Economica v5n1 - UFF

MARCOS LISBOA – ROZANE DE S I Q U E I R A • 123 Gastos sociais do governo central Marcos de Barros Lisboa* Rozane Bezerra de Siqueira* * Em nove...
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Gastos sociais do governo central Marcos de Barros Lisboa* Rozane Bezerra de Siqueira* *

Em novembro de 2003, o ministério da Fazenda divulgou o relatório Gastos Sociais do Governo Central, 2001-2002 (BRASIL, 2003). O principal objetivo do documento é prestar contas à sociedade do destino dos recursos arrecadados pelo governo central e gastos em saúde, educação, previdência, programas de transferência de renda e demais atividades da área social. Esses gastos consomem quase 70% das receitas primárias do governo central, enquanto os gastos em outras áreas consomem pouco menos que 19% e o superávit primário, pouco mais que 11%. Além de descrever os gastos sociais do governo central, o documento do ministério da Fazenda discute o impacto distributivo do gasto social no Brasil em comparação com diversos países. Somos um dos países mais desiguais do mundo, e, como mostra o documento, apesar de extrair do setor privado cerca de 36% do PIB em tributos e de gastar mais da metade desses recursos nos diversos programas de saúde, educação, previdência e transferência de renda, o Estado brasileiro não contribui de forma significativa para reduzir essa desigualdade. Nos países desenvolvidos, a ação do Estado é essencial para gerar uma sociedade mais justa e menos desigual. Um dos mais difundidos instrumentos de mensurar a desigualdade é o índice de Gini, que aumenta com a desigualdade de renda. Nos países desenvolvidos, por exemplo, antes da ação do Estado, o índice de Gini é semelhante ao índice de Gini observado nas economias latino-americanos, sendo reduzido em um terço após a arrecadação de tributos e realização das política sociais. No Brasil, ao contrário, as regras para arrecadação de tributos e transferência de * Secretário de Política Econômica, Ministério da Fazenda e professor da Escola de PósGraduação em Economia, Fundação Getúlio Vargas. E-mail: marcos.lisboa @fazenda.gov.br. ** Coordenadora-Geral de Políticas Sociais, Secretaria de Política Econômica, Ministério da Fazenda. E-mail: [email protected]. Econômica, Rio de Janeiro,v.5,n.1,p.123-134, junho 2003-Impressa em fevereiro 2004

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renda, essencialmente, preservam a nossa desigualdade de renda, já elevada em decorrência do restrito acesso a ativos produtivos e financeiros, assim como à educação, de parcela significativa da nossa população. Sem dúvida, o gasto contributivo tem natureza e objetivos diversos do gasto social não-contributivo. A análise detalhada dos gastos contributivos deve incorporar toda a estrutura temporal de contribuições e desembolsos previstos de modo a permitir a mensuração de eventuais subsídios existentes para cada grupo específico de indivíduos. Além disso, a análise consolidada desses recursos requer o detalhamento preciso de todos os grupos específicos e da evolução da estrutura demográfica. Esse trabalho é tão desejável quanto tecnicamente complexo e seria uma grande contribuição uma discussão técnica por parte dos especialistas sobre os modelos disponíveis para esta análise, assim como a discussão quantitativa específica sobre o caso brasileiro. Todavia, é importante ressaltar que, na avaliação do impacto distributivo do gasto social, o gasto contributivo – em particular, com previdência social – também deve ser levado em consideração. Há duas razões fundamentais para isso. Primeiro, embora a racionalidade básica de um sistema previdenciário, assim como dos diversos programas públicos contributivos, não seja redistribuir renda, mas funcionar como um seguro contra choques negativos no fluxo de renda dos contribuintes, o argumento para a provisão pública de uma sistema previdenciário e desses programas envolve elementos de redistribuição progressiva, uma vez que são os indivíduos em situação de maior risco social que, em geral, enfrentam as maiores restrições de acesso aos mercados de crédito e seguro. Assim, é usual nos países desenvolvidos o papel do governo em desenhar e prover, em particular, um sistema previdenciário que permita a inclusão desses indivíduos. Nos países desenvolvidos, os sistemas previdenciários têm uma cobertura virtualmente universal, funcionando como uma verdadeira rede de proteção social. Em geral, isso é alcançado através de sistemas que incorporam um alto grau de solidariedade, promovendo redistribuição de recursos de grupos de renda alta para grupos de renda baixa, e/ou que priorizam a provisão de um seguro básico. No Brasil, a Previdência Social, que absorve mais de 65% do gasto social direto do governo central, cobre menos de 50% da força de trabalho, sendo parte importante do papel preservador da desigualdade de renda no nosso país. RessalteEconômica, Rio de Janeiro, v.5, n.1, p.123-134, junho 2003-Impressa em fevereiro 2004

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se que, enquanto no Brasil os gastos com aposentadorias e pensões representam mais de 10% do PIB, nos países da OCDE, onde a fração de idosos na população é bem mais alta, essa percentagem é em média de 9,7%, sendo bem menor na maioria dos países emergentes. A segunda razão para se considerar os gastos contributivos na avaliação e discussão das ações sociais do governo é o fato de esses gastos serem, em geral, financiados por contribuições compulsórias que, além de produzirem distorções econômicas cujos custos são compartilhados com toda sociedade, afetam as oportunidades e os custos de arrecadação dos fundos que financiam os gastos não-contributivos. Em outras palavras, as contribuições compulsórias reduzem a capacidade de arrecadação por meio de outros tributos. Além disso, o uso inevitável de tributos distorcivos significa que a política social ótima envolve a determinação da combinação apropriada entre seus múltiplos objetivos e instrumentos. Por exemplo, entre a provisão de seguro e a provisão de assistência social. Existem diversas restrições em atender todas as demandas sociais simplesmente expandido quantitativamente o gasto social. As dificuldades e custos associados ao aumento dos gastos governamentais são particularmente restritivos no caso do Brasil. Como enfatiza o relatório da Fazenda, a carga tributária brasileira já é bem superior à de países com renda per capita semelhante à nossa e está no mesmo patamar da carga tributária média dos países da OCDE. Ressalte-se que uma mesma carga tributária pode representar um esforço tributário moderado para uma sociedade e um esforço excessivo para outra, dependendo de suas capacidades tributárias. A capacidade tributária de uma sociedade, ou seja a receita máxima que pode ser extraída dessa sociedade, depende de características tais como: renda total e renda per capita, composição setorial da produção e graus de urbanização, de concentração de renda e de informalização da atividade econômica, entre outras. Por sua vez, o esforço tributário da sociedade pode ser medido pela relação entre sua carga tributária efetiva e sua capacidade tributária. Segundo as estimativas de AFONSO et al. (1998), em 1996, quando a carga tributária brasileira era de 29% do PIB, nosso esforço tributário chegava a 80% da capacidade tributária estimada para aquele ano (de 36% do PIB). Vale dizer que o esforço tributário dos Estados Unidos, cuja Econômica, Rio de Janeiro,v.5,n.1,p.123-134, junho 2003-Impressa em fevereiro 2004

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carga efetiva era de 30% do PIB, foi estimado em apenas 53% de sua capacidade. Tendo em vista o aumento substancial da carga tributária brasileira desde 1996, é bastante provável que nosso esforço tributário tenha se tornado ainda mais intenso nos últimos anos, nos deixando próximos de um esgotamento. Isso se revela, por exemplo, através do aumento da informalidade e das tensões recentes criadas em torno de questões tributárias. Além disso, a desejabilidade de aumentar o nível de gasto público depende de uma comparação dos benefícios que fluiriam do aumento do gasto e dos custos de financiar esse aumento, incluindo a perda de eficiência econômica causada pela extração adicional de recursos do setor privado. Essa perda de eficiência resulta de alterações causadas nos comportamentos dos agentes econômicos pelo aumento da tributação. No caso do imposto de renda, por exemplo, um aumento de alíquota pode provocar distorções não apenas nas decisões de participação na força de trabalho e de horas trabalhadas, mas também nas escolhas de ocupação, de acumulação de capital humano, da forma como a remuneração é paga e dos graus de esforço, risco e responsabilidade que os indivíduos assumem – entre outra decisões que podem afetar a produtividade e a renda de curto e longo prazo dos indivíduos e do país. A magnitude das distorções resultantes do aumento dos impostos depende da composição e dos níveis iniciais das alíquotas e carga tributária. O aumento de um ponto percentual em uma alíquota existente de 30% pode causar uma perda de eficiência que é muitas vezes maior que a perda associada à introdução de um imposto inicial de um ponto percentual. Estudos empíricos oferecem evidência de que, em muitos casos, o custo da tributação adicional em termos de perda de eficiência econômica pode ser maior que o próprio custo direto em termos de receita, ou seja, um real de despesa do governo pode ter um custo total, incluindo a perda de eficiência, que excede dois reais. A título de ilustração, vale mencionar que FELDSTEIN (1995) estimou que financiar gasto adicional do governo americano, pela via de um aumento de 10% nas alíquotas do imposto de renda, envolveria um custo total de 2,65 dólares para cada dólar adicional de gasto do governo.

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Como enfatiza FELDSTEIN (1997), a própria natureza das funções governamentais e dos instrumentos de políticas públicas exigem que a análise do gasto social considere não apenas a medida em que esses gastos atingem seus objetivos declarados mas também sua incidência e custos em termos de eficiência econômica. Visto que há interações inerentes entre as atividades do governo, nenhuma categoria de gasto deve ser excluída de um debate transparente e responsável sobre as prioridades da ação pública. É portanto surpreendente, ao nosso ver, que o debate suscitado pelo documento da Fazenda tenha revelado uma forte sensibilidade à esquerda e à direita à sistematização dos recursos orçamentários destinados ao ensino superior e à contabilização dos grupos de renda que dela se beneficiam. A grande concentração do gasto do governo central no ensino superior está em acordo com a competência delegada pela Constituição Federal. Ao analisar os impactos redistributivos desse gasto, o documento da Fazenda apenas aponta que, como ocorre com o restante dos gastos sociais do governo federal, ele acaba contribuindo para preservar a nossa desigualdade de renda. Segundo dados da PNAD 2002, menos de 3% dos alunos que freqüentam universidades públicas pertence ao quintil de renda mais baixa da população (ou seja, ao grupo dos 20% mais pobres), enquanto 47% dos alunos pertencem ao quintil de renda mais alta, sendo que, na pós-graduação, 85% dos alunos pertencem esse último grupo. Por outro lado, no ensino público fundamental, 41% dos alunos pertencem ao quintil de renda mais baixa e apenas 4% pertence ao quintil superior da distribuição de renda. Ao mesmo tempo, o gasto público por aluno no ensino superior no Brasil é cerca de quatorze vezes maior que o gasto por aluno no ensino fundamental, enquanto, por exemplo, na Argentina, Chile, Coréia, México, Finlândia, as razões entre o gasto público por aluno do ensino superior e o gasto por aluno do ensino fundamental são, respectivamente, 1,4, 1,6, 0,4, 3,9 e 2,3.1 Dessa forma, a política de gasto com educação no Brasil produz distorções relevantes em termos de eqüidade. Embora, na última década, o acesso ao ensino fundamental no Brasil tenha melhorado significaEconômica, Rio de Janeiro,v.5,n.1,p.123-134, junho 2003-Impressa em fevereiro 2004

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tivamente, reduzindo a desigualdade do nível de escolaridade das novas gerações, o Brasil ainda é um dos países da América Latina com o maior índice de desigualdade de anos de escolaridade. Como se sabe, desigualdade em educação está fortemente associada à desigualdade de renda. Estima-se que mais de 40% da desigualdade salarial no Brasil é explicada pela desigualdade de nível educacional. Deve-se ressaltar que a contabilização dos gastos com Universidade Pública não inclui gastos com aposentadorias e hospitais universitários. Os gastos com o pessoal inativo da área de educação (assim como das demais áreas) estão contabilizados no gasto da Previdência Social, e não no gasto com educação. Da mesma forma, as despesas com hospitais de ensino e outras despesas com saúde, realizadas pelo ministério da Educação, foram contabilizadas, no estudo da Fazenda, como gasto com saúde, e não como gasto com educação. De fato, o trabalho realizado sobre gastos sociais procurou ir além da simples contabilização do gasto público por ministério, analisando o destino de cada gasto por área de atuação, sendo então os diversos gastos agregados nas grande áreas apropriadas e evitando-se uma dupla contagem dos gastos públicos. Além disso, procuramos utilizar as diversas bases de dados disponíveis para poder inferir, de forma unificada, o impacto da nossa estrutura fiscal e tributária sobre os diversos decis de renda e onde não havia dados disponíveis, sempre fazendo a hipótese mais otimista sobre o impacto dos gastos e da arrecadação sobre a distribuição de renda, como explicado no documento.2 As questões, porém, mesmo restritas à inclusão social no ensino superior, são mais amplas do que as levantadas pelo debate que se seguiu à publicação do documento da Fazenda. Será que os grupos de maior renda que se beneficiam da universidade pública devem contribuir de maneira mais direta para a qualidade acadêmica das instituições federais, que não são meras máquinas de reproduzir o conhecimento, ou ainda oferecer alguma contrapartida comunitária? Como isso poderia ajudar o Estado a oferecer maior apoio aos grupos de menor renda que chegam ao ensino superior? Esta é apenas uma pequena parcela das perguntas legítimas que decorrem desse debate. Cabe à sociedade, ao Congresso e aos órgãos de governo analisar se a atual estrutura de gastos públicos na área social é Econômica, Rio de Janeiro, v.5, n.1, p.123-134, junho 2003-Impressa em fevereiro 2004

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adequada e, nos casos em que se acredite que alguma reforma seja necessária, discutir de forma transparente e com todas as informações disponíveis as possíveis opções a serem feitas. Somente esse debate poderá aparelhar a sociedade para influir nos usos e destinos dos recursos públicos, em uma proporção que não asfixie o crescimento ou comprometa o controle inflacionário e, ao mesmo tempo, tenha impacto significativo sobre os grupos mais vulneráveis. A nós, do ministério da Fazenda, cabe contribuir para o debate disponibilizando todas as informações necessárias. A análise do impacto da estrutura fiscal e tributária sobre o bem-estar social, entretanto, não se exaure na análise do impacto redistributivo direto dos tributos e das transferências de renda. Essa é apenas a primeira etapa, ainda que fundamental, por se tratar da maior parcela dos recursos públicos, de uma análise da eficácia da ação pública. A escolha democrática e socialmente eficaz do destino dos recursos públicos requer a avaliação do impacto de desempenho relativo dos diversos componentes dos gastos realizados pelo governo, em um quadro comparativo que englobe também programas alternativos não implementados. A avaliação de programas, deve-se ressaltar, não se restringe à mensuração das metas gerais previamente estabelecidas. Os procedimentos adotados devem permitir a avaliação controlada dos impactos diretos de cada programa, medindo os efeitos sobre o público-alvo por comparação com grupos de controle efetivos ou mediante técnicas de simulação de contrafactuais.3 O objetivo desses procedimentos é avaliar os impactos marginais decorrentes da adoção de cada programa específico, o que requer estimar não apenas os indicadores que seriam obtidos caso o programa não fosse adotado, como também os possíveis impactos relativos de programas alternativos. Além disso, devem-se mensurar igualmente os efeitos colaterais, muitas vezes imprevistos, dos diversos programas. A avaliação controlada do impacto dos diversos programas é uma área em que a produção acadêmica no Brasil pode contribuir em muito para a melhoria do impacto da ação pública sobre o bem-estar social. Tratase de um tema metodologicamente bastante complexo e em que existem, adicionalmente, diversas carências de bases de dados. Sobretudo, dada a urgência de políticas sociais efetivas, áreas em que uma avaliação cuidadosa com grupos de controle muitas vezes não é possível, sendo necessários instrumentos ainda mais complexos de avaliação ex ante. O desenEconômica, Rio de Janeiro,v.5,n.1,p.123-134, junho 2003-Impressa em fevereiro 2004

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volvimento dessas metodologias e das bases de dados necessárias seria uma contribuição fundamental para um debate substantivo para aprimorar o impacto da ação pública em uma sociedade em que, apesar de realizar gastos na área social superiores aos observados em outras economias comparáveis, ainda se obtém resultados aquém do observado internacionalmente. Uma política social eficaz em garantir a melhoria dos indicadores de saúde e educação, assim como no atendimento das necessidades básicas dos grupos sociais mais vulneráveis, é essencial para garantir um aumento da taxa de crescimento sustentável da nossa economia, como aponta a literatura internacional. Além disso, políticas que permitam a queda sustentável do custo de financiamento, seja do setor público, seja do setor privado, são igualmente centrais na agenda de crescimento, assim como ações que reduzam os elevados custos de transação e incentivos à informalidade hoje existentes. As taxas básicas de juros de mercado de 360 dias, por exemplo, que no começo de 2003 estavam em cerca de 30% ao ano, refletindo tanto a inflação esperada quanto os elevados prêmios de risco da nossa economia, hoje estão em cerca de 9% permitindo, em 2004, uma queda significativa dos gastos com financiamento tanto do setor público quanto do setor privado. A manutenção da queda do custo de financiamento, assim como das demais ações que permitam maiores taxas sustentáveis de crescimento, passa, para além da política macroeconômica, por um grande conjunto de medidas microeconômicas que induzam não apenas a expansão do crédito e a queda dos spreads bancários, mas também a elevação da produtividade total dos fatores, aspecto central das experiências internacionais bem sucedidas em garantir uma melhoria permanente da renda e do emprego. A literatura acadêmica aplicada sobre desenvolvimento econômico apresentou grande impulso a partir da década de oitenta, sobretudo devido à disponibilização de bases de dados bastante amplas, contendo informações sobre crescimento do produto e sobre características socioeconômicas de mais de uma centena de países para a segunda metade do século XX. Com base nessas informações, podem-se identificar diversas áreas para a atuação das políticas públicas com a finalidade de estimular o crescimento econômico.4 Econômica, Rio de Janeiro, v.5, n.1, p.123-134, junho 2003-Impressa em fevereiro 2004

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Um aspecto importante enfatizado nos trabalhos recentes sobre desenvolvimento econômico é a importância do desenho institucional e legal, tanto para o adequado funcionamento dos mercados quanto das políticas públicas. Instituições – privadas ou públicas – funcionam adequadamente caso o benefício privado de quem toma as decisões – e delas se beneficia – sejam consoantes aos benefícios sociais. A importância do desenho institucional para o crescimento de longo prazo tem sido freqüentemente apontada na moderna literatura sobre desenvolvimento econômico. RODRIK (2003a) aponta que um conjunto relativamente limitado de reformas institucionais pode resultar em significativos aumentos da taxa de crescimento por períodos relativamente longos (aumento no crescimento da renda per capita em 2,5 pontos percentuais ou mais – em relação à média dos cinco anos precedentes às reformas – por um período de pelo menos dez anos). Dentre os fatos estilizados apontados por Rodrik na análise das experiências de crescimento econômico na segunda metade do século passado, destacam-se: i) a combinação de desenhos institucionais relativamente convencionais com desenhos não convencionais; ii) um conjunto específico de reformas adotado em alguns países nem sempre apresenta o mesmo sucesso em outros países; iii) a manutenção do crescimento econômico por períodos mais longos parece requerer uma agenda mais ampla de reformas institucionais do que aquela necessária para deflagrar o ciclo inicial de crescimento. Dessa forma, os ciclos mais longos de crescimento econômico, em geral, são decorrentes do aumento da produtividade total dos fatores, sobretudo em decorrência de reformas institucionais como, por exemplo, no mercado de crédito, que resultam em aumentos da renda e da taxa de retorno das decisões de investimento. Eleva-se assim a taxa de investimento na economia e, como conseqüência, a taxa de crescimento econômico. Essa caracterização é consistente com a evidência empírica recente, que indica a existência de uma causalidade da taxa de crescimento econômico e da produtividade total dos fatores para a taxa de investimento, desencadeando o círculo virtuoso de crescimento econômico5 . Na atual conjuntura, a economia brasileira possui as condições de iniciar uma nova fase de crescimento sustentado, a ser conquistada com base na escolha adequada de políticas públicas e na implementação de Econômica, Rio de Janeiro,v.5,n.1,p.123-134, junho 2003-Impressa em fevereiro 2004

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reformas institucionais. As expectativas otimistas para 2004 têm se consolidado, em muitos casos estando acima das previsões oficiais de crescimento do PIB de 3,5% em 2004, com inflação baixa, em torno de 5,5%, e reduções da curva de juros esperada. Esse quadro é muito diferente daquele previsto por muitos em 2002, e se completa com uma substancial redução da vulnerabilidade externa, com a superação da crise do final do governo passado. É importante aproveitar o impulso que a economia está ganhando para se estabelecerem as bases do crescimento nos próximos anos. O crescimento estimula as decisões de investimento, enquanto que a estabilidade macroeconômica permite que pessoas e empresas se concentrem em planos de médio e longo prazo. Deve-se, portanto, aproveitar, de imediato, a oportunidade para se discutir, em bases serenas e documentadas, as estratégias para tentar assegurar esse crescimento nos próximos anos. E aqui, uma vez mais, a produção acadêmica com fundamentos empíricos e resultados controlados utilizando-se tanto das grandes bases de dados internacionais disponíveis quanto da evidência empírica brasileira é essencial para permitir delimitar as ações mais eficazes, assim como os principais gargalos existentes de modo a garantir não só a superação de mais de duas décadas de baixo crescimento econômico, mas também a nossa histórica desigualdade de renda.

Notas 1

2

3 4

5

Os dados para o Brasil podem ser obtidos na página eletrônica do ministério da Educação. Para os demais países as razões foram obtidas a partir de dados do WORLD BANK (2003). Deve-se mencionar que a nova POF, a ser divulgada pelo IBGE este ano, permitirá uma análise mais precisa do impacto fiscal e tributário sobre a distribuição de renda do que o permitido pelas bases atualmente disponíveis. Veja, por exemplo, HECKMAN (2001a e 2001b). Veja, por exemplo, SALA-I-MARTIN (2002); SALA-I-MARTIN ET AL. (2003); GOMES et al. (2003); DE FERRANTI et al. (2003); RODRIK (2003a e 2003b); JOURNAL OF THE LATIN AMERICAN AND CARIBBEAN ECONOMIC ASSOCIATION (2002, v.3, n.1). Veja BLOMSTROM ET AL. (1996); KLENOW e RODRIGUÉZ-CLARE (1997); HALL E JONES (1999).

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Recebido para publicação em janeiro de 2004.

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