DESVENDAMOS O LADO BOM DO Sexo na televisão

Jornalismo e comunicação 00250 7

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outubro 2009 | ANO 23 | Nº 250 | R$ 9,90

RICARDO BOECHAT: O RÁDIO COMO PONTO dE ENCONTRO INTERNACIONAL: A LUTA DOS rEPÓRTERES SEM FRONTEIRAS

EXEMPLAR DE ASSINANTE - VENDA PROIBIDA

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MÍDIAS SOCIAIS, VOLTA DA CENSURA, FUGA DE ANUNCIANTES: JORNALISMO PASSA POR CRISE SEM PRECEDENTES

RESSURREIÇÃO URGENTE DEVE LEVAR EM CONTA NOVA RELAÇÃO DO PÚBLICO COM A INFORMAÇÃO

suplicy: OUTRaS pautas além da RENDA MÍNIMA 250 Capa externa.indd 1

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Canhotórium

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juANES: O MOTIVO YOANI SANCHÉZ

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visita de um cantor pop a qualquer país deveria ser tema para páginas culturais nos jornais e comentada pelos seus fãs. Mas, no caso do show de Juanes, que ocorreu em 20 de setembro em Cuba, não foi assim. Desde o anúncio de que o colombiano cantaria na Praça Central da Revolução, vivemos um furacão de critérios a favor e contra sua apresentação em Havana. Era notável que o autor de “A Camisa negra” fosse só o pretexto – como em casamentos malresolvidos – para discutir e oxigenar diversas questões acumuladas durante décadas. Uma delas era a política cultural que seguiu o processo revolucionário, vinculando a arte com ideologia e convertendo intelectuais e artistas em soldados de uma “trincheira de ideias”. Por motivos ideológicos se excluiu de dicionários especializados, quadros de aviso, livros e textos das escolas e dos programas televisivos toda alusão a escritores, músicos ou pintores radicados fora da ilha. A frase de Fidel Castro pronunciada em 1961 traçou uma linha divisória: “Com a Revolução tudo, contra a Revolução nada!”, uma referência direta aos limites a serem preservados na produção espiritual da nação. O filtro do politicamente correto causou um impacto negativo em todas as manifestações artísticas, especialmente na literatura e no mundo do

espetáculo. A pior fase dessa caça às bruxas foi entre 1971 e 1975, o “quinquagenário cinza”, que terminou por repelir do país parte dos representantes máximos da escritura e das artes cênicas cubanas, acusados de “traidores” e vendepatrias. Durante anos o efeito nefasto da política sobre a arte constituiu um tabu em nosso país. Uma polêmica intelectual ocorreu em janeiro de 2007, quando figuras públicas falaram pela primeira vez das atrocidades cometidas no passado e anunciaram a necessidade de recompor o panorama artístico da ilha, sem exclusões nem listas negras. Alguns chegaram a pensar que voltariam a escutar a voz de Célia Cruz ou o saxofone de Paquito de Rivera nas rádios, mas, lamentavelmente, esse processo não foi a cabo. Ainda que começassem a surgir opiniões mais abertas contra tal seletividade política. Por isso uma das exigências mais fortes de Juanes para sua apresentação pela paz foi o acompanhamento de músicos cubanos que não podem tocar na ilha. Exilados em Miami e outros que vivem em Cuba opinavam que um verdadeiro espetáculo em busca da harmonia deveria trazer figuras representativas da canção nacional como Silvio Rodríguez e Willy Chirino. Mas o governo não permitiu que a Praça da Revolução – epicentro do poder político – ouvisse vozes distantes da ideologia imperante. A velha fórmula de segmentar a cultura nacional voltou a cair nas mãos dos “mais confiáveis”. Todavia, o jornal oficial Granma publicou uma nota, algo incomum, em que explicava que seria uma apresentação sem slogans políticos. Ao menos seria um show romântico, ainda que se notassem os ausentes. Apesar disso, o povo continuaria a lembrar de todos que foram expulsos do panorama musical cubano e de suas conquistas artísticas, cantarolando suas famosas canções.

O filtro do politicamente correto causou um impacto negativo em todas as manifestações artísticas, especialmente na literatura e no mundo do espetáculo

Filóloga, é editora e articulista do portal Desde Cuba, autora do blog Generación Y, ganhadora dos prêmios Ortega Y Gasset e The Bobs e uma das cem pessoas mais influentes do mundo em 2008, segundo a revista Time (www.desdecuba.com/generaciony).

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MORTE ANUNCIADA SINTOMAS DIVERSOS INDICAM A FALÊNCIA DE UMA DAS MAIS VALIOSAS INSTITUIÇÕES DA SOCIEDADE MODERNA; SUA REINVENÇÃO URGENTE PODE, NO ENTANTO, SALVAR O JORNALISMO POR PAMELA FORTI

EDITOR-EXECUTIVO

POR ANA IGNaCIO DA EQUIPE DE ESTAGIÁRIOS

Lição de Anatomia do Dr. Nicolas Tulp (Rembrandt van Rijn, 1632) | Museu Mauritshuis

DA REPORTAGEM

POR IGOR RIBEIRO

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Lição de Anatomia do Dr. Nicolas Tulp (Rembrandt van Rijn, 1632) | Museu Mauritshuis

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leitor que agora pega em suas mãos a revista IMPRENSA deve se perguntar por que uma publicação dedicada ao jornalismo e à comunicação decreta a morte de sua principal fonte de trabalho. São muitos os sintomas que apontam uma falência múltipla de órgãos jornalísticos: fim da Lei de Imprensa, desregulamentação do profissional diplomado, crescimento vertiginoso das mídias sociais, queda nas circulações de impresso mundo afora, migração de verbas publicitárias, cerceamento jurídico da liberdade de expressão, influência do Estado nos meios de comunicação... Se há um futuro incerto à espreita, um “novo jornalismo” precisa ser criado. “O jornalismo como hoje o conhecemos está perdendo terreno para a mídia pessoal e para a internet”, afirma Derrick de Kerckhove, discípulo e herdeiro intelectual de Marshall McLuhan. O direito à informação, portanto, deixa de estar na esfera dos desejos e das garantias legais para sentar-se cada vez mais perto do cidadão comum. A fortaleza bem-estruturada da entidade jornalística – de onde a intelligentsia costumava observar um reino próspero e intocável − dá sinais de ruínas há tempos. Hoje, todos querem e podem derrubar seus muros. “Mais e mais pessoas procuram customizar suas fontes de informação, por meio de bancos de dados personalizados”, explica o pesquisador belga. É inadiável a necessidade de a mídia tradicional se repensar. Grandes meios de comunicação relevam esse debate desde o estouro da famosa “bolha da internet”, na virada do século, quando empresas de comunicação relaxaram e perderam uma boa oportunidade de rever conceitos e reestruturar-se. Segundo o historiador e jornalista estadunidense Daniel Gross, a bolha também trouxe efeitos positivos: popularizou o e-mail, impulsionou o Google e permitiu a revolução global nas comunicações. “O desafio agora é ir em frente de modo que seja produtivo e se evite cair nas velhas armadilhas do passado”, sugere Andrew Keen, autor do livro “O Culto do amador”, conhecido por alertar sobre os prejuízos que a torrente digital pode trazer. As tecnologias de informação são as responsáveis centrais por um horizonte que, antes de parecer tenebroso, deve ser observado como uma conquista democrática. Para além da internet, diversos outros fatores ajudam a embaralhar a questão. A seguir, examinamos sete desses sintomas que indicam o fim da mídia tradicional. Questões que

devem servir de reflexão aos comunicadores e à sociedade. Do contrário, não só estaremos assistindo ao fim agonizante do jornalismo, como estaremos assinando nossa certidão de óbito.

“Consumidores querem pagar menos por conteúdo” A humanidade passa por um dilúvio informacional: notícias, reportagens, análises, críticas e toda espécie de conteúdo estão cada vez mais acessíveis, nas mais diversas plataformas. Nesse contexto o jornalista deveria ser fundamental, afinal é especialista em apurar, escrever, editar e publicar conteúdo. “De nada adianta eu despejar sobre o leitor milhares de informações sobre um fato se ele não tem tempo de organizá-las e torná-las úteis”, pondera Ciro Marcondes Filho, professor titular da ECA-USP. O leitor médio, no entanto, parece ligar cada vez menos para isso. Empresas de comunicação estadunidenses veem circulação e audiência caírem, incluindo gigantes como Gannett Company e Time Warner. Os poderosos grupos Le Monde (França) e BBC (Reino Unido) são exemplos europeus de crise drástica nas receitas. No Brasil, enquanto diários gratuitos distribuídos nos semáforos fazem sucesso, jornais mais tradicionais encolheram 5% em 2009, depois de anos de incremento da circulação. A recessão global teve efeito sobre esse panorama, mas sua mistura aos conteúdos gratuitos na internet virou um indigesto coquetel. Alguns grupos de comunicação se esforçam para se adaptar. No Brasil, o Grupo Estado não só deslocou parte da equipe para debater a questão como veiculou uma campanha de marketing cujo mote é o valor do conhecimento, uma iniciativa que voltou a atrair assinantes. “O jornalismo com qualidade atrai leitores independentemente do que ele vê em outros meios. É preciso buscar a singularidade. No meio desse mundo babélico, o jornal é um farol para os leitores”, garante Roberto Gazzi, editor-chefe de O Estado de S. Paulo. O New York Times, cuja receita negativa tem preocupado investidores, promove uma sala de discussão on-line, o Insight Lab, para saber a opinião do público sobre a cobrança de conteúdo na rede e sobre o futuro dos diários. Em setembro, o Google anunciou um estudo com a Newspaper Association of America para lançar um serviço de micropagamentos por conjunto noticioso da internet. “Talvez

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seja do interesse dos veículos em vez de vender a assinatura, o conteúdo inteiro, vender sob demanda”, diz Felix Ximenes, diretor de comunicação do Google Brasil. Seria uma espécie de iTunes jornalístico, eco do conceito defendido pelo editor-chefe da Wired Magazine, Chris Anderson, em seu livro recente “Free”: alguns consumidores pagariam por conteúdo ou serviço premium, o que tornaria viável a veiculação ou fornecimento da parte gratuita. Uma pesquisa recente da paidContent:UK revelou, no entanto, que apenas 5% dos internautas consultados pagariam por conteúdo e, desses, 53% preferem assinatura a micropagamentos.

LIÇÃO DE ANATOMIA EXTRA! COMPRE NOTÍCIA! O amplo acesso às tecnologias de informação banalizou o preço da informação. Prováveis soluções implicam cobrança de conteúdo on-line e melhorias nos departamentos comerciais de web.

“Mídias alternativas atraem mais publicidade” A propaganda vem tentando chegar aos consumidores de maneira mais inusitada e enfática, com campanhas bellow-the-line, marketing direto e estratégias virais, por exemplo. São opções que têm repartido a verba de mídia com a veiculação em TV e impresso. “Hoje a publicidade não tem limite. Supermercados, balão, cartaz em bicicletas, avião passando na praia... São milhões de mídias alternativas”, explica Cecília Mattoso, pesquisadora e professora da ESPM-RJ nas cadeiras de comportamento do consumidor, marketing, marcas e comunicação. O fantasma da fuga de receita publicitária do jornalismo ainda não é tão assustador. Segundo medição do Ibope Nielsen Online, em 2008 a TV aberta ainda era a imbatível campeã em arrecadação, com 50% do mercado brasileiro (R$ 29,8 bilhões), seguida por jornais (25%), revistas (9,3%) e TV por assinatura (8,1%). A internet teve só 2,7% do total e sobraram menos de 4% para todas as outras plataformas (rádio, guias, out-of-home, cinemas etc.). Mas é crescente o avanço do investimento em internet e mídia alternativa: dados da Inter Meios indicam que a receita digital cresceu 44% no ano passado em relação a 2007, o maior salto entre seus pares. O Google estima ter distribuído em 2008 cerca de 5 bilhões de dólares mundo afora através de seu AdSense, aplicativo que gera receita publicitária para sites. As verbas de propaganda que ajudam a manter TV e impresso podem não continuar tão gordas se as empresas não se adiantarem a essa migração. “Há um universo enorme de novas possibilidades de publicidade on-line para as quais os veículos não atentaram ainda. Isso tem menos a 28

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MEU MUNDO É DIGITAL Forma-se uma geração que se interessa muito mais em baixar música na internet do que em ler notícias. A mídia deve voltar a sensibilizar esse público e a mediar suas demandas.

O ESTADO SOU EU Não há lei, mas há juízes. E liminares que categorizam censura prévia. A falta de união e de postura enfática diante do Estado fragiliza a imprensa e fortalece a opinião do governo entre a população.

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DO DOUTOR GUTENBERG EU VENDO ONDE É BOM Espaços comerciais variados e mais interessantes atraem anunciantes do jornalismo. Formatos diferenciados e produtos mais customizados podem ser boas saídas.

NINGUÉM ME DÁ BOLA A mídia faz seu trabalho e, de vez em quando, até esperneia – mas parece não cativar tanto o público como antes. Novas formas de mobilizar a opinião pública devem entrar na pauta jornalística.

JORNALISMO COM RISADAS Formatos jornalísticos tocados por comediantes e artistas são sucesso comercial. A questão é saber se o conteúdo produzido gera conhecimento relevante e, em caso positivo, se isso é uma ameaça ou um novo alerta de mudança.

DATA VENIA, JORNALISTA... Fim repentino da Lei de Imprensa e do diploma obrigatório agita os legisladores. Mas outras questões legais se fazem mais prementes, como o monopólio da comunicação, as concessões de radiodifusão e restrições ao uso da internet.

Ilustração: Gus Morais

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Gilson Oliveira | PUC-RS

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ver com jornalismo do que com a atividade comercial e publicitária”, diz Ximenes. Cecília concorda que o mercado ainda prescinde de bons profissionais e departamentos especializados. Há ainda a disputa interna por publicidade, em TVs abertas, por exemplo, entre conteúdo jornalístico e entretenimento. “Se fala que a publicidade se diversificou muito e depende cada vez menos do conteúdo jornalístico. A disponibilidade de horários entre as atrações de entretenimento seria, segundo esse viés, mais atrativa para anunciantes”, aponta Henrique Casciato, diretor comercial do SBT. “O break comercial está perdendo muito do interesse que as pessoas tinham. O excesso de informação cansa o consumidor”, acrescenta Cecília. A permanência maciça de publicidade entre as notícias pode durar, portanto, só enquanto anunciantes não perceberem que estão chateando o consumidor mais do que o atraindo.

“Jornalismo está virando entretenimento” Atrações como “Pânico na TV” e “CQC” demonstraram que humor travestido de reportagem jornalística atrai muita audiência e, consequentemente, anunciantes. “A matéria-prima do humor do ‘CQC’ são fatos jornalísticos que garantem sempre um assunto novo, uma polêmica. Não tenho dúvida de que humor é o que atrai. Nosso cartão de visita é a risada para passar informação”, declara o repórterhumorista do programa da Band, Danilo Gentili, que não é formado em comunicação social. “Eu era publicitário. Mas hoje em dia todo mundo é jornalista”, brinca. Gentili admite que tem preocupação crescente com o lado noticioso de seu trabalho. Também se preocupam cada vez mais com produção jornalística as revistas eletrônicas da TV aberta, cuja pauta costuma abordar moda, culinária, celebridades e comportamento. “A ferramenta 30

da informação é uma estratégia muito grande para que a gente atraia o espectador. Qualquer coisa que acontece, a gente sobe no helicóptero e dá informação em tempo real”, sintetiza Vildomar Batista, diretor artístico da Record e do programa “Hoje em Dia”, que tem reforçado a cobertura de notícias. Essa tendência pode ser lida de duas maneiras: a diversidade de temas e perfis é elementochave para atingir públicos distintos e conquistar altos índices de audiência; ou a legislação brasileira exige que 5% da grade de programação das TVs abertas seja jornalística. Mas essa exigência de 1962 é uma herança excepcional − a lei parece exigir cada vez menos do moribundo jornalismo.

“O jornalismo perde suas bases legais” Lei de Imprensa e obrigatoriedade do diploma de jornalismo são pautas que circulavam, em suas mais variadas formas, na agenda dos três poderes há tanto tempo que pareciam desacreditadas. De repente, entre maio e junho deste ano, o STF derrubou ambas. “Há uma crise geral. Há a indústria de liminares, há a figura do promotor público com poderes amplos; há os vazamentos criminosos de inquéritos sigilosos, há o fim repentino da Lei de Imprensa... É um grande número de disfunções, na Justiça e na imprensa”, lamenta o jornalista e cientista político Bernardo Kucinski. A queda do código de 1967 foi pouco contestada, mas muitos se sentiram desamparados. “Em ‘A Insustentável leveza do ser’, de Milan Kundera, Teresa vivia subjugada pelo marido e, no dia em que se livrou do jugo, sentiu falta daquele peso que lhe arqueava as pernas. Acontece o mesmo com a Lei de Imprensa: tinha-se um peso em cima do qual agora sentem falta”, compara o deputado federal Miro Teixeira (PDT), um dos autores da ação que pediu a extinção da lei. Há quem conte com a aprovação de um texto substituto no Congresso. “Estamos no meio do que poderia ser um novo marco regulatório da comunicação brasileira. As empresas têm esse entendimento de que precisam de uma legislação mínima”, diz Guto Camargo, presidente do Sindicado dos Jornalistas de São Paulo e a favor do debate em torno do Conselho Nacional de Jornalismo, ideia rechaçada pelo setor privado, que deve voltar à pauta na conferência nacional do setor (veja reportagem à pag. 34). A ausência da lei de 1967 – e a discutível fragilidade que a questão do direito de resposta teria

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“Aumenta a tutela do estado sobre a informação” O Estado brasileiro se situa entre dois modelos de gestão que influem diretamente no negócio da comunicação. Um é reflexo da agenda neoliberal, que saiu estremecida após a crise financeira; o outro é o populismo de esquerda, que tem se fortalecido na América Latina. Ao ceder às exigências do grande empresariado do jornalismo sem pestanejar, o governo age como um; mas ao ampliar seus braços comunicativos e fazer vista grossa a ações judiciais que remetem à censura, age como outro. Os governos vizinhos de Hugo Chavez, Rafael Correa, Evo Morales e Cristina Kirchner têm estremecido a liberdade de expressão no continente ao entrarem em conflito com grupos como RCTV, Globovisión, Teleamazonas, La Prensa e Clarín (veja reportagem à pág. 35). No Brasil, chamam a atenção casos como as liminares da família Sarney contra o Estadão e do desembargador Rubem Cunha contra o jornal A Tarde. “É pior do que a censura da ditadura, que era caso de polícia. Na democracia estamos experimentando a censura disfarçada, traves-

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Bruno Veiga

sem sua vigência – parece ser o menos preocupante. O fim do diploma causa maior agitação. “Essa petição tem origem suspeita e é moralmente contestável”, afirma Maurício Azedo, presidente da ABI, referindo-se ao recurso extraordinário interposto que acabou com o diploma. Uma série de parlamentares – Teixeira entre eles – apresentaram PLs e PECs para tentar evitar prováveis prejuízos, como falta de qualificação profissional, garantia de sigilo de fonte, redução do piso salarial e sucateamento de direitos trabalhistas. Embora essas duas questões sejam as mais populares do momento, o tema possui um arcabouço legal menos conhecido, porém mais digno de contestação. “Esse negócio de diploma é secundário. Há questões muito mais sérias para serem debatidas de que pouco se fala”, afirma Eduardo Ariente, mestre em direito pela USP e professor de deontologia e legislação do jornalismo na ECA. Ele se refere a polêmicas como o monopólio dos meios de comunicação, concessões de rádio e TV, participação de políticos em veículos de comunicação, legalização de rádios comunitárias e restrições à liberdade de expressão digital. “Os grandes meios de comunicação se beneficiam de leis que têm de ser modernizadas. Eles fazem o que querem, e o governo não toma medidas eficazes”, diz Ariente.

larry rohter

Derrick de Kerckhove

tida de legalidade, por decisões judiciais”, declara Teixeira. Kucinski discorda: “O que há nesses países é um conflito agudo entre duas estruturas pouco democráticas: de um lado governos reformistas de cultura revolucionária ou autoritária, de outro uma mídia de cultura autoritária, antirreformista e golpista. Se existe algum processo sistêmico de censura na imprensa brasileira, é o exercido pelos donos dos jornais e seus editores”, analisa. Larry Rohter, ex-correspondente do New York Times no Brasil – que ficou famoso ao receber uma ordem de expulsão, posteriormente revogada, do presidente Lula –, acredita que sempre fará parte da profissão lidar com intransigências dos governantes. “Acho que sempre existiu uma tensão entre a nossa responsabilidade como jornalistas em informar o público e o desejo de um governo em controlar o fluxo de informação. O jornalista tem que aprender a viver com isso”, diz. Outra influência do Estado sobre o noticiário é o seu vínculo com veículos de comunicação. O projeto Donos da Mídia registra, no Brasil, 271 políticos que são sócios ou diretores de 324 veículos de comunicação. Esse contato entre político e eleitor tem ocorrido mais diretamente por meio das mídias sociais. Segundo o site Politweets, 165 políticos brasileiros possuíam perfis no Twitter até o fechamento desta edição, com 264.593 seguidores. “Isso não é nenhuma tendência, mas um fato bem consolidado. Agora, ter Blog do Planalto, da Petrobras ou do PSDB não quer dizer transparência. Um governo publicar informação não o torna mais transparente”, analisa Eduardo Graeff, tesoureiro do PSDB.

“A imprensa não é mais protagonista” A mídia sempre teve papel de destaque na história do país. Desde a discussão política que levou à Independência, a imprensa foi determinante em

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nismos”. Tantas tecnologias e formatos de comunicação estariam paradoxalmente dispersando o poder de informação. “Os jornais perdem um pouco a relevância porque ainda temos uma convivência incerta com as plataformas, então um meio acaba canabalizando o outro”, avalia Josemar Gimenez, diretor de redação dos jornais Estado de Minas e Correio Braziliense. Outra explicação seria o desenvolvimento da democracia, que faz a imprensa dividir com outras instituições o poder de mediação e representação pública. “O jornalismo vem perdendo sua função mediadora por fatores próprios, embora ligados ao surgimento das novas mídias. À medida que exacerbou seu alinhamento ideológico, o jornalismo foi perdendo legitimidade para mediar”, explica Kucinski. Atento a esse desvanecimento, O Globo lançou em setembro a campanha “Nós e você. Já são dois gritando”, cujo objetivo é estimular a movimentação de leitores por melhorias sociais. Resta esperar que mais gente se junte aos “dois”.

“A população não responde à mídia” andrew keen

vários episódios: proclamação da República; campanha de Carlos Lacerda contra Getúlio Vargas; postura ora legalista, ora resistente durante a ditadura; campanha pelas Diretas Já; eleições de Collor e seu subsequente impeachment; denúncias do mensalão. Mas a falta de assertividade nos recentes escândalos envolvendo o Congresso leva a crer que sua credibilidade perante a opinião pública anda abalada, como reforçou o deputado Sérgio Moraes. “A imprensa brasileira tradicional não tem cumprido o papel de informar a realidade aos brasileiros”, alerta Rosane Bertotti, secretária nacional de comunicação da CUT. A falta de conflito de interesses seria um dos motivos desse céu de brigadeiro. “Durante o regime militar a imprensa estava visivelmente de um lado oposto ao do poder e isso não existe e não precisa existir hoje”, pondera Ricardo Stefanelli, diretor de redação do Zero Hora. Antonio Hohlfeldt, professor da faculdade de comunicação da PUC-RS, discorda: “O processo de impeachment da governadora Yeda Crusius, por exemplo, foi aceito porque a imprensa cobriu e alimentou o caso com informações novas. Acho que a imprensa repartiu protago32

O abaixo-assinado contra o projeto de lei do senador Eduardo Azeredo (PL) que versa sobre crimes cibernéticos reuniu mais de 140 mil assinaturas na rede. A campanha condena partes do texto que cerceariam a liberdade de circulação na rede e teve pouca adesão do jornalismo tradicional. É difícil definir por que a imprensa defende com mais ou menos força certos temas, mas é natural que ameaças à internet incomodem e mobilizem mais enfaticamente quem usufrui dela – embora a maioria dos internautas, como a população em geral, não costume expor suas reivindicações espontaneamente. “Os usuários sabem brincar, apostam no lúdico da internet, não querem ter esforço. Como diz o Gonzaguinha, eles só querem ser felizes”, analisa Marcondes Filho. A campanha “Fora Sarney”, por exemplo, foi um sucesso... no Twitter. Em finais de junho chegou a gerar na rede mais de 10 mil mensagens em uma única hora e ser mais comentada que a morte de Michael Jackson, mas nas ruas de São Paulo reuniram-se cerca de cem pessoas e em Brasília, 200. “Esperava mais gente nas ruas, mas acredito que demos um grande passo no sentido de conscientizar e chamar a atenção para o assunto”, reflete Cristiano Casagrande, assessor de mídia digital

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felix ximenes Eustaquio Soares | Estado de Minas

que registrou a movimentação em seu blog. “Antes talvez os veículos tradicionais fossem os únicos mobilizadores; agora são apenas os de mais peso influenciados pela história. Mas há cada vez menor necessidade de mediadores”, atesta Stefanelli. Manifestações nascidas e fortalecidas no ambiente digital atraem menos a atenção das mídias tradicionais? “Eu tenho a impressão de que temos acompanhado um aumento da criminalização dos movimentos sociais”, denuncia Augusto Chagas, presidente da UNE, em referência ao esvaziamento da agenda popular nos jornais e na TV. Segundo Andrew Keen, o isolamento digital também afunila a compreensão de realidade da maioria dos internautas. Usufruindo de fontes restritas e relacionadas às preferências pessoais, a desinformação tende a aumentar, e o desejo por mudança, a diminuir. “Se as pessoas acham que podem se informar consistentemente apenas lendo o que se passa na internet, sem procurar informações de qualidade, elas estão se enganando”, provoca. “Não é culpa da internet, mas um reflexo de outros problemas da sociedade. A rede só amplifica isso, acelera e coloca em real time”, conclui Andrew Keen.

josimar gimenez

Um novo jornalismo Apesar do ceticismo, Andrew acredita que os desenvolvedores de web poderiam pensá-la de maneira mais conciliatória: “A internet tem que criar mecanismos nos quais as pessoas possam se encontrar e dividir conhecimentos apesar de suas crenças e teorias serem diferentes”. O renascimento do jornalismo talvez dependa da percepção dessa realidade, criando uma nova interface de acordo com o que espera o consumidor. A profissão em si continua respeitada. Uma pesquisa divulgada em julho pelo Ibope Inteligência, encomendada pela revista Seleções (cuja matriz estadunidense pediu concordata em agosto), mediu a confiança dos brasileiros nas suas instituições, e o jornal foi apontado como o mais confiável, com 60% de votos, mais que a Igreja (57%), as multinacionais (53%) e o governo (22%) – a TV tem a confiança de 45% dos entrevistados. Mas tal credibilidade não se mostrou suficiente para manter audiência e leitores. “Não estamos em um bom momento, precisamos recuperar nosso valor e isso vai acontecer com empresas de comunicação fortes, independentes, grandes reportagens, matérias consistentes. Não tem como ficar do jeito que está”, lamenta Gimenez.

Ideias circulam aos montes. No exterior, além da cobrança por conteúdo on-line, discute-se a transformação de grandes empresas de comunicação em fundações sem fins lucrativos. A convergência total de meios também é observada como o futuro provável, ainda que o hábito de ler jornal e ver TV sejam muito enraizados. Novas formas publicitárias devem privilegiar a web, e as possibilidades interativas da TV digital animam os departamentos comerciais. Interatividade, aliás, é palavra de ordem. “O jornalismo sempre foi muito bom em comunicar, mas talvez nem tanto em ouvir o seu leitor. E a sociedade está aí, querendo participar”, diz Ximenes. A reformulação do malfadado modelo de negócio passa, necessariamente, por questões delicadas, como educação, legislação, relação comercial, sustentabilidade, quebra de monopólio e transparência empresarial, entre outros. É uma transformação complexa, mas urgente. “O jornalismo vive continuamente se reinventando. É de sua natureza. Como o de todas as coisas vivas”, reitera Marcondes. O maior problema do jornalismo talvez resida no fato de que, nesses tempos digitais, a reinvenção ocorre em real time.

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