MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO: QUEM PAGA A CONTA? De acordo com a Constituição Federal do Brasil, no capítulo dos direitos sociais, todo cidadão tem o direito à saúde, educação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados (art.6°). No artigo 196 encontra-se redigido: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”. O Sistema Único de Saúde (SUS) teve seus princípios estabelecidos na Lei Orgânica de Saúde, em 1990, com base no artigo 198 da Constituição Federal de 1988. Portanto, do ponto de vista legal, todo cidadão tem o mesmo direito ao SUS. Os princípios da universalidade, integralidade e da eqüidade são chamados de princípios ideológicos ou doutrinários, e os princípios da descentralização, da regionalização e da hierarquização de princípios organizacionais; a estes se soma o princípio da participação popular. Universalidade "A saúde é um direito de todos", como afirma a Constituição Federal. Naturalmente, entende-se que o Estado tem a obrigação de prover atenção à saúde, ou seja, é impossível tornar todos sadios por força de lei. Todo cidadão tem o direito ao acesso aos serviços de saúde de todos os níveis de assistência (primário, secundário e terciário). Integralidade A atenção à saúde inclui tanto os meios curativos quanto os preventivos; tanto os individuais quanto os coletivos. Em outras palavras, as necessidades de saúde das pessoas (ou de grupos) devem ser levadas em consideração mesmo que não sejam iguais às da maioria. Equidade Todos devem ter igualdade de oportunidade em usar o sistema de saúde; como, no Brasil existem disparidades sociais e regionais, e as necessidades de saúde variam, deve-se priorizar a oferta de ações e serviços aos segmentos populacionais que enfrentam maiores riscos de adoecer e morrer em virtude destas desigualdades. Por isso, considera-se mais adequado o termo equidade do SUS. Participação da comunidade O controle social, como também é chamado esse princípio, foi melhor regulado pela Lei nº 8.142. Os usuários participam da gestão do SUS através das Conferências de Saúde e dos Conselhos de Saúde , que são órgãos colegiados em todos os níveis (Federal, Estaduais e Municipais). Descentralização político-administrativa No SUS existem três esferas: nacional, estadual e municipal, cada uma com comando único e atribuições próprias. Os municípios tem assumido papel cada 1
vez mais importante na prestação e no gerenciamento dos serviços de saúde, através da PPI (Programação Pactuada e Integrada) efetuadas entre os diversos Estados e Municípios. Hierarquização e regionalização Os serviços de saúde são divididos em níveis de complexidade; o nível primário (de menor complexidade, onde é oferecida a atenção básica), secundário (de complexidade intermediária, referenciado da atenção básica para as especialidades) e terciário ( de maior complexidade, referenciado das especialidades para os centros de referência especializados). Quanto mais bem estruturado for o fluxo de referência e contra-referência entre os serviços de saúde, melhor a eficiência e eficácia dos mesmos. Assim sendo, do ponto de vista legal, todo cidadão tem o mesmo direito ao SUS, independentemente se ele é atendido no setor público (SUS dependente) ou no privado (saúde suplementar). A questão da opção do cidadão pela saúde suplementar, se assenta no fato de que o Estado não garante uma oferta de cobertura assistencial a toda população, devido aos baixos investimentos feitos no setor da saúde pública, que se depara, há muitos anos, com a regulamentação de leis discutidas, não votadas, que caíram no esquecimento, algumas delas com proposições já desatualizadas para o presente, sem que tivessem sido colocadas em prática, portanto não representando solução para questão de vital importância (ex: à Emenda Constitucional n° 29). O Estado investe, em 2/3 da população que são totalmente SUS dependentes, valores semelhantes aqueles realizados pela Saúde Suplementar, a qual fornece cobertura para 1/3 da população, denotando o pobre investimento governamental em saúde; isto, somando-se à falta de verdadeiras políticas de saúde pública e a um sistema de regulação verdadeiramente eficaz e eficiente, causa um enorme desbalanço entre custos despendidos e benefícios auferidos. Portanto, os cidadãos que buscam alternativas, de forma suplementar à saúde (bem como em outros setores como educação, transporte, segurança e demais serviços de responsabilidade pública) o fazem por não ter garantidos seus direitos, apesar de recolherem seus impostos nas formas preconizadas pelas leis, sem que tenham, nestes quesitos, a efetiva garantia de seu direito à cidadania. Outro ponto é a escassez de investimentos governamentais no setor social, deixando de lado a garantia de melhores condições de vida e, consequentemente, de uma melhor saúde para a população. Desta forma, faltam transporte, escolas, saneamento básico, postos de saúde, hospitais, profissionais, equipamentos, medicamentos, e, principalmente, ações de saúde impactantes para o alcance dos propósitos constitucionais. Notamos que os custos dispendidos com o setor saúde vem aumentando de uma forma galopante, em todo o mundo. Vários fatores contribuem para a sua elevação,
dentre eles, podemos citar a tecnologia incorporada a todos os processos afins, como 2
na pesquisa básica, na prevenção de doenças, nas técnicas diagnósticas laboratoriais e de imagem e em todas as formas terapêuticas atuais; isto faz com que ocorra um encarecimento de toda a medicina, ao contrário do que acontece em outros setores (industriais, financeiros, comerciais, etc.), onde as incorporações de novas tecnologias auxiliam para racionalizar os processos produtivos e baratear os custos, tanto para as administrações públicas e privadas quanto para o consumidor final. Todos os países do mundo, independentemente de suas condições de desenvolvimento social e econômico, vem enfrentando dificuldades em como se estabelecer critérios para a contenção de sua evolução. A análise dos valores liquidados pelo FNS (Fundo Nacional de Saúde) entre 2001 e 2006, demonstra que houve aumento real de 7,3%, o mesmo sendo observado quando esta análise é feita apenas com dados sobre as ações e serviços de saúde, para efeitos do total alocado, segundo dados de 2007 do SIOPS (Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde). No caso específico dos medicamentos, as leis de direito de propriedades (patentes) contribuem em muito para a elevação de seus custos. Além deste, outros fatores também relacionados são: a) população, com o crescimento de seu tamanho, mudanças na pirâmide etária e, principalmente nos países em desenvolvimento, na sua característica de transição epidemiológica; surgimento de novas doenças e epidemias; b) sistema de saúde, disponibilidade e acesso aos serviços e ampliação das listas de medicamentos; c) indústria farmacêutica, desenvolvendo novos produtos e novas apresentações, e aumentando suas propagandas, tanto aos médicos quanto às populações leigas; d) profissionais e usuários, com mudanças nos padrões de prescrição, dispensação, quantidade e diversidade de prescritores de diferentes formações; maior adesão aos tratamentos pelos usuários, em resposta às suas mudanças de comportamentos e expectativas. O crescente aumento nos custos com a saúde, sobretudo com os medicamentos, torna-se, portanto, mais alarmante e dramático nos países onde o acesso aos serviços de saúde é universal, como é o caso do SUS. Através da Portaria GM n° 204 (29/01/07) houve a organização e categorização dos recursos para a compra de medicamentos, no Bloco de Financiamento da Assistência Farmacêutica, dividido em três componentes: I. Componente Básico da Assistência Farmacêutica: para aquisição de medicamentos e insumos no âmbito da atenção básica em saúde, através de repasses financeiros às Secretarias Estaduais e/ou Municipais de Saúde ou pela aquisição centralizada pelo MS. II. Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica: financia medicamentos para os programas estratégicos de controle de endemias; todos são adquiridos e distribuídos pelo MS.
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III. Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional: para o financiamento, aquisição e distribuição destes medicamentos, baseados em protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas; os recursos são repassados às Secretarias Estaduais da Saúde para realizarem a aquisição e dispensação dos mesmos. Além do financiamento federal, os Estados e Municípios tem que alocar recursos próprios para a aquisição de medicamentos. Vale salientar que, os valores gastos com os Medicamentos de Dispensação Excepcional são cada vez mais contributivos para a elevação dos custos gerais dos medicamentos. Dados disponibilizados pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo mostram que, da verba destinada à aquisição de todos os medicamentos em 2003, 58% dela, e em 2007, 68% da mesma foi gasta com os 30 medicamentos mais caros fornecidos pelo Governo, seja por via normal (constantes da listagem de medicamentos excepcionais), pela via administrativa estadual ou através da via judicial, sendo esta última, cada vez em números maiores, muitas vezes sem embasamento em protocolos clínico-científicos, principalmente quando prescritos por não especialistas nas doenças para os quais são indicados. É mais que premente a necessidade da mudança de paradigmas e/ou preconceitos mantidos até os dias de hoje, em que os setores público e privado, as evidências teóricas e práticas, a eficiência e a eficácia, o custo e o benefício, a razão e a emoção deixem de ser vistos como antagônicos e passem a se auxiliar, visando uma melhor compreensão dos fatos para as soluções dos problemas. Partindo desse olhar, e diante de tudo o que aqui foi exposto, a Sociedade Paulista de Reumatologia propõe que as Sociedades de Especialidades Médicas, Faculdades de Medicina, Serviços Especializados de Referência e demais centros e profissionais, com notório conhecimento técnico-científico, envolvidos diretamente no estudo e tratamento de pacientes portadores de doenças que necessitem a prescrição de medicamentos de alto custo, em conjunto com os representantes do Ministério e Secretarias Estaduais da Saúde, a urgente criação de Câmaras Técnicas específicas para o estabelecimento de normas regulamentares, sobre este assunto de tamanha magnitude, alicerçadas nas melhores práticas de protocolos clínicos e de diretrizes terapêuticas da medicina baseada em evidências, a fim de dirimir incorreções sobre as diversas interpretações existentes na atualidade, auxiliando o Poder Público em suas decisões. Propomos que as Câmaras Técnicas tenham, em suas formações, elementos participantes e diretrizes funcionais bem estabelecidas, tanto na proporcionalidade como na duração do mandato dos representantes de seus membros, objetivando uma total transparência e imparcialidade, na tentativa de minimizar quaisquer possíveis 4
conflitos de interesses subjacentes, necessitando de regulamentações específicas posteriores, realizadas de forma célere, sem que entraves burocráticos extremados possam interferir e/ou postergar seus surgimentos e funcionamentos efetivos, diferentemente do que vem ocorrendo com a questão do financiamento da saúde pública brasileira.
CONCLUSÕES: a) todo cidadão deve ter seu direito à saúde, como assegura a Constituição Federal, ser tratado e amparado das melhores formas, baseado no princípio da equidade estabelecido pelo SUS; b) os fornecimentos de medicamentos de alto custo devem ocorrer baseados em avaliações criteriosas, alicerçadas em protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas referendados pela boa prática da medicina baseada em evidências, levando em conta, dentre outros, os conceitos de custo-benefício, custo-efetividade e custo“utility”; c) existe a necessidade premente da formação de Câmaras Técnicas, a serem urgentemente regulamentadas, para embasar os setores de regulação, tanto do Ministério quanto das Secretarias de Estado da Saúde e o Poder Público, compostas por profissionais com notória experiência técnico-científica, representantes de cada setor específico das ciências envolvidas com o tema, que tenham imparcialidade e sem conflitos de quaisquer tipos de interesses; d) os custos do setor saúde estão atingindo patamares astronômicos e necessitam ser revistos pela sociedade como um todo, pelos profissionais da saúde, pelas indústrias ligadas à medicina, pelos órgãos governamentais e pelas empresas prestadoras de saúde suplementar, objetivando um entendimento coletivo, na tentativa de encontrar soluções para uma questão extremamente importante e crucial, pois afinal, TODA A SOCIEDADE PAGA ESTA CONTA!
Paulo Roberto Stocco Romanelli Médico Reumatologista Representante da Sociedade Paulista de Reumatologia Coordenador Científico do Dpto. de Reumatologia da Assoc. Paulista de Medicina
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