administrativo-financeiras são meios eficientes de controle das organizações e de desmobilização da luta social. • A negociação como prioridade - É evidente que movimentos reivindicatórios precisam em algum momento sentarem-se com patrões ou representantes do Estado para negociar suas pautas. Por outro lado, também parece ser claro que negociação sem pressão social direta reforça o personalismo de dirigentes, bem como transforma as organizações num mero instrumento da satisfação dos interesses políticos, econômicos ou outros dos grupos que delas se apoderam. Negociar, portanto, não é um problema em si mesmo. Aliás, nunca foi. O verdadeiro problema é quando as negociações passam a ser a forma preponderante das iniciativas que buscam conquistar ou garantir direitos. Infelizmente tal situação foi se consolidando ao longo dos últimos anos, mesmo com o advento aos governos de frentes de suposta matriz democrático-popular. • A partidarização das organizações - Uma das características do pensamento conservador, de direita, é se apresentar como apolítico. A direita faz política ao mesmo tempo que a criminaliza. Veja o exemplo da tentativa do partido “Democratas” e de seus aliados no governo golpista de implantarem a “Escola sem partido” no país. É um discurso fascista que tenta se passar como isento, neutro, puro. Evidentemente, que os segmentos sociais que lutam por justiça e por mudanças estruturais na sociedade não podem de forma alguma sucumbir a esse “canto de sereia”. Todavia, o outro lado também é nocivo. Ou seja, transformar movimentos sociais e ONGs em meros aparelhos a serviço de determinadas correntes políticas e ideológicas. Quando isto ocorre o debate político é sufocado e as divergências se transformam em fraturas internas, enfraquecendo ainda mais sindicatos, cooperativas ou fóruns e sua capacidade de mobilização e pressão social.

“Os grandes projetos mudam os modos de produção e de vida das pessoas que ao longo do tempo tem vividos nas terras, nas florestas, nas margens dos rios, na Amazônia. As pessoas não tiveram escolha e tiveram que sair, quem era agricultor, quem era pescador teve que sair e se afastar dos seus meios de produção, ter um meio de vida muito diverso do que tinham antes” Maria Lindalva Melo Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade - Barcarena

Desafio estratégico: Construir uma rede integrada de resistência e de formulação de alternativas O grande capital transnacional se expande pelo mundo de forma acelerada. Na Amazônia ele busca de todas as formas se apropriar de vastas extensões do seu território. Portanto, realizar a defesa desses territórios e dos direitos dos povos e comunidades que neles habitam é uma questão fundamental. Talvez este seja um dos principais pontos de unidade entre as diferentes lutas sociais em andamento na nossa região. Não obstante, promover tal defesa requer a implementação de iniciativas como as que seguem:

Foto: © Acervo IEB / Juliana Lima

• Capacidade de atuar em diferentes escalas - Lutamos contra um bloco de poder profundamente articulado desde o plano local até o internacional. Não é possível realizarmos sequer a resistência ao modelo de dominação levado a cabo por esse bloco somente atuando em uma das escalas. Numa sociedade cada vez mais globalizada, onde um número reduzido de grupos econômicos controlam redes de empresas e de bancos no mundo inteiro, e que juntamente com os Estados nacionais mais poderosos impõem as políticas macroeconômicas, formam bancadas nos parlamentos nacionais; elegem presidentes(as), governadores(as) e prefeitos(as), e modificam as legislações nacionais para flexibilizar direitos sociais, se tornou muito difícil atuar localmente sem possuir uma perspectiva mais ampliada. Um sindicato sozinho, uma ONG, uma cooperativa ou uma associação sem estarem articuladas a um conjunto de outras organizações não serão capazes de derrotar esse bloco. Evidentemente tudo começa a partir da base, na mobilização que se inicia nas comunidades, categorias de trabalhadores ou por segmentos sociais - mulheres, jovens e negros(as), por exemplo - enraizados e reconhecidos localmente.

• Capacidade de desenvolver ações em rede - Como dissemos anteriormente os projetos de infraestrutura estão todos conectados entre si, envolvendo muitas vezes os mesmos grupos políticos e econômicos. No caso das hidrelétricas, por exemplo, sabemos de antemão quais são as empresas fornecedoras de turbinas. Ou seja, desde o momento que tomamos conhecimento das intenções para a construção de uma represa já deveríamos buscar constituir uma rede de solidariedade às nossas lutas, envolvendo, inclusive, movimentos sociais e ONGs dos países onde se situam aquelas empresas, justamente porque uma entidade que atue apenas localmente não tem condições de realizar esse tipo de incidência. Grosso modo é isso o que chamamos de ação em rede, que não significa necessariamente a criação de fóruns. O fato é que tal perspectiva exige mudanças de diferentes ordens: na nossa cultura política, excessivamente marcada pela noção de disputa interna; na forma como levantamos recursos para o desenvolvimento de atividades e no fortalecimento da solidariedade entre os que estão no mesmo campo de luta, entre outras. • Capacidade de inovar as formas organizativas e de mobilização social - Alguns dos nossos antigos métodos organizativos e de mobilização social já não respondem às exigências do momento. Essa inovação deve ser vista de múltiplas formas, abarcando desde o uso inteligente das novas ferramentas tecnológicas (internet, por exemplo), a construção de outras metodologias de planejamento, monitoramento e avaliação; a atualização da agenda política, incorporando temáticas importantes como questão ambiental e das mudanças climáticas, mercado de carbono, combate ao racismo etc. Além disso, é preciso desenvolver estratégias para atrair a participação da juventude e assumir compromissos reais com o empoderamento das mulheres e o enfrentamento do patriarcado a partir das próprias organizações. • Capacidade de comunicação interna e com a sociedade - A sociedade precisa compreender porque nos opomos a esse modelo de desenvolvimento hegemônico. E a batalha da comunicação é fundamental. Para tanto a comunicação não pode ser mais tratada como algo secundário, que aparece num canto do nosso planejamento, sem recursos material, financeiro e humano para ser implementada. Por outro lado, precisamos utilizar com criatividade o que as novas tecnologias nos proporcionam para fazer chegar nossa mensagem a um número expressivo de pessoas. Todavia, isto não pode nos fazer esquecer dos meios que também foram e são relevantes às nossas organizações, como a produção de materiais didáticos. É preciso destacar ainda a necessidade de tornar mais eficiente a comunicação no interior das próprias organizações. Esta quando não ocorre se transforma em mais um fator de desagregação e divergências.

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