APRENDENDO NA DIVERSIDADE: IMPLICAÇÕES EDUCATIVAS Rosa Blanco A exposição terá três partes. Em primeiro lugar tratarei sobre o conceito de necessidades educativas especiais e as diferenças entre integração e inclusão, porque sinto que incorporamos muito rápido esses termos à linguagem, mas muitas vezes só estamos mudando o rótulo, o nome, para continuar chamando de diferentes formas a mesma coisa. Por isso acredito que vale a pena abordar um pouco a conceituação que supõe as necessidades educativas especiais e que diferenças existem entre integração e inclusão. E finalizarei com as condições que devem existir para se conseguir o desenvolvimento de escolas inclusivas; embora Álvaro Marchesi, em sua excelente exposição, tenha abordado esse tema, iremos aprofundá-lo no dia de hoje. I Em relação ao conceito de necessidades educacionais especiais, acredito que é importante que partamos do papel da escola, da educação escolar. A educação escolar e a escola, diferentemente de outro tipo de educação (familiar, por exemplo), tem como importante finalidade promover, de forma intencional, o desenvolvimento de certas capacidades, a apropriação de certos conteúdos da cultura que são fundamentais para que as pessoas depois se tornem membros ativos dessa cultura, o que se chama, no Brasil, Construção de Cidadania. Como aponta Álvaro Marchesi, com essa finalidade a escola encontra-se perante um duplo desafio: conseguir que todos os meninos e meninas de um país adquiram essas bases da cultura que lhes permitam inserir-se com maior igualdade de condições e, ao mesmo tempo, conseguir conciliar as diferenças individuais; conseguir que todos os meninos e meninas tenham acesso a essa aprendizagem básica, respeitando as diferenças culturais, sociais e individuais. Acredito que este é um desafio que não é fácil de se resolver na prática. 1- Adaptação realizada a partir da transcrição da Conferência "Aprendendo em la Diversidad: Implicaiones Educativas", apresentada no III Congresso Iberoamericano de Educação Especial (Foz do Iguaçu - PR, 4 a 7.11.98). 2 - Rosa Blanc Guijarro nasceu na Espanha. É licenciada em Ciências da Educação, com doutorado em Psicologia Evolutiva da Aprendizagem pela Universidade Autônoma de Madri. Atua junto ao Escritório Regional de Educação para América Latina e Caribe - OREALC, da UNESCO, em Santiago do Chile. É Especialista em Necessidades Educativas Especiais, Educação Infantil. Currículo e Inovação Educativa. Coordenou, em Foz do Iguaçu, de 2 a 4.11.98, a III Reunião Regional de Dirigentes de Educação Especial e dos Conselhos Nacionais de Portadores de Deficiência da América Latina e do Caribe - Acompanhamento do Marco de Ação de Salamanca, patrocinada pela UNESCO Então, nesse sentido, poderíamos falar de um contínuo de necessidades especiais. Existem certas necessidades educacionais comuns que todos os meninos e meninas compartilham. São aquelas aprendizagens que, no geral, são expressas no currículo

não oficial de cada país e são, via de regra, compartilhadas, constituindo referencial de educação de todo menino e menina, esteja onde estiver e seja qual for sua condição social, cultural e pessoal. Mas todos sabemos que cada menino e menina chega na escola com uma bagagem pessoal própria. Todos eles sobem no "trem" do aprendizado com uma "bagagem" particular, com suas próprias crenças, com sua visão do mundo, sua cultura de referência, em alguns casos sua própria língua, diferente da que é usada na escola, com condições pessoais diferentes, com interesses distintos, com capacidades distintas. Essa é a "bagagem" da qual temos que partir, se queremos realmente que progridam na aprendizagem. E essas seriam as necessidades individuais que também todos esses meninos e meninas têm. As diferenças são inerentes ao ser humano e, na diferença ou na diversidade, não estão somente as minorias ou as crianças com deficiências. Essa seria, talvez, a diversidade mais marcante. Todos somos diferentes. Às vezes se entende errado o conceito de diversidade, porque falar de diversidade é falar de coletivo e, no interior desse coletivo, também existem muitas diferenças individuais. Uma criança surda não se iguala a outra. Ou seja, as diferenças são uma condição inerente a qualquer ser humano. No geral, todo professor e professora conhece muitas estratégias para dar resposta a essas diferentes necessidades que se encontram em sala de aula. No entanto, existem algumas necessidades individuais que não podem ser resolvidas pelos meios que os professores conhecem para dar resposta a essas diferenças. Existem necessidades educacionais individuais que requerem uma série de recursos e apoios de caráter mais especializado. E aqui estaríamos falando já de necessidades educacionais especiais, quando existem necessidades que requerem que se proporcione ao aluno uma série de meios de acesso ao currículo. Uma criança com uma deficiência visual não teria por que ter problemas para aprender matemática, linguagem, ciências, se lhe fosse ensinado o Braille e lhe fossem proporcionados materiais específicos. Esses meios de acesso lhe abrem a porta para progredir no currículo escolar. Mas existem algumas necessidades que requerem modificações no próprio currículo. Existem meninos e meninas que requerem que se lhes dê mais tempo para aprenderem determinados objetivos ou conteúdos. Algumas vezes é necessário introduzir conteúdos que não são necessários para os outros colegas, mas são necessários para ele individualmente. Em alguns casos esses alunos podem ter acesso aos mesmos conteúdos trabalhando-os em diferentes graus de complexidade; em outros, o que temos que fazer é procurar estratégias de ensino um pouco diferentes para que atinjam seus objetivos. Existem necessidades educacionais que justificam a modificação do contexto onde a criança se desenvolve e aprende. Nesse caso, deve-se modificar a prática educativa, a organização da escola, da sala de aula, e também deve-se ter muito presente a importância do clima afetivo ou emocional para que o aluno aprenda e se desenvolva adequadamente. Vemos que as necessidades educacionais especiais não se definem pela origem do problema: definem-se pelo tipo de resposta educativa e pelo tipo de recursos, de ajudas que se deve proporcionar. Nesse sentido, até agora, só as crianças com deficiência pareceriam ter direito a esses recursos e ajudas especiais. No entanto, a nova idéia é que o conceito de necessidades especiais abra um leque muito mais amplo e que "necessidades especiais" não seja sinônimo de "deficiência". Eu sinto que fomos substituindo termos. Se substituiu incapacidade por deficiência, quando são coisas diferentes. Os meninos e meninas com deficiência são, provavelmente, crianças com necessidades educativas especiais, mas há muitos outros meninos e meninas que embora não sejam portadores de deficiência, por

motivos diversos têm necessidades especiais que requerem um ensino um pouco diferenciado. Portanto, o conceito de necessidades especiais é mais amplo, e engloba mais alunos e não somente aqueles com deficiência. Trata-se de um tema importante, porque, às vezes, falamos de necessidades especiais para nos referirmos à deficiência, e não há nenhum problema de se referir à deficiência, pois não se trata de uma questão de terminologia ou de linguagem: é uma questão de mudar conceitos e práticas. E também não devemos chegar ao extremo: o fato de falarmos de necessidades especiais não implica deixarmos de falar em deficiência; necessidades especiais explicam, em parte, o problema do desenvolvimento da aprendizagem, e isso não podemos esquecer. A deficiência, por sua vez, não define a essência da pessoa, não define o que essa pessoa é em sua totalidade, não explica totalmente o nível de desenvolvimento de aprendizado. Deficiência é mais uma condição da pessoa. Às vezes, parece que quando dizemos "uma pessoa cega", estamos explicando tudo o que a pessoa é e todo o seu desenvolvimento de aprendizagem, e isso não é assim. Costuma-se dizer que as necessidades especiais são dificuldades de aprendizagem ou defasagens das crianças com relação ao currículo que lhes corresponde a idade. Em uma recente reunião da UNESCO, com todos os responsáveis pelos Ministérios de Educação, estivemos refletindo sobre a necessidade de começar a falar mais em "necessidades especiais de ensino" e não tanto de "dificuldades de aprendizagem", porque isso implica que se continuamos falando de dificuldades de aprendizagem, estamos centrando o foco na criança e a idéia é ver como modificamos o sistema educativo e a resposta educativa para daí acolher toda essa diversidade que temos nas salas de aula. O conceito de necessidades educacionais especiais também tem um caráter interativo. Essas necessidades são relativas, mutantes: algumas crianças as têm maneira transitória; outras, de maneira mais permanente. Mas temos observado que esse conceito de necessidades especiais transitórias não se dá na prática. Quando se põe um rótulo, do tipo que for, ele se mantém. Isto é, crianças que podem ter uma necessidade especial transitória, ainda que já a tenham superado, continuam sendo vistas como crianças com necessidades especiais durante toda a sua vida escolar. II Veremos agora o conceito, a diferença entre integração e inclusão. Sinto que faz muito pouco tempo que só falávamos de integração, inclusive em Congressos desse tipo o título sempre era integração, e agora se fala de inclusão. Também sinto que se está substituindo o termo inclusão pelo de integração como se fosse a mesma coisa, e não é assim. A integração surgiu há muitos anos, na década de 60, em muitos países, e a integração está relacionada, diretamente, com as crianças com deficiência. Foi um movimento que se deu em uma época de uma grande movimentação social e civil, de luta por direitos, especialmente dos mais desfavorecidos. O que a integração busca é dar resposta a estas questões: Como incorporar, na educação geral, meninos e meninas com deficiência que, durante muitos anos, têm estado em um sistema segregado, paralelo, totalmente diferente? Como ir incorporando esses meninos e meninas à escola comum? E é um movimento que surge, principalmente, por uma questão de direitos, por uma questão de justiça e igualdade. O direito desses meninos e meninas a uma educação num ambiente o mais normalizador

possível e com seus pares. Portanto, a integração está ligada aos meninos e meninas com deficiência, e tem sido promovida pela Educação Especial. Portanto, é um termo muito mais restrito que Inclusão. Ainda mais: dá-se o interessante paradoxo que temos visto em alguns países da América Latina: por um lado, estão sendo integrados meninos e meninas com deficiência à escola comum; por outro, essa mesma escola comum, que integra essas crianças, segrega outros alunos de diferentes maneiras. Adapta o ensino à criança rotulada como de integração, mas não o adapta a outra criança que está na sua mesma sala de aula. Isso, no fundo, também nos mostra que temos tido um paradigma em Educação Especial, instalado há muito tempo, muito centrado no clínico, na reabilitação, no individual; assim, quando se começa uma experiência de integração, é reproduzido, no interior da escola, o mesmo enfoque da escola especial. E a inclusão, como muito bem diz Álvaro Marchesi, parte do pressuposto da própria natureza da escola básica, da escola da educação comum. A inclusão é a idéia de que todos os meninos e meninas de uma comunidade tenham o direito de se educar juntos na escola da sua comunidade, uma escola que não peça requisitos para o ingresso; uma escola que não selecione crianças. O conceito de escola inclusiva é ligado à modificação da estrutura, do funcionamento e da resposta educativa, de modo que se tenha lugar para todas as diferenças individuais, inclusive aquelas associadas a alguma deficiência. Logo,é um conceito muito mais amplo do que o de integração. A inclusão não é um conceito novo. A escola rural é inclusiva. Na rural vão todos os meninos e meninas da comunidade, inclusive os que têm deficiência. Portanto, a inclusão não é algo novo, já existe, e qual é, então, o desafio? O que é novo? Generalizar isso à totalidade do sistema educativo. Vimos também, em uma reunião da UNESCO, como as zonas mais excludentes são normalmente as zonas urbanas, de classe média alta. E as zonas mais inclusivas são as zonas rurais e as zonas periféricas ou de menor nível econômico-social. Dessa forma, o tema da inclusão está se dando: a idéia e o desafio - e acredito que isso não é fácil - é como podemos generalizá-lo ao conjunto do sistema educativo. A educação inclusiva não é uma ação da Educação Especial. É da escola comum. Implica transformar a Educação Comum no seu conjunto e, assim, deveremos transformar a Educação Especial para que contribua de maneira significativa ao desenvolvimento de escolas de qualidade para todos , com todos e entre todos. Não poderemos impulsionar a inclusão a partir da Educação Especial; esse é um desafio da escola comum. É triste ver que a esse tipo de Congresso sempre vem gente que já tem isso tudo muito claro, que está mais convencida, gente da Educação Especial. Tomara que consigamos que mais gente da Educação Comum participe desse processo, porque caso não seja desde a escola comum, não iremos conseguir. Certamente a sociedade é muito excludente, e se dizia que de alguma maneira, em algum momento, se eu não entendi mal, que havia de se esperar também que a sociedade fosse mais inclusiva para que a escola fosse mais inclusiva. Acredito que a escola tenha uma função social de transformação da sociedade. A escola não é reprodutora do sistema social estabelecido. Obviamente a educação escolar tem a missão de socializar as futuras gerações para que se insiram na sociedade, mas numa perspectiva de transformar a sociedade. A abordagem da UNESCO é, justamente que, à medida que consigamos uma educação inclusiva, vamos alcançar sociedades também mais inclusivas. Às vezes, temos medo das diferenças, porque não estamos acostumados a conviver com elas. Não podemos esperar que a sociedade seja inclusiva ou nunca faremos a inclusão na educação. Acredito que a escola pode contribuir para fazer sociedades mais inclusivas. Mas a educação, por si

só, também não vai resolver a inclusão social; vai representar sim uma pequena parte, vai contribuir, mas não pode cair sobre os ombros da escola, da educação e dos professores a responsabilidade da inclusão social. III Passarei agora a falar das condições que possam favorecer a construção de uma escola inclusiva. Como aponta, também, Álvaro Marchesi, a inclusão educativa não está resolvida em nenhuma parte do mundo. O que tenho visto é que há mais inclusão nos países mais pobres, onde há menos recursos, onde existem menos serviços paralelos, onde há uma educação especial menos instalada. Portanto, temos que partir do ponto de que a inclusão é uma certa utopia, é um desafio ao futuro que temos que construir. Veremos, em seguida, uma série de condições para que as escolas se tornem inclusivas, algumas condições favoráveis para desenvolver uma educação de qualidade para atender à diversidade. Mas antes, gostaria de apontar duas coisas: a primeira é que existem muitas coincidências entre os estudos que têm sido feitos de escolas eficazes para todos e as avaliações e investigações que têm sido feitas sobre as condições desejáveis para uma integração de sucesso. Logo, existe muita coincidência, o que nos leva a perguntar se integrar crianças com deficiência não requer coisas muito diferentes do que requer uma escola que dê resposta à diversidade em seu conjunto. A segunda questão que quero apontar refere-se às condições. Não podemos esperar que todas as condições existam para começar, porque senão nunca começaremos. O que quero apontar é que as condições que veremos a seguir fazem parte do próprio processo: a inclusão é um processo gradativo, que leva tempo, que é complexo, que tem que ser construído aos poucos. Assim, as condições fazem parte do próprio processo. A primeira condição é a valorização da diversidade como um elemento enriquecedor do desenvolvimento pessoal e social. Acredito que a inclusão educativa não é, em primeira instância, uma questão técnica ou, como diria Nicola Cuomo, não é uma questão de engenharia didático-pedagógica. É, em primeira instância, uma opção ideológica, uma opção de valores, uma opção de vida e, em definitivo, é um sentimento. Penso que professores muito bem formados didaticamente, se não têm uma atitude de respeito e valorização em relação às diferenças, se não têm um compromisso, não irão responder adequadamente a essas diferenças; pelo contrário, um professor que respeite as diferenças, que seja comprometido com elas, mesmo que não esteja muito bem formado, responderá bem a elas, porque depois a parte técnica vem quase por si só. Eu acredito que o importante é a escola ou o sistema educativo partir do ponto de que a Diversidade não é um problema, mas pelo contrário, é uma oportunidade para nos enriquecer, pessoal e socialmente, e para enriquecer o processo de ensino-aprendizagem. Todos temos a experiência de que quando podemos compartilhar com pessoas que têm diferentes experiências, opiniões, pontos de vista e conhecimentos, aprendemos melhor. Se sempre nos juntássemos aos que têm a mesma capacidade, opiniões e pontos de vista, não cresceríamos. Dessa forma, acredito que esta é uma premissa fundamental, e acredito que é a primeira: uma atitude positiva, um compromisso e uma valorização das diferenças individuais, percebendo-as como uma oportunidade para aprender e não como um problema a resolver ou um obstáculo que se nos apresenta. É muito importante

definir ações sustentadas de sensibilização da sociedade no seu conjunto e da comunidade escolar, em particular, porque quando não há uma atitude favorável, não é má intenção, é medo, às vezes, receio do desconhecido, todos nos sentimos muito cômodos nos esquemas com os quais lidamos. As mudanças são difíceis, gostamos que o novo que chega se encaixe mais ou menos na estrutura na qual temos organizada nossa visão de mundo. Portanto, acredito que as atitudes, às vezes negativas, estão ligadas ao medo do desconhecido. Temos que respeitar esses medos e compreendê-los, e devemos levá-los em consideração e partir dali para construir o processo. Os pais, muitas vezes, temem que suas crianças tenham dificuldades, imaginam se vão servir de deboche ou se vão ser aceitas; outros pais têm medo por seus filhos estarem com crianças diferentes: "os meus vão aprender menos ou irão mais devagar". Os professores da sala de aula comum ou da escola comum têm medo de não serem capazes de dar respostas a essas diferenças, porque temos tido a homogeneização instalada na escola há tanto tempo que cada vez mais vamos fixando diferenças. Faz pouco tempo, no Chile, em um instituto secundarista, verificou-se a seguinte discriminação: queriam expulsar alunos que tinham o cabelo comprido ou usavam brinco; ou seja, a escola tem muitas formas de segregar e discriminar e isso está tão instalado que requer uma mudança cultural da educação e da escola, que levará muito tempo para ser alcançada. As atitudes são um assunto a ser considerado em dois níveis: o primeiro é o da aceitação; o segundo - que é o importante - é da valorização. Existem pessoas que aceitam as diferenças, mas não as valorizam, ou não as consideram como algo que pode enriquecê-las. E existem pessoas que as aceitam mas não se comprometem. A idéia é chegar ao compromisso. Uma segunda questão, que tem a ver com outra condição, refere-se às políticas educacionais, os marcos legais que favoreçam uma educação inclusiva em todas as etapas educativas. Como também aponta Álvaro Marchesi, estamos falando de uma transformação do conjunto do sistema educativo, onde a diversidade não é um item a mais, e sim o eixo central da educação comum. Portanto, as políticas e os marcos legais, por si sós, não asseguram o sucesso na prática. De fato, há rupturas entre os marcos legais, as políticas e as práticas. Os tempos são diferentes, os políticos têm pressa, porque querem que as coisas se mantenham antes que mude o governo e, às vezes, isso ocorre porque se está falando de transformações que levam muito tempo. Então, às vezes, há rupturas entre o discurso teórico, o legal e a prática. Às vezes, também, ocorre que há escolas que estão mais avançadas e, às vezes, são limitadas pelas políticas ou pelos marcos legais. Eu acredito que o tema da inclusão educativa implica apostar em uma política educativa que assegure que a atenção à diversidade seja o eixo central e que isso se verifique em todas as etapas educativas, porque às vezes se diz: - Sim, a integração de crianças com deficiência está muito bem na pré-escola, mas não no segundo grau! Não. Estamos falando de uma opção para a vida toda. Como diz o informe da UNESCO para a educação para o século XXI, "aprender a aprender, durante a vida toda, e de maneira inclusiva." Este é outro tema muito importante: as políticas e os marcos legais podem facilitar ou, às vezes, dificultar que isso seja levado à prática na sala de aula e nas escolas. Uma terceira condição é contar com currículos amplos, equilibrados, flexíveis e abertos. Obviamente, no meu país - a Espanha - começou-se a integração antes da reforma educativa e partimos de um currículo muito fechado; ainda assim, começouse a integração. Quero dizer que também não temos que esperar que todos os currículos sejam abertos e flexíveis para começar a ter uma educação para a diversidade. Logicamente, quando se fez a reforma e se delineou um currículo

aberto, flexível, amplo e equilibrado, que considerava não somente capacidade do tipo cognitivo ou conteúdos do tipo mais conceitual, mas que considerava também conteúdos e capacidades relacionados com o social, com o afetivo-emocional, etc; facilitou-se muito o processo de integração. Acredito que é muito importante contar com currículos, desenhos curriculares oficiais abertos e flexíveis, mas não somente isso, porque se temos um currículo aberto e flexível, que possa ser ajustado à escola, aos alunos, etc, mas este currículo que, de inicio, é baseado nos tipos de conhecimentos e capacidades, também não será suficiente. Portanto, são duas condições importantes. Outra questão que queria apontar é o fato de que o currículo comum deve ser o referencial da educação de todo criança, esteja onde estiver. Ou seja, também tem que ser o currículo, o referencial para as crianças escolarizadas em escolas especiais, fazendo-se os ajustes pertinentes. Dessa maneira, asseguraremos uma maior igualdade de oportunidades. Por isso, acredito que uma estratégia que está se implantando em toda América Latina é começar a eliminar os currículos para atraso mental, para crianças cegas e surdas. Eu me pergunto: O que de diferente têm que aprender essas crianças como cidadãos futuros? Teremos que lhes dar ajuda e recursos especiais para lhes ajudar a progredir nesse currículo comum até onde puderem chegar, mas não aprendem de uma maneira muito diferente, nem têm que aprender coisas muito diferentes dos outros alunos. Outro ponto: esses programas que existem por deficiência não são currículos, e sim programas reabilitadores. Portanto, o currículo comum, com os ajustes e diversificações necessários, deve ser o referencial da educação de todo criança de um país onde estiver e seja qual for sua condição social, cultural ou pessoal. E uma última reflexão sobre o currículo: sinto que não nos temos detido na analise do fato de que havia matérias com o mesmo nível de importância. Acredito que a escola ainda continua com matérias de primeira e de segunda. Queria ressaltar que há tantas ciências, línguas ou matemática, que esquecemos que há outro tipo de áreas curriculares que são mais bem relacionadas com o desenvolvimento artístico, estético, físico. E é, justamente, nelas que muitos alunos têm sucesso e onde podem ter maior auto-estima. Entretanto, essas matérias ou áreas curriculares continuam sendo consideradas de menor importância ou de segunda categoria. Uma quarta condição: a inclusão educativa é um projeto de escola e não de professores isolados. É preciso trabalhar no sentido de fazer projetos educativos institucionais que incorporem a diversidade como eixo central da tomada de decisão. Realmente a inclusão implica uma mudança cultural da escola, e a escola é um cruzamento de culturas, a escola não tem, a instituição educativa não tem somente uma cultura, mas muitos cruzamentos de culturas. Portanto, isso não é uma tarefa fácil, mas se queremos que as mudanças sejam permanentes, tenham continuidade e sejam profundas, temos que abordá-las conjuntamente e compartilhar certos critérios, certas estratégias e certas condições que assegurem a continuidade e a coerência. Quero dar um exemplo relacionado com a integração, nesse ponto. Em muitos paises a integração começa - na América Latina especialmente - com professores voluntários e depois vem a angústia de dizer: - E no ano que vem, quem irá promovê-la? Acredito que "professores voluntários" e "escolas voluntárias no seu conjunto" são coisas distintas. Se o processo se inicia com um caráter voluntário, é importante que seja a decisão da escola em seu conjunto e não de professores isolados. Penso que esse é um assunto fundamental, haja vista que aquelas escolas que têm um projeto educativo elaborado de maneira consensual e conjunta são

escolas que não somente atendem melhor à diversidade e ao desenvolvimento de seus alunos, mas também são as que mais crescem como instituição. Trata-se do fato de que, também na América Latina, estamos num momento em que a maioria dos países tem currículos abertos, flexíveis, e há uma possibilidade de que cada escola ajuste essas bases que dá a administração educativa as características sociais e culturais de seus alunos. Creio que em muitos países da América Latina os projetos educativos institucionais estejam caminhando. É importante frisar que o projeto institucional não é um produto, na é algo que escrevemos em três horas, ou em dois dias, porque o supervisor o solicitará. O projeto educativo institucional, penso eu, é a desculpa para sentarmos juntos a refletir como atendemos as diferenças, como podemos ensinar melhor, etc. Portanto, trata-se de um processo e não de um produto. E é um processo vivo, dinâmico e mutante. Não é algo que façamos em três dias e entreguemos, para depois não sabermos sequer o que havíamos decidido ali. Uma quinta condição - importantíssima - é que uma educação inclusiva somente é possível se os professores têm apoios. Faz-se necessário um equilíbrio entre a pressão da mudança que se propõe e a possibilidade real de alcançá-la. Há que se propor mudanças, mas temos que ajudar os docentes para que possam realizar essas mudanças. E a ajuda mais importante é a colaboração que possam efetivar os docente entre si. Não temos que esperar que seja sempre a administração educativa ou o especialista que venha a dizer o que tem que ser feito. Os professores são peritos no que fazem e, portanto, a ajuda mútua entre docentes é uma estratégia fundamental para se dar resposta à diversidade. Porque a gente não sabe tudo: a gente tem de se juntar com outro para complementar o que não sabe, ou para que o outro nos dê outro ponto de vista. Acredito que há uma tradição muito forte de isolamento dos docentes e de trabalho solitário. Eu sei que estarão pensando: - Em que momento se juntam? Sei que há muitos países em que há dois turnos, e em que não há o momento para criar esses espaços. Mas eu volto a política: se há uma política educativa que aposta nisso, é preciso empenhar-se para que os professores tenham as condições mínimas para se reunir, para pensar juntos, etc. E o trabalho em colaboração implica não somente os decente, implica também os pais. O trabalho cooperativo implica, além desses elementos, um nível de igualdade na relação, e uma complementação nos conhecimentos, pontos de vista e perspectivas. No trabalho colaborativo, ninguém é mais do que ninguém; o especialista não é mais do que o docente. São iguais. Têm conhecimentos diferentes, que juntos potencializam a resolução dos problemas. Os professores não são mais do que os pais: o nível de relação tem de ser o mesmo. Temos que começar a valorizar mais os pais, e partir do que eles abem, resgatando o conhecimento que têm de seus filhos. Às vezes, adotamos uma atitude impositiva frente aos pais, do que eles têm que fazer. Eles conhecem seus filhos e, portanto, temos que levar em consideração o ponto de partida dos pais. Por fim, a colaboração tem que se dar entre os alunos. Dessa forma, estamos falando de uma escola colaborativa em seu conjunto. Outra condição, muito relacionada com a anterior, é criar um bom clima na escola e na sala de aula. Todos sabemos que os aspectos afetivos e emocionais são, às vezes, os que mais incidência têm no aprendizado significativo por parte da criança. Muitas vezes as crianças não se sentem pessoas, não se sentem indivíduos particulares, se sentem, às vezes, um número. Nesse sentido, eu acredito que o tema de cuidar dos aspectos afetivos e emocionais é fundamental para que a aprendizagem seja significativa, e não só isso, para que o aluno se sinta bem na escola. Outro aspecto complicado tem a ver com critérios e procedimentos flexíveis

de avaliação e promoção. É um dos maiores desafios que temos. Existem reformas em andamento, inovadoras, e que partem de uma concepção construtivista do ensino e da aprendizagem, em outras palavras, de que cada pessoa faz um processo particular de construção do conhecimento e aprendizagem, partindo do que traz. Como conciliamos uma concepção construtivista da aprendizagem e do ensino com uma avaliação que afinal acaba sendo comum para todos? Como conciliamos respeitar processo individual que cada criança segue para aprender e ver que ajuda temos que lhe oferecer com critérios de avaliação que todos têm que cumprir? Acredito que esse é um assunto que não está verdadeiramente resolvido em nenhum país. Devemos ser conscientes das contradições que temos, e também devemos diferenciar avaliação, promoção e certificação. São coisas diferentes, mas afinal parece que as equiparamos. Acredito que na escola não temos que avaliar tudo aquilo que a criança aprende ou tudo aquilo que lhe ensinamos. Deve-se fazer uma seleção do que é mais importante avaliar em relação à promoção. Podemos avaliar na totalidade o processo de ensino-aprendizagem, e depois podemos selecionar quais são as aprendizagens realmente relevantes para a promoção. Acredito que a promoção deva ser automática. Vimos que a repetência não resolve o problema e complica muito a educação. Eu li, faz pouco tempo, em um trabalho do Brasil, que existe uma cultura forte da repetência - como ocorre em muitos países - e que a repetência não resolve nada, porque volta-se a fazer a mesma coisa, e vai-se afastando do seu grupo de idade cronológica; por isso, no Brasil, existe uma experiência interessante que é chamada de estudo ou cursos de aceleração, o que nos leva a perguntar: - Como fazer para que não exista um aluno de dez anos junto a outro de seis? Se vamos fazer uma seleção de currículo, vamos conseguir trabalhar de outra maneira, vamos fomentar sua auto-estima para que volte, para que retorne logo ao grupo de sua faixa etária. Acredito que esse assunto é um dos mais complicados, e temos que ver que nisso a administração sequer pode ajudar fazendo normas e leis que permitam uma maior flexibilidade da promoção e que cada criança vá se promovendo com as adaptações curriculares que requeira. Porque repetir de ano não resolve o problema da criança. Pelo contrário, o acentua, compromete sua auto-estima, etc., e eu acredito que traça um problema grave ao sistema educativo como um todo. A condição nove é ter, como também aponta Álvaro Marchesi, uma série de recursos que apóiem os professores. Não pode recair tudo no professor, nas suas costas. Deve-se proporcionar a ele recursos humanos, financeiros e materiais. Mas deve-se ser cuidadoso com isto. Nem sempre a resposta a determinadas diferenças tem que ir junto com recursos de caráter especializado. Não é uma associação direta. Há muitas crianças com deficiências que podem precisar de recursos por um tempo, mas depois não; contudo, as escolas exigem que, no caso de existirem crianças com deficiência, o recurso esteja ali o tempo todo, e nem sempre é necessário. Então depois veremos se trata-se de uma escola inclusiva, teremos que ter recursos para asa crianças com deficiência, para as crianças de outra etnia ou cultura. As pessoas de Educação Especial não podem resolver as necessidades de toda a diversidade. O docente da sala comum tem de resolvê-las, com o apoio e a ajuda de pessoas que tenham conhecimentos de caráter mais especializado. Temos visto, também, que quando se inicia a integração, em muitas escolas, reproduzindo o esquema de atenção individual realizado na escola comum, retira-se a criança continuamente da sala de aula para lhe dar apoio. O que ocorre? Primeiro, a criança vai se distanciando do seu grupo; segundo, o professor da classe comum não modifica sua prática, porque o problema está continuamente saindo da sala.

Então, o importante é que esse docente comum tenha ferramentas, instrumentos, conhecimentos, para dar resposta a essa diversidade, com ajuda de recursos humanos, com materiais e com recursos financeiros. O desafio é conseguir docentes que quebrem o esquema de homogeneidade e que realizem essa passagem para a Diversidade. Finalmente, a formação e a investigação. Tudo o que estamos apontando é um desafio, um caminho para o futuro que há que construir. E sabemos que, às vezes, não temos as ferramentas, os conhecimentos necessários. Portanto, todas essas novas exigências e desafios, que estabelece a educação inclusiva, devem ser acompanhadas de processos de formação sustentados. De nada serve fazer um curso de cinco horas para dar o básico; deve haver uma formação sustentada com o tempo. Já se viu que a formação dirigida à escola como um todo é mais eficaz. Geralmente, ocorre o seguinte: o professor muda de escola, e passa por várias. Quando volta a sua escola, se encontra só: volta muito motivado a fazer mudanças, mas se deixa envolver pela sala, não podendo mudar muita coisa, porque os outros não estão com esse pensamento. Então, é importante que a formação se centralize na escola para que as necessidades reais dessa escola - diferente de outras - sejam traçadas, de modo que a formação esteja vinculada à construção do projeto educativo institucional. Há escolas que estão fazendo experiências muito interessantes e que não se conhecem. No momento, estou fazendo um trabalho na UNESCO relativo a um teste de inovações educativas. Constatei que há muito pouca informação sobre inovação a partir das escolas. Acontece que as escolas já têm muitas coisas interessantes que possam compartilhar entre si. Pois, se temos as mesmas dificuldades, devemos considerar o seguinte encaminhamento: - Como você a resolveu? - Como nós temos resolvido a situação? - Como podemos nos enriquecer mutuamente? Então, volto à idéia de que valorizemos o que nossos colegas podem nos acrescentar, e não esperemos sempre isso de fora. E, em conclusão, isso implica uma transformação considerável na formação inicial dos docentes, que, às vezes, é o mais difícil de conseguir também. Quando vamos subindo nos níveis de ensino, mais difíceis, às vezes, são as mudanças. A idéia é que a formação docente inicial tem que dar instrumentos a todo docente para que atenda à diversidade e que todos os docentes tenham um tronco de formação comum, e que as especialidades, que também são necessárias, sejam a posterior em relação a essa formação comum. Bom, estas seriam as condições, espero que não se assustem, eu acredito que temos que pensar que é um caminho a que percorrer, e há escolas que o estão fazendo, que é possível - que não é fácil, mas é possível - e, portanto, devemos trabalhar com otimismo, porque, às vezes, somos muito negativos, vemos sempre o que não temos e não enxergamos o que vamos conseguindo. O importante é que há escolas fazendo a mudança , mostrando que é possível. E, como dizia Antonio Machado, "o caminho se fez ao andar". E se aprende fazendo. Acredito que esse caminho seja muito mais fácil de percorrer, mais prazeroso e rápido se o percorrermos juntos e nos ajudando uns aos outros.