Análise Europeia - Associação Portuguesa de Estudos Europeus

Análise Europeia REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ESTUDOS EUROPEUS Maio 2016 | Volume I | Número 1 Análise Europeia REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PORTUG...
3 downloads 173 Views 5MB Size

Análise Europeia REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ESTUDOS EUROPEUS

Maio 2016 | Volume I | Número 1

Análise Europeia REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ESTUDOS EUROPEUS

Análise Europeia Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus Volume I | Número 1 Disponível em: http://www.apeeuropeus.com/revista Associação Portuguesa de Estudos Europeus Rua Coronel Marques Leitão, n.º 2, 1.º Dir. 1700-125 Lisboa Portugal Registo na ERC: 126820 Depósito Legal: 407079/16 Lisboa: Associação Portuguesa de Estudos Europeus, maio de 2016 © Associação Portuguesa de Estudos Europeus, 2016 Os leitores podem ler, descarregar, copiar, distribuir, imprimir, pesquisar, citar ou disponibilizar uma ligação de todos os artigos publicados nesta revista, sem pedir autorização prévia da editora ou do autor. A utilização ou reprodução de fotografias individuais deverá ser autorizada diretamente pelos titulares dos direitos de autor. CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS Capa: Bandeiras europeias hasteadas - autor desconhecido. Página 9: Jean Monnet, c. 1954, proferindo um discurso na rádio por ocasião da sua tomada de posse como president da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço - Gamma-Keystone/Getty Images

Esta publicação está protegida sob a Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercialSemDerivações 4.0 Internacional.

FICHA TÉCNICA ANÁLISE EUROPEIA Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus Diretor Pedro Camacho Editores André Simões dos Santos Bruno Correia Ekaterina Malginova João Moreira Conselho Científico Alice Cunha (IHC – Universidade Nova de Lisboa) Alina Esteves (CEG/IGOT – Universidade de Lisboa) António Goucha Soares (ISEG – Universidade de Lisboa) António Martins da Silva (Faculdade de Letras – Universidade de Coimbra) Carla Fernandes (IPRI – Universidade Nova de Lisboa) Célia Morgado (Centro Solvit Portugal – Ministério dos Negócios Estrangeiros) Eduardo Medeiros (CEG/IGOT – Universidade de Lisboa) Eduardo Paz Ferreira (Faculdade de Direito – Universidade de Lisboa) Fátima Velez de Castro (Faculdade de Letras – Universidade de Coimbra) Francisca Guedes de Oliveira (CPBS – Universidade Católica Portuguesa) Isabel Camisão (Faculdade de Letras – Universidade de Coimbra) João de Almeida Santos (FCSEA – Universidade Lusófona) Joaquim Ramos Silva (ISEG – Universidade de Lisboa) Jorge Malheiros (IGOT – Universidade de Lisboa) Lívia Franco (IEP – Universidade Católica Portuguesa) Luís Moreno (IGOT – Universidade de Lisboa) Margarida Brito Alves (FCSH – Universidade Nova de Lisboa) Maria de Fátima Ferreiro (ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa) Maria João Palma (Faculdade de Letras – Universidade de Lisboa) Nuno Cunha Rodrigues (Faculdade de Direito – Universidade de Lisboa)

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

4

Olga Solovova (Centro de Estudos Sociais – Universidade de Coimbra) Paulo Almeida Sande (IEP – Universidade Católica Portuguesa) Pedro Tavares de Almeida (FCSH – Universidade Nova de Lisboa) Rogério Roque Amaro (ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa) Proprietária e Editora Associação Portuguesa de Estudos Europeus NIPC 513676503 Rua Coronel Marques Leitão, n.º 2, 1.º Dir. 1700-125 Lisboa – Portugal E-mail: [email protected] Design gráfico Pedro Camacho Sítio oficial http://www.apeeuropeus.com/revista Registo na ERC 126820 Depósito Legal 407079/16 Periodicidade Semestral Redação Rua Coronel Marques Leitão, n.º 2, 1.º Dir. 1700-125 Lisboa Portugal E-mail: [email protected]

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

5

ÍNDICE IGOS ESTATUTO EDITORIAL .......................................................................................... 9

EDITORIAL O Começo ............................................................................................................ 11 Pedro Camacho

MENSAGEM DO PRESIDENTE DA APEE A Primeira Análise .............................................................................................. 13 António Santos

ARTIGOS “Daseinsvorsorge” e “service public” no contexto da integração europeia ......................................................................................................................... ….17 Martin Gegner Lampedusa e o paradoxo da dignidade humana: observações sobre o Acórdão “Khlaifia e outros contra Itália” do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem ........................................................................................................... 38 Alexandre Guerreiro e Artur Flamínio da Silva A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET ..................................................................................................................... 60 Carlos Rodrigues

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

6

A interconstitucionalidade como sistema propulsor de uma identidade europeia ............................................................................................................... 91 José Ricardo Sousa Nacionalismo democrático para a União Europeia: Uma necessidade pragmática para o desenvolvimento e sobrevivência Comum ...................110 Micael Sousa

COMUNICAÇÕES A proteção do investimento estrangeiro – Uma nova política europeia? ........................................................................................................................ …124 Maria João Palma A União Bancária existe? ..................................................................................135 Nuno Cunha Rodrigues

NORMAS DE PUBLICAÇÃO ..............................................................................148 POLÍTICA EDITORIAL ........................................................................................158

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

7

“Não há futuro para o povo da Europa a não ser em união.” Jean Monnet (1888-1979) Político francês e pai fundador da União Europeia

ESTATUTO EDITORIAL A revista Análise Europeia foi fundada em 2016 pela Associação Portuguesa de Estudos Europeus, que detém a sua propriedade e demais direitos de edição e publicação. A sua fundação nasceu da vontade de criar uma revista científica portuguesa dedicada, exclusivamente, aos Estudos Europeus, considerando as suas variadas vertentes enquanto área científica. Assim, a Análise Europeia oferece um espaço, no meio académico, a todos os alunos, investigadores e professores que desejem publicar os seus trabalhos de investigação na área dos Estudos Europeus, contribuindo para a promoção, dignificação e avanço científico da mesma.

A Análise Europeia pretende contribuir para o desenvolvimento da investigação científica, a promoção de uma reflexão e discussão aprofundada sobre as metodologias dessa mesma investigação, e a divulgação de informação e conhecimento no âmbito dos Estudos Europeus. A Análise Europeia visa proporcionar um fórum para o diálogo multidisciplinar e interdisciplinar de ideias e um quadro de análises teóricas e empíricas, cobrindo os seguintes tópicos de investigação: História da Integração Europeia, Filosofia Política e a Ideia de Europa, Economia e Políticas Públicas da União Europeia, Desenvolvimento e Coesão Social na Europa, Direito da União Europeia, Demografia e Movimentos Migratórios na Europa, Multilinguismo e Política Linguística na Europa, a União Europeia no Contexto Internacional, Arte e Cultura Europeia e Portugal na União Europeia.

A Análise Europeia pretende ser um fórum permanente de discussão, debate e reflexão sobre a realidade europeia, dando lugar à crítica científica e fundamentada, acolhendo os trabalhos de alunos, investigadores e professores que se comprometam com o progresso científico dos Estudos Europeus. A Análise Europeia pauta-se pelos normais

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

9

Estatuto Editorial

padrões internacionais de edição, submetendo as propostas de publicação à arbitragem científica de avaliadores conceituados.

A Análise Europeia é uma publicação semestral, independente e livre, que se identifica com os mais elevados valores europeus, o respeito pela verdade científica, pela liberdade de imprensa e pelos princípios deontológicos e a ética profissional, assim como pela boa fé dos leitores. A Análise Europeia é publicada em suporte digital e de forma gratuita, contribuindo, desta forma, para uma mais eficaz difusão e promoção dos Estudos Europeus como área científica, em linha com a sua defesa pelo acesso livre e universal do conhecimento. Defende, ainda, o pluralismo de opinião, sem prejuízo desta representar as posições da sua editora, a Associação Portuguesa de Estudos Europeus.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

10

Editorial

EDITORIAL O COMEÇO É com muito orgulho que vos apresento o primeiro número desta revista. Os Estudos Europeus, enquanto área científica, são de vital importância para compreendermos os processos históricos, políticos, sociais, económicos e culturais do Velho Continente, principalmente após o início da construção europeia e de todo o processo integracionista que decorreu até aos dias de hoje. Portugal não se encontra excluído desses processos, não só por ser uma das nações mais antigas da Europa, como por integrar o projeto europeu há 30 anos, desde a sua adesão à então Comunidade Económica Europeia, a 1 de janeiro de 1986. O projeto europeu representou um universo completamente novo para Portugal, incluindo para a academia, que começou a interessar-se pelas temáticas europeias, surgindo novas oportunidades de estudo e de investigação científica. Porém, em Portugal, a área científica dos Estudos Europeus continua a ser pouco acreditada. Este facto pode ser avaliado pela quase inexistência de publicações periódicas dedicadas à investigação científica na área, que ofereçam espaço a alunos, investigadores e professores para publicarem a sua produção científica. A Análise Europeia surge, assim, com o objetivo de promover e dignificar esta área, contribuindo para o desenvolvimento da investigação científica, a promoção de uma reflexão e discussão aprofundada sobre as metodologias dessa mesma investigação, e a divulgação de informação e conhecimento no âmbito dos Estudos Europeus. Enquanto espaço livre, isento e imparcial, a Análise Europeia permite o diálogo multidisciplinar e interdisciplinar de ideias e um quadro de análises teóricas e empíricas de entre as várias temáticas que os Estudos Europeus abarcam.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

11

O primeiro número da nossa revista reúne os melhores artigos recebidos no decorrer do primeiro call for papers. Os artigos publicados nesta edição concentram-se em torno da filosofia política e da ideia de Europa, da economia e das políticas públicas da União Europeia e do direito europeu, oferecendo diferentes visões sobre a integração europeia e um momento de reflexão e aquisição de conhecimento aos nossos leitores. Com a publicação deste primeiro número almejamos escrever uma nova página na história da academia em Portugal, desejando que esta revista seja um contributo, ainda que modesto, para o progresso científico dos Estudos Europeus.

Pedro Camacho Diretor

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

12

Mensagem do Presidente da APEE

MENSAGEM DO PRESIDENTE DA APEE A PRIMEIRA ANÁLISE Perante um contexto difícil, de falta de convicção generalizada no projeto europeu e na existência de uma união real e solidária, nós decidimos agir! Fazemos parte da geração da geração Erasmus, da geração mais qualificada de sempre em Portugal e na Europa, fruto do projeto erguido por Jean Monnet, Robert Schuman, entre outros. Sabemos que sem uma Europa com programas de financiamento e, acima de tudo, sem uma Europa respeitadora dos Direitos Humanos, da Democracia e da Paz não poderíamos ter o que temos hoje. Sabemos também que nem tudo significa sucesso e que o sonho dos pais fundadores está ainda longe de se tornar real na sua totalidade, especialmente quando vemos a zona económica e monetária com o maior superavit do planeta, sem capacidade de resposta aos desequilíbrios sociais, como o envelhecimento da população e o desemprego jovem dentro das suas fronteiras, sem capacidade de resposta concreta para milhões de migrantes que fogem da fome, da guerra e da ditadura, vendo na União Europeia o sonho de uma vida digna. A União Europeia está ainda a atravessar uma crise económica e financeira, um dominó de dívidas soberanas, onde parte dos Estados-membros se encontra com níveis elevados de desemprego e regista um aumento da pobreza e da exclusão social, gerando o chamado “Quarto Mundo” nos seus centros urbanos. A somar a isso, temos as intervenções e os resgates, os níveis recorde de emigração jovem, a fraca capacidade produtiva, os sistemas de Segurança Social em risco de colapso, o êxodo rural e a perda de confiança das populações no regresso ao crescimento económico. Existe, assim, uma conjugação tóxica de fatores que contribuem para a descrença na União Europeia. Mais recentemente, entre as offshore e o terrorismo, desde os

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

13

Mensagem do Presidente da APEE

escândalos de corrupção à fuga de informação, têm catapultado o sentimento de insegurança, uma vez que a União Europeia ainda não consegue gerar consenso em matéria de segurança e defesa, nem uma política fiscal e reguladora capaz de impedir o enriquecimento ilícito. A descrença leva parte de alguns, outrora federalistas, a afirmar que a Europa “é um gigante económico, mas um anão político”. A divergência cultural, a ausência de informação e a visão de Bruxelas e Estrasburgo como locais longínquos e inacessíveis para o cidadão comum. A demagogia politica, que usa as fragilidades e o desespero humano como forma de ganhar território e formar governos extremistas com ideais de ódio e preconceito, que acreditávamos que estivessem extintos na Europa, especialmente no espaço Schengen, uma conquista da liberdade e de progresso que está ameaçada. E, certamente, que não apenas pelo terrorismo ou pelos fluxos migratórios, mas pelo populismo cego e ignorante que nada aprendeu com a história do Velho Continente. É por termos consciência deste balanço entre vantagens e desvantagens, que pretendemos levar a temática europeia a ser discutida de forma livre e plural, debatida em todos os setores da sociedade civil. A transmissão do conhecimento através da informação com qualidade e a dignificação dos Estudos Europeus enquanto área cientifica constituem a missão da “Análise Europeia”, revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus, formada por ex-alunos da licenciatura em Estudos Europeus que decidiram agir. Muitas vezes, somos abordados sobre a nossa área de formação e confrontados com a seguinte pergunta: “Para que serve, qual a utilidade?”. Decidimos que através da cidadania ativa, do associativismo, da intervenção social e pedagógica, da educação formal, informal e não formal podemos dignificar um nome que em alguns países é prestigiado. Percebemos que a ausência de conhecimento e alienação geral sobre a temática europeia e o funcionamento da UE e as suas instituições constituem parte do problema que leva ao pessimismo, ao ceticismo e à expansão de nacionalismos oportunistas e retrógrados, uma vez que a informação necessária ainda tem algumas dificuldades em passar as fronteiras de um universo mais

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

14

Mensagem do Presidente da APEE

académico e\ou técnico. Assim, sentimos que o nosso papel na construção europeia é levar o debate em torno da temática europeia a todas as regiões nacionais e faixas etárias, pela inclusão num processo de cidadania europeia. Sabemos que o Futuro é incerto, que a curto prazo as mudanças requerem uma abertura de horizontes que nem sempre existe, que muito ainda tem que ser melhorado no processo de integração europeia e que o cenário global é preocupante, mas estamos absolutamente certos de que como geração Schengen e Erasmus queremos viver num mundo e numa Europa pacífica, de fácil mobilidade, cosmopolita e multicultural. Uma Europa livre de muros, de blocos bipolares, de restrições à liberdade, de precariedade, de discriminação social e preconceito. Acredito que com isto respondi à pergunta, que a importância das ciências socias e humanas como os Estudos Europeus se justifique e que seja até uma emergência para a construção de uma nova ética baseada na solidariedade e na procura de um desenvolvimento sustentável, o que se tornará mais explícito com o exercício intelectual de leitura da “Análise Europeia”.

António Santos Presidente da Associação Portuguesa de Estudos Europeus

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

15

ARTIGOS “Daseinsvorsorge” e “service public” no contexto da integração europeia

Martin Gegner Lampedusa e o paradoxo da dignidade humana: observações sobre o Acórdão “Khlaifia e outros contra Itália” do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Alexandre Guerreiro e Artur Flamínio da Silva A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET Carlos Rodrigues A interconstitucionalidade como sistema propulsor de uma identidade europeia

José Ricardo Sousa Nacionalismo democrático para a União Europeia: Uma necessidade pragmática para o desenvolvimento e sobrevivência Comum Micael Sousa

Martin Gegner

“DASEINSVORSORGE” E “SERVICE PUBLIC” NO CONTEXTO DA INTEGRAÇÃO EUROPEIA MARTIN GEGNER1

RESUMO A integração do conceito alemão “Daseinsvorsorge” e do conceito francês “service public” no contexto europeu revela os grandes problemas estruturais no processo da integração europeia. A União Europeia (UE) é igualmente um exemplo de que fronteiras nacionais podem ser superadas, assim como se trata de um processo longo e demorado, com retrocessos, mal-entendidos e erros devidos à falta de conhecimento sobre as diferentes culturas administrativas. Estes são baseados em conceitos diferentes da filosofia política, e por isso, sobrevivem décadas de integração. Palavras-chave: serviço público, cultura administrativa, filosofia política, sociologia jurídica

ABSTRACT “Daseinsvorsorge” and “Service public” in the context of European integration. The integration of the German concept “Daseinsvorsorge” and the French “service public” into a European legislation exemplifies structural problems within the process of the European integration. The European Union on the one hand is an extraordinary example that national borders can be overcome, but on the other hand demonstrates that this is a long lasting process, full of regress and misunderstandings due to missing knowledge of the different administration cultures to be integrated. These are deeply based on different concepts of the political philosophy and therefore tend to outlast decades of integration. Keywords: public service, administration culture, political philosophy, juridical sociology

Histórico do artigo: recebido em 12-02-2016; aprovado em 20-04-2016; publicado em 03-05-2016. 1 Dr. phil, politólogo e sociólogo, investigador visitante no Berlin Social Science Research Center (WZB). Berlim, Alemanha. E-mail: [email protected].

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

17

“Daseinsvorsorge” e “service public” no contexto da integração europeia

INTRODUÇÃO No auge de uma profunda crise social, financeira e económica na União Europeia (UE) e com a possibilidade da quebra do Euro ou da saída de países da zona Euro, o tema deste artigo, à primeira vista, parece marginal. Mas a integração do conceito alemão “Daseinsvorsorge” e do conceito francês “service public” no contexto europeu revela os grandes problemas estruturais no processo da integração europeia. Estes problemas estão baseados nas tradições administrativas das diferentes nações, em especial da França e da Alemanha. Como já foi afirmado várias vezes (p.e. Hacker e Kellermann, 2008), os atuais problemas económicos na Europa são causados pela falta de união social. O argumento é: se não há regras sociais equilibradas para os subsídios, assistência social, reforma, etc., um ajuste nas regras económicas será difícil. A dificuldade de concertação das regras sociais está assim diretamente relacionada com os problemas que enfrenta uma só moeda para dezanove nações. Este artigo pretende mostrar as dificuldades enfrentadas na tentativa de integração europeia num setor crucial da política social: os serviços públicos. Neste sentido, poderá servir como exemplo para os problemas de longo prazo na integração europeia. Numa notificação oficial, a Comissão Europeia (2000b) traduziu para o alemão o termo jurídico francês service public como Daseinsvorsorge. Service public em português quer dizer “serviço público”; Daseinsvorsorge, no entanto, significa “previdência de existência”. Assim, a tradução gerou uma mudança semântica significativa da referência. A tradução direta “öffentlicher Dienst” – ou seja: “serviço público” – teria sido mais adequada em termos linguísticos. Mas, como no espaço jurídico alemão o termo serviço público tem significado diferente do service public francês, a UE optou pelo termo Daseinsvorsorge. Entretanto, este termo também inclui um conteúdo jurídico fundamentalmente diverso do service public. Este exemplo possibilita a exposição de vários aspetos da sociologia jurídica europeia. Por um lado, verifica-se a importância da precisão na tradução e da interpretação hermenêutica dos termos jurídicos no contexto internacional. Uma tradução e interpretação coerentes são baseadas no conhecimento das diferentes

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

18

Martin Gegner

culturas nacionais, sociais, políticas e económicas e na integração do contexto supranacional. Apesar da discrepância da abordagem de conteúdo, service public e Daseinsvorsorge sempre estiveram em contexto jurídico-histórico. Antes de podermos partir para as dificuldades (conceituais) da integração dos dois conceitos na ordem jurídica europeia, é preciso esclarecer as linhas básicas dos dois conceitos; temos que deixar claras as divergências, assim como as coerências. O objetivo deste artigo é, portanto, explicar o sentido de Daseinsvorsorge, uma vez que o público da língua portuguesa é menos familiarizado com este conceito do que com o de service public, sendo a lei administrativa portuguesa e brasileira não pouco influenciada pela francesa (Marrara, 2012). Além disso, o outro ponto interessante da Daseinsvorsorge é: como um termo jurídico formado a partir dos termos da teoria política e da filosofia existencial nunca alcançou caráter de lei.

1. SERVICE PUBLIC, UM BREVE RESUMO Service public denomina um princípio fundamental o qual inclui a teoria do Estado, ideologias sociais e também os fundamentos do sistema jurídico. O termo foi desenvolvido por Léon Duguit (1901, 1911, 1913, 1920), no início do século XX, para denominar as atividades do Estado que estão ao serviço de todos. Duguit, inclusive, atribui um fundamento constitucional à sua justificativa do service public, ao afirmar que ações do Estado só são legítimas quando perseguem a meta do service public. Dessa forma, o Estado legitima-se perante os seus cidadãos, não primordialmente como detentor da autoridade pública (conforme ocorre, por exemplo, na Alemanha), mas como detentor dos serviços públicos. Implicitamente, o pensamento de Duguit resume-se à igualdade entre as ações do Estado e do interesse público. O service public ganha significado histórico na Terceira República francesa (1871-1940) com a aplicação da democracia constitucional e a ampliação das obrigações do Estado. O service public, como princípio do direito do Estado, deve ser diferenciado de les services publics, sendo estes os serviços públicos concretos oferecidos pelas autoridades, como, por exemplo, questões relacionadas a

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

19

“Daseinsvorsorge” e “service public” no contexto da integração europeia

documentos, tais como passaportes, e auxílios, a saber, subsídios de desemprego, (les services publics administratifs), mas também os bens e serviços que fazem parte da Daseinsvorsorge na Alemanha, como correios, telecomunicações, eletricidade e transportes, muitas vezes fornecidos por grandes monopólios estatais (les services publics industriels et comercieaux). Na década de 1920, estes foram legitimados, e até hoje as empresas estatais formam a espinha dorsal do país, em especial da indústria pesada francesa. Precisamos continuar a diferenciar o entendimento funcional dos services publics, cujo desempenho é responsabilidade do Estado, e o entendimento da forma organizacional. O espaço jurídico francês (Conseil d‟État, 1938) apresenta seis condições fundamentais da função dos services publics: I.

O princípio de continuité, no sentido de obrigação geral de fornecimento, ininterrupto e de ampla cobertura;

II.

O princípio de mutabilité (adaptibilité) compromete o prEstador a continuar a desenvolver o service técnica e organizacionalmente, de modo a melhor servir o público;

III.

O princípio de neutralité estabelece a neutralidade: nenhum interesse (particular) pode ser privilegiado;

IV.

O princípio de egalité é similar ao da neutralidade: todos os envolvidos devem ser tratados por igual;

V.

O princípio de la valeur ajoutée nulle obriga o prEstador a oferecer substituição equivalente ao serviço por ele fornecido em caso de problemas ou falhas no serviço;

VI.

O princípio de l’obligation de fonctionnement correct compromete o fornecedor a oferecer um serviço tecnicamente correto.

O Estado, que define o service public (acte d’organisation du service), pode encarregar empresas estatais, mistas ou privadas, a partir de concessões (acte d’exploitation de service public, contrat de concession de service public). Assim, detentor do poder de decisão e fornecedor ficam separados organizacionalmente.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

20

Martin Gegner

2. O CONCEITO TEÓRICO DA DASEINSVORSORGE De complexidade similar ao sistema le service public/les services publics, o termo Daseinsvorsorge marca uma posição-chave no discurso político e científicoadministrativo sobre o Estado social (ou seja, do Estado do bem-estar) na República Federal da Alemanha. Aqui ficará claro que o termo tem base numa derivação sociológica sólida e um foco conceitual conciso. Nos escritos “Die Verwaltung als Leistungsträger” (“A administração pública como fornecedora de benefícios”), Ernst Forsthoff (1938) desenvolveu o termo Daseinsvorsorge, levantando com atraso (quase quarenta anos depois do service public de Léon Duguit) a discussão sobre as tarefas do Estado que, embora na Alemanha tenham sido suscitadas desde o início do século XIX, só se manifestaram de forma científica e jurídica apenas nos primeiros anos da democracia alemã, na década de 20 do século XX. Primeiramente, nesse período pós-guerra, o capitalismo democrático passou por inúmeras crises sistémicas mundiais num curto espaço de tempo, conjurando o risco de uma queda política, além de colocar em perigo o sustento básico de milhares de pessoas na Europa e nos Estados Unidos: desemprego, fome e desabrigo eram fenómenos de massa. Na Europa, a Alemanha foi o país mais afetado, contabilizando, em 1929, mais de 6 milhões de desempregados dentro de uma população produtiva de 55 milhões. Em tempos de falhas de mercado óbvias, é possível identificar tendências de uma “modernidade organizada” nos mais diversos espaços culturais (Wagner, 1995, p. 45), seja no New Deal norte-americano, no folkshem sueco, no fascismo italiano, no socialismo da União Soviética ou na social-democracia alemã. Denominador comum destas linhas políticas tão diferentes era a incapacidade do indivíduo se prover a si próprio. A sociedade solidária de um povo de Estado teria que amparar indivíduos em situação de necessidade. A tarefa do Estado seria, entre outras, a de organizar uma previdência social para os seus cidadãos. Para tanto, e para a estabilização da economia abalada pela crise, a intervenção direta do Estado em determinados setores da economia é tida como meio válido.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

21

“Daseinsvorsorge” e “service public” no contexto da integração europeia

Diversos artigos sociofilosóficos e de teoria económica desta época abordam a preocupação com o bem-estar do indivíduo e a necessidade do Estado em operar economicamente. Entre outros, os conceitos dos teóricos fazem referência às abordagens do socialismo municipal, ou seja, do socialismo de cátedra (Brandt, 1929; Gerber, 1928; 1928; Saitzew, 1930), discutidas na virada do século. O service public também fica evidente como modelo – entretanto, os franceses já estavam mais avançados nesse ponto. Desde 1938, o comprometimento do Estado aos services publics tinha status de lei (Conseil d‟État, 1938), enquanto isso não ocorreu com conceitos semelhantes na Alemanha; nem naquela, nem em décadas posteriores. A maior contribuição intelectual e terminológica para o conceito de Daseinsvorsorge de Forsthoff parte do filósofo existencialista alemão Karl Jaspers (1931). Este fala de Estado e sociedade como aparato técnico para garantir a “Daseinsfürsorge” em “Die geistige Situation der Zeit” [A situação mental do tempo]:

As massas da população não podem viver sem a enorme engrenagem na qual trabalham como roldanas para possibilitar a sua existência (Jaspers, 1931, p. 21).

Já que Daseinsfürsorge é retratada aqui como prática social e não como sistema paternalista prescrito de cima para baixo, Jaspers declara-a como sendo uma conquista democrática:

A estrutura política do aparato de poder torna-se necessariamente democrática de alguma forma. Sem a tolerância das massas, ninguém mais se atreve a dar ordens quanto a tarefas que ela deve cumprir seguindo um plano de força. O aparato desenvolve-se muito mais na tensão do combate e, ainda assim, atua na mesma direção de vontade (Jaspers, 1931, p. 33).

Além da clara referência a Jaspers, incontestavelmente a encontramos, ainda, em Forsthoff traços de Friedrich Dessauer (1928) e Max Weber (1922). A referência a estes exemplos é reconhecível até mesmo na dicção, quando Forsthoff discute, por exemplo, a dissolução da dependência pessoal em favor de uma “ligação de trabalho de todos

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

22

Martin Gegner

contra todos” (Dessauer, 1928: 11), transmitida objetivamente e através da tecnologia. Entretanto, Dessauer, assim como Jaspers, não é citado ou mencionado em nenhum momento. Isto deve-se provavelmente às circunstâncias, uma vez que Dessauer e Jaspers já eram autores proibidos na Alemanha em 1938. Certamente, a forma de citação de Forsthoff não condiz com o que chamamos hoje de princípios de boa conduta científica. No começo da era nacional-socialista, Forsthoff tentou aproximar-se dos novos detentores do poder com um discurso racista e antissemita, publicado sob o título de Der totale Staat [O Estado total] (v. Forsthoff, 1933), no qual, sob a influência de Carl Schmitt, defende o Estado como instituição máxima que ele tenta proteger da enorme cobrança política. Entretanto, isto não era compatível com o dogma nazi, para o qual Estado e partido nazi eram um só. Assim, até 1945 as reflexões de Forsthoff deparavam-se com críticas explícitas (Köttgen, 1944) ou com desinteresse. A concepção de Daseinsvorsorge em “Die Verwaltung als Leistungsträger” [O governo como fornecedor de benefícios] agora pode ser compreendida como distanciamento de Forsthoff da ideologia nazi. Para Forsthoff, o cerne está na responsabilidade do Estado pela economia e minimização dos riscos individuais da vida moderna. As “chances de apropriação” – é assim que ele denomina, fazendo referência a Max Weber, as possibilidades de participação da sociedade ou a apropriação de bens vitais – estão distribuídas tão injustamente por ocorrência do liberalismo, que instâncias compartilhadas são necessárias para garanti-las.

O indivíduo vê as suas possibilidades de existência apenas asseguradas na solidariedade do grupo social (Forsthoff, 1938, p. 6).

O Estado seria o detentor da responsabilidade política, cuja motivação para assegurar a Daseinsvorsorge (previdência de existência) estaria na conquista de estabilidade. Uma população protegida contra riscos básicos é menos inclinada a agitações políticas (violentas). O órgão executivo da manutenção de existência

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

23

“Daseinsvorsorge” e “service public” no contexto da integração europeia

(Daseinssicherung) política seria o governo. Este agiria dentro de processos neutros, burocráticos e de justificação objetiva. A necessidade social de prevenção dos infortúnios da vida na sociedade industrial capitalista seria independente da situação económica do indivíduo. Até mesmo o cidadão com melhores condições económicas deveria ter acesso aos bens de vida essenciais ou transcendentes, através da “apropriação burocrática”. Por esse motivo a Daseinsvorsorge seria um método adequado aos tempos modernos, a qual teria de ser claramente separada da “assistência em casos de pobreza, doença e outras necessidades” (ibid., p. 5). Que a separação entre Daseinsvorsorge (previdência de existência) e Daseinsfürsorge (assistência à existência), como comprovam outras citações a seguir, não é mantida, consequentemente, no decorrer da defesa de Forsthoff pode ser a causa da inconsistência da qual foi acusado, e pela qual foi criticado mais tarde ou por diversas partes. No esboço da Daseinsvorsorge, os termos segurança e proteção estão em evidência. Forsthoff estende o entendimento liberalista dos termos (proteção aos bens particulares através do monopólio de violência do Estado) para a responsabilidade do Estado em garantir a segurança económica aos indivíduos. Se os riscos estão distribuídos tão injustamente, a ponto de a possibilidade “da livre escolha e decisão não mais exist[irem] [...], surge a necessidade da Daseinsvorsorge” (ibid., p. 40). No discurso filosófico existencialista de Forsthoff, são abordadas condições gerais da modernidade e mescladas a um conceito. O Dasein [Existência] é tido como nascer em massa do indivíduo na sociedade (Heidegger, 1927), ou seja, a condição na qual o indivíduo é entregue aos acontecimentos do mundo e, em grande parte, privado da sua autonomia. Nota-se que a filosofia existencialista diferencia o Dasein da Existenz, que trata o homem como autónomo, alguém que não somente está no mundo, mas existe conscientemente nele (bei-sich-sein). Não é só a língua portuguesa que não oferece uma distinção entre essas duas noções. Assim, o Dasein já é um assunto complexo. O outro meio-termo Vorsorge (previdência) faz menção ao medo (da palavra Sorge = preocupação, medo) de possíveis dificuldades que possam gerar a necessidade

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

24

Martin Gegner

de tomar medidas de defesa contra ameaças. Da junção destas duas palavras, Dasein e Vorsorge, surge uma posição política complexa: as massas humanas tomam medidas de prevenção para a sua existência (básica). Forsthoff ligou estas percepções de filosofia existencialista com conhecimentos sociológicos e delas derivou que o indivíduo não mais poderia tomar precauções por si mesmo, mas apenas na sociedade solidária do sistema burocrático moderno. Esta conexão do seu pensamento é formulada de forma tão precisa, que, até hoje na Alemanha, o termo Daseinsvorsorge ainda é compreendido como sendo um princípio fundamental de atividade social do Estado. Correspondente à tradição jurídica e social alemã, Forsthoff vê “a concepção socialmente justa de direito aos benefícios (Leistungsbeziehung)” localizada em “nível abaixo do Estado” (ibid., p. 49). Ele localiza o governo como fornecedor de benefícios (Leistungsträger) nos municípios. Com isso, ele legitima, em retrospectiva, as conquistas sociais e de política comunal da República de Weimar, já que as reformas políticas daquele tempo levaram os municípios a assumirem a função de Leistungsträger em quase todas as áreas, o que mais tarde viria a ser conhecido como Daseinsvorsorge (vide Ambrosius, 1984). Como objeto material da Daseinsvorsorge, Forsthoff quase literalmente cita uma passagem tomada de Dessauer (1928, p. 113f), referindo-se ao

abastecimento com água, gás, eletricidade e fornecimento de meios de transporte de qualquer tipo, correio, telefone e telégrafo, assegurar higiene, a previdência na velhice, invalidez, doença e muitas outras coisas mais (Forsthoff, 1938, p. 7).

Como projeto concreto da Daseinsvorsorge no foro legislativo, Forsthoff cita a “lei de economia energética” e a “lei de transporte de pessoas para a terra” de 1934 (PbefG). Nestas leis a responsabilidade pelo fornecimento de energia e transporte é atribuída ao Estado. Assim o Estado garantiria a integração máxima possível de interesses e desenvolvimento relutantes e asseguraria, de modo primordial, prosperidade para todos. Em posições de monopólio de empresas privadas que não ofereçam alternativas de escolha para os consumidores, a “autonomia de empreendimento privada”, a qual a princípio não deveria ser questionada, teria de dar

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

25

“Daseinsvorsorge” e “service public” no contexto da integração europeia

lugar aos “serviços públicos” (ibid., p. 31). Entretanto, faz referência até mesmo ao facto de empresas privadas poderem assumir serviços públicos. Para isso, vigoraria o contrato de concessões. Numa nota de rodapé, notavelmente longa e afirmativa, Forsthoff preocupa-se com a representação do sistema de Daseinsvorsorge ideal do seu ponto de vista, similar ao oferecido pelo contrat de concession de service public francês de Leon Duguit (o qual o autor também não cita). Ali, ele ressalta a separação entre o planeamento do Estado e a realização económica (privada).

Uma vez que a formação do serviço público é colocada em paralelo à lei, o direito francês ganha uma enorme elasticidade: a organização do serviço público, ou seja, a tarifa, o direito à utilização, pode ser alterada a todo instante com o aval da concessionária. Além disso, o governo mantém as rédeas na mão, já que tudo depende de suas decisões (Forsthoff, 1933, p. 30).

É possível rastrear uma aproximação da Daseinsvorsorge com o service public francês até em Forsthoff, mesmo que a estrutura concreta em França apresente grandes divergências em alguns pontos, quando comparada à concepção alemã (Ambrosius, 2000; Hellermann, 2001). Assim, através das políticas salariais e de investimento, ordens de serviço e política de preços, os serviços públicos e as empresas são inseridos como instrumentos de uma política económica geral, setorial e regional na França, muito mais do que na Alemanha. Com a Daseinsvorsorge, Forsthoff formula um código de tarefas ético-jurídico para o governo local. Antes disso, não havia lei referente à Daseinsvorsorge no direito alemão. Ao invés disso, a Daseinsvorsorge desempenha o papel justificativo e contextual concreto para a lei de Estado social (Art. 20, na constituição [Grundgesetz] da República Federal da Alemanha) e a orientação dos interesses privados para o bem-estar comum (Art. 14). O facto de a Daseinsvorsorge continuar a valer como princípio para o Estado social, sugere que os problemas fundamentais do sistema económico capitalista persistem. Não é de admirar que, dentro do contexto da “sociedade mundial de risco”

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

26

Martin Gegner

constatada pelo sociólogo alemão Ulrich Beck (1998), um conceito sociopolítico que tente minimizar inseguranças e riscos individuais seja um assunto atual.

3. O SENTIDO PRÁTICO DA DASEINSVORSORGE NA REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA Após a Segunda Guerra Mundial, o termo Daseinsvorsorge rapidamente ficou popular na ciência administrativa alemã. Forsthoff é desnazificado e considerado “um dos juristas alemães menos terrível”. Apesar dos passos iniciais de aproximação ao nazismo, a desaceleração da sua carreira no Estado nazi em 1938 é interpretada, benevolentemente, como distanciamento político em relação ao regime. Assim, Ernst Forsthoff publica um livro didático sobre direito administrativo em 1950, o qual logo se torna uma obra padrão e é amplamente reeditado até os anos 70. Sem dar continuidade sistemática ao desenvolvimento do seu conceito, Forsthoff deriva as tarefas da administração pública do preceito da Daseinsvorsorge. Juristas alemães significativos como Roman Herzog (1963), Karl Bayer (1965), Rupert Scholz (1967), Ernst Rudolf Huber (1975) e Dieter Grimm (1993) fazem referências explícitas à Daseinsvorsorge nos seus escritos para discutir a frágil relação entre as tarefas do Estado e os direitos individuais. Um grande consenso é o de que o conceito não classifica uma área de atuação restrita, nem fixa uma implementação concreta. O termo é muito mais uma categoria sociológica do que normativa. Consequentemente, Bayer constata, resumindo: “Natureza e extensão dos feitos (Leistung) do Estado no âmbito de Daseinsvorsorge não podem ser determinadas para sempre e de forma geral” (Bayer 1965, p. 23). O caráter político da Daseinsvorsorge é enfatizado e, como princípio éticojurídico, encontra entrada em leis individuais. Dessa forma, o direito constitucional da República Federal da Alemanha é consistente com os fundamentos do conceito do ano de 1938. As reivindicações de Forsthoff por uma lei de Daseinsvorsorge [lei pela previdência da existência] e por maior interferência do Estado nas atividades económicas são sempre rejeitadas, quase unanimemente, porque consideradas autoritárias.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

27

“Daseinsvorsorge” e “service public” no contexto da integração europeia

A aplicação concreta do preceito de Daseinsvorsorge sempre esteve à disposição. Isto indica o dilema: Daseinsvorsorge é um termo de interpretação variável, mas que também requer interpretação e precisa ser formulado concretamente. A forma como ele é retratado na história da República Federal da Alemanha dependerá, portanto, de uma avaliação política. Entretanto, existem debates na República Federal “velha”, de 1949-90, sobre como cumprir o preceito da Daseinsvorsorge. Que os setores económicos citados por Forsthoff, como energia, água e transporte, são um campo de atuação do Estado que estará fora de discussão até os anos 90. Porém, na socialista República Democrata Alemã (RDA), a Daseinsvorsorge era interpretada como termo simulado de política social do nazismo e foi motivo de polémicos ataques contra a RFA e os seus juristas (ver Anders, 1963).

4. DASEINSVORSORGE E SERVICE PUBLIC NO CONTEXTO EUROPEU No contrato de fundação da Comunidade Europeia (1957, os chamados Contratos romanos) com referência ao termo francês services publics, fala-se de “Serviços de interesse económico geral” (Art. 86, § 2). Estes são definidos como “serviços de mercado, prEstados de acordo com o interesse público e, portanto, relacionados aos Estadosmembros como obrigações específicas para o bem-estar geral.” Entre eles compreendem-se as áreas relacionadas à Daseinsvorsorge alemã, a exemplo dos setores de energia, correios e transporte. Há muito tempo a UE vê estes setores como assunto de Estado-nação. À medida que houve esforços de liberalização por parte da Comissão Europeia, primeiramente em 1996, foram feitas propostas e, em 2000, foram melhoradas para a “reorganização dos services publics ou da Daseinsvorsorge” (Comissão Europeia, 2000b, p.8). Nelas, a Comissão Europeia define o seguinte:

As prestações de serviço de interesse económico geral distinguem-se das prestações de serviço „normais‟ por serem baseadas em decisões políticas, tendo que oferecer o benefício (serviço) mesmo que este não seja garantido pelo mercado ou não seja de qualidade satisfatória.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

28

Martin Gegner

Elas também diferem das “prestações de serviço de interesse geral” (Comissão Europeia 2000b, p. 9), as quais incluem:

[…] tarefas que por si só já estão reservadas para o Estado, como a manutenção da segurança interna e externa, a administração jurídica e judiciária, o cultivo das relações exteriores e outras tarefas de governo [...] (Comissão Europeia 2000b, p. 13).

Também contam prestações de serviço ligadas ao sistema educacional e à adesão obrigatória em sistemas básicos de abastecimento da segurança pública. O problemático nesta definição é, entretanto, que o termo francês service public envolve tanto as prestações de serviço de interesse económico geral, como as prestações de serviço de interesse geral. Em contrapartida, a Daseinsvorsorge inclui exclusivamente as prestações de serviço de interesse económico geral. Assim, a sugestão da Comissão Europeia continua a ser incoerente também na sua segunda versão em relação à tradição jurídica francesa e alemã. Outras sugestões (chamadas de livros brancos ou verdes dos anos de 2003 e 2005) não oferecem soluções para o problema. Os diferentes contextos jurídicos de service public e Daseinsvorsorge não conseguem ser harmonizados terminológica e concetualmente. Nas

diferentes

áreas

de

referência

indicadas

por

service

public

e

Daseinsvorsorge, as quais não seguem a conformidade da definição da UE dos serviços (económicos) de interesse geral, soma-se o facto de a Daseinsvorsorge alemã representar

um

conceito

descentralizador

que

prevê

as

autoridades

locais

(comunidades) como prEstadoras (ou fornecedoras) de serviço, enquanto o service public foi, e continua a ser, tanto uma instituição legal, como organizacional de nível estatal em França. Ademais, o termo services publics industriels et commerciaux também articula uma atividade económica do Estado, a qual se manifesta sob a forma de diferentes construções jurídicas, como a participação ou posse exclusiva de grandes empresas pelo Estado.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

29

“Daseinsvorsorge” e “service public” no contexto da integração europeia

A centralização é um significado mais materialista do service public. Consequentemente, os setores eeconómicos, que na Alemanha eram tidos como áreas de responsabilidade da Daseinsvorsorge, foram organizados em grandes empresas estatais como a Gaz de France, a Electricité de France ou a Eau de France. Depois da liberalização, estas empresas foram transformadas em grandes Global Players multinacionais, como a Vivendi e a Aventis. As empresas de abastecimento locais na Alemanha, em comparação, estavam fixadas na sua área de serviço definida pela Daseinsvorsorge. Um exemplo: enquanto a empresa de transporte urbano parisiense RATP também oferece os seus serviços internacionalmente a outras cidades, os Berliner Verkehrsbetriebe (BVG), empresa ligada à cidade de Berlim, estão adstritos ao distrito através das convenções da Daseinsvorsorge. Até mesmo a tentativa da Comissão Europeia em alcançar uma harmonização, através do conceito jurídico dos serviços universais (Universaldienste, services universelles), falha, devido à incerteza de que aqui se trata de uma necessidade básica mínima (Cox, 2000) ou de um serviço qualitativo elevado com a finalidade de satisfazer o cliente/cidadão (Ambrosius, 2005). Além disso, não fica claro em que nível será tomada a decisão política sobre a prestação dos serviços de interesse económico público: ao nível da UE, nacional, estatal ou municipal. Ademais, a jurisprudência da UE não é consistente e continua repleta de isenções. Sendo assim, a UE garante às metrópoles (por exemplo, nos sistemas de metro e ferroviário) e aos pequenos municípios (nos chamados casos insignificantes) autonomia suficiente, enquanto cidades médias e grandes são obrigadas a abrir concurso para as prestações de serviços públicos (ver Comissão Europeia, 2000a, 2005). Diversos casos jurídicos referentes a essa questão foram processados pelo Tribunal de Justiça da União Europeia com soluções e interpretações diferentes. A Comissão Europeia chegou a criticar várias vezes as decisões do Tribunal, que davam aos municípios a liberdade de decidir a concessão dos seus serviços públicos. Por inúmeras vezes, o próprio Tribunal de Justiça lembrou à Comissão e ao Parlamento Europeu a necessidade de uma obra jurídica consolidada e consistente.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

30

Martin Gegner

Assim, nas diversas instituições europeias chega-se a diferentes interpretações quanto às determinações referentes aos “serviços de interesse económico público” que continuam em atividade. Ainda não existe uma regulamentação clara de como fazer cumprir a prescrição da Daseinsvorsorge e a realização dos service public. Também não é esperada uma interpretação definitiva da relação entre Daseinsvorsorge e service public dentro do contexto europeu.

CONCLUSÃO Como na história da relação entre Daseinsvorsorge e service public, neste debate também hão de diferenciar-se duas vertentes de discussão. Por um lado, uma discussão de orientação prática gira em torno da interpretação da percepção de Daseinsvorsorge ou a ideia do service public e a sua compatibilidade com o direito de competição da UE.

Noutra vertente, são levantadas perguntas fundamentais da

organização social. O problema prático é se a ênfase da política municipal da República Federal da Alemanha está conforme a regulamentação de subvenções da UE. No lado francês, a questão é se a acumulação com serviços de empresas estatais segue as regras europeias. A somar a esses problemas concretos da administração política, a discussão em torno de Daseinsvorsorge e service public está incorporada numa disputa generalizada sobre a questão de quanto o Estado e de quanto o mercado e a sociedade europeia necessitam. Sendo este o contexto que alimenta o fogo desta temática. Dessa forma, o debate fundamental move-se no campo da filosofia política. Duas posições radicalmente contraditórias podem ser identificadas: uns veem a Daseinsvorsorge e service public como instituição de bloqueio do mercado, cara e estática (Miegel, 2003), outros como garantia do Estado social que vale a pena ser defendido (Leibfried, 2001). Até mesmo na discussão internacional, a Daseinsvorsorge e, respetivamente, o service public são sinais de um modelo económico e de Estado social tipicamente europeus, que ora são avaliados de forma positiva (Rifkin, 2004), ora são rejeitados pela postura paternalista (Ewald, 1993).

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

31

“Daseinsvorsorge” e “service public” no contexto da integração europeia

No debate atual, os termos Daseinsvorsorge e service public agem como divisor de águas entre os favoráveis à chamada abertura de mercado e aqueles que, em prol de uma regulamentação estatal mais rígida para os serviços públicos no contexto de uma ampla política social, económica e ambiental, o não são. Uma política social comum em toda a UE ainda não existe. A UE é uma mera união económica (com poucas abordagens de uma política cultural comum). Assim, não é de surpreender que na área divisória entre política social e económica, presente tanto em service public como

na

Daseinsvorsorge,

as

diferenças

jurídicas

históricas

impeçam

uma

harmonização ao nível europeu. Possivelmente, os atuais problemas económicos europeus devem-se à incapacidade ou relutância dos políticos europeus, acima de tudo dos alemães e dos franceses, de se dedicarem a uma política social comum. Até mesmo para esta tese, a comparação entre service public e Daseinsvorsorge oferece argumentos. Desde sempre, a configuração de service public, assim como de Daseinsvorsorge, foi determinada pelos meios económicos, de um lado, e pela vontade política, do outro (Ambrosius, 2011b). As condições sociais gerais mutáveis, como, por exemplo, os desenvolvimentos demográficos, propõem novos desafios, tanto para o service public como para a Daseinsvorsorge. Dado este problema, são necessários maiores esforços, mas talvez também novos conceitos europeus para assegurar a união política, territorial, social, económica e cultural dos Estados individuais e a sua integração na União Europeia.

BIBLIOGRAFIA AMBROSIUS, Gerold (1984), Der Staat als Unternehmer. Öffentliche Wirtschaft und Kapitalismus seit dem 19. Jahrhundert. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht. ______ (1997), Zurück zu den Anfängen? Die institutionelle Entwicklung des öffentlichen Nahverkehrs bis zum Zweiten Weltkrieg unter Perspektive der aktuellen Entwicklung. In Püttner, Günter ed. - Der regionalisierte Nahverkehr, BadenBaden: Nomos, 1997 p. 11-49.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

32

Martin Gegner

______ (2000), Services Publics, Leistungen der Daseinsvorsorge oder Universaldienste? Zur

historischen

Dimension

eines

zukünftigen

Elements

europäischer

Wirtschaftspolitik. In Cox, Helmut, ed. - Daseinsvorsorge und öffentliche Dienstleistungen in der Europäischen Union, Baden-Baden: Nomos, 2000, p. 1544. ______

(2010),

Europäische

Gemeinwirtschaftlichkeit

und

die

Integration

von

Infrastrukturen in der Europäischen Union. In Ambrosius, Gerold [et al], eds. Internationale Politik und die Integration europäischer Infrastrukturen in Geschichte und Gegenwart, Baden-Baden: Nomos, 2010, p. 255-274. ______. (2011a), Paradigmen öffentlichen Wirtschaftens in historischer Perspektive. In Schäfer, C. [et al], eds - Renaissance öffentlichen Wirtschaftens, Baden-Baden: Nomos, 2011, S. 73-91. ______.

(2011b),

Öffentliche

Aufgabenerfüllung

vor

dem

Hintergrund

von

Haushaltsnotlagen: die historische Perspektive. Zeitschrift für öffentliche und gemeinwirtschaftliche Unternehmen, n.º 34, p. 301-312. ANDERS, Helmut (1963), Der „Daseinssicherer des Monopolkapitals“ und “Gehilfe des Führers“ - Prof. Dr. Ernst Forsthoff. Staat und Recht, vol. 12, p. 981-998. ARTICUS, Stephan (2005), Sicherung kommunaler Daseinsfürsorge auf dem Prüfstand. Zukunftsforum Politik der Konrad-Adenauer-Stiftung, n.º 66, p. 63-83. BAYER,

Karl

(1965),

Daseinsvorsorge.

Privatrechtliche

Leistungsverhältnisse

und

öffentliche

Ein

Beitrag

vom

faktischen

kritischer

zur

Lehre

Vertragsverhältnis. Freiburg: Tese de Doutorado. BECK, Ulrich (1998), Die Politik der Technik. Weltrisikogesellschaft und ökologische Krise. In Rammert, Werner, ed. - Technik und Sozialtheorie, Frankfurt a.M.: Campus, 1998, p. 261-293. BMVBW – Bundesministerium für Verkehr, Bau- und Wohnungswesen, ed. (2005), Öffentliche Daseinsvorsorge und demographischer Wandel. Erprobung und Anpassung von Entwicklungsstrategien in der Raumordnung. Berlin. BMWT – Bundesministerium für Wirtschaft und Technik (2002), „Daseinsvorsorge“

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

33

“Daseinsvorsorge” e “service public” no contexto da integração europeia

im europäischen Binnenmarkt. Gutachten des wissenschaftlichen Beirats, 12.01.2002, Dokumentation Nr. 503, Berlin. BOCKLET, Reinhold (2001), Leistungen der Daseinsvorsorge im Konflikt mit dem EUWettbewerbsrecht. In Schader-Stiftung (ed.), Die Zukunft der Daseinsvorsorge. Öffentliche Unternehmen im Wettbewerb, Darmstadt: Schader, 2001, p. 11-24. BRANDT, Jürgen (1929), Die wirtschaftliche Betätigung der öffentlichen Hand. Jena: Gustav Fischer. COMISSÃO EUROPEIA – Kommission der Europäischen Gemeinschaft (2000a): Vorschlag für eine Verordnung des Europäischen Parlaments und des Rates über die Maßnahmen der Mitgliedsstaaten im Zusammenhang mit Anforderungen des öffentlichen Dienstes und der Vergabe öffentlicher Dienstleistungsaufträge für den Personenverkehr auf der Schiene, Straße und Binnenschiffahrtswegen, KOM (2000) 7. Brüssel. ______ (2000b) Mitteilung über die Daseinsvorsorge in Europa, Kom (2000) 580 endgültig. Brüssel. ______ (2003), Grünbuch zu Dienstleistungen von allgemeinem Interesse, Kom (2003) 270 endgültig. Brüssel. ______ (2004), Weißbuch zu Dienstleistungen von allgemeinem Interesse, Kom (2004) 374. Brüssel. ______ (2005), Vorschlag für eine Verordnung des europäischen Parlaments und des Rates über öffentliche Personenverkehrsdienste auf Schiene und Straße, Kom (2005) 319 endgültig. Brüssel. COMUNIDADE EUROPEIA – Europäische Gemeinschaft (1957), Vertrag zur Gründung der Europäischen Wirtschaftsgemeinschaft. Rom. CONSEIL d‟ÉTAT de la REPUBLIC FRANCAISE (1938), Loi Rolland. Paris COX, Helmut, ed. (2000), Daseinsvorsorge und öffentliche Dienstleistungen in der Europäischen Union. Baden-Baden: Nomos. ______ (2001): Zur Organisation der Daseinsvorsorge in Deutschland. In SchaderStiftung, ed., Die Zukunft der Daseinsvorsorge. Öffentliche Unternehmen im Wettbewerb, Darmstadt, p. 25-40.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

34

Martin Gegner

______, ed. (2003), Ausschreibungswettbewerb bei öffentlichen Dienstleistungen, BadenBaden: Nomos. DESSAUER, Friedrich (1928), Philosophie der Technik. Bonn: Cohen. DUGUIT, Léon (1901), L’État, le droit objectif et la loi positive. Paris: Albert Fontemoing. ______ (1911), Traité de Droit constitutionne. Paris: Boccard. ______ (1913), Les transformations du droit public. Paris: Armand Colin. ______ (1920), Les transformations générales du droit privé depuis le Code Napoléon. Paris: Félix Alcan. EWALD, François (1993), Der Vorsorgestaat. Frankfurt a.M.: Suhrkamp. FORSTHOFF, Ernst (1933), Der totale Staat. Hamburg: Hanseatische Verlagsanstalt. ______ (1938), Die Verwaltung als Leistungsträger, Stuttgart [etc.] : Kohlhammer. ______ (1950), Lehrbuch des Verwaltungsrechts, 1. Band, Allgemeiner Teil, München [etc.]: C.H. Beck. GERBER, Walter (1928), Die öffentliche Unternehmung in privatrechtlicher Form, Zürich: Tese de Doutorado. GRIMM, Dieter (1993), Der Staat in der kontinentaleuropäischen Tradition. In Voigt Rüdiger, ed. - Abschied vom Staat – Rückkehr zum Staat? Baden-Baden: Nomos, 1993, p. 27-50. GRÖTTRUP,

Hendrik

(1973),

Die

kommunale

Leistungsverwaltung.

Stuttgart:

Kohlhammer. HACKER, Bjorn e KELLERMANN, Christian (2008), Europäische Sozialunion? Gerade jetzt! SPW- Zeitschrift für Sozilialistische Politik und Wirtschaft, n.º 7/2008, p. 14-19. HEIDEGGER, Martin (1927), Sein und Zeit. Tübingen: Max Niemeyer. HELLERMANN,

Johannes

(2000),

Örtliche

Daseinsvorsorge

und

gemeindliche

Selbstverwaltung. Tübingen: Mohr Siebeck. HERZOG, Roman (1963), Der Staat, vol. 2, Subsidiaritätsprinzip und Staatsverfassung. S. 399-423. HRBEK, Rudolf/Martin Nettesheim ed. 2002, Europäische Union und mitgliedstaatliche Daseinsvorsorge. Baden-Baden: Nomos.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

35

“Daseinsvorsorge” e “service public” no contexto da integração europeia

HUBER, Ernst Rudolf (1975), Bewahrung und Wandlung. Studien zur deutschen Staatstheorie und Verfassungsgeschichte. Berlin: Paul List. JASPERS, Karl ([1931]1971), Die geistige Situation der Zeit. Zitiert nach dem siebenten Abdruck der im Sommer 1932 bearbeiteten 5. Aufl. Berlin: Göschen. KÖTTGEN, Arnold (1944), Deutsche Verwaltung. Berlin: Vahlen. LEIBFRIED, Stephan (2001), Über die Hinfälligkeit des Staates der Daseinsvorsorge. Thesen zur Zerstörung des äußeren Verteidigungsringes des Sozialstaates. In Schader-Stiftung

ed.

-

Die

Zukunft

der

Daseinsvorsorge.

Öffentliche

Unternehmen im Wettbewerb. Darmstadt: Schader, p. 158-166. MARRARA, Thiago (2012), Princípios do Direito administrativo. São Paulo: Atlas. MIEGEL, Meinhard (2003), Die Zukunft der öffentlichen Daseinsvorsorge. In SchaderStiftung ed. - Öffentliche Daseinsvorsorge – Problem oder Lösung? Argumente und Materialien zur Debatte. Darmstadt: Schader 2003, p. 28-37. NIEHBUHR, Heinrich (1928), Öffentliche Unternehmungen und Privatwirtschaft. Leipzig. PBefG – Personenbeförderungsgesetz: Bundesgesetzblatt Teil III 1961, 241 Sachgebiet: FNA 9240-1. Neugefasst durch Bekanntmachung v. 08.08.1990 I 1690, zuletzt geändert am 29.12.2003. Veröffentlicht vom Bundesministerium für Verkehr, Bau- und Wohnungswesen, Bonn. [Consultado em 1 de junho de 2015]. Disponível em: http://bundesrecht.juris.de/bundesrecht/pbefg/__22.html. PÜTTNER, Günter (2000), Daseinsvorsorge und service public im Vergleich. In Cox, Helmut

ed.:

Daseinsvorsorge

und

öffentliche

Dienstleistungen

in

der

Europäischen Union, Baden-Baden: Nomos, 2000, p. 45-55. RIFKIN, Jeremy (2004), Der Europäische Traum. Die Vision einer leisen Supermacht. Frankfurt a. M.: Campus. RONELLENFITSCH, Michael (2002), Der Verkehrssektor als Bereich der öffentlichen Daseinsvorsorge in Deutschland. In Hrbek, Rudolf [et al], eds. - Europäische Union und mitgliedstaatliche Daseinsvorsorge, Baden-Baden: Nomos, 2002, p. 89-95. SAITZEW, Manuel (1930), Die öffentliche Unternehmung der Gegenwart. Tübingen: Schriften des Vereins für Socialpolitik.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

36

Martin Gegner

SCHADER-STIFTUNG

ed. (2001),

Die

Zukunft

der

Daseinsvorsorge. Öffentliche

Unternehmen im Wettbewerb. Darmstadt: Schader. ______ ed. (2003), Öffentliche Daseinsvorsorge – Problem oder Lösung? Argumente und Materialien zur Debatte, Darmstadt: Schader. SCHÄFFLE, Albert (1867), Das gesellschaftliche System der menschlichen Wirtschaft. Tübingen: Laupp´sche Buchhandlung. SCHEIDEMANN, Dieter (1991), Der Begriff Daseinsvorsorge. Ursprung, Funktion und Wandlungen der Konzeption Ernst Forsthoffs. Göttingen [etc.]: Muster-Schmidt. SCHOLZ, Rupert (1967), Das Wesen und die Entwicklung der gemeindlichen öffentlichen Einrichtungen. Zugleich ein Beitrag zur Lehre von der Garantie der kommunalen Selbstverwaltung (Art. 28 Abs. 2 GG), Berlin: Duncker & Humblodt. UDE, Christian (2005), Faire Chancen für die kommunale Selbstverwaltung. Der Städtetag, n.º 4, 2005, p. 15-17. WAGNER, Adolph (1887 [1948]), Finanzwissenschaft und Staatssozialismus. Frankfurt a. M.: Klostermann. WAGNER, Peter (1995), Soziologie der Moderne. Frankfurt a. M.: Campus. WEBER, Max (1922), Wirtschaft und Gesellschaft. Grundriß der Sozialökonomik, 3. Abteilung, herausgegeben von Marianne Weber, 2. erweiterte Auflage 1925. München: Kröner.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

37

Lampedusa e o paradoxo da dignidade humana

LAMPEDUSA E O PARADOXO DA DIGNIDADE HUMANA: OBSERVAÇÕES SOBRE O ACÓRDÃO “KHLAIFIA E OUTROS CONTRA ITÁLIA” DO TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM1

ALEXANDRE GUERREIRO2 ARTUR FLAMÍNIO DA SILVA3

RESUMO Numa decisão recente, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem pronunciou-se sobre a detenção de três cidadãos tunisinos num centro de recepção situado em Lampedusa, após terem sido interceptados pelas autoridades italianas quando atravessavam o Mar Mediterrâneo. Este acórdão coloca em relevo a questão da discussão em torno de uma eventual violação do direito à liberdade consagrado no artigo 5.º da CEDH e a violação do princípio da proibição de tratamentos desumanos, previsto no artigo 3.º do mesmo instrumento. Com efeito, assinala-se a importância do acórdão em apreço dado que se assiste à manifestação do direito cosmopolita desde que os beneficiários se encontrem em território onde vigoram instrumentos e princípios de Direitos Internacional Humanitário enquanto factores que concorrem para uma maximização da protecção dos direitos humanos. Todavia, assiste-se a um paradoxo que coloca problemas de difícil resolução: por um lado, a responsabilização por falta de meios humanos, sanitários e de acolhimento digno de pessoas por parte de Estados que se tornam alvos de danos colaterais provocados por situações de crises humanitárias; por outro, o desafio com que se deparam de garantir que um cenário de crise humanitária não atenta contra a dignidade da pessoa humana de pessoas que se encontram em situação natural de fragilidade. Palavras-chave: crise humanitária, responsabilidade do Estado, direito internacional humanitário, direito cosmopolita. Histórico do artigo: recebido em 15-02-2016; aprovado em 27-04-2016; publicado em 03-05-2016. 1 Os autores reservam-se o direito de aplicar a grafia anterior ao Acordo Ortográfico e respectivos protocolos adicionais. 2 Assessor Parlamentar da Assembleia da República e doutorando da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Lisboa, Portugal. E-mail: [email protected]. 3 Doutorando da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, Portugal. E-mail: [email protected].

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

38

Alexandre Guerreiro e Artur Flamínio da Silva

ABSTRACT Lampedusa and the paradox of human dignity: commentary to the judgment delivered by the European Court of Human Rights in the case of Khlaifa and Others v. Italy. In a recent judgment, the European Court of Human Rights has decided on the detention of three Tunisian citizens in a reception centre on Lampedusa after being intercepted by the Italian authorities after they left Tunisia by sea, in September 2011.Among other aspects, this decision highlights the debate around the alleged violation of both the right to liberty enshrined in article 5 of the ECHR and the violation of the prohibition of inhuman or degrading treatment, set in article 3 of the same Convention., The importance of the present decision should be emphasized as it stands for the expression of cosmopolitan law whenever those who should take advantage of it are in a territory where instruments and principles of International Humanitarian Law are in force, maximizing the protection of human rights. Nevertheless a paradox emerges: on the one hand, liability for lack of human resources, sanitary facilities and decent detention conditions by countries that become targets of collateral damages caused by humanitarian crisis; on the other hand, the challenge faced by the same countries in order to guarantee that a humanitarian crisis would not have an adverse effect to the human dignity of those who are in dire situations. Keywords: humanitarian crisis, State liability, International Humanitarian Law, cosmopolitan law. _________________________________________________________________________________________________________________

1. INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por objecto um comentário a uma decisão que versa sobre um tema actual e interessante. Com efeito, com o crescente aumento de migração oriunda de territórios em cenário de Guerra, começam a revelar-se problemas jurídicos que colocam em evidência o contexto pós-nacional

4

decorrente da

globalização 5. A macro-problemática que aqui analisaremos e criticamos pode ser sintetizada da seguinte forma: (i) por um lado, os Estados encontram-se obrigados à protecção dos Direitos Humanos e ao cumprimento das suas obrigações internacionais, nomeadamente, corporizadas na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH); (ii) por outro lado, ciosos da sua soberania, pretendem manter autonomia na

4 5

Cfr., por todos, HABERMAS (1998, pp. 65 e ss.). Cfr., sobre a abrangente bibliografia, o elucidativo texto de HELD (1995, pp. 267 e ss.).

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

39

Lampedusa e o paradoxo da dignidade humana

concretização destas disposições, aplicando com flexibilidade as regras previstas na CEDH.6 Neste contexto, encontra-se precisamente em discussão – num sentido mais especulativo – como deve ser encarado este pluralismo entre as ordens nacionais e a ordem normativa cosmopolita que deriva da CEDH 7. Com efeito, com a presente decisão o TEDH coloca em evidência a necessidade de discutir se, num contexto de um mundo cada vez mais globalizado, é possível a “construção de um constitucionalismo estadual para o Século XXI com base na excessiva valorização do Estado de direito - e, em particular, dos direitos fundamentais e da jurisdição constitucional - em detrimento do princípio democrático” (Medeiros, 2015, p. 97). É este, portanto, o pressuposto que estará subjacente à nossa análise, tendo somente como objectivo estudar de forma crítica como encarou o TEDH a possibilidade de flexibilização da dignidade humana num cenário de evidente Estado excepção 8.

2. ENQUADRAMENTO FÁCTICO Em Janeiro de 2011, a intensificação da revolta popular na Tunísia levou à queda do regime ditatorial do país liderado por Zine El Abidine Ben Ali provocando um efeito mimético que inspiraria a realização de acções de insurreição em diversos países magrebino-árabes, num momento da História que ficou baptizado de “Primavera Árabe”910e que ainda hoje produz efeitos em países como a Síria11. 6

Não trataremos, contudo, neste texto da interessante questão que envolve a margem livre de apreciação dos Estados na interpretação as normas da CEDH. Sobre este problema, com indicações, cfr. MEDEIROS (2015, pp. 347 e ss.) cfr., igualmente, KRISCH (2010, pp. 109 e ss.), LEGG (2012, pp. 32 e ss.), TOMUSCHAT (2014, pp. 107 e ss.), LORENZ, Nina-Louisa Arold et al. (2013, pp. 69 e ss.). 7 Cfr., por todos, BESSON (2014, pp. 170 e ss.). Em geral, sobre o pluralismo jurídico num quadro pósnacional, entre outros, cfr. BERMAN (2012, pp. 141 e ss.). 8 Sobre este, cfr., por exemplo, o incontornável texto de AGAMBEN (2005, pp. 1 e ss.). 9 Relativamente aos antecedentes da Primavera Árabe e ao impacto que teve na democratização das sociedades muçulmanas, cfr. ESPOSITO, John L. et al. (2016, pp. 1-25). Sobre a utilização das redes sociais na Primavera Árabe, cfr. JAMALI (2014). 10

Para uma análise aos efeitos da Primavera Árabe na Líbia e a forma como a revolta conduziu à abertura de investigações no Tribunal Penal Internacional contra figuras do aparelho de Estado líbio, cfr. GUERREIRO (2012); KERSTEN (2014, pp. 188-207). 11 Para uma comparação dos resultados da Primavera Árabe no Egipto, na Tunísia e na Síria, cfr. SIKA, (2014, pp. 73-97).

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

40

Alexandre Guerreiro e Artur Flamínio da Silva

No caso específico da Tunísia, o regime autoritário que vigorou no país durante cinco décadas, agravado pela perpetuação de Ben Ali no poder desde 1987 com dividendos económicos para si e para o seu círculo, ao mesmo tempo que muitos tunisinos reclamavam melhores condições de vida e de participação na política, deu início a um movimento de revolta popular rebentou quando a população se revoltou contra a morte de Mohamed Bouazizi, um comerciante de 26 anos que se auto-imolou como protesto pela perseguição encetada pelo Governo. O êxito alcançado motivou o baptismo da revolta com a expressão “Revolução de Jasmim”, em homenagem à flor vendida nas lojas de rua12. Neste quadro, desde 2011 que se veio a assistir a um fluxo migratório sem precedentes para o continente europeu com forte incidência de actividade no Mar Mediterrâneo, uma vez que se tratava do meio aparentemente menos oneroso e mais eficaz de garantir o acesso de cidadãos egípcios, líbios e tunisinos a países ou localidades onde pudessem sentir-se protegidos face à queda das instituições nos respectivos países e a crescente anarquia que se veio a consolidar nos seus Estados de origem13. No passado dia 1 de Setembro de 2015, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem14 pronunciou-se sobre o pedido formalizado por três cidadãos tunisinos contra o Estado italiano, a 9 de Março de 2012, junto do Tribunal localizado em Estrasburgo,

12

Sobre os antecedentes da “Revolução de Jasmim” e o pós-Primavera Árabe na Tunísia, cfr. MARCOVITZ (2014, pp. 26-38); ESPOSITO, John L. et al. (2016, pp. 174-201). 13 A este respeito e às ameaças de segurança sobre os países do Mediterrâneo decorrentes da Primavera Árabe, cfr. BOENING (2014, em especial pp. 11-25). 14 Podemos questionar a terminologia adoptada em língua portuguesa tanto para o Tribunal como para a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, mais concretamente sobre a referência a “Direitos do Homem” ou “Direitos Humanos”. Em francês, a designação oficial é “Droits de l’Homme”, mas em inglês e em castelhano o conceito é mais moderno e mais amplo: “Human Rights” e “Derechos Humanos”, respectivamente. A tendência portuguesa para seguir a adaptação do francês não é recente, tendo as suas origens no facto de, até ao terceiro quartel do século XX, Portugal manifestar uma aproximação e uma afinidade maior com a cultura e política francesas. A título de exemplo, relativamente à “Declaração Universal dos Direitos do Homem”, o crescente reconhecimento de direitos às mulheres e a consequente intenção de eliminar factores passíveis de prolongarem a discriminação com base no género precipitaram a revisão da terminologia em castelhano, mais concretamente de “Derechos del Hombre” para “Derechos Humanos”, em 1952, por via da Resolução 548 (VI) da Assembleia-Geral das Nações Unidas. Portugal nunca procedeu, oficialmente, à mesma alteração, assistindo-se, porém, a uma referência oficial ora a “Direitos do Homem”, ora a “Direitos Humanos”. Com efeito, a Declaração tem a terminologia moderna reconhecida por órgãos de soberania como a Assembleia da República, o que não se estende obrigatoriamente aos restantes.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

41

Lampedusa e o paradoxo da dignidade humana

por factos ocorridos em 201115, numa decisão com impacto considerável na protecção dos Direitos Humanos que importa conhecer. A decisão que comentamos permite, por um lado, discutir os problemas que envolvem a migração de cidadãos de países em cenário de guerra e, por outro, permite discutir elementos que se relacionam com a aplicação do Direito que deriva da Convenção Europeia dos Direitos Humanos no espaço cosmopolita dos Estados Contratantes. Segundo a matéria sujeita a apreciação, os três requerentes, com idades compreendidas entre os 23 e os 28 anos à data da ocorrência dos factos, foram interceptados pela guarda-costeira italiana quando atravessavam o Mar Mediterrâneo numa embarcação, juntamente com outras pessoas, a 16 e 17 de Setembro de 2011, sendo acompanhados até um centro de acolhimento sito na ilha de Lampedusa. Uma vez chegados ao Centro de Contrada Imbriacola, foram-lhes prestados os primeiros socorros e as autoridades procederam à recolha da sua identificação, sendo, finalmente, encaminhados para um sector do Centro reservado a cidadãos tunisinos adultos. Todavia, os requerentes alegam terem sido instalados num espaço sobrelotado e obrigados a dormir no chão dada a insuficiência de camas para dormir e da má qualidade dos colchões. As refeições eram tomadas no espaço exterior, tendo de se sentar no chão. Todo e qualquer contacto com o exterior era impossível e o centro mantinha um sistema de vigilância permanente garantido pelas forças de segurança. A 20 de Setembro de 2011, os migrantes ali detidos organizaram um motim que degenerou num incêndio no interior do centro que forçou as autoridades transalpinas a transferirem os requerentes para o parque desportivo de Lampedusa com o fim de ali passarem a noite. No dia seguinte, os requerentes, juntamente com outros migrantes, lograram romper a barreira de vigilância montada pelas forças de segurança e chegaram à vila de Lampedusa. Uma vez aqui, os requerentes, juntamente com cerca de 1.800 migrantes organizaram manifestações nas ruas da ilha, tendo sido interpelados pelas autoridades 15

O processo “Khlaifia e outros contra Itália” (n.º 16483/12) está disponível para consulta na página do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Cfr. TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2015), Khlaifia et autres c. Italie [Em linha]. [Consultado a 15 de Fevereiro de 2016]. Disponível em http://hudoc.echr.coe.int.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

42

Alexandre Guerreiro e Artur Flamínio da Silva

policiais, detidos e reconduzidos ao centro de acolhimento junto ao aeroporto de Lampedusa. A 22 de Setembro de 2011, os requerentes embarcaram com destino a Palermo, tendo sido transferidos para navios ali atracados, reagrupados nos espaços de restauração sem poderem aceder às cabines e, segundo os mesmos, não tiveram outra alternativa a não ser dormir no chão e esperarem várias horas para terem acesso às instalações sanitárias, dispondo de dois períodos diários em que podiam deslocar-se aos varandins do navio. Alegaram ter sido insultados e maltratados pelos polícias que os vigiavam e não terem recebido qualquer tipo de informação por parte das autoridades. Permaneceram nesta situação até aos dias 27 e 29 de Setembro de 2011, datas em que foram transferidos de Palermo para a Tunísia. Durante a permanência nestes navios, os migrantes recebidos pelo cônsul da Tunísia e indicaram os seus dados pessoais por forma a poder formalizar o processo de expatriação, consagrado nos acordos italo-tunisinos, concluídos a 5 de Abril de 2011. Antes da propositura da acção junto do TEDH, associações de combate ao racismo formalizaram uma queixa-crime no Tribunal de Palermo por abuso de funções e detenção ilegal. O processo foi arquivado a 3 de Abril de 2012, e o Juiz de Instrução Criminal do Tribunal de Palermo confirmou esta decisão, a 1 de Junho de 2012. A fundamentação do JIC incidiu no facto de o Centro de Contrada Imbriacola ter o objectivo de acolher, de auxiliar e fazer face às necessidades higiénicas dos migrantes pelo tempo estritamente necessário antes de encaminhá-los para um centro de identificação e expulsão ou de tomar decisões em seu favor, podendo ainda beneficiar de assistência jurídica e obter informações quanto aos procedimentos a tomarem para darem início a um pedido de asilo. Apesar de reconhecer uma certa “tendência forçada dos requisitos da intermediação e da restrição temporária causada por uma multiplicidade de factores, reconheceu o JIC que está excluída a ilicitude de tal actuação”. O JIC realçou o facto de o incêndio causado pelos tunisinos no Centro ter impossibilitado o Estado italiano de satisfazer as exigências de acolhimento e resgate dos migrantes, situação que se agravou e atentou contra a segurança da população local quando os cidadãos

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

43

Lampedusa e o paradoxo da dignidade humana

tunisinos ameaçaram explodir cilindros de gás durante a manifestação que organizaram no centro da Vila de Lampedusa, o que precipitou a tomada de uma decisão urgente sustentada no interesse público, a qual, porém, não provocou nenhum “dano injusto”. Relativamente à alegada afectação das condições de saúde, o JIC salientou que nenhuma das pessoas a bordo dos navios havia formulado um pedido de asilo e que quem se encontrava no Centro de Acolhimento antes do incêndio e formalizou o pedido fora acompanhado para os centros de Trapani, Caltanissetta e Foggia, acrescentando ainda que os menores que se encontravam sozinhos e as grávidas encontravam-se em locais próprios e que todos receberam atendimento médico, água quente, electricidade, alimentos e bebidas quentes. Atestou-se, ainda que, um Deputado do Parlamento italiano visitou os navios aportados e constatou que se encontravam em boas condições de saúde, dispondo de acesso às cabines e ainda de locais de culto próprios. Foi, ainda, apurado que o juiz de paz de Agrigente anulou dois decretos de expatriação pelo facto de as autoridades italianas terem tomado 10 e 6 dias, respectivamente, a decidir numa questão que afectou a liberdade do destinatário, o que, por se traduzir numa detenção de facto do migrante constitui uma violação à Constituição. Não obstante a decisão e a fundamentação do poder judicial transalpino, o TEDH condenou o Estado italiano ao pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de €10.000 a cada um dos requerentes e ao pagamento de €9.344,51, pelos três, a título de custas e despesas processuais.

3. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO O colectivo de juízes do TEDH condenou a Itália por violação de seis disposições consagradas na Convenção Europeia dos Direitos Humanos: em três, verificou-se unanimidade entre os magistrados; nas outras três, maioria. Em primeiro lugar, o Tribunal apurou que os requerentes não eram livres de abandonar quer o Centro de Acolhimento, quer, posteriormente, os navios para onde foram transferidos e que foram designados como uma “extensão do Centro de

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

44

Alexandre Guerreiro e Artur Flamínio da Silva

Acolhimento”. Foram sujeitos a vigilância constante pela polícia e proibidos de comunicarem com o exterior. Face ao exposto, entendeu-se ter sido violado o n.º 1 do artigo 5.º da CEDH (direito à liberdade e à segurança) 16. Ainda que este preceito permita que os Estados restrinjam a liberdade de estrangeiros para fins de controlos migratórios, qualquer privação de liberdade deve decorrer da aplicação de uma base legal interna, por questões de segurança jurídica, o que não se verificava no ordenamento jurídico italiano, onde inexistia qualquer preceito que expressamente reconhecesse a detenção de migrantes num Centro de Acolhimento. Deste modo, ainda que vigorasse um acordo bilateral entre a Itália e a Tunísia, os migrantes não poderiam prever as consequências de um acordo que não foi tornado público e não puderam beneficiar de protecção contra o tratamento arbitrário. Paralelamente, ainda que o Governo italiano tenha emitido decisões de extradição contra os requerentes, os fundamentos que justificaram a sua detenção não só não constaram de qualquer documento como não foram os mesmos notificados até ao repatriamento para a Tunísia. Assim, entendeu o Tribunal que se verificou uma violação do n.º 2 do artigo 5.º da CEDH (direito a ser-se informado das razões da prisão no mais breve prazo). Como consequência do facto de não terem sido informados, no mais breve prazo, das razões da sua detenção, não puderam os requerentes, em momento algum, questionar a legalidade da sua privação de liberdade. Por este motivo, o Tribunal concluiu pela verificação da violação do n.º 4 do artigo 5.º da CEDH (direito a avaliação da legalidade da detenção). Assistiu-se, ainda, a uma violação ao artigo 4.º do Protocolo n.º 4 da CEDH (proibição de expulsão colectiva de estrangeiros). Com efeito, o TEDH enfatizou que, ainda que os requerentes tenham sido notificados individualmente da pena de repulsão, não foram inquiridos individualmente e as decisões que os abrangeram continham a mesma redacção sem referência à situação pessoal de cada um. A natureza da expulsão colectiva dos requerentes foi confirmada pelo facto de os acordos bilaterais com a Tunísia preverem a repatriação de migrantes tunisinos ilegais 16

Sobre este artigo da CEDH, desenvolvidamente e por exemplo, HARRIS, David et al. (2014, pp. 287 e ss.) e MOWBRAY (2012, pp. 245 e ss.).

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

45

Lampedusa e o paradoxo da dignidade humana

ao abrigo de procedimentos simplificados com base na simples identificação das pessoas visadas pelas autoridades consulares tunisinas. Acresce que os requerentes não beneficiaram de qualquer meio para reclamar das condições de detenção no Centro de Acolhimento, uma vez que um recurso para um magistrado apenas poderia dizer respeito à legalidade do seu repatriamento para a Tunísia, o que viola o disposto no artigo 13.º da CEDH (direito a um recurso efectivo) e, conjuntamente, no artigo 3.º do Protocolo n.º 4 (proibição de expulsão de nacionais). O facto de o recurso não produzir efeitos suspensivos constitui uma violação ao artigo 13.º , em conjunto com o artigo 4.º , do Protocolo n.º 4. Finalmente, o Tribunal apreciou ainda uma eventual violação ao artigo 3.º da CEDH (proibição de tortura e tratamentos desumanos). Os magistrados tiveram em consideração o facto de a Primavera Árabe, em particular os acontecimentos na Tunísia e na Líbia, ter produzido um impacto negativo sobre a ilha de Lampedusa, que se deparou com um fluxo migratório por via marítima extraordinário, o que levou o Estado italiano a decretar o estado de emergência humanitária, e teve ainda em atenção o esforço das autoridades em acomodarem os migrantes após o motim de 20 de Setembro de 2011. Todavia, o TEDH sublinhou que alguns relatórios publicados, entre os quais os da Comissão Extraordinária do Senado italiano e da Amnistia Internacional, atestam que o Centro de Acolhimento de Contrada Imbriacola deparava-se com sérios problemas de sobrelotação (migrantes que dormiam nos corredores), higiene (cheiros e serviços sanitários inutilizáveis) e ausência de contacto com o exterior. O Tribunal relevou o facto de os requerentes se encontrarem vulneráveis após a realização da travessia marítima. Por este motivo, o Tribunal concluiu que, mesmo apesar de terem permanecido detidos por quatro dias, a sua detenção nas condições referidas diminuiu a sua dignidade humana, ultrapassando a situação decorrente do sofrimento resultante da detenção, constituindo antes tratamento desumano que viola o artigo 3.º da CEDH. Este último ponto não obteve unanimidade. Destaque-se, por exemplo, a opinião dos juízes András Sajó e Nebojša Vučinić, que, além de considerarem que os mecanismos de recurso encontravam-se facilmente disponíveis, sublinharam que a

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

46

Alexandre Guerreiro e Artur Flamínio da Silva

duração dos tratamentos desumanos é um factor determinante para a verificação da violação do artigo 3.º do CEDH, recordando acórdãos do TEDH nesse sentido 17. Além de questionarem que as condições descritas atentaram contra a saúde dos requerentes, reforçam que, embora se possa concluir pela verificação de tratamento desumano num curto espaço de tempo, o TEDH concluiu, por diversas vezes, que tal ocorre quando se verificam outros elementos especialmente graves que são decisivos para a determinação dessa condição, pelo que, agora, o reconhecimento do Tribunal segundo o qual a sujeição às condições de detenção ocorreu num curto espaço de tempo deveria ser decisivo para rejeitar a verificação de tratamentos desumanos pelo Estado italiano18. Os dois magistrados questionam ainda a verificação de “expulsão colectiva”, uma vez que este conceito, embora privilegie o princípio fundamental do tratamento individual, tem sido aplicado pelo TEDH em situações raras19 e tende a ser aplicável a casos de expulsão em massa de um grupo pelas características em comum que têm entre si20, distinguindo-se do conceito de “expulsão simultânea” de um certo número de pessoas que se encontram em situação semelhante. Assim, o facto de os requerentes não terem sido expulsos por pertencerem a um grupo étnico, religioso ou nacional e não terem formalizado pedido de asilo permite concluir que o presente caso é semelhante ao processo “M.A. contra Chipre” (n.º 41872/10), onde o TEDH considerou que “o facto de os decretos de expulsão e os documentos correspondentes terem sido concebidos em formato padrão, sendo, como

17

Mais concretamente os processos “Gorea contra Moldávia” (n.º 21984/05), “Terziev contra Bulgária” (n.º 62594/00), “Karalevicius contra Lituânia” (n.º 53254/99) e, mais recentemente, “Tarakhel contra Suíça” (n.º 29217/12). 18 Por exemplo, em situações de detenção de deficientes mentais, de obrigação de o detido passar a noite num espaço reduzido onde não se possa instalar convenientemente ou aceder aos sanitários ou o confinamento a um local não adaptado ao acolhimento de pessoas ou que se revele perigoso. 19 O TEDH considerou que ocorreu “expulsão colectiva” em quatro processos e de duas formas distintas: através da identificação de indivíduos em vias de expulsão com base na sua pertença a um grupo com características comuns, como sucedeu nos processos “Conka contra Bélgica” (n.º 51564/99), “Geórgia contra Rússia” (n.º 13255/07); e através da identificação de um grupo de indivíduos que se encontram fisicamente juntos sem considerar a identidade dos mesmos, conforme se verificou nos processos “Hirsi Jamma e outros contra Itália” (n.º 27765/09) e “Sharifi e outros contra Itália e Grécia” (n.º 16643/09). 20 Por exemplo, critérios étnicos.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

47

Lampedusa e o paradoxo da dignidade humana

tal, idênticos, e o facto de não mencionarem expressamente as decisões precedentes relativamente ao processo de asilo” não é “revelador de uma expulsão colectiva”21.

4. O CONTEXTO COSMOPOLITA E A CEDH A decisão que se analisa é uma demonstração inegável da emergência de um direito cosmopolita (ou se preferirmos um direito global)22. Na verdade, a possibilidade de os particulares (inclusivamente organizações não governamentais) poderem demandar um Estado pela violação da CEDH23 – ultrapassando, assim, a concepção de que o Direito Internacional Público é um mero Direito entre Estados – permite, desde logo, demonstrar que as regras previstas na CEDH protegem os particulares de violações aos direitos humanos que ocorram no espaço das fronteiras do Estado e da comunidade política em que se inserem24. Com efeito, este direito cosmopolita implica primacialmente a emergência de: “um sistema jurídico em que o poder público tem como obrigação de, no seio da sua jurisdição, assegurar o respeito pelos direitos fundamentais de qualquer pessoa, independente da nacionalidade ou cidadania da mesma”25. Esta constatação é passível de contextualização à luz das várias concepções do direito cosmopolita, sem prejuízo de uma análise exaustiva que não cabe no presente trabalho26. Na sua origem, é consensual que a conceptualização do direito cosmopolita é profundamente tributária do trabalho de IMMANUEL KANT. Este autor entendia que a existência de um direito mundial (Weltrecht) estabelece uma garantia global de o cidadão do mundo ser tratado em todos os locais do mundo como tal, sendo,

21

Cfr. TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2013), Case of M.A. v. Cyprus [Em linha]. [Consultado a 15 de Fevereiro de 2016]. Disponível em http://hudoc.echr.coe.int. §246. 22 Considerando precisamente – ao analisar o direito cosmopolita de Ulrich Beck – que “It is the reality of our times”. Cfr. BLANK (2014, pp. 65 e ss.). 23 Com efeito, nos termos do artigo 34.º da CEDH: “O Tribunal pode receber petições de qualquer pessoa singular, organização não governamental ou grupo de particulares que se considere vítima de violação por qualquer Alta Parte Contratante dos direitos reconhecidos na Convenção ou nos seus protocolos. As Altas Partes Contratantes comprometem-se a não criar qualquer entrave ao exercício efectivo desse direito”. Sobre o indivíduo como sujeito de direito internacional, cfr., entre outros, ESTEVES (1986, pp. 185 e ss.) e VILELA (2014, pp. 779 e ss.). 24 Cfr. DOMINGO (2010, p. 36). 25 SWEET (2012, p. 60). 26 Cfr., por todos, KÖHLER (2006, pp. 32 e ss.).

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

48

Alexandre Guerreiro e Artur Flamínio da Silva

portanto, exigível que obtenha um tratamento pacífico

27

e de acordo com a sua

condição 28. O direito cosmopolita é, no entanto, ainda uma arena propícia a debates e a divergências que tornam a construção cosmopolita permeável a um desafio que envolve também o ordenamento jurídico nacional. É que não se encontra ainda resolvida a interacção entre este direito cosmopolita e o Estado nacional soberano que impõe limites e regras que ainda não tutelam adequadamente os direitos e as posições jurídicas dos refugiados29. Na verdade, a crescente vaga de refugiados que – numa dimensão sem precedentes no séc. XXI – colocou, em particular, os Estados mais procurados por estes num cenário de insuficiência30 – que não é, todavia, autoprovocado – de meios humanos e físicos para acolher aqueles que mais precisam de auxílio para fugir de um panorama aterrador no seu país de origem. Esta circunstância coloca em crise um dos supostos pressupostos do direito cosmopolita kantiano: o tratamento dos migrantes como cidadãos cosmopolitas

31

.

Sem condições para receber condignamente os cidadãos mundiais (migrantes), tornase imperativo perceber qual a solução para um dilema acentuado que se manifesta da seguinte forma: (i) ou os migrantes são simplesmente repatriados; (ii) ou poderão ser recebidos no Estado de acolhimento sem condições suficientes dignas para a sua condição humana e de cidadãos mundiais; (iii) ou, por último, o Estado de acolhimento tem a responsabilidade de garantir aos migrantes todas as condições económicas e de

27

Sobre este contexto no projecto de paz de Kant, cfr. WOOD (1998, pp. 59 e ss.). Sobre a questão, com indicações, cfr. SCHMALZ (2016, pp. 226 e ss.). A Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados adopta precisamente esta concepção ao estabelecer no artigo 32.º, n.º 1 que: “Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou repelirá um refugiado, seja de que maneira for, para as fronteiras dos territórios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaçados em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas”. 29 Neste sentido, cfr. SCHMALZ (2016, p. 237). Sobre as interacções entre o direito nacional e o direito cosmopolita em matéria de refugiados, cfr. BUCKEL (2013, pp. 49 e ss.) e BABAN (2013, pp. 217 e ss.). 30 São conhecidas as condições em que os refugiados são acolhidos, sujeitando-se a viver em habitações precárias durante vários anos, com as limitações evidentes que envolvem a vida num campo de refugiado. Sobre esta questão, cfr., por todos, AGUIER (2011, pp. 36 e ss.). 31 Sem prejuízo de se discutir inclusivamente se existe um direito humano à migração, cfr. VALADEZ, (2010, pp. 221 e ss.) 28

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

49

Lampedusa e o paradoxo da dignidade humana

sobrevivência que merecem todos os seres humanos, mas não o podendo fazer têm que responsabilizar-se pela inexistência daquelas condições32. A solução pode variar consoante a compreensão teórica que se adopte em torno do direito cosmopolita (Held, 2010, pp. 14 e ss.). Com efeito, na decisão analisada, parece-nos que o TEDH parte de uma concepção adequada do conteúdo do direito cosmopolita, na medida em que compreende que este deve consubstanciar um compromisso de protecção dos direitos humanos de qualquer cidadão que se encontre no território de uma das partes contratantes. O direito cosmopolita deixa, assim, de ser entendido como uma forma de unitarização (e de imposição da maioria à minoria) dos valores de uma determinada comunidade33, sendo que os respectivos mecanismos de protecção não se dirigem somente aos cidadãos de uma determinada comunidade, mas também aos cidadãos mundiais34. O conteúdo do direito cosmopolita do TEDH permite, portanto, assumir uma inclusão dos cidadãos do mundo num direito de aplicação universal, mas que protege

direitos

humanos,

seguindo

uma

lógica

de

que

os

cidadãos

(independentemente da sua comunidade de origem) têm uma igualdade axiológica (Ingram, 2013, pp. 226 e ss.). É, assim, portanto, que o sistema de protecção da CEDH evita “passa[r] a oferecer caução a todo e qualquer sistema, desde que funcional” (Coutinho, 2009, p. 537).

32

Importa proceder à distinção entre os conceitos de refugiado e migrante. O primeiro tem como base, desde logo, a Convenção de Genebra de 1951, relativa ao estatuto dos refugiados, e serve para qualificar uma pessoa humana que se encontra fora do país da sua nacionalidade por ser ou temer ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas e à qual é garantido asilo. No plano europeu, o conceito de perseguição refere, aparentemente, situações mais concretas de perseguição, conforme resulta das Directivas n.ºs 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de Abril, 2005/85/CE, do Conselho, de 1 de Dezembro, 2011/95/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro, 2013/32/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, e 2013/33/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho. Por outro lado, o conceito de migrante é aplicável às pessoas humanas que abandonam o país da sua nacionalidade rumo a um terceiro Estado tendo motivações puramente económicas. Embora um migrante possa ambicionar a concessão de asilo, enquanto a protecção não lhe é concedida manter-se-á como migrante ou mero requerente de asilo, não sendo, portanto, um refugiado. Neste sentido, cfr. Guerreiro (2016, pp. 165-170). 33 Conforme reconhece Schmalz (2016, p. 237), a questão não está tanto em saber se o direito cosmopolita é uma solução, mas qual o direito cosmopolita e na necessidade de incorporar elementos críticos na construção teórica que envolve soluções globais. 34 Afastamo-nos, portanto, das consequências que se retiram da concepção de Walzer (2002, pp. 125 e ss.), que nega a existência de cidadãos mundiais.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

50

Alexandre Guerreiro e Artur Flamínio da Silva

Com efeito, é perfeitamente plausível afirmar que: “o reforço do regime internacional de prote[c]ção de direitos humanos – com a progressiva afirmação de um princípio de equiparação entre cidadãos e não cidadãos em nome o princípio da dignidade humana” se assume determinante para a “desvalorização da nacionalidade” (Medeiros, 2014, pp. 303 e 304) e implica “uma esperança de aproximação dos indivíduos, libertando-os do fardo de terem nascido num local inóspito e esquecido do planeta” (Roque, 2014, p. 875). Neste sentido, podemos, desde logo, concluir que a primeira opção das soluções que apontámos para resolver o dilema do acolhimento de migrantes é, sem margem para dúvidas, a que menos segurança na sustentação de um dever de hospitalidade para com os cidadãos cosmopolitas (no sentido kantiano) oferece. As restantes duas são as mais adequadas a cumprir, mas não deixam ser controversas (como se verá seguidamente).

5. APRECIAÇÃO CRÍTICA DA DECISÃO A potencialidade maior e com mais relevância relativamente a uma análise desta decisão reside, desde logo, na importância atribuída à indisponibilidade da dignidade da pessoa humana (Rothhaar, 2015, pp. 4 e ss.), sendo, portanto, um limite intransponível para o legislador nacional no tocante aos direitos humanos consagrados na CEDH. Esta solução comporta, no entanto, um paradoxo já anteriormente ensaiado: a hipótese de conciliação da indisponibilidade da dignidade humana dos migrantes com a falta de meios e condições dos Estados para os receber. É certo que existe, segundo a argumentação do TEDH, um dever jurídico de proteger (com total dignidade) os estrangeiros que entram num território contra as regras de entrada e permanência de pessoas em vigor nesse Estado, o que é justificado pela situação de especial fragilidade que apresentam. Em todo o caso, deve ser ponderada a hipótese de ser compaginável a concomitante violação da CEDH quando os Estados simplesmente não têm capacidade para o fazer quando se deparam com uma situação de emergência, não se encontrando preparados para lidar com a crise humanitária instalada.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

51

Lampedusa e o paradoxo da dignidade humana

Com efeito, faz sentido que se pondere, no longo prazo, se o Estado de acolhimento não tem uma posição activa na melhoria das condições de vida dos migrantes ou na sua integração. Um desses exemplos seria uma eternização da condição de migrante (e eventualmente de refugiado) em campos adaptados para o efeito, mas que com o decurso de alguns anos, mais não servem do que para marginalizar estes seres humanos numa lógica de que são simplesmente não-cidadãos. Mas cumpre, na verdade, questionar como pode o Estado de acolhimento ser relativamente responsabilizado por um estado de emergência que ele próprio não provocou. É esta a questão em aberto que merece ser discutida. Com efeito, enfatize-se que, a exemplo do que sucedeu nos acórdãos “Sharifi contra Itália e Grécia” (n.º 16643/09) e “Hirsi Jamaa e outros contra Itália”(n.º 27765/09), ainda que os Estados costeiros adoptem medidas preventivas, mesmo em alto mar, que visem reduzir uma maior exposição a fluxos migratórios, passíveis de afectar a situação social do país, que decorre das suas características geográficas, são confrontados com a aplicação extraterritorial da CEDH (Barreto, 2015, p. 491). Ora, tais constatações merecem uma reflexão mais profunda no âmbito de uma confrontação com outras decisões do TEDH e com a doutrina no sentido de reconhecer que a “natureza, aparentemente absoluta, do direito de deixar um país, incluindo o seu, pode vir a ser atenuada”, condicionando-se o direito de alguém poder ir para um país da sua escolha desde que este lhe admita a entrada35. São, aliás, várias as decisões que concluem que “a Convenção não garante o direito a um estrangeiro de entrar, residir ou estabelecer-se num determinado país” (Barreto, 2015, p. 490). Na prática, não apenas respondem por actos que impeçam migrantes ilegais de entrarem no seu território, como respondem pela obrigação de os acolherem (ainda que temporariamente) e de lhes fornecerem cuidados de primeira necessidade. Todavia, em todas as decisões, o Tribunal parece menosprezar as condicionantes que motivam alguns Estados mais vulneráveis a assumirem medidas preventivas que permitam dar a resposta assumida como possível face à sua capacidade.

35

Cfr. BARRETO, Ireneu Cabral, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 5.ª ed. revista e actualizada, Coimbra: Almedina, 2015, p. 491.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

52

Alexandre Guerreiro e Artur Flamínio da Silva

Outro problema importante é, neste contexto, uma situação conexa, mas delicada. Resta-nos, com efeito, perceber qual a bitola pela qual deve ser guiada a análise em torno da dignidade da pessoa humana. Ora, é possível que um acolhimento temporário e num cenário de crise, com condições de higiene e de espaço limitadas, possa configurar uma violação das obrigações dos Estados contratantes da CEDH? É certo que os migrantes se encontram numa situação de especial fragilidade, necessitando, como é evidente, de condições de acolhimento que permitam atenuar o grande sofrimento de que padecem, mas terão os Estados de ser responsáveis por violação da CEDH quando, num período transitório, não podem apresentar as condições de higiene e de dignidade que seria, em regra, de esperar num cenário em que não existisse uma crise humanitária? Qual seria a alternativa? Com efeito, importa recordar o entendimento de que “o mau tratamento terá de atingir um mínimo de gravidade, a definir de acordo com apelo a elementos diversos, como, por exemplo, a sua duração, os efeitos físicos ou psicológicos, a idade, o sexo ou o estado de saúde da vítima, não sendo suficiente que o tratamento seja ilegal, desonroso, repreensível ou desagradável” (Barreto, 2015, p. 93). É certo que a interpretação da CEDH deve favorecer a protecção da dignidade da pessoa humana. Porém, no caso em apreço, essa protecção parece assumir uma dimensão incondicional ao ponto de ignorar factores cujo controlo não está ao alcance dos Estados, questionando-se se a ponderação não deverá ser mais equilibrada de modo a impedir uma aplicação fundamentalista e desajustada de uma realidade que, cada vez mais, parece seguir no sentido de exigir um nível de sacrifício financeiro e um destacamento célere de meios a que os Estados poderão não conseguir corresponder. Ainda neste sentido, atente-se, por exemplo, ao importante acórdão “Tarakhel contra Suíça” (n.º 29217/12), no qual o Tribunal determina que os Estados devem disponibilizar condições ajustadas a acolher crianças de modo a assegurar que as condições não degeneram em situações de stress e ansiedade passíveis de deixar sequelas traumáticas36.

36

Cfr. TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2014), Case of Tarakhel v. Switzerland [Em linha]. [Consultado a 15 de Fevereiro de 2016]. Disponível em . §119-122.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

53

Lampedusa e o paradoxo da dignidade humana

O acórdão é mais abrangente, sendo que, também aqui, se repudia a ausência de condições de acolhimento para todos os requerentes de asilo, algo que merece reflexão, igualmente, em sede de União Europeia como um todo, já que, conforme sublinhado anteriormente, alguns Estados estão mais expostos a fluxos migratórios do que outros, sem que se assista a um espírito de solidariedade de facto por parte dos que geograficamente se encontram mais protegidos e menos susceptíveis a este fenómeno e, como tal, acabam por ser excluídos da responsabilização a que estão sujeitos os Estados que marcam a fronteira entre o espaço Schengen e terceiros Estados. Em suma, além da CEDH, poderá também estar em causa o cumprimento da Directiva n.º 2003/09/CE, do Conselho, de 27 de Janeiro de 2003, que estabelece normas mínimas em matéria de acolhimento dos requerentes de asilo nos EstadosMembros. É, assim, importante que as instâncias comunitárias e, em particular, o TEDH, demonstrem alguma tolerância e flexibilidade para com eventuais situações de violação excepcional e justificada das normas em apreço em matéria de direitos, liberdades e garantias, deixando de olhar para tais violações como transtornos ou censurando tais condutas como se o incumprimento de tais princípios e valores reflectissem situações de pura responsabilidade objectiva estatal.

6. CONCLUSÕES A circulação de pessoas entre Estados, tenham a qualidade de migrantes ou de refugiados, emerge como tema dominante num contexto de globalização no qual a soberania dos Estados é desafiada relativamente à tomada de decisão sobre a quem, entre os estrangeiros, deve ser concedida ou recusada entrada e permanência no seu território, bem como às condições que um Estado deve e poderá proporcionar ao estrangeiro durante o espaço de tempo em que toma esta decisão. Independentemente da qualidade que o estrangeiro venha a assumir no futuro, é expectável e exigível que essa condição seja temporária, seja porque na situação migratória ainda não atingiu o seu destino final – devendo, caso pretenda estabelecerse no país de entrada, proceder à regularização da sua permanência –, seja porque em

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

54

Alexandre Guerreiro e Artur Flamínio da Silva

situações de asilo a causa que justifica o seu estatuto de refugiado deva cessar por estar comprometida a protecção do indivíduo enquanto Ser Humano. No processo “Khlaifia e outros contra Itália”, o colectivo de juízes decide num sentido que deixa mais dúvidas do que respostas relativamente aos deveres dos Estados-Partes para com os migrantes. Desde logo, é possível aferir das conclusões do TEDH que o direito à liberdade e à segurança poderá não estar comprometido se os Estados positivarem uma norma que legitime o confinamento de migrantes que entram ilegalmente no território de um Estado Parte a um espaço que os prive de contactos com o exterior e os sujeite a vigilância das autoridades. Com efeito, é neste sentido que o Tribunal parece apontar ao afastar o regime aplicável aos beneficiários de asilo, que reconhece a liberdade de circulação dos refugiados no território onde se encontram, do previsto para os migrantes ilegais ao direccionar as críticas para a lotação do centro de Lampedusa na altura dos acontecimentos e para o facto de estas instalações não terem correspondência legal que as qualifique como centro de acolhimento de migrantes ilegais, motivo pelo qual se recomenda que as autoridades italianas procedam à clarificação do estatuto da infra-estrutura utilizada como centro de detenção. Simultaneamente, o simples facto de migrantes terem em comum a nacionalidade constituirá fundamento suficiente para se presumir a verificação de expulsão colectiva motivada neste elemento se forem emitidos documentos tipo de expulsão mas dirigidos aos destinatários correctos e os documentos não padecerem de vícios materiais? A ser assim, como podem os Estados, em tempos de crise, garantir o cumprimento da prestação de informação das razões da prisão no mais breve prazo e individualizar a redacção da documentação necessária sem evitar a violação da Convenção por manter os migrantes detidos durante um período prolongado? Por outro lado, conforme referido anteriormente, parece que o TEDH considerou uma aplicação ampla e abstracta da proibição de tratamentos desumanos ignorando o surto inesperado de uma crise humanitária, deixando a ideia de que, ainda que os Estados Partes não tenham intenção de proporcionar um tratamento desumano,

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

55

Lampedusa e o paradoxo da dignidade humana

devem estar preparados para responder a situações de crise extraordinárias, sob pena de responderem por violação da CEDH. Assim, será que a prioridade deixa de ser a garantia de protecção a migrantes cujas características lhes poderá permitir beneficiar de asilo, garantia esta que passaria a tomar-se por adquirida, ainda que os Estados não a pudessem prever, nem fossem por elas responsáveis, para passar a ser a disponibilização de instalações em condições que privilegiem o acolhimento individual? No mesmo sentido, coloca-se a questão de saber se se tornará irrelevante o período de tempo e a razão que sustenta a verificação da diminuição da dignidade humana, ocorrendo violação do artigo 3.º da CEDH a colocação de migrantes num contexto de sobrelotação e condições de higiene deficientes, o que parece opor-se ao entendimento geral do Tribunal até ao momento37. Em suma, a decisão do TEDH no âmbito do processo “Khlaifia e outros contra Itália” assume um grau de importância fulcral para reflectir se se tratou esta de uma decisão excepcional ou se o processo em apreço marca a inversão da tendência e o reconhecimento de uma responsabilidade acrescida para os Estados? Estarão verificadas as condições para que migrantes e refugiados colocados em campos de acolhimento na Turquia, Estado Parte da CEDH, possam propor acções de condenação de Ancara com base nos mesmos princípios, ignorando-se o facto de o território turco acolher cerca de 1,83 milhões de refugiados em condições inferiores às que a Itália garante38? Estas e muitas outras questões permanecem de momento sem resposta mas mantêm aberto o debate e devem promover a participação e a tomada de decisão por parte dos diversos Estados Partes na CEDH.

37

Relativamente a situações similares com o caso em apreço, vejam-se as decisões dos processos “Gavrilovici contra Moldávia” (n.º 25464/05), “Aliev contra Turquia” (n.º 30518/11) e “T. e A. contra Turquia” (n.º 47146/11). 38 Segundo dados oficiais, em actualização permanente, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Cfr. ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS (2016), 2015 UNHCR country operations profile – Turkey [Em linha]. [Consultado a 15 de Fevereiro de 2016]. Disponível em http://www.unhcr.org.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

56

Alexandre Guerreiro e Artur Flamínio da Silva

BIBLIOGRAFIA AGAMBEN, Giorgio (2005), State of Exception. Chicago: Chicago University Press. AGUIER, Michel (2011), Managing the Undesirables. Cambridge: Polity Press. BABAN, Feyzi (2013), Cosmopolitan Europe: Border Crossing and Transnationalism in Europe. Global Society, Vol. 27, n.º 3, pp. 217 e ss. BARRETO, Ireneu Cabral (2015), A Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 5.ª ed. revista e actualizada. Coimbra: Almedina. BERMAN, Paul Schiff (2012), Global Legal Pluralism. Cambridge: Cambridge University Press. BESSON, Samantha (2014), European human rights pluralism. Notion and justification. Transnational Law: Rethinking European Law and Legal Thinking, MIGUEL MADURO, KAARLOTUORI e SUVISANKARI (Ed.), Cambridge: Cambridge University Press, pp. 170 e ss. BLANK, Yishai (2014), The Reality of Cosmopolitanism. Ulrich Beck. Pioneer in Cosmopolitan Sociology and Risk Society, Heidelberga: Springer, pp. 65 e ss. BOENING, Astrid B. (2014), The Arab Spring: Re-Balancing the Greater EuroMediterranean? Heidelberg: Springer BUCKEL, Sonja (2013), 'Welcome to Europe' - Die Grenzen des europäischen Migrationsrechts. Bielefeld: Transcript. COUTINHO, Luís Pereira (2009), A Autoridade Moral da Constituição – da Fundamentação da Validade do Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra Editora. DOMINGO, Rafael (2010), The New Global Law.Cambridge: Cambridge University Press. ESPOSITO, John L. et al.(n.d.), Islam and Democracy after the Arab Spring. Nova Iorque: Oxford University Press, 2016. ESTEVES, Maria Assunção Andrade (1986), O Indivíduo como Sujeito de Direito Internacional Público. Revista da AAFDL, n.º 6, Lisboa: AAFDL, pp. 185 e ss. GUERREIRO, Alexandre (2012), A Resistência dos Estados Africanos à Jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Coimbra: Almedina.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

57

Lampedusa e o paradoxo da dignidade humana

______ (2016), O Islão, o Estado Islâmico e os Refugiados: Quebrar Mitos e Desvendar Mistérios. Lisboa: Quimera. HABERMANS, Jürgen (1998), Die Postnationale Konstellation. Essays, Frankfurt am Main: Suhrkamp. HARRIS, Davidet al. (2014), Law of the European Convention on Human Rights. 3.ª Edição. Oxford: Oxford University Press. HELD, David (1995), Democracy and the Global Order. From the Modern State to Cosmopolitan Governance. Stanford: Stanford University Press. ______ (2010),Cosmopolitanism. Cambridge: Polity. INGRAM, James D. (2013), Radical Cosmopolitics. Nova Iorque: Columbia University Press. JAMALI, Reza (2014), Online Arab Spring: Social Media and Fundamental Change. EUA: Elsevier. KERSTEN, Mark (2014), Justice after the war: The International Criminal Court and postGaddafi Libya. Transitional Justice and the Arab Spring, KIRSTEN J. FISHER/ROBERT STEWART (eds.), EUA: Routledge, pp. 188-207. KÖHLER, Benedikt (2006), Soziologie des Neuen Kosmopolitismus. Wiesbaden: VS Verlag. KRISCH, Nico (2010), Beyond Constitutionalism. Oxford: Oxford University Press. LEGG, Andrew (2012), The Margin of Appreciation in International Human Rights Law. Oxford: Oxford University Press. LORENZ, Nina-Louisa Aroldet al. (2013), The European Human Rights Culture. A Paradox of Human Rights Protection in Europe? Leiden: Martinus Nijhoff. MARCOVITZ, Hal (2014), The Arab Spring Uprisings. EUA: Reference Point Press. MEDEIROS, Rui (2015), A Constituição num contexto Global. Lisboa: Católica Editora. MOWBRAY, Alastair (2012), Cases, Materials, and Commentary on the European Convention on Human Rights. Oxford: Oxford University Press. ROQUE, Miguel Prata (2014), O Direito Administrativo Transnacional. Lisboa: AAFDL. ROTHHAAR, Markus (2015), Die Menschenwürdeals Prinzip des Rechts. Tubinga: Mohr Siebeck.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

58

Alexandre Guerreiro e Artur Flamínio da Silva

SCHMALZ, Dana (2016), Kosmopolitismuszwischen Vereinigung und Differenz, Transkulturelle Politische Theorie. Eine Einführung, Wiesbaden, Springer, pp. 221 e ss. SIKA, Nadine (2014), The Arab State and Social Contestation. Beyond the Arab Spring: The Evolving Ruling Bargain in the Middle East, MEHRAN KAMRAVA (ed.), Oxford: Oxford University Press, pp. 73-97. SWEET, Alec Stone (2012), A cosmopolitan legal order: Constitutional pluralism and rights adjudication in Europe. Global Constitutionalism, n.º 1/1, pp. 53 e ss. TOMUSCHAT, Christian (2014), Human Rights: Between Idealism and Realism. 3.ª Edição. Oxford: Oxford University Press. VALADEZ, Jorge M. (2010), Is immigration an human right? Cosmopolitanism in Context, ROLAND PIERIK e WOUTER WERNER, Cambridge: Cambridge University Press, pp. 221 e ss. VILELA, Alexandra (2014), O Cidadão enquanto Sujeito no Direito Internacional: o caso particular da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Para Jorge Leite. Estudos Jurídicos, Vol. III, Coimbra: Coimbra Editora, pp. 779 e ss. WALZER, Michael (2002), Spheres of Afection. For The Love of The Country?, Boston: Beacon Press, pp. 125 e ss. WOOD, Allen W. (1998), Kant’s Project for Perpetual Peace. Cosmopolitics: Thinking and Feeling Beyond the Nation, Minneapolis: University of Minnesota Press, pp. 59 e ss.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

59

A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

A CONTRATAÇÃO PÚBLICA SOCIALMENTE RESPONSÁVEL AO SERVIÇO DOS JOVENS NEET CARLOS RODRIGUES1

RESUMO A contratação pública tem o potencial de influenciar os mercados e modelar comportamentos tanto de empresas como de indivíduos. À sua política primária – a prossecução do interesse público ao menor custo possível – acrescem, por impulso comunitário, as políticas secundárias ligadas ao ambiente e à condição social. A presente investigação visa analisar a evolução da contratação pública social enquanto pilar da contratação pública sustentável e instrumento de políticas de apoio aos jovens NEET – Not Currently Engaged in Employment, Education or Training. Palavras-chave: contratação pública, políticas sociais, desenvolvimento sustentável, União Europeia, Not Currently Engaged in Employment, Education or Training (NEET).

ABSTRACT The Public Procurement socially responsible at the service of NEET youth. Public procurement has the potential to influence markets and model behavior of both companies and individuals. To its primary policy - the pursuit of public interest at the lowest possible cost – are added, by Community impetus, secondary policies related to the environment and the social condition. This research aims to analyze the evolution of social public procurement as a pillar of sustainable public procurement and instrument of support policies aimed to NEET - Not Currently Engaged in Employment, Education or Training - population. Keywords: public procurement, social policies sustainable development, European Union, Not Currently Engaged in Employment, Education or Training (NEET).

Histórico do artigo: recebido em 15-02-2016; recebido após revisão em 10-03-2016; aprovado em 19-032016; publicado em 03-05-2016. 1 Jurista e Mestre em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Coimbra, Portugal. E-mail: [email protected].

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

60

Carlos Rodrigues

1. NOTAS INTRODUTÓRIAS A Europa, tal como o resto do Mundo, atravessa uma crise que afeta diversos campos e áreas de atividade, desde a preservação dos ecossistemas até à sustentabilidade dos sistemas económicos. Neste sentido, o desafio das sociedades hodiernas é duplo: por um lado, estimular o desenvolvimento económico e a proteção ambiental, conducente ao aumento do emprego e ao aumento do bem-estar; por outro, garantir a sustentabilidade, nomeadamente ambiental, desse desenvolvimento. A contratação pública ocupa um lugar de peso no orçamento nacional e no orçamento comunitário. Nas duas últimas décadas, temos assistido a um esforço considerável pela melhor regulamentação possível deste setor de atividade pública, com o duplo objetivo de, por um lado, evitar práticas de corrupção, tornando o regime jurídico aplicável mais robusto e garantístico, em respeito a certos princípios básicos e, por outro lado, instrumentalizar a influência notável que a contratação pública detém nos mercados para a prossecução de políticas secundárias, como a proteção do ambiente e o desenvolvimento e a aplicação de políticas sociais de inclusão e de empregabilidade. A presente investigação centra-se, precisamente, na prossecução de políticas secundárias de cariz social, com especial atenção para os jovens NEET (Not Currently Engaged in Employment, Education or Training), i.e., a percentagem dos jovens que não estão a trabalhar, nem a estudar nem a fazer formação. O escopo destas políticas é bem mais amplo e complexo, mas o recorte aqui operado justifica-se pelo imperativo atual de se fazer frente a uma série de desafios prementes que perpassam a cena global, no domínio social, dos quais optamos por analisar a (cada vez mais) crítica taxa de desemprego entre os jovens, fator de múltiplas consequências como a emigração forçada, o abandono do ensino superior e a degradação dos sistemas de segurança social. A Contratação Pública Socialmente Responsável pode ser definida como a contratação pública que incorpora critérios sociais no seu âmbito, o que pode ocorrer em três momentos: na fase de formação do contrato, na definição e consequente aplicação do critério de adjudicação ou, ainda, na fase de execução do contrato já

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

61

A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

formado e adjudicado. Pelo exposto, e em confronto com o conceito de desenvolvimento sustentável de Brundtland2, num entendimento mais atual que veio a incluir as dimensões social e económica, podemos concluir que a esta faceta da contratação pública é, a par com a contratação pública ecológica, um dos pilares da nova faceta da contratação pública que a União Europeia tem conjugado esforços para erguer: a contratação pública sustentável. Pretendemos expor a ligação entre a contratação pública e as políticas secundárias de cariz social relativas aos jovens NEET, em função das quais aquela pode e deve ser instrumentalizada no contexto de uma estratégia de governação sustentável. As Diretivas de 2014, ao virem aperfeiçoar o regime jurídico aplicável à contratação pública a nível comunitário, constituem um dos avanços mais significativos nesta matéria no panorama mundial, o que coloca a União Europeia, e ato contínuo Portugal, na vanguarda das políticas públicas de sustentabilidade. Esta terminologia tem origem internacional e tem sido alvo de atenção por todos os decisores políticos. Aqui, torna-se essencial a leitura de um Relatório da autoria da Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho, de 2012, que apresenta as características, os custos e as respostas, a nível de políticas, dos jovens NEET.

2. CONCEITOS Cumpre identificar e densificar os conceitos-chave em torno dos quais a presente investigação irá tecer as considerações devidas. Relativamente ao conceito de contrato público, seguimos RAIMUNDO: “os contratos celebrados por entidades públicas ou que surgem numa posição de vantagem ou de sujeição, com específicos contornos jurídico-públicos” (2013, p. 44). Trata-se de uma noção, como sublinha ANDRADE (2010), com um recorte orgânico ou estatutário. Devido a essa relação de supra-infra ordenação, os contratos públicos estão submetidos a uma fase de formação

2

Tal como definido na Conferência de Brundtland de 1987, mormente no Relatório daí derivado, “Our Common Future”, o desenvolvimento sustentável traduz-se no desenvolvimento que permite satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de satisfação das necessidades pelas gerações futuras.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

62

Carlos Rodrigues

regulada com o propósito de salvaguardar valores e interesses como a imparcialidade, a objetividade e a eficiência da afetação dos recursos públicos. Por contratação pública podemos definir as aquisições de bens ou serviços feitas por entidades estaduais que sejam necessárias ao bom cumprimento das suas funções. Desta definição podemos partir para uma outra, mais abrangente e na qual a primeira se enquadra: a noção de Direito da Contratação Pública. i.e., o conjunto de normas que regulam a atividade de aquisição de bens e serviços realizada por entes estaduais3. No Direito Português vigora uma noção ampla. Por contrato público entende-se todo o contrato celebrado por entes públicos, sejam ou não entidades adjudicantes na perspetiva do Código dos Contratos Públicos (CCP). Aliás, visitando os artigos 2.º e 5.º deste diploma, encontramos exclusões subjetivas (entidades) e objetivas (tipos de contratos) ao âmbito de aplicação do mesmo4. Em Portugal, a contratação pública encontra-se regulada pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, que aprova o Código dos Contratos Públicos. Este encontrase sistematizado em quatro Partes, que regulam: o âmbito de aplicação objetivo e subjetivo do regime (Parte I); os diversos tipos de procedimentos de contratação pública, as suas regras, características e requisitos (Parte II); o regime substantivo dos contratos administrativos (Parte III); e o regime contraordenacional (Parte IV). O referido Decreto-Lei procede à transposição das Diretivas n.ºs 2004/17/CE e 20014/18/CE, ambas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março (designada por Diretiva clássica), alteradas pela Diretiva n.º 2005/51/CE, da Comissão, de 7 de setembro, e retificadas pela Diretiva n.º 2005/75/CE, do Parlamento Europeu e da Comissão, de 16 de novembro. Vem, assim, criar um conjunto homogéneo de normas relativas aos procedimentos pré-contratuais públicos e, no exercício da 3

Neste sentido, RODRIGUES, Nuno Cunha, A Contratação Pública como Instrumento de Política Económica, Tese de Doutoramento. Coimbra: Almedina, novembro de 2013. O autor constata que os contratos públicos integram o movimento de globalização económica, o que se deduz do fenómeno de internacionalização do Direito dos Contratos Públicos. 4 O conceito de contrato administrativo é mais restrito e resulta do número 6, do artigo 1º do CCP. Para mais desenvolvimentos acerca desta noção, vide GONÇALVES, Pedro, O contrato administrativo – uma instituição do direito administrativo do nosso tempo, Almedina, Coimbra, 2003. Num comentário ajustado ao CCP, vide SOUSA, Marcelo Rebelo de, e MATOS, André Salgado de, Contratos Públicos – Direito Administrativo Geral, Tomo III, Dom Quixote, Lisboa, 2008, pp. 22-72.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

63

A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

margem de livre decisão deixada pelo legislador comunitário aos legisladores nacionais, inovar no que se entendeu por necessário para garantir a segurança e estabilidade jurídica aos operadores económicos, no contexto de uma modernização contínua e em respeito pelos princípios da transparência, da igualdade e da concorrência. Exploremos, em termos sucintos, os princípios enunciados. O princípio da transparência impõe que todos os procedimentos concursais sejam, atempada e devidamente, publicitados nos canais oficiais de comunicação. Por seu lado, o princípio da igualdade postula que os procedimentos concursais sejam realizados num ambiente pautado por iguais condições de acesso e de participação. De acordo com o princípio da concorrência, ex libris do direito comunitário, por cujo estrito respeito se pautam todos os regimes de contratação pública, na formação dos contratos deve garantir-se o mais amplo acesso aos respetivos procedimentos aos interessados em contratar, i.e., aos potenciais concorrentes. A contratação pública é, per si, um instrumento de mercado frequentemente utilizado pela Administração Pública no exercício das suas funções, inerentes à sua missão que é a prossecução do interesse público (nos termos do número 1 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa). Este pode ser definido como um conjunto de necessidades coletivas a serem satisfeitas através de serviços que a Administração Pública cria, organiza e cuida de manter. Pelo peso que ocupa tanto no orçamento nacional, como no orçamento da União Europeia, a contratação pública tem o potencial de influenciar os mercados e moldar comportamentos, tanto da actividade económica, como dos próprios cidadãos privados. Referimo-nos, principalmente, ao elevado volume de negócios envolvidos, mesmo em contexto de crise como este que atravessamos, na medida em que é através deste instrumento que a Administração Pública provê pelas suas necessidades atinentes a recursos humanos e materiais e organiza os múltiplos serviços públicos. Em termos orçamentais, falamos dos seguintes valores: 16,3% do PIB da UE, cerca de 1,4

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

64

Carlos Rodrigues

milhões de euros em 2004 (Comissão Europeia, 2004, p. 4)5; em 2008, o valor ascendeu para 18%, ou seja, cerca de 2155 milhões de euros (Comissão Europeia, 2009, p. 23). Nos anos posteriores, a percentagem ronda os 20% (Comissão Europeia, 2010, p. 10), o que nos permite concluir pela importância crescente deste instrumento (6) (7). Considerada a sua importância no cenário económico, a contratação pública pode desempenhar um papel de (bom) exemplo, tendo em vista o desenvolvimento sustentável. O cenário sustentável é aqui caracterizado pela existência, em larga escala, de produtos, bens ou serviços mais amigos do ambiente, socialmente responsáveis e inovadores em termos tecnológicos. A Comissão Europeia assume a contratação pública como uma área estratégica – e a sua «ecologização» como uma prioridade no âmbito da Estratégia Europa 20208. A Contratação Pública Socialmente Responsável pode ser definida como a contratação pública que incorpora critérios sociais no seu âmbito, o que pode ocorrer em três momentos: na fase de formação do contrato, na definição e consequente aplicação do critério de adjudicação ou, ainda, na fase de execução do contrato já formado e adjudicado. A mesma definição ajusta-se, mutatis mutandis, ao conceito de contratação pública ecológica, cuja missão é a preservação ecológica.

5

O estudo conclui que uma mera poupança de 10% pelos então apenas quinze Estados-Membros, permitiria a três estados ter um superavit orçamental, deixando de estar em deficit. 6 Analisando o papel das autoridades públicas, partindo do poder influenciador da contratação pública evidenciado na sua importância crescente nos orçamentos, vide DAY, Catherine, Buying Green: The Crucial Role of Public Authorities, in Local Environment: The International Journal of Justice and Sustainability, vol. 10. Nº 2, abril de 2005, pp. 201-209 (http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/1354983042000388214?journalCode=cloe20). 7 Dado o seu peso, a contratação pública foi também alvo de mudanças decorrentes do «Programa de Assistência Económica e Financeira», monitorizado pela troika (FMI, CE e BCE). Para uma análise dos impactos destes PAEF sobre as PPP, um vetor importante da contratação pública, vide PARDAL, Paulo Alves, A contratação pública sob os ventos da austeridade orçamental, in FERREIRA, Eduardo Paz e RODRIGUES, Nuno Cunha (coord.), Novas Fronteiras da Contratação Pública, Colecção Manuais Académicos IDEFF, Nº 1, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pp. 171 a 204; Também, GONÇALVES, Pedro Costa, Alterações ao Código dos Contratos Públicos na sequência do «Memorando de Entendimento com a Troika», in Revista de Contratos Públicos, nº5, CEDIPRE, Coimbra, 2012, pp. 213 a 237. 8 O Relatório Monti indica que a reforma do quadro normativo europeu da contratação pública deve focarse na possibilidade de permitir a integração de políticas secundárias ou horizontais na contratação pública. Tal estratégia permitirá reforçar e concretiza a Estratégia Europa 2020. (Relatório Monti, A new strategy for the single market at the service of Europe‟s economy and society, Report to the President of the European Comission Durão Barroso, by Mario Monti, 9 de maio de 2010 (http://www.frankcs.org/cms/pdfs/EC/EC_Monti_Report_9.5.10.pdf).

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

65

A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

A Contratação Pública Sustentável não se limita à área do ambiente (Contratação Pública Ecológica, CPE), antes abarcando outras áreas de igual importância. Por um lado, temos a adesão a standards sociais e éticos, fenómeno denominado por contratação pública socialmente responsável (CPSR). Por outro, a contratação pública pode ser usada para promover produtos, bens ou serviços inovadores – estamos aqui perante a contratação pública promotora da inovação (CPPI). Ao promoverem políticas secundárias ou horizontais, os Estados aumentam a procura por produtos e serviços com o menor impacto ambiental (CPE); encorajam a responsabilidade social, traduzida em políticas e práticas de apoio ao emprego jovem ou à reinserção de desempregados, por exemplo (CPSR); e promovem a inovação, pilar essencial da competitividade (CPPI)9. Fica assim, em traços gerais, definido o universo da Contratação Pública Sustentável (CPS). Por fim, vertemos atenção nos jovens NEET. Esta designação surge da tentativa de encontrar o número mais correto do total de população jovem efetivamente desempregada, e assim obter uma percentagem que servirá de base à resenha das necessárias políticas públicas. Usualmente, é calculada a taxa de desemprego, que resulta da diferença entre a população ativa e a população não ativa. Por se tratar de um rácio imperfeito, tem-se optado, para propósitos comparativos, descortinar a percentagem de jovens que não estão a trabalhar, nem a estudar, nem a fazer formação. Traçadas estas considerações iniciais, avançamos para a análise da realidade dos jovens NEET, tendo como referência, como veremos, o ano de 2011 e posterior estudo das políticas sociais. Por fim, centramos atenções na instrumentalização da contratação pública para a prossecução de políticas sociais.

9

Tais são as conclusões de um relatório deveras essencial e detalhado, elaborado por um think tank dedicado à sustentabilidade: KAHLENBORN, Walter; MOSER, Christine; FRIDJAL, Joep; ESSIG, Michael, Strategic Use of Public Procurement in Europe – Final Report to the European Comission MARKT/2010/02/C, Berlin: adelphi, 2011, disponível em: http://ec.europa.eu/internal_market/publicprocurement/docs/modernising_rules/strategic-use-publicprocurement-europe_en.pdf. A tradução de excertos, devidamente citados e identificados é livre.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

66

Carlos Rodrigues

3. O CENÁRIO EUROPEU: OS JOVENS NEET O quadro europeu, ao qual Portugal não é alheio,10 carateriza-se por uma elevada taxa de desemprego,11 que atinge com particular força a população jovem. De facto, esta geração é a mais formada a nível académico de sempre mas tem, no reverso da medalha, dificuldade acrescida no acesso ao mercado de trabalho, o qual se encontra saturado e mal regulado. A regulação, quando existente, tem lacunas e subterfúgios que propiciam situações de exploração e trabalho precário, lançando a instabilidade no espaço pessoal dos jovens e no próprio tecido económico da sociedade em que se inserem. Assim, a União Europeia tem que definir políticas, no domínio social, que visem a necessária reforma do mercado do trabalho, no sentido de combater as dificuldades específicas dos jovens, que podem ser resumidas na seguinte fórmula: obter um emprego estável, com um nível de remuneração ajustado às habilitações académicas e competências profissionais e pessoais. Como bem denota Giddens, o primeiro e principal objetivo de todas as economias “tem de ser o aumento do nível de riqueza e a criação de emprego” (2014, p. 132).12 Tal só será possível, na nossa ótica, se as novas políticas incluírem nos seus considerandos a população jovem, enquanto a fatia da população ativa particularmente afetada pela crise. Projeta-se, assim, um objetivo estratégico de aumentar o nível de emprego dos jovens, que traz benefícios incontestáveis: alivia os sistemas de segurança social e evita a saída forçada dos jovens qualificados dos seus países de origem. A reforma dos sistemas de segurança social é uma das prioridades da União Europeia. Tais sistemas encontram-se sobrecarregados com um elevado número de subsidiários face à taxa de população ativa que financia o sistema com uma parte (cada vez maior) do seu rendimento. Apostar na empregabilidade da população jovem vai permitir diminuir o número de subsidiários, por um lado, e aumentar a taxa de 10

Apesar de uma quebra recente, a taxa de desemprego referente a 2015 fixou-se em 12,5%, após de no ano de 2013 ter atingido o pico de 16,2% (Pordata, 2016). Para melhor leitura dos valores, cumpre recordar que a taxa apenas calcula os desempregados registados no centro de emprego, o que se revela um número inferior aos desempregados “reais.” 11 A taxa, no ano de 2014, fixou-se nos 10,4% (Pordata, 2015). 12 O autor analisa a “garantia jovem”, aposta das políticas europeias, apontado que o financiamento aos programas dessas políticas deve ser proporcional à escala do problema (p. 133).

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

67

A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

população ativa a fazer descontos, por outro, o que vai aliviar, num cenário ideal mas possível, a carga fiscal que recai sobre o contribuinte e reforçar a sustentabilidade dos sistemas de segurança social. Ora, para definir da melhor forma possível as políticas a aplicar, cumpre partir de dados estatísticos rigorosos. No que concerne ao nosso tema, a estatística foca-se na taxa de desemprego. Todavia, a mesma pode não corresponder aos reais números. Assim, numa tentativa que encontrar uma estatística mais rigorosa, recorta-se da população jovem os NEET. A Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho (EUROFOUND) tem como missão “contribuir para a conceção e o estabelecimento de melhores condições de vida e de trabalho através de uma ação com vista a desenvolver e difundir os conhecimentos que permitam facilitar tal evolução.”13 De acordo com o seu Relatório, no ano de 2011, a União Europeia apresenta uma taxa de NEETs de 15,4% entre a população de 15 e 29 anos. Em Portugal, a taxa é de 14%, sendo o caso mais preocupante, a nível comunitário, o da Bulgária (24,6%).14

4. AS POLÍTICAS SECUNDÁRIAS NA CONTRATAÇÃO PÚBLICA A racionalidade económica está presente em toda a lógica da contratação pública. Não obstante ser reforçada durante épocas de crise financeira e económica, toda a contratação deverá ser feita em obediência a critérios de rigor, eficiência, economia e eficácia, de forma a evitar desperdícios, morosidade e práticas de corrupção. Neste sentido, podemos afirmar que a política primária da contratação pública é a prossecução do interesse público ao menor custo possível. Os elementos de prossecução das políticas secundárias podem ser introduzidos em três fases distintas: na formação dos contratos públicos (por exemplo, estabelecer 13

Regulamento (CEE) nº 1365/75 do Conselho, de 26 de maio de 1975, relativo à criação de uma Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho, entretanto modificado pelos Regulamentos (CEE) n.º 1947/93, de 26 de julho, n.º 1649/2003, de 1 de outubro e n.º 1111/2005, de 4 de agosto. Trata-se de um órgão tripartido que, no exercício das suas funções, “avalia e analisa as condições de vida e de trabalho, dá pareceres autorizados e conselhos aos responsáveis e principais agentes da política social, contribui para a melhoria da qualidade de vida e informa sobre as evoluções e as tendências”. 14 Para uma leitura mais detalhada dos dados do Relatório, vide http://observatorio-dasdesigualdades.cies.iscte.pt/index.jsp?page=news&id=230.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

68

Carlos Rodrigues

critérios específicos de admissão das candidaturas e de seleção dos candidatos); na fase de adjudicação, ao decidir esta com base na proposta economicamente mais vantajosa; e por fim, na fase de execução, ao exigir-se que o serviço ou o produto a apresentar contenha determinadas caraterísticas. Antes de analisarmos a introdução propriamente dita de elementos das políticas secundárias de cariz social, cumpre fazer uma breve resenha da evolução das referidas políticas no meio comunitário.

4.1. O Acórdão Concordia Bus Duas Comunicações Interpretativas da Comissão Europeia ocupam posição central nesta matéria: a COM (2001) 274 final, de 28 de novembro, sobre o direito aplicável aos contratos públicos e as possibilidades de integrar considerações ambientais na contratação pública; e a COM (2001) 566 final, de 15 de outubro, sobre o direito europeu aplicável aos contratos públicos e as possibilidades de integrar aspetos sociais nesses contratos. Na segunda Comunicação, a Comissão sublinha o papel das políticas sociais europeias na construção da economia europeia e como pilar do desenvolvimento sustentável. Os princípios da igualdade e da não-discriminação são recordados e evoca-se a necessidade de prossecução de objetivos sociais, através da imposição de condições de execução dos contratos públicos que sobre os mesmos versem – obrigação de contratar uma quota de trabalhadores portadores de deficiência, de providenciar pela formação dos quadros profissionais, de incluir população jovem e de promover a igualdade entre géneros. Tais critérios devem passar o filtro dos princípios europeus e da nãodiscriminação. Diretamente relacionados com o produto/serviço a adquirir, os critérios de adjudicação devem ser objetivos, verificáveis e específicos. Estes são os requisitos legados pelos Acórdão Concordia Bus.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

69

A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

Marco incontornável da história do Direito Europeu do Ambiente, o Acórdão15 tem um carácter inovador que assenta na defesa da compatibilidade entre a introdução de exigências ambientais em termos de critério de adjudicação e o princípio da nãodiscriminação. Existem alguns requisitos a cumprir: os critérios ecológicos devem estar relacionados com o objeto do concurso e não podem conferir à entidade adjudicante uma liberdade de escolha incondicional. Têm que estar, ainda, expressamente mencionados nos cadernos de encargos ou no anúncio de concurso e respeitar os princípios fundamentais do direito europeu (com expressa menção ao princípio da não-discriminação, no parágrafo 63).

4.2. A voz do soft law A Estratégia Europa 2020,16 consagrada na COM(2010) 2020, de 3 de março, assenta em três prioridades: desenvolvimento de uma economia baseada no conhecimento e na inovação; promoção de uma economia hipocarbónica (norteada pela competitividade e pela utilização eficaz dos recursos); e fomento de uma 15

Oferecendo uma análise do Acórdão, os fatos subjacentes, o quadro legal invocado e o impato nas legislações dos ordenamentos jurídicos, vide CHARRO, Pablo, Case C-513/99, Concordia Bus Finland Oy Ab v. Helsingin kaupunki and HKL-Bussiliikenne, Judgement of the Full Court of 17 September 2002, in Common Market Law Review, nº 40, Kluwer Law International, Holanda, 2003, pp. 179-191. Perspetivando o mercado ao serviço do Ambiente, através da aceitação de critérios verdes na contratação pública, vide KUNZLIK, Peter, Making the Market Work for the Environment: Acceptance of (Some) „Green‟ Contract Award Criteria in Public Procurement, in Journal of Environmental Law, Vol. 15, nº 2, Oxford University Press, Inglaterra, 2003, pp. 175-201. Por sua vez, colocando frente a frente os setores público e privado face aos desafios ambientais, deixando importantes notas para os desenvolvimentos que vieram a sucederlhe, o estudo seguinte: NEW, Steve, GREEN, Ken e MORTON, Barbara, An analysis of private versus public sector: responses to the environmental challenges of the suplly chain, in Journal of Public Procurement, Vol. 2, nº 1, 2002, pp. 93-105. (http://ippa.org/jopp/download/vol2/issue-1/NewGreen.pdf) 16 Para uma visão geral sobre os contornos, desafios e objetivos da mesma, vide: PORTO, Manuel, A Estratégia Europa 20-20: visando um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, in CORREIA, Fernando Alves, MACHADO e Jónatas, LOUREIRO, João Carlos, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho, Vol. IV, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, pp. 549 a 569. O autor conclui que a Estratégia visa contribuir para o futuro colectivo. Preocupa-se com a defesa e promoção da competitividade, depositando expectativas elevadas na iniciativa empresarial, a par da existência de uma intervenção pública considerada indispensável. Para uma análise centrada no Modelo Social Europeu, os desafios que enfrenta e as propostas à sua reforma, num contexto marcado (também) pela Estratégia Europa 2020, vide MARQUES, Paulo, Entre a Estratégia de Lisboa e a Europa 2020 – Para onde caminha o Modelo Social Europeu?, Editora Princípia, Cascais, setembro de 2011. A obra resulta da Dissertação de Mestrado em Economia e Políticas Públicas defendida no final de 2010, pelo Autor, no Instituto Universitário de Lisboa. No sentido de uma resenha sobre o contexto da Europa 2020, da Estratégia de Lisboa e do balanço possível até então, vide SILVA, António Martins da, História da Unificação Europeia – A integração comunitária (1945-2010), Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2010, pg. 313 e sgs.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

70

Carlos Rodrigues

economia com elevados níveis de emprego, capaz de assegurar a coesão social e territorial. As autoridades públicas podem contribuir significativamente através do seu poder de aquisição. A procura de produtos e serviços mais ecológicos, inovadores e socialmente responsáveis, tem o potencial de orientar as tendências da produção e do consumo na direção da sustentabilidade. O desafio jurídico consiste num salto qualitativo: abandonar a visão redutora de que as considerações ambientais e sociais são meros aspetos secundários, meras políticas instrumentais, em prejuízo de uma visão economicista que privilegia tão somente o preço dos produtos, bens ou serviços. Rematamos com a constatação de que é no domínio ambiental que a política da União Europeia tem primado pela produção legislativa e jurisprudencial. Tal é visível nas diversas políticas que tenta levar a cabo, como eixo estratégico de colocar-se na vanguarda da sustentabilidade a nível mundial. A União Europeia tem desempenhado um papel relevante, numa tentativa de recuperar e fortalecer a competitividade das suas economias, mormente na aposta das tecnologias verdes, e garantir o bem-estar dos (seus) cidadãos, através do desenvolvimento de políticas sociais justas e equilibradas, da preservação do meioambiente e da prossecução de um modelo de desenvolvimento económico que respeite os ditames da sustentabilidade de Brundtland, no seu entendimento actual.17

17

O Sétimo Programa de Ação da União Europeia em matéria de Ambiente – “Viver bem, dentro das limitações do nosso planeta”, aprovado pela Decisão 1386/2013/UE. Pretende dar continuidade ao trabalho de orientação do desenvolvimento da política ambiental europeia. Com vista a combater tanto os estilos de consumo e produção insustentáveis como as alterações climáticas e a perda de biodiversidade, bem como de qualidade da saúde humana e ambiental, o 7º Programa propugna pela adesão completa e profícua de todos os Estados - Membros e dos seus cidadãos (conforme o nº 2 do artigo 3º). Nos termos do nº 1, qualquer ação emergente deste Programa será levada a cabo tendo em consideração os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, de acordo com o artigo 5º do TUE.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

71

A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

5. AS DIRECTIVAS EUROPEIAS 5.1. O primeiro passo: 2004 Aproveitando que nos encontramos no campo dos atos de Direito derivado juridicamente vinculativos, recordamos a dispersão normativa18 que tinha como base comum a previsão da possibilidade de recurso a critérios ecológicos de adjudicação dos contratos. Em janeiro de 2002, o Parlamento Europeu aprovou o relatório do deputado Stefano Zappala sobre as propostas da Comissão relativas a duas novas Diretivas para o setor dos contratos públicos. Incentiva a adoção de considerações sociais e ambientais nas regras da adjudicação dos contratos públicos. Influenciadas por este relatório, bem como pela jurisprudência comunitária, as Diretivas de 2004 incentivam à prossecução de políticas secundárias, de natureza social ou ambiental (a este propósito, tenham-se em conta os considerandos 1, 5, 28 e 34 da Diretivaclássica). As Diretivas têm um objetivo: clarificar a forma como as entidades adjudicantes podem contribuir para a proteção do ambiente e para a promoção do desenvolvimento sustentável, sem prejudicar a possibilidade de obterem a melhor relação qualidade/preço no âmbito da contratação pública. Procuram atualizar e modernizar o regime anterior, evidenciado a função da contratação pública enquanto instrumento de execução de políticas estruturais e setoriais da UE, em especial políticas sociais e ambientais. A este propósito, vejam-se a alínea b) do número 3 e o número 6 do artigo 23.º («especificações técnicas») e os artigos 26.º e 27.º («condições de execução do contrato») da Diretiva 2004/18/CE. Apesar de recentemente derrogadas pelas Novas Diretivas de 2014, cumpre lançar-lhes um olhar crítico e colher as ideias mais relevantes. As Diretivas visam coordenar os procedimentos e não tanto a criação de um corpo normativo único e completamente harmonizado relativamente à contratação pública. Lançam as ideias gerais e as bases necessárias, mas deixam aos Estados-

18

A saber, as Directivas seguintes: 92/50 (serviços); 93/36/CEE (fornecimentos); 93/37/CEE (empreitadas); 93/38/CEE (setores especiais: água, energia, transporte e telecomunicações); 89/665/CEE e 92/13/CEE (recursos).

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

72

Carlos Rodrigues

membros a liberdade para a aplicação concreta dos procedimentos, o que explica os diferentes graus de implementação. Tal liberdade, como sublinha DAY, apenas permite aos Estados ir mais longe (2004, p. 204).19 Podem ser definidas condições sociais e ambientais para a execução do contrato (art. 26.º), desde que respeitadas certas condições. Notamos, aqui, a influência do Ac. Concordia Bus, pois as Diretivas evocam os limites que nele encontramos relativamente à introdução das considerações ambientais e sociais. Mas a prossecução de objetivos sociais e ambientais, embora louvável e necessária, apresenta riscos, pelo que se preveem condicionalismos e limites. No campo dos princípios e critérios de adjudicação, esta deve basear-se em critérios objetivos que assegurem o respeito dos princípios da transparência, da nãodiscriminação e da igualdade de tratamento, e que garantam, simultaneamente, a apreciação das propostas em condições de concorrência efetiva. A adjudicação pode ser feita por um de dois critérios: o preço mais baixo e a proposta economicamente mais vantajosa. Em termos sucintos, distinguimos os dois critérios. De acordo com o “preço mais baixo”, a adjudicação é feita a favor da proposta que apresente o preço mais baixo para o fornecimento do bem/produto ou para a prestação do serviço objecto do contrato. Por seu lado, a proposta economicamente vantajosa é aquela que, analisado um leque de critérios, definidos no início do concurso e nos quais podemos incluir critérios ambientais e/ou sociais, se apresenta como a mais vantajosa.20 No que respeita às considerações sociais, as condições de execução dos contratos são compatíveis com as Diretivas enquanto não sejam discriminatórias e estejam indicadas no anúncio de concurso ou no caderno de encargos. Os objetivos mais importantes consistem na formação profissional, no emprego de pessoas com

19

Tal como a autora explica, as entidades locais subtraem-se, pelo baixo valor dos seus contratos, à aplicação das Directivas. Não obstante, a inclusão de considerações ambientais deriva do próprio Tratado (de Lisboa), pelo que não carece de legitimação e deve obedecer aos princípios europeus e nacionais vigentes. 20 Imaginemos a seguinte situação: para o fornecimento de lâmpadas, a proposta A é mais cara que a proposta B, mas tem a especificidade de prever o uso de lâmpadas energéticas. Atendendo a critérios económicos e ambientais, os quais devem estar devidamente publicitados no início do concurso, é possível calcular a proposta A como a economicamente mais vantajosa.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

73

A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

dificuldades especiais de inserção, na luta contra o desemprego (em particular o desemprego jovem e das pessoas portadoras de deficiência) e a proteção do ambiente. De particular importância é o «Ato para o Mercado Único. Doze alavancas para estimular o crescimento e reforçar a confiança mútua. Juntos para um novo crescimento», COM (2011) 206 final, de 13 de abril. Inclui doze ações prioritárias a adotar pelas instituições até final de 2012. Dessas ações destacamos a revisão e modernização do quadro normativo no domínio dos contratos públicos, com o objetivo de flexibilizar os procedimentos de adjudicação e permitir uma melhor utilização estratégica destes contratos para alcançar outras políticas e, assim, responder aos novos desafios. Procura-se que a Diretiva se baseie numa abordagem de capacitação, ou seja, que forneça às autoridades adjudicantes os instrumentos necessários à prossecução dessas políticas.

5.2. O segundo passo: 2014 As Novas Diretivas surgem em fevereiro de 2014.21 Referimo-nos à Diretiva 2014/24/UE, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva-clássica, e à Diretiva 2014/25/UE, relativa aos contratos públicos celebrados pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais e que revoga a Diretiva 2004/17/CE. Acresce a Diretiva 2014/23/UE, relativa à adjudicação de contratos de concessão. As diretivas são do Parlamento Europeu e do Conselho e datam de 26 de fevereiro de 2014.22 A sua construção teve vários passos, dos quais destacamos a COM (2011) 896 final, de 20 de dezembro, uma proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos contratos públicos (mais especificamente, à Diretiva-clássica). Ao visitarmos o artigo 66.º, em especial a alínea b) do seu n.º 1, encontramos uma

21

http://www.eipa.eu/en/pages/show/&tid=44 – o sítio disponibiliza todos os documentos que fizeram parte integrante do processo de revisão das Diretivas de 2004, na língua inglesa, bem como outra legislação relevante no setor. Neste sentido, Estorninho, Maria João, Curso de Direito dos Contratos Públicos – Por uma contratação pública sustentável, Almedina, Coimbra, novembro de 2012, pp. 111 a 158. 22 Utilizaremos a Versão Oficial em Língua Portuguesa publicada no Jornal Oficial da União Europeia L 94, 57º ano, 28 de março de 2014. Por assumir um carácter geral, centraremos as atenções na Diretiva 2014/24, pelo que as remissões apresentadas neste ponto devem ser entendidas no contexto dessa Diretiva. A referência a outros atos normativos será devidamente identificada em momento próprio.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

74

Carlos Rodrigues

referência surpreendente. Esta alínea prevê, como um dos dois critérios de adjudicação, «o preço mais baixo». Ora, os diversos pareceres que se sucederam foram quase unânimes quanto à retirada deste critério, em prol da «proposta economicamente mais vantajosa.»23 Verificaram-se duas exceções. A Comissão da Indústria, da Investigação e da Energia não procede a alguma alteração, embora reconheçamos no seu Parecer um forte indício de sustentabilidade: de facto, procura incluir nas suas alterações considerações sociais, que se reportam, principalmente, à condição dos trabalhadores e ao processo de produção (por exemplo, usar a sustentabilidade social do processo de produção como critério para aferir a proposta economicamente mais vantajosa). Por seu lado, a Comissão para o Desenvolvimento Regional admite a existência dos dois critérios, embora estabeleça que a «proposta economicamente mais vantajosa» deva prevalecer. O critério do «preço mais baixo» deve ser invocado quando hajam “boas razões para assim proceder”.24 A revogação tem efeitos a partir do dia 18 de abril de 2016 (art.º 91.º). Na mesma data devem os Estados-membros pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias ao cumprimento das Diretivas (n.º1 do art.º 90.º). Ambas entram em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no JOUE (art.º 93.º).25 Por último, destacamos as três mudanças que representam a reforma a que o regime europeu fica sujeito com estas Diretivas, o que resulta numa modernização há

23

Relativamente à Diretiva 2004/17, temos a COM (2011) 895 final. Deitamos um olhar atento ao “Relatório sobre a proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos Contratos Públicos”, disponível em: http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?type=REPORT&reference=A7-20130007&format=XML&language=PT. Assume uma importância fulcral, pois reúne os diversos Pareceres, os quais, por sua vez, deram um contributo indispensável para a edificação das Novas Diretivas. Para uma análise aturada destas propostas, vide PEREIRA, Pedro Matias e FRANCO, João Soares, A adjudicação de Contratos Públicos em contexto de crise, in Revista de Contratos Públicos, n.º5, CEDIPRE, Coimbra, 2012, pp. 143 a 165; também, ESTORNINHO, Maria João, idem, 2012, pgs. 307 a 310. 24 Apesar disso, uma proposta de alteração insuficiente: encara a proposta economicamente mais vantajosa como um meio de alcançar a “melhor e mais vantajosa proposta em termos económicos e socais e assegurar uma melhor relação qualidade/preço”. Ausentes estão, portanto, considerações de índole ambiental (conforme as pgs. 422 e 423 do Relatório mencionado na nota de rodapé anterior). 25 Prevendo os mesmos prazos: arts. 51º e 54º da Diretiva 2014/23 e 106º, 107º e 109º da Diretiva 2014/25.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

75

A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

muito esperada:26 propugnam pela total implementação do e-procurement; introduzem novos procedimentos mais céleres e menos burocráticos; e focam-se no uso estratégico das regras de contratação pública, o que se traduz, entre outras aspetos, na promoção da prossecução de políticas horizontais ou secundárias.

5.3. O «como» das políticas secundárias A crítica principal às Diretivas de 2004, nesta matéria, aponta que estas indicam «o que» fazer, os fins a alcançar, mas pouco ou nada dizem acerca do «como», dos meios para alcançar esses objetivos. As Diretivas de 2014 tentam colmatar essa falha. Cumpre recordar que a consideração de políticas secundárias pode ser introduzida numa, ou em todas, de três fases: formação do contrato, momento de adjudicação e execução do contrato já adjudicado. Veremos, de seguida, como é que as Novas Diretivas enxertaram as políticas secundárias. O preço mais baixo deixa de ser o fator decisivo na adjudicação do contrato (considerandos 89 e 90 e artigo 67.º da Diretiva 2014/24, bem como os considerandos 94 e 95 e o art.º 82.º da Diretiva 2014/25). As entidades adjudicantes conhecem agora maior liberdade, devidamente regulamentada, para a inclusão de critérios ambientais e sociais nas suas especificações de contratações públicas, ao lhes ser incitada a adjudicação à proposta economicamente mais vantajosa. A proposta economicamente mais vantajosa pode ser identificada com base no preço ou custo, através de uma abordagem de custo-eficácia, como os custos do ciclo de vida, e pode incluir a melhor relação qualidade/preço. Esta deve ser avaliada com base em critérios que incluam aspetos qualitativos, ambientais e/ou sociais ligados ao objeto do contrato público (n.º2 do art.º 67.º). Existe a possibilidade de as entidades adjudicantes serem impedidas de utilizar o preço ou o custo como único critério de adjudicação, ou ver restringida essa

26

As Diretivas encontravam-se em gestação desde abril de 2010. Tal como podemos ler no considerando 2 da Diretiva 2014/24, as Diretivas de 2004 careciam de uma revisão e modernização que permitissem aumentar a eficiência da despesa pública, facilitar a participação das pequenas e médias empresas na contratação pública e permitisse uma melhor utilização desta no âmbito das políticas horizontais ou secundárias. De outro tanto modo, esta modernização responde à necessidade de noções e conceitos básicos claros, que garantam a segurança jurídica.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

76

Carlos Rodrigues

utilização. Tal restrição ou proibição nasce do Estado-membro respetivo (parte final do n.º2 do art.º 67.º), com o intuito de «incentivar uma maior orientação da contratação pública para a qualidade» (considerando 90). A adjudicação dos contratos depende da verificação, pela entidade adjudicante (arts. 59.º a 61.º), do preenchimento de três condições, duas objetivas e outra subjetiva, elencadas no n.º1 do art.º 56.º. Este artigo estabelece os princípios gerais da seleção dos participantes e adjudicação dos contratos. A proposta deve cumprir os requisitos, condições e critérios estabelecidos no anúncio de concurso ou no convite à confirmação de interesse (alínea a)). Para tanto releva, igualmente, o disposto acerca das variantes, na medida em que estas são permitidas quando expressamente indicadas pela entidade adjudicante e estejam relacionadas com o objeto do contrato (parte final do n.º 1 do art.º 45.º, para o qual somos remetidos pela referida alínea a)). Deve, igualmente, cumprir as obrigações aplicáveis em matéria ambiental, social e laboral estabelecidas pelo Direito da UE (conforme resulta da parte final do n.º1 do art.º 56.º, que nos remete para o n.º 2 do art.º 18.º). Relativamente à condição subjetiva, o proponente deve passar por um triplo crivo: não incorrer num motivo de exclusão (art.º 57.º), cumprir os critérios de seleção (art.º 58.º), bem como, se aplicável, as regras e os critérios não-discriminatórios a que alude o art.º 65.º (no terceiro parágrafo do seu n.º 2). Como decorre do n.º 4 do art.º 67.º, os critérios de adjudicação têm que reunir uma série de caraterísticas. A entidade adjudicante não pode, por intermédio dos critérios, ter uma liberdade de escolha ilimitada. A concorrência efetiva deve ser assegurada. Os critérios devem ser acompanhados de especificações cabais a uma verificação efetiva da informação fornecida pelos proponentes, o que permite avaliar o cumprimento, por estes, dos critérios de adjudicação. No que respeita à fase de execução dos contratos, as autoridades adjudicantes podem fixar condições especiais de execução, desde que relacionadas com o objeto do contrato (n.º 3 do art.º 67.º), e sejam indicadas no anúncio de concurso ou nos documentos do concurso. Tais condições podem incluir considerações de natureza

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

77

A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

económica, ambiental, social ou de emprego, bem como em matéria de inovação, conforme resulta dos artigos 70.º da Diretiva 2014/24 e 87.º da Diretiva 2014/25. No campo dos critérios ambientais e sociais, a leitura dos artigos que oportunamente referimos elucida-nos que não vigora entre eles um princípio de taxatividade. Nenhuma das listas de critérios contidas nos artigos é fechada, encontrando-se abertas à inclusão de novos critérios. Essa inclusão é balizada pelos princípios do Tratado de Lisboa, bem como pelas limitações já presentes nas Diretivas de 2004. O artigo 67.º fala-nos expressamente da possibilidade de considerar aspetos sociais, em cumulação ou alternativa à consideração de aspetos ambientais para compor os critérios com base nos quais é aferida a melhor relação qualidade/preço (n.º 2).27

6. O HANDBOOK EUROPEU O Manual “Buying Social”28 demonstra a importância crescente do fator social no âmbito das políticas europeias. Trata-se de um Guia que facilita a consideração de critérios sociais no âmbito da contratação pública. Permite às entidades adjudicantes a inclusão de critérios sociais nas suas compras, assegurando a igualdade de acesso a todos os concorrentes e garantindo a utilização eficiente dos fundos públicos. Assim, as entidades públicas são capazes de “garantir a qualidade, a inovação, a continuidade e a integralidade dos serviços sociais.”29

27

A Diretiva de 2014/24 contém outras referências relativas às considerações de cariz social: vejam-se os considerandos 92, 93, 97 e 99. No considerando 96, alerta-se para a necessidade de criar uma metodologia comum para o cálculo dos custos sociais do ciclo de vida. 28 http://ec.europa.eu/social/main.jsp?catId=738&langId=en&pubId=606&furtherPubs=yes - podemos colher aqui uma definição de CPSR como os procedimentos concursais que têm em consideração uma ou mais das seguintes considerações sociais: oportunidades de emprego, emprego decente, adesão (compliance) a direitos sociais e laborais, inclusão social, oportunidades iguais, design de acessibilidade para todos, incluindo desafios da troca ética e adesão voluntária a responsabilidade corporativa social, no respeito pelos princípios presentes no TFUE e nas Diretivas de 2004 (pg. 7., tradução livre). 29 In Livro Branco sobre as compras públicas ecológicas, idem, pg. 11. No âmbito da jurisprudência europeia, destacamos os Acórdãos: Ac.Viking, proc. C-438/05, de 11 de dezembro de 2007, Coletânea 2007, mormente o parágrafo 79 (na medida em que esclarece que a Comunidade tem tanto uma finalidade económica como social); Ac. Ruffert, proc. C-346/06, de 3 de abril de 2008, Coletânea 2008, que reafirma o entendimento do Ac. Viking. Para uma resenha sobre ambos vide RODRIGUES, Nuno Cunha, idem, 2013, pp. 283-291.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

78

Carlos Rodrigues

As entidades adjudicantes visam, aqui, incentivar as empresas a desenvolver uma gestão socialmente responsável. Através do seu poder de compra, podem promover o emprego, a inclusão social, a troca ética, portanto, a adesão a standards sociais. Partindo de uma definição possível de CPSR, o Guia estabelece uma lista não exaustiva de exemplos de como incluir considerações sociais na contratação pública. Tece considerações acerca dos vários elementos que compõem a noção oferecida. Entendemos destacar o que se entende por trabalho decente (“decent work”), termo de acordo com o qual o cidadão tem o direito a um emprego produtivo, em condições de liberdade, igualdade, segurança e dignidade humana30. Os benefícios são de diversa ordem. Temos o necessário estímulo da consciência social dos mercados. Por parte dos Governos, permite comprovar uma governação socialmente responsável, o que responde a uma exigência crescente das sociedades hodiernas, diversificadas e multiculturais, por uma governação consciente e socialmente responsável. Possibilita, ainda, o estímulo da integração social, em contexto de emprego, de grupos desfavorecidos ou minorias étnicas. No campo económico, assegura um melhor desempenho da despesa pública. Na nossa ótica, as referidas políticas de integração e inclusão social devem privilegiar também os jovens NEET, no âmbito de uma estratégia de salvaguardar a sustentabilidade dos sistemas de segurança social e prevenir a fuga (forçada) dos jovens altamente qualificados. Os mesmos representam um eixo estratégico de qualquer estratégia de governação que vise modernizar o país e dotar a sua economia das tão necessárias notas de competitividade e qualificação académica e profissional.

7. A CONTRATAÇÃO PÚBLICA SUSTENTÁVEL E A CAMPANHA PROCURA+ No âmbito do Projeto Procura+, surge um Guia sobre a Contratação Pública Sustentável (Clemente, 2007). Aqui encontramos uma definição de Contratação Pública Sustentável, como a contratação inteligente, que significa melhorar a eficiência da contratação pública e, simultaneamente, usar o poder influenciador dos mercados 30

Vejam-se a propósito a COM (2006) 249, de 24 de maio, e a SEC (2008) 2184, baseada na COM (2008) 412 final, sobre o contributo da UE na promoção do “trabalho decente”.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

79

A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

públicos para conseguir importantes benefícios ambientais e socais, local e globalmente. Para o que nosso tema importa, o Guia não vem apresentar os NEET como um exemplo de política social a ser seguida, ao centrar-se na análise da Contratação Pública Sustentável como um todo. A CPS traduz a aquisição de produtos e serviços o mais sustentáveis possível, ou seja, com o menor impacto ambiental e o melhor impacto social possíveis. Traduz-se na integração sistemática de considerações ambientais e sociais em todas as atividades de contratação pública (compra de bens ou serviços). Esta integração inicia-se com o momento de definição das necessidades reais, atravessa a definição das especificações técnicas apropriadas e os procedimentos de avaliação da idoneidade dos candidatos, e alastra-se até aos resultados, ou seja, até à monitorização da performance e dos resultados produzidos pelo candidato selecionado. Na mudança para padrões de consumo e produção mais sustentáveis, alguns passos são dissecados no referido Guia: redução do impacto ambiental de produtos e serviços, encorajamento do desenvolvimento social e a eficiência financeira. Alguns obstáculos permanecem, sendo o principal a falta de ferramentas que os apoiem e materializem. As principais vantagens desta faceta da contratação pública encontram-se conjugando as vantagens do CPE, da CPSR e da CPPI individualmente consideradas. Destacamos a poupança orçamental (redução das faturas energéticas, redução dos custos relacionados com a produção de poluição, bem como dos custos da gestão dos resíduos não recicláveis); o alcance de objetivos ambientais e de saúde, bem como outros objetivos de cariz social; a potencialização da inovação local, ao providenciar mercados para os novos produtos, o que lhes confere uma vantagem competitiva a nível nacional e internacional. Com tudo isto, aumenta-se a legitimidade das políticas horizontais ou secundárias e contribui-se para a sustentabilidade global, com todas as vantagens que lhe estão associadas – mormente, a criação e manutenção do «património comum», ideal de valores, standards e status quo, cuja idealização nos foi legada por OST (1997, pp. 351 e ss.).

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

80

Carlos Rodrigues

As condições para a alavancagem das compras sustentáveis estão a aumentar e a serem facilitadas rapidamente. A consciência pública parece cada vez mais sensibilizada e as oportunidades de colaboração transfronteiriça surgem em resposta à consciência de que um desafio global requer uma colaboração e uma resposta globais (para o que muito contribui a troca global de experiência e conhecimento). Todavia, desafios e soluções obscurecem as claras vantagens. A falta de informação e a mentalidade centrada nos fatores económicos são os maiores desafios. Relativamente ao primeiro, o Guia do Projeto Procura+ pode ser um auxiliar importante. No que respeita à necessária mudança de mentalidade das entidades adjudicantes,

as

Novas

Diretivas

propugnam

pela

escolha

pela

proposta

economicamente mais vantajosa (que é aferida através da consideração de critérios sociais, entre outros), retirando a hipótese da escolha pela proposta que tenha o preço mais baixo.

8. CONCLUSÃO A União Europeia está na vanguarda do desenvolvimento tecnológico. A solidariedade, a sustentabilidade e a justiça são princípios que pautam toda a ação comunitária. Interessa a construção de um modelo económico sustentável, que permita a cooperação económica e, assim, o respeito pelas nossas responsabilidades ambientais e sociais e permita fazer face à crise que atualmente atravessamos em diversos aspectos. No âmbito da Contratação Pública Sustentável, cuja faceta é aposta da União Europeia, temos a Contratação Pública Socialmente Responsável. Esta visa integrar, nas diversas fases de formação e execução de um contrato público, critérios de políticas sociais de inclusão e empregabilidade. Operamos um recorte no conceito de inclusão para privilegiar, também, os jovens NEET. A aposta poderá ser feita de diversas formas, competindo aos Estados-membros e entidades locais o desenho de estratégias que, dentro do quadro legal, melhor se adequem à sua realidade específica. A título de exemplo, atribuir pontuação adicional a um contrato de prestação de serviços de hotelaria que preveja que parte do staff seja

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

81

A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

preenchido por jovens NEET. Outro exemplo, pode consistir em prever que a empresa que venha a produzir e entregar o bem coloque, no âmbito de recrutamento, os estagiários ao abrigo de um contrato de trabalho, colocando-os numa posição jurídicolaboral (e pessoal) mais garantística e conforme aos direitos dos mesmos. A aposta nos jovens NEET é uma aposta no futuro. A jusante, permite salvaguardar os regimes de segurança social e garantir saídas profissionais a uma população que, face a ausência de emprego ou de progressão na carreira, se vê forçada a emigrar, o que empobrece o país – de forma direta, pela ausência de quadros qualificados e, logo, perda de competitividade; de forma indireta, pelo inverter da pirâmide demográfica, com todas consequências associadas. A montante, permite desenvolver uma economia competitiva e virada para o futuro, adaptada à (nova) realidade laboral da sociedade global e globalizante em que vivemos. Tanto no campo ambiental como no social, uma lógica de pensamento a médio e longo prazo é indispensável. O verdadeiro interesse que deve fundamentar qualquer atuação política e legislativa é o da prossecução de um modelo de desenvolvimento económico sustentável, que tenha como traves-mestras a preservação do ambiente e o aumento do bem-estar dos cidadãos.

BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Teresa Maria C. Marques de (2004), O processo de Liberalização dos Mercados Públicos na União Europeia – Objetivos de Eficiência e a sua Coordenação com Finalidades de Política Industrial, Social e Ambiental, Dissertação de Mestrado, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, novembro de 2004. ANDRADE, José Carlos Vieira de (2002), Os direitos dos consumidores como direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. 78, pp. 43-64. ______ (2010), A propósito do regime do contrato administrativo no “Código dos Contratos Públicos”. In GONÇALVES, Pedro (org.) (2010), Estudos de Contratação Pública. CEDIPRE, vol. II, pp. 7-39.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

82

Carlos Rodrigues

______ (2012), Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 5ª ed. Coimbra: Almedina. APPOLLONI, Andrea e D'AMATO, Alessio and CHENG, Wenjuan (2011), Is Public Procurement Going Green? Experiences and Open Issues. [pdf]. [Consultado em 15

de

fevereiro

de

2016].

Disponível

em:

http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1970583. ARAGÃO, Alexandra (2011), A credibilidade da rotulagem ecológica dos produtos. RevCEDOUA, A. 14, n.º 27, vol. 1, Coimbra, 2011. ______ (2012), A Renovação Ecológica do Direito do Ambiente - Sumários Desenvolvidos preparados para o 2.º ciclo de estudos em Direito, Coimbra. ______ (2012), Desenvolvimento sustentável em tempos de crise e em maré de simplificação. Fundamento e limites da proibição de retrocesso ambiental. In Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Gomes Canotilho, Coimbra Editora. [Consultado

em

15

de

fevereiro

de

2016].

Disponível

em:

https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/25568?mode=full. ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa (2002), Direito Comunitário do Ambiente. [Consultado em 15 de fevereiro de 2016]. Disponível no Repositório Digital Estudo Geral, em https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/15282. ARAGÃO, Alexandra (2003), Instrumentos científicos e instrumentos jurídicos: perspetivas de convergência rumo à sustentabilidade no Direito Comunitário do Ambiente. RevCedoua, n.º 20. Coimbra, dezembro de 2003. [Consultado em 15 de

fevereiro

de

2016].

Disponível

em:

https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/15265. ______ (2008), Princípio da Precaução: manual de instruções. RevCedoua, ano 11, vol. 2, n.º 22, Coimbra. ARROWSMITH, Sue e KUNZLIK, Peter (2009), Social and Environmental Policies in EC Procurement Law – New Directives and New Directions. EUA: Cambridge University Press.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

83

A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

ARROWSMITH, Sue (1999), The community‟s legal framework on public procurement: “The way forward” at last. Commom Market Law Review, vol. 36, n.º 1, fevereiro 1999. BASTOS, Filipe Brito (n.d.), A escolha de critérios ambientais de adjudicação de contratos públicos – reflexões de Direito Administrativo nacional e europeu. [pdf]. [Consultado

em

15

de

fevereiro

de

2016].

Disponível

em:

http://www.icjp.pt/sites/default/files/papers/escolhacriteriosambientaisadjudicac aocp.pdf. BECK, Ulrich, Risk Society and the Provident State, in LASH, Scott, SZERSZINSKI, Bronislaw, WYNNE, Brian (1996), Risk, Environment and Modernity: Towards a New Ecology. SAGE Publications Ltd. BOSSELMAN, Klauss (2008), The principle of sustainability: transforming Law and Governance. Aldershot, Reino Unido: Asgate Publ. BRITO, Miguel Nogueira (2011), Os princípios Jurídicos dos Procedimentos Concursais. [pdf].

[Consultado

em

15

de

fevereiro

de

2016].

Disponível

em:

http://www.icjp.pt/sites/default/files/media/1024-2234.pdf. CAMPOS, Diogo Duarte de (2010), A escolha do parceiro privado nas Parcerias PúblicoPrivadas. Coimbra: Wolters Kluwer sob a marca Coimbra Editora. CANOTILHO, Gomes e MOREIRA, Vital (2007), Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. 1. Coimbra: Coimbra Editora. CANOTILHO, José Joaquim Gomes (1995), Juridicização da ecologia ou ecologização do Direito. Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 4, Coimbra. ______ (2001), Estado Constitucional e Democracia Sustentada. RevCedoua, ano IV, n.º 2, Coimbra. CLEMENTE, Simon, ed. (2007), The Procura+ Manual - a Guide of Cost-Effective Sustainable Public Procurement. 2.ª ed. Freiburg, Alemanha: ICLEI European Secretariat GmbH. Comissão Europeia (2004), A Report on the functioning of public procurement markets in the EU: benefits from the application of the EU directives and challenges for the future. [pdf]. Bruxelas, 03.02.2004. [Consultado em 15 de fevereiro de 2016].

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

84

Carlos Rodrigues

Disponível

em:

http://ec.europa.eu/internal_market/publicprocurement/docs/publicprocmarket-final-report_en.pdf. ______ (2009a), Internal Market Scoreboard. [pdf]. N.º 19, julho de 2009. [Consultado em 15

de

fevereiro

de

2016].

Disponível

em:

http://ec.europa.eu/internal_market/score/docs/score19_en.pdf. ______ (2009b), Public Procurement Indicators 2009. [pdf]. Bruxelas, 11 de novembro de 2010.

[Consultado

em

15

de

fevereiro

de

2016].

Disponível

em:

http://ec.europa.eu/internal_market/publicprocurement/docs/indicators2009_en .pdf. COMUNICAÇÃO COM(2010) 2020 DA COMISSÃO – EUROPA 2020: Estratégia para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo. COMUNICAÇÃO COM(2011) 206 final DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES sobre o Acto para o Mercado Único – Doze alavancas para estimular o crescimento e reforçar a confiança mútua «Juntos para um novo crescimento» CRAMER, Benjamin W. (2009), The human right to information, the environment and information about the environment: from Universal Declaration to the Aarhus Convention. Communication Law and Policy, v. 14, n.º 1, pp. 73-2003, Mahwah, NJ, EUA. DAY, Catherine (2005), Buying Green: The Crucial Role of Public Authorities. [pdf]. Local Environment: The International Journal of Justice and Sustainability, vol. 10. n.º 2, abril de 2005. [Consultado em 15 de fevereiro de 2016]. Disponível em: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/1354983042000388214?journalCo de=cloe20. DOBSON, Andrew, ed. (1999), Fairness and Futurity – Essays on Environmental Sustainability and Social Justice. Oxford: Oxford University Press. ESTORNINHO, Maria João (2006), A transposição das Directivas n.º 2004/17/CE e 2004/18/CE, de 31 de março, e a elaboração de um Código dos Contratos

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

85

A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

Públicos. Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 58. Braga: Cejur, julho/agosto 2006. ______ (2006), Direito Europeu dos Contratos Públicos. Coimbra: Almedina. ______ (2012), Curso de Direito dos Contratos Públicos – Por uma contratação pública sustentável. Coimbra: Almedina. European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions (2012), NEETs Young people not in employment, education or training: Characteristics, costs and policy responses in Europe. [pdf]. [Consultado em 15 de fevereiro de 2016].

Disponível

em:

http://observatorio-das-

desigualdades.cies.iscte.pt/content/news/neet_eurofound2012.pdf. FIDÉLIS, Teresa e PIRES, Sara Moreno (2008), Implementação da Agenda Local 21 em Portugal: desafios para a Sustentabilidade Local. RevCedoua, ano X, vol. 1, n.º 21. Coimbra, 2008. FISHER, Elizabeth (2013), Environmental Law as „Hot‟ Law. Journal of Environmental Law, vol. 25, n.º 3. Oxford: Oxford University Press. GARCIA, Maria da Glória (2011), O lugar do Direito na Proteção do Ambiente. In GOMES, Carla Amado e SOUSA, Marcelo Rebelo de (2011), Estudos de Direito do Ambiente e de Direito do Urbanismo. Lisboa: Instituto de Ciências JurídicoPolíticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. GIDDENS, A. (2014), Este turbulento e poderoso continente – que futuro para a Europa? Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. GOMES, Carla Amado (2010), A proteção do Ambiente na Jurisprudência comunitária – Uma amostragem. In MIRANDA, Jorge et al., org. (2010), Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Paulo de Pitta e Cunha. Coimbra: Edições Almedina, pp. 43 – 83. GONÇALVES, Pedro Costa (2012), Alterações ao Código dos Contratos Públicos na sequência do «Memorando de Entendimento com a Troika». Revista de Contratos Públicos, n.º5. Coimbra: CEDIPRE. GONÇALVES, Pedro (2003), O contrato administrativo – uma instituição do direito administrativo do nosso tempo. Coimbra: Almedina.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

86

Carlos Rodrigues

GREENWOOD, Michelle e KLOTZ, James M. (2009), The fight against corruption in public procurement: an introduction to best practices, in International Public Procurement: a guide to best practice. Londres: Globe Law & Business. HEIDRICK & STRUGGLES (2007), Análise de Resultados do Estudo sobre o Estado de Arte das Práticas em

15

de

Sustentabilidade de

fevereiro

em de

Portugal. [pdf]. [Consultado 2016].

Disponível

em:

http://www.ver.pt/documents/estadoartedasustentabilidade.pdf. KUNZLIK, Peter (2003), Making the Market Work for the Environment: Acceptance of (Some) „Green‟ Contract Award Criteria in Public Procurement. In Journal of Environmental Law, vol. 15, n.º 2. Oxford University Press. LIVRO BRANCO DAS COMPRAS PÚBLICAS ECOLÓGICAS (2011). Lisboa: Sociedade Ponto Verde. LOUREIRO, João Carlos (2012), Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho, Vol. IV. Coimbra: Coimbra Editora. MARQUES, M. (2000), Alguns aspetos da Gestão Pública na Administração Central e Portugal; comunicación presentada en el I Encuentro Iberoamericano de Contabilidad de Gestión (Valência, novembro 2000), Universidade Aberta, 2000, apud, TAVARES, Maria da Conceição da Costa (2009), Desenvolvimento Sustentável e Agenda 21 Local: Estudo Exploratório. Dissertação de Mestrado, Aveiro. MARQUES, Paulo (2011), Entre a Estratégia de Lisboa e a Europa 2020 – Para onde caminha o Modelo Social Europeu? Cascais: Editora Princípia. MARTINS, Anabela Pina Alves de Pinho (2010), Estudo Exploratório da Realidade Portuguesa, nas Compras Sustentáveis. Dissertação de Mestrado, Universidade de Aveiro. MONTI, Mario (2010), Relatório Monti, A new strategy for the single market at the service of Europe’s economy and society, Report to the President of the European Comission Durão Barroso. [pdf]. [Consultado em 15 de fevereiro de 2016]. Disponível

em:

http://www.frankcs.org/cms/pdfs/EC/EC_Monti_Report_9.5.10.pdf.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

87

A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

MUSGRAVE, Richard e MUSGRAVE, Peggy (1989), Public Finance in Theory and Practice. 5.ª ed. McGraw-Hill International Editions. OLIVEIRA, Rodrigo Esteves de (2008), Os princípios gerais da contratação pública. In GONÇALVES, Pedro, org. (2008), Estudos de Contratação Pública – I. Coimbra: Coimbra Editora. ______ (2011), Concursos e outros procedimentos de contratação pública. Coimbra: Almedina. OST, François (1997), A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget. PARDAL, Paulo Alves (2014), A contratação pública sob os ventos da austeridade orçamental. In FERREIRA, Eduardo Paz e RODRIGUES, Nuno Cunha, coord. (2014), Novas Fronteiras da Contratação Pública. Colecção Manuais Académicos, IDEFF, n.º 1. Coimbra: Coimbra Editora, pp. 171 a 204 PEREIRA, Pedro Matias e FRANCO, João Soares (2012), A adjudicação de Contratos Públicos em contexto de crise. In Revista de Contratos Públicos, n.º 5. Coimbra: CEDIPRE. PERMAN, R, MA, Y, McGilvray (1996), Natural Resource and Environment Economics. Nova Iorque: Longman Publishing. Pordata (2015), Taxa de desemprego, dos 15 aos 64 anos, por grupo etário na Europa. [em linha]. [Consultado em 15 de fevereiro de 2016]. Disponível em: http://www.pordata.pt/Europa/Taxa+de+desemprego++dos+15+aos+64+anos ++por+grupo+et%C3%A1rio-1798. Pordata (2016), Taxa de desemprego: total e por nível de escolaridade completo (%) – Portugal. [em linha]. [Consultado em 15 de fevereiro de 2016]. Disponível em: http://www.pordata.pt/Portugal/Taxa+de+desemprego+total+e+por+n%C3%A Dvel+de+escolaridade+completo+(percentagem)-1009. PORTO, Manuel (2012), A Estratégia Europa 20-20: visando um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo. In CORREIA, Fernando Alves, MACHADO e Jónatas, LOUREIRO, João Carlos (2012), Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho, Vol. IV. Coimbra: Coimbra Editora.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

88

Carlos Rodrigues

RAIMUNDO, Miguel Assis (2013), A formação dos contratos públicos – Uma concorrência ajustada ao interesse público. Lisboa: AAFDL. REBELO, Marta (2003), A dimensão ambiental das regras comunitárias de contratação pública: «os critérios de adjudicação relativos à proteção do ambiente» na jurisprudência do TJCE. Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 20. Coimbra: Instituto de Direito do Urbanismo e do Ambiente, Lda e Almedina. RODRIGUES, Nuno Cunha (2013), A Contratação Pública como Instrumento de Política Económica, Tese de Doutoramento. Coimbra: Almedina. SARAIVA, Rute (2009), A Herança de Quioto em Clima de Incerteza – Análise JurídicoEconómica do Mercado de Emissões num Quadro de Desenvolvimento Sustentado. [pdf]. Tese de Doutoramento. Lisboa: FDUL. [Consultado em 15 de fevereiro de 2016]. Disponível em: http://repositorio.ul.pt/handle/10451/2237. ______ (2013), A Juridicidade do Princípio do Desenvolvimento Sustentado. In VALENTE, Isabel Maria Freitas e RIBEIRO, Ana Maria Reis, coord. (2013), Ambiente, Energias e Alterações Climáticas – III. Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – A nossa escolha, o nosso futuro! Aveiro: CIEDA. SOROMENHO-MARQUES, Viriato (1998), O Futuro Frágil: os desafios da crise global do ambiente. Lisboa: Publicações Europa-América. SOUSA, Marcelo Rebelo de, e MATOS, André Salgado de (2008), Contratos Públicos – Direito Administrativo Geral, Tomo III. Lisboa: Dom Quixote. ______ (2008), Direito Administrativo Geral, I. 3ª edição. Lisboa: D. Quixote. TAVARES, Gonçalo Guerra e DENTE, Nuno Monteiro (2009), Código dos Contratos Públicos: Comentado – Vol. I: Regime da Contratação Pública (artigos 1.º a 277.º). Coimbra: Edições Almedina. _______ (2011), Vol. II: Regime substantivo dos contratos administrativos (artigos 278.º a 473.º). Coimbra: Edições Almedina. TRINDADE, Paula e DUARTE, Ana Paula (2010). Compras Públicas: uma oportunidade para o consumo sustentável e para a inovação. [pdf]. Seminário. Lisboa: Instituto Goethe, 26 de setembro de 2010. [Consultado em 15 de fevereiro de 2016]. Disponível

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

em:

89

A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

http://repositorio.lneg.pt/retrieve/4042/Territ%C3%B3rios%20Sustent%C3%A1n veis.pdf. TRINDADE, Paula; FERREIRA, Luís Miguel D. F., FERNANDES, Andreia; VIVAS, Paulo; DUARTE, Ana Paula (2006), Green Procurement Pratices in Portuguese Local Municipalities – an exploratory analysis. Conference 2006 - Creating and Managing Value in Supply Networks, San Diego, 2-6 abril. 10p. VIANA, Cláudia (2007), Os princípios europeus na contratação pública. Coimbra: Coimbra Editora. ______ (2010), A qualificação dos operadores económicos nos procedimentos de contratação pública. In GONÇALVES, Pedro, org. (2010), Estudos de Contratação Pública – Vol. II. Coimbra: Wolters Kluwer sob a marca Coimbra Editora, pp. 153196.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

90

José Ricardo Sousa

A INTERCONSTITUCIONALIDADE COMO SISTEMA PROPULSOR DE UMA IDENTIDADE EUROPEIA

JOSÉ RICARDO SOUSA1

RESUMO O presente artigo pretende demonstrar os benefícios jurídicos, sociais e políticos que a implementação adequada da teoria da interconstitucionalidade pode originar dentro do sistema legal da União Europeia, bem como o seu contributo para a formação de uma identidade europeia. Em breves palavras, o artigo aborda as características essenciais que fazem da teoria da interconstitucionalidade uma alternativa credível para a construção da União Europeia, segundo Gomes Canotilho. Além disso, apresenta as vantagens que a interconstitucionalidade pode acrescentar em termos jurídicos, assim como uma reflexão pelo termo de Estado-Nação e a necessária mudança de interpretação do “conceito estático” de cidadania europeia. Por último, mas não menos importante, o artigo pretende abordar a problemática da interconstitucionalidade no aumento do padrão de proteção dos direitos fundamentais para os ordenamentos jurídicos internos dos Estados-membros. Palavras-chave: Interconstitucionalidade, Identidade, Estado-Nação, Cidadania Europeia, Direitos Fundamentais. Histórico do artigo: recebido em 15-02-2016; aprovado em 27-04-2016; publicado em 03-05-2016. 1 Mestrando em Direito da União Europeia pela Escola de Direito da Universidade do Minho, Braga. E-mail: [email protected].

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

91

A interconstitucionalidade como sistema propulsor de uma identidade europeia

ABSTRACT Interconstitutionality as a propellant system of a European identity. This research paper aims to demonstrate the legal, social and political benefits that the proper implementation of interconstitutionality theory may cause within the legal system of the European Union as well as their contribution to the European identity formation. Briefly, the article discusses the key features that make the theory of interconstitutionality a credible alternative to the construction of European Union, according to Gomes Canotilho. It also presents the advantages that interconstitutionality can add in legal terms, also as a reflection of the term nationstate and the necessary change in the interpretation of the "static" concept of European citizenship. Last but not least, the article seeks to address the problem of interconstitutionality in increasing the standard of protection of fundamental rights for the domestic legal systems of member states. Keywords: Interconstitutionality, Identity, Nation-State, European Citizenship, Fundamental Rights _________________________________________________________________________________________________________________

1. INTRODUÇÃO O presente estudo pretende demonstrar os benefícios jurídicos, sociais e políticos que a implementação adequada da teoria da interconstitucionalidade pode originar dentro do sistema legal da União Europeia, bem como o seu contributo para a formação de uma identidade europeia partindo do célebre lema recorrente europeu (“unidos na diversidade”) para alcançar a longo prazo, uma identidade europeia global com características mais similares (ou até mesmo comuns) que a que está vincada atualmente. Até ao momento, não existe uma definição clara acerca do conceito de Constituição. Por uma perspetiva histórico-universal, a Constituição representa um conjunto de regras e de estruturas institucionais conformadoras de uma dada ordem jurídico-política num determinado sistema político-social. No caso português, esta representa a lei máxima na qual são consagrados os direitos fundamentais dos cidadãos, os princípios pelos quais um Estado é administrado, a organização do sistema político nacional, assim como a definição dos órgãos e suas respetivas funções e, por último, mas não menos importante, as orientações políticas a que os respetivos órgãos devem obedecer. No início do século XXI surgiu a primeira tentativa europeia de unir o sistema político europeu através de uma constituição supranacional. O recém-sucesso da união

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

92

José Ricardo Sousa

económica e monetária foi o motivo chave que levou os vários líderes europeus a elaborarem uma nova estratégia europeia e continuarem o aprofundamento da organização, e assim surgiu o Tratado Constitucional. Curiosamente, o entusiasmo inicial dos líderes europeus facilmente colidiu com o ceticismo do povo francês e holandês, dois países fundadores da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Mais do que nunca, a União Europeia precisa de encontrar novas respostas para os atuais desafios económicos, sociais e institucionais que tendem a desagregar a ideia de unidade europeia original de Jean Monnet e Robert Schuman. A União Europeia é constituída por vinte e oito constituições compostas por diferentes princípios, normas ou organismos que, por vezes, em nada são semelhantes. Não obstante, uma nova corrente doutrinária de prestigiados constitucionalistas europeus, como Gomes Canotilho, divulgaram uma nova teoria, que pretende aumentar o entrosamento institucional e democrático dos sistemas políticos nacionais baseado numa espécie de rede multinível de constituições nacionais – a interconstitucionalidade. Este trabalho pretende questionar se será a interconstitucionalidade um sistema à altura dos desafios contemporâneos europeus. De que forma a interconstitucionalidade pode contribuir para a criação da tão desejada identidade europeia? Como ainda não existe uma Constituição com características europeias torna-se por vezes difícil estabelecer as devidas conexões funcionais entre a União Europeia e os respetivos Estados-membros. Desde o início da organização internacional que o conflito entre o direito interno e o direito europeu é cada vez mais evidente. O Tribunal de Justiça da União Europeia tem tido um papel preponderante e inovador com a interpretação das normas da legislação europeia e o assegurar do normal cumprimento das mesmas. Todavia, os Tratados e os atos legislativos europeus tornaram os sistemas dos Estados-membros obsoletos e cada vez menos responsivos aos constantes desafios que a eles são imputados.

2. A TEORIA DA INTERCONSTITUCIONALIDADE Ainda muito antes da desilusão dos referendos para o Tratado Constitucional, os especialistas em direito constitucional de várias universidades europeias juntaram-se

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

93

A interconstitucionalidade como sistema propulsor de uma identidade europeia

para estudar um novo paradigma jurídico-constitucional europeu. Uma nova corrente doutrinária começa a surgir na Europa, designada por teoria da interconstitucionalidade (Canotilho, 2012, pp. 265 e ss.). Em Portugal, esta teoria foi inicialmente introduzida por F. Lucas Pires em 1998. A referida teoria pretende enfrentar o problema da articulação entre os poderes constituintes com fontes e legitimidades diversas e, desta forma, estudar as relações interconstitucionais de concorrência, convergência e posições conflituosas entre as várias constituições europeias e os respetivos poderes constituintes,

ao

invés

de

se

lidar

constantemente

com

conceitos

de

“constitucionalismos multilaterais” ou “constitucionalismos federativos”. Através deste pressuposto surge a teoria da interconstitucionalidade. Segundo Gomes Canotilho, o processo de instituição de uma constituição europeia deve-se desenvolver através desta teoria que aponta para autodescrições e autossuficiências nas constituições nacionais para se suportar juridicamente. O motivo pelo qual a autodescrição se revela importante para a interconstitucionalidade prende-se com o facto de ser a única forma capaz de absorver as identidades nacionais dos diversos Estados-membros, bem como as memórias e a identidade política que se encontram nos respetivos textos constitucionais. Outro ponto pertinente na interconstitucionalidade está na permanência do valor e consequente função das Constituições estaduais, ou seja, o facto das Constituições nacionais estarem em rede não retira importância funcional ou organizacional das próprias. Segundo Gomes Canotilho, a rede formada por normas constitucionais e por normas europeias de valor constitucional (normas e princípios dos Tratados institutivos da União Europeia), fazem abrir as portas dos Estados mais conservadores e relativizar os princípios da estabilidade (soberania interna, independência, hierarquia das normas, etc.), mas não dissolve na rede os traços principais das formatações constitutivas dos Estados-membros. Na teoria supra aludida, a interconstitucionalidade é sinónimo e expressão da intraorganizatividade. A autodescrição aponta para um outro sentido: necessidade autodescritiva da organização superior. Gomes Canotilho refere que é discutível se a autodescrição interorganizativa pressupõe um texto constitucional autodescritivo,

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

94

José Ricardo Sousa

expressamente formulado, e legitimado como tal, ou se a descrição pode resultar do ato de assumir como constitucionalmente intraorganizativos de textos inicialmente concebidos como convenções interestatais, como por exemplo os Tratados institutivos da União Europeia. No sentido contrário, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia apontam para uma articulação da autodescrição das Constituições nacionais em rede com a autodescrição identificadora da nova organização política. Desta forma, os textos constitucionais mantêm-se como uma autorreferência dos sistemas nacionais ao mesmo tempo que reentram na rede interorganizativa para assegurar o respeito das identidades nacionais celebrado no artigo 6º n.º 3 do Tratado da União Europeia (TUE). Supletivamente, a teoria da interconstitucionalidade também é uma teoria da interculturalidade constitucional. A interculturalidade trata-se, como o prefixo da palavra assim o indica, de uma partilha de cultura, ideias ou formas de encarar o mundo e os outros. Segundo Gomes Canotilho, não se trata de uma “cultura de organização” ou “cultura de interorganização”, mas revela um carácter de um “conceito de integração”, isto é, um conceito de cultura transportador de dimensões interculturais servindo de mediação daquilo que “foi” num determinado momento, ou o desenvolvimento do que “foi” em determinado momento com a devida promoção da transformação cultural. O conceito de interculturalidade pode ser considerado também como um “super conceito” de várias culturas de um determinado grupo humano com um sentido pluralista e diversificado. De acordo com Gomes Canotilho, a interconstitucionalidade coloca um problema de articulação de paradigmas diversos de poderes constitucionais. A doutrina portuguesa sugeriu a diferenciação de um paradigma funcional, que está estabelecido em Portugal, França ou Espanha, de um paradigma não funcional, que é um sistema vigente no Reino Unido. Desta forma pode assistir-se a um confronto entre dois paradigmas e consequentemente dois sistemas europeus que podem colocar um problema constituinte de interorganizatividade. Assim, existem dois tipos de paradigmas e sistemas europeus que colocam um problema constituinte do texto da interorganizatividade.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

95

A interconstitucionalidade como sistema propulsor de uma identidade europeia

A Constituição da Europa é indispensável à autodescrição identificadora da organização política superior. Neste momento existe uma articulação de paradigmas, contudo defronta-se com um claro dilema: ou pretende assegurar a evolução do sistema interorganizativo segundo um esquema de valores e de programação finalista (comunidade de defesa comum, política externa comum) ou pretende ser evolução segundo o modelo de aquisições sucessivas. A interconstitucionalidade sugere intersemioticidade, uma vez que ela não dispensa a investigação e descoberta do conjunto de regras respeitantes à produção e interpretação dos textos constitucionais. Assim se pode afirmar que as Constituições nacionais são dimensões de uma hermenêutica jurídica europeia. A intersemioticidade europeia apontará para uma justiça compreensiva no contexto de comunidades pluralistas onde se disputam várias conceções de bem. O problema que se coloca é saber se este tato hermenêutico passa pelo recurso a um renovado formalismo jurídico a fim de se evitar a falta de concordância, ou se é possível conjugar a hermenêutica jurídica europeia numa inclusividade cultural, onde “valores” e “ideias” sejam unificadas. Segundo Peter Haberle (ibid., p.278) a intersemioticidade implica articulação da busca de regras referentes à produção e interpretação dos textos constitucionais com a formulação de discursos e práticas sociais num contexto cultural pluralista. Segundo Konrad Hesse, a história passou por cima dos fundamentos que se compunham como partes constitutivas da doutrina do Estado e da Constituição (ibid., p. 283). O exemplo mais recente incide sobre a reflexão da necessidade de existir uma constituição para a União Europeia. Os EM insistem num modelo estático carecido de respostas à emergência da globalização ou regionalização, em vez de criar uma dinâmica capaz de dar agilidade indispensável para futuros desafios constitucionais. As ruturas paradigmáticas teriam de ser feitas na superação do esquema referencial Constituição-Estado, assim como “a necessidade de ultrapassar as teorias dos momentos

constitucionais

isolados

e

únicos

e

apreender

o

sentido

do

constitucionalismo evolutivo; substituição do esquema hierárquico-normativo do direito constitucional por um sistema multipolar de governance constitucional”. (ibid., p.283)

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

96

José Ricardo Sousa

3. UMA NECESSÁRIA MUDANÇA DO PARADIGMA CONSTITUCIONAL EUROPEU As palavras supra aludidas de Konrad Hesse são um bom ponto de partida para o entendimento da necessidade de uma nova conceção constitucional europeia. Na sua investigação, Gonçal Mayos (Mayos, 2015, p.1) refere as mesmas preocupações mencionadas por Konrad Hesse. De acordo com o mesmo, numa era globalizada como a que vivemos atualmente, as sociedades geram inúmeros e profundos fenómenos “inter”, os quais despertam características complexas, definitivas e causadoras de novos riscos e conflitos). Cada vez mais se tem notado o aparecimento de fenómenos antagónicos na sociedade europeia desenvolvidos por diferentes tipos de “inter” relações. Estas têm-se tornado numa espécie de processos permanentes nas sociedades globalizadas que continuarão a crescer a médio prazo. O progressivo aumento dos fenómenos globais tem trazido problemas acrescidos tanto aos Estados-membros como à própria União Europeia que não tem conseguido dar as melhores respostas, em parte graças ao sistema político implantado na União Europeia e à atitude conservadora e excessivamente protecionista de alguns Estados-membros no que diz respeito à sua soberania. Sobre este assunto, Lucas Pires refere que as fronteiras nacionais são incapazes de corresponder às necessidades exigidas pelo “cidadão moderno” (Pires, 1997, p. 67). O motivo para a crescente desvalorização do conceito de Estado-Nação está nesta crescente interdependência regional. Este fluxo global coloca sérios entraves a tradicional resolução de questões básicas da teoria, e principalmente, da prática democrática (Held, 1995, pp. 16-17). Desta forma consegue-se perceber que o próprio conceito que tradicionalmente legitima a soberania - Estado-Nação - mostra-se desadequado para enfrentar os desafios contemporâneos. Consequentemente, David Held expõe o seu pensamento sobre a incapacidade deste conceito em controlar a repercussão de políticas externas dentro dos seus domínios tendo que recorrer a novas formas de controlo constitucional para legitimar internamente os respetivos processos de decisão. Mas David Held vai mais longe e admite que atualmente é evidente que os Estados-Nação nunca satisfizeram totalmente os ideais constitucionais de representação e participação democrática (ibid., p. 224).

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

97

A interconstitucionalidade como sistema propulsor de uma identidade europeia

A interconstitucionalidade quer fazer desaparecer o tradicional conceito de Constituição que os Estados utilizam para protegerem a sua soberania, o seu território e a legitimidade para tratarem de matérias internas sem qualquer interferência proveniente do exterior. O constante fluidificar dos elementos que configuram cada um dos Estados soberanos, bem como as práticas comerciais, migratórias e profissionais são uma resposta natural às políticas europeias que as respetivas constituições não conseguem dar a melhor resposta, se agirem de uma forma isolada. Para além disso, a União Europeia não é formada, nem tem o objetivo de ser constituída por vinte e oito comunidades isoladas pelo que é incompreensível a permanente teimosia de alguns Estados em regular esta matéria. Destarte, e considerando todo o condicionamento político, os cidadãos europeus também apresentam enormes reticências em relação a uma ideia de unidade europeia, o que se revela ainda mais preocupante uma vez que o projeto europeu é pensado essencialmente para os próprios. No que diz respeito aos assuntos políticos, os cidadãos costumam estar envoltos de uma inércia e um desinteresse preocupante, mas o problema fica ainda pior quando está relacionado com assuntos europeus como podemos verificar nas taxas de abstenção das eleições europeias. Curiosamente, aquando dos referendos sobre o Tratado Constitucional é importante salientar que o povo francês e neerlandês negaram qualquer aprofundamento nesta matéria convencidos por argumentos falaciosos como o “mito do canalizador polaco” e pela imputação de responsabilidade à UE pelas dificuldades económicas e sociais internas (Martins da Silva, 2010, p. 282). A negação por parte dos respetivos povos traz uma agravante devido ao simbolismo que estes países representam para a UE já que foram dois países que tiveram voz ativa na formação da CECA. De acordo com Alessandra Silveira, o problema da democracia europeia está “no constante trespasse de poder nacional para legitimar o poder transnacional”(Canotilho et al., 2013, p. 482). Estas palavras levam ao entendimento de que é necessário abordar o tema constitucional por uma perspetiva que esteja ligada mais diretamente aos cidadãos e deixando para segundo plano qualquer estratégia europeia que passe pelo aprofundamento desta matéria por um método político ou institucional. A denominada

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

98

José Ricardo Sousa

racionalidade intersubjetiva estimula o cidadão europeu a moldar uma nova coesão social baseada numa autocompreensão ético-política que possa ser construída e consequentemente reproduzida para a comunidade. Para Gustavo Zagrebelsky, a legitimidade de uma Constituição nos dias de hoje, já não depende da legitimidade de quem a fez ou falou por meio dela, mas da capacidade de responder adequadamente aos desafios do nosso tempo (Silveira, 2015, p. 7). Precisamente neste ponto, a lógica da interconstitucionalidade poderá trazer um efeito impulsionador à União Europeia: através dos princípios constitucionais republicanos (que representam as bases de qualquer Constituição dos Estados-membros) pode evitar-se todos os entraves políticos e criar as condições necessárias para a criação de uma “plataforma de entendimento” supranacional das várias perspetivas nacionais. Na célebre tese “Superavit democrático europeu”, Miguel Poiares Maduro (Maduro, 2001, p. 119 e ss) aponta duas razões pelas quais se torna cada vez mais insuficiente e irrelevante a preservação dos textos constitucionais nacionais no seio europeu. A primeira razão incide sobre as incessantes diásporas europeias e fluxos migratórios: pelo facto do cidadão europeu poder circular livremente pelo espaço Schengen e não ser “prisioneiro” da sua comunidade política, ele tem o privilégio de usufruir de direitos na sua comunidade original e outros demais direitos (de uma forma limitada) na outra comunidade que o próprio está inserido. A título de exemplo, podem ser considerados o seu direito de residência, o direito à segurança social dessa comunidade, a defesa dos direitos fundamentais da UE, etc. Em segundo lugar, o direito de representação em outras comunidades políticas nacionais que possam afetar os interesses dos cidadãos. Aqui pode-se salientar os direitos inerentes das políticas do mercado interno e o princípio da não discriminação com base na nacionalidade (Maduro, 2001, p. 132). Por isso urge a necessidade de encontrar uma resposta mais pertinente para esta matéria e que faça desaparecer a componente histórico-cultural dos respetivos Estados

membros

para

uma

melhor

integração

transnacional.

A

interconstitucionalidade traz esta componente comunicativa das várias constituições europeias que funcionam em rede, que sirva o interesse democrático do cidadão

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

99

A interconstitucionalidade como sistema propulsor de uma identidade europeia

europeu ou dos vários movimentos supranacionais e que seja capaz de aproximar o ativismo político e aumentar as contribuições políticas civilizadas e organizadas. Desta forma cria-se esta espécie de “democracia plural” como refere Miguel Poiares Maduro e conduz para uma diferente legitimidade dos textos constitucionais nacionais uma vez que estes seriam apoiados pelo efeito direto proveniente dos cidadãos de cada estadomembro. O princípio do efeito direto revela uma elevada importância para o direito da União Europeia e consequentemente para a democracia da organização internacional. Através deste princípio é possível a um particular que tenha a cidadania europeia proteger os seus direitos conferidos através das disposições dos Tratados Institutivos ou de algum acto vinculativo europeu, e que de alguma forma foram lesados por algum Estado-membro. Assim, os particulares podem recorrer a qualquer órgão jurisdicional comunitário para salvaguardar os seus interesses, independentemente da sua nacionalidade. O princípio do efeito direto afigura-se como um princípio basilar e inovador de uma democracia pluralista tal como Miguel Poiares Maduro refere, uma vez que possibilita ao cidadão interferir e alertar para determinados processos legislativos dos respectivos eEstados-membros que estejam desconformes com o direito da União Europeia. De certo modo os próprios cidadãos europeus são incumbidos de cooperar juntamente com a Comissão Europeia no sentido de salvaguardar e proteger as disposições dos Tratados Institutivos.

4.A DEFESA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Se é verdade que a Comissão Europeia tem uma importante função na defesa das normas e princípios dos Tratados europeus, também não é menos verdade que o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) e todos os tribunais comunitários contribuem bastante no auxílio da mesma função ao assegurar o cumprimento dessas mesmas normas na ordem interna dos Estados-membros. Em particular, o TJUE tem revelado o seu lado inovador na interpretação das normas especificadas pelos inúmeros reenvios prejudiciais que tem recebido com a finalidade de esclarecer os

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

100

José Ricardo Sousa

tribunais comunitários sobre quais os sentidos da norma para o respetivo caso concreto. De todas as matérias comunitárias que merecem a ponderação constante do TJUE é importante salientar para o estudo do tema tudo o que envolve o tema da cidadania europeia. De salientar também que a cidadania europeia tem uma noção complementar à noção de nacionalidade, uma vez que a segunda confere um vínculo legal e efetivo a um determinado eEstado, ao passo que a primeira somente atribui uma série de direitos que caracterizam essa pessoa como sujeito da respetiva comunidade. Apesar da preservação das nacionalidades por parte dos eEstadosmembros, que ostenta um aspeto mais reservado e limitado dos direitos conferidos a pessoas singulares e coletivas dessa comunidade, a cidadania europeia vem agraciar os indivíduos que residem fora da sua comunidade política nacional com direitos igualitários e anti-discriminatórios, tal como está plasmado no artigo 18º do TUE. Relativamente à cidadania europeia vale a pena referir, a título de exemplo, o posicionamento do TJUE nos acórdãos Martínez Sala vs Freistaat Bayern ou o acórdão Grzelczyk que tratam do direito a subsídios de subsistência de cidadãos europeus com nacionalidades estrangeiras do eEstado-membro em que residem; o acórdão Zambrano que refere à concessão de direitos de permanência de um menor no Estado-membro que esse tem nacionalidade, ao seu progenitor mesmo que este não tenha a cidadania europeia, bem como tem direito aos restantes direitos conferidos pelo artigo 20º do TUE. O acórdão Zambrano é um marco importante pois foi a partir deste acórdão que se dá deu a rutura metodológica da avaliação dos casos de cidadania tendo como em base o pressuposto das atividades económicas, para alargar o conceito a pessoas que não têm nenhuma atividade económica nem qualquer hipótese de o exercer. Segundo o TJUE: “há que considerar que essa recusa de permanência tem a consequência de os referidos filhos, cidadãos da União, se verem obrigados a deixar o território da União para acompanhar os seus progenitores. Do mesmo modo, se não for atribuída uma autorização de trabalho a essa pessoa, esta corre o risco de não dispor dos recursos necessários para se sustentar a si própria e sustentar a sua

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

101

A interconstitucionalidade como sistema propulsor de uma identidade europeia

família, o que teria igualmente a consequência de os seus filhos, cidadãos da União, se verem obrigados a deixar o território desta. Nestas condições, os referidos cidadãos da União ficarão impossibilitados de exercer o essencial dos direitos conferidos pelo seu estatuto de cidadão da União”(Acórdão TJUE, 08.03.2011, Zambrano, Proc. C-34/09).

Desta forma, o TJUE evidencia a sua preocupação em ir ao encontro na defesa dos direitos fundamentais da UE dos cidadãos europeus, centrando a atenção a quem de direito se revela legítimo detentor da cidadania europeia, baseada na sua nacionalidade, e amplifica o campo de beneficiários da cidadania (de uma forma indireta) conferindo um vínculo legal aos progenitores de Estados terceiros a residir na comunidade europeia e ao respetivo certificado legal para trabalhar e, assim, conseguir a subsistência dos menores. Este acórdão representa o 2º alargamento de competências do conceito de cidadania europeia, noção que tem sofrido alguns recuos na defesa dos seus direitos pelo próprio TJUE, que se tem pronunciado, em certos acórdãos, de uma forma diferente face ao passado. De uma forma bastante sucinta, no acórdão Dano, o TJUE opôs-se ao pedido de prestação social em regime não contributivo para um cidadão europeu de nacionalidade romena e, indiretamente, aos seus respetivos filhos. O facto do senhor Dano não beneficiar do direito de residência desse Estado-membro de acolhimento, conjuntamente com o facto de não exercer nenhuma atividade profissional foi o suficiente para o TJUE indeferir o pedido. Sobre este ponto, nas conclusões do advogado-geral, Melchior Walthelet afirma que a desigualdade de tratamento entre os cidadãos da UE que tenham feito uso do seu direito de livre circulação e os cidadãos do Estado-membro de acolhimento no que concerne a atribuição de prestações sociais é uma consequência inevitável (Acórdão TJUE, 11.11.2014, Dano, Proc. C-333/13, considerando 77). Assim, o TJUE dá a possibilidade do Estado-membro de acolhimento decidir quem deve ser beneficiado pela respetiva contribuição sob o risco do montante total das prestações sociais não contributivas começarem a ser incomportáveis para o Estado. No acórdão Alimanovic, o TJUE também voltou a manifestar-se favorável a um condicionamento da aplicação da terminologia de cidadania europeia. No entender do TJUE, para situações semelhantes

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

102

José Ricardo Sousa

ao caso supra aludido, a analogia entre o cidadão europeu que está no Estado-membro de acolhimento e o cidadão europeu que é natural do respetivo Estado-membro revela-se injusta. De certa forma, a decisão do TJUE significa uma limitação à prática da livre circulação de pessoas e do direito de permanência nos territórios de um Estadomembro, tal como está consagrado no artigo 20º nº2 do TFUE, pois o critério original (atividade profissional) ainda permanece como fator determinante para decidir a legitimidade de um cidadão europeu. Com as recentes posições do TJUE torna-se difícil criar uma sociedade europeia mesclada e sem diferenças jurídicas entre cidadãos do Estado-membro de origem e cidadãos de outros Estados-membros nesse espaço. Por esta e outras razões, Alessandra Silveira, Pedro Froufe e Mariana Canotilho alertam para a urgência de contornar aquilo que os próprios referem como um conceito “estático de cidadania europeia” (Canotilho et al., 2013, p. 483). Num contexto multinível, a interconstitucionalidade é um sistema capaz de desenvolver o conceito de cidadania para outros patamares, uma vez que dá a oportunidade aos próprios de poderem usufruir e defender os seus direitos independentemente do lugar onde estão inseridos na Europa. Esta “nova” cidadania é baseada nos princípios democráticos e naquilo que Miguel Poiares Maduro designa como “pluralidade de nacionalidades” para destruir o antigo conceito que pretendia preservar as nacionalidades, e assim preservar a soberania dos Estados. Ela pretende ser independente de qualquer vínculo legal nacional para transforma-la na “Europa dos cidadãos”, tal como idealizara Vítor Hugo. Um novo conceito, com novos direitos e novas responsabilidades, que sejam reguladas pelo direito europeu e pela Carta dos direitos fundamentais da União Europeia. Através desta perspetiva, Alessandra Silveira, Pedro Froufe e Mariana Canotilho referem que uma das formas de evitar o distanciamento insuportável entre o conceito estático de cidadão europeu e o próprio cidadão europeu está na salvaguarda do padrão mais elevado de proteção dos direitos fundamentais nos tribunais comunitários dos Estados-membros, que os próprios cidadãos são responsáveis (ibid., p. 483). Através da ratificação do Tratado de Lisboa por todos os Estados-membros, a Carta dos Direitos Fundamentais ganhou força vinculativa e passou a ser considerada

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

103

A interconstitucionalidade como sistema propulsor de uma identidade europeia

tão importante como os restantes Tratados constitutivos da União Europeia. Tradicionalmente, o TJUE costumava considerar os direitos fundamentais enquanto princípios gerais como direito da União Europeia. Por força do artigo 6º do TUE, surge a necessidade de transformar os valores e os direitos fundamentais de diversas fontes: os tratados constitutivos e a CDFUE para normas europeias e as constituições e os mesmos tratados para normas nacionais. O primeiro caso onde o TJUE deixou claro que as políticas e decisões dos Estados-membros não podem violar os direitos fundamentais individuais dos cidadãos europeus foi no acórdão Stauder, em 1969 (Acórdão TJUE, 12.11.1969, Stauder, Proc. 29/69, considerando 7). Neste momento, os direitos fundamentais são um importante parâmetro de apreciação quando é para ser aplicado no direito europeu. Neste contexto, o artigo 53º da CDFUE afigura-se como um importante artigo para proteger os cidadãos e reforçar o primado do direito da União Europeia. Segundo o respetivo artigo, “nenhuma das disposições da carta deve ser interpretada no sentido de restringir ou lesar os direitos do Homem e as liberdades fundamentais reconhecidos…” em nenhuma legislação vinculada com o direito europeu ou nacional. O disposto no artigo 53º da CDFUE aumenta o nível de proteção dos cidadãos europeus, bem como limita o sentido de interpretação dos artigos incorporados na CDFUE por parte do TJUE. O acórdão Melloni é o melhor exemplo para retratar a atual aplicação do padrão mais elevado de proteção dos direitos fundamentais. Acerca da respetiva proteção, o TJUE refere que “a interpretação segundo a qual o artigo 53.° da Carta autoriza um Estado-Membro a aplicar o padrão de proteção dos direitos fundamentais garantido pela sua Constituição, quando este é mais elevado do que o que decorre da Carta, e a opô-lo, se for caso disso, à aplicação de disposições do direito da União” (Acórdão TJUE, 26.02.2013, Melloni, Proc. C-399/11, considerando 56). Não obstante da importante utilidade que o padrão mais elevado de proteção dos

direitos

fundamentais

tem

para

a

defesa

dos

cidadãos

europeus,

a

interconstitucionalidade poderia potenciar esta respetiva proteção. Sucintamente, o artigo 53º da CDFUE seria aplicável nos casos em que existam, no mínimo, dois regimes jurídicos nacionais relativos àquele direito fundamental em que, no final, será aplicado

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

104

José Ricardo Sousa

o regime jurídico que conceda maior proteção ao respetivo indivíduo. Desta forma, a defesa do cidadão europeu alargaria o campo de possibilidades do respetivo indivíduo para encontrar a melhor proteção salvaguardada por um possível regime interno de outro Estado-membro. Segundo os autores supra mencionados, na teoria dos direitos fundamentais, a relação entre cidadania europeia e os direitos fundamentais ainda não foi devidamente justificada dentro do contexto da União Europeia. A razão para a conclusão supra mencionada relaciona-se com o facto da definição de cidadania europeia ainda não ser fluída o suficiente para abranger toda a população da União Europeia e continuar a ser utilizada como um importante direito em casos de movimentos migratórios de cidadãos, o que contraria a intenção dos direitos fundamentais que expressam vontade em que a cidadania não dependa de movimentos pessoais entre Estados-membros. Em segundo lugar, a cidadania é reservada a nacionais dos Estados-membros. Assim, os nacionais de países terceiros não são abrangidos pela salvaguarda desses direitos fundamentais, o que cria uma falta de universalidade que torna a cidadania europeia e os direitos fundamentais em duas categorias distintas (Canotilho et al., 2013, p. 483).

5. CONCLUSÃO Desde a crise financeira de 2008, a União Europeia tem encontrado bastante dificuldade em controlar as adversidades que tem encontrado ao longo dos tempos. Alguns críticos afirmam que a União Europeia apenas manteve uma imagem de unidade até estar diante dos primeiros grandes desafios desde a sua origem. De facto, é a primeira vez em sessenta anos que a União Europeia enfrenta crises mais problemáticas que as sucessivas crises políticas que sofreu até aos dias de hoje. A mutação da natureza dos desafios europeus é o resultado do sucesso das políticas europeias que, de uma forma ou de outra, levou a organização internacional a largar o seu cariz essencialmente político para se afirmar dentro dos territórios dos Estadosmembros e tornar-se numa organização internacional centrada nos cidadãos europeus. Porém, a crise económica que a Europa atravessa, bem como a “crise dos refugiados”

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

105

A interconstitucionalidade como sistema propulsor de uma identidade europeia

são as consequências de um projeto supranacional incompleto e confuso quanto à finalidade pretendida. A surpreendente incongruência registada na União Europeia está a aumentar a reputação negativa das políticas de Bruxelas que mantêm o impasse em volta de alterações importantes para o reequilíbrio do funcionamento do espaço Schengen. A dificuldade gerada pelos Chefes de Estado de alguns Estados-membros dificulta o progresso e o crescimento de políticas europeias que beneficiem diretamente o cidadão europeu. Por isso, além das conhecidas crises económicas e crises humanitárias que teimam em permanecer nas fronteiras da União Europeia inclui-se também uma crise de identidade por toda a Europa: uma crise de identidade nas instituições da UE, uma vez que estas se encontram à deriva e subjugadas aos interesses dos Estados integrantes; uma crise de identidade dos Estados-membros pela teimosia em permanecer como soberanos de políticas que apresentam características mais europeístas; e, por fim, crise de identidade dos cidadãos que começam a perder a confiança que a UE poderá ser a solução para os problemas que os afeta diariamente. A era da informação, auxiliada pelo “boom” tecnológico das últimas décadas, tornou as redes sociais numa importante ferramenta de consulta para os cidadãos europeus. A União Europeia encontra-se sob uma avaliação constante dos cidadãos europeus nos dias de hoje, o que pode levar a que uma ação impopular emanada por uma instituição europeia possa ser mal compreendida pelos cidadãos europeus. Exemplo disso é o aumento de eurocéticos no Parlamento Europeu nas últimas eleições europeias. Tendo em conta os últimos resultados obtidos pelo respetivo grupo parlamentar, bem como o desejo de alguns Estados-membros em levar a questão de permanência europeia a referendo popular são alertas que a UE não pode ignorar. Por conseguinte, é necessário que o processo de integração europeu avance para outro nível, que deve passar por uma reforma do Modelo Constitucional europeu. A complexidade e conjuntura dos problemas que a União Europeia enfrenta atualmente precisa de uma ação conjunta e unânime de todos os Estados-membros. Infelizmente, tal não se verifica nos dias de hoje, apesar da progressiva integração europeia ter resultado numa modificação do paradigma de Estado Constitucional e da própria

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

106

José Ricardo Sousa

estadualidade dos Estados-membros e do arquétipo do Estado nacional soberano tender a evoluir para um novo esquema de comunidade no contexto da organização política da União Europeia (Silveira, 2015, p. 7). A implementação de políticas europeias por parte dos Estados-membros levou a uma “erosão” do conceito de Estado e a uma consequente “desterritorialização do poder” (ibid., p. 7). Assim se compreende a necessidade de utilizar um modelo fluido, útil e que esteja diretamente ligado aos cidadãos europeus. A interconstitucionalidade apresenta-se como a solução ideal uma vez que explora toda a vertente protecionista das constituições nacionais através dos direitos fundamentais dos cidadãos europeus. Além disso, a interconstitucionalidade dá a possibilidade aos cidadãos europeus de salvaguardar os seus interesses e dos seus direitos, contribuindo também como um novo controlo para além daqueles que os Tratados confiaram à Comissão e aos Estados-membros. A aplicação da interconstitucionalidade e do alto padrão de proteção dos direitos fundamentais não se aparenta um caso simples, dado que a interpretação e filtragem do TJUE em assegurar os objetivos da ordem jurídica europeia pode resultar em resultados diversos, devido às nuances sistémicas resultantes dos padrões dos Estados-membros, apesar no núcleo essencial (neste caso os direitos fundamentais inserido na Carta) sejam os mesmos em todos os países. Por um lado, há quem considere que o alto padrão de proteção dos direitos fundamentais não seria possível de aplicar uma vez que consideram que existem regimes jurídicos incomparáveis no que diz respeito aos níveis de proteção, em parte considerados como refletores da identidade e cultura de um Estado-membro. Por outro lado, Alessandra Silveira refere que tais argumentos só podem ser levados em conta se os ordenamentos jurídicos não fossem submetidos ao mesmo supra-ordenamento constitucional, mas não no atual estádio de unidade jurídico-político da União Europeia (Silveira, 2012, p. 23). Como sustenta Alessandra Silveira, com a interconstitucionalidade “as constituições dos estados-membros da União desciam do “castelo” para a “rede”, sem perderem

as

suas

funções

identificadoras”

(Silveira,

2015,

p.

16).

A

interconstitucionalidade pode ser o sistema ideal para potencializar a ideia de unidade

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

107

A interconstitucionalidade como sistema propulsor de uma identidade europeia

que é pretendida para consolidar a União Europeia, contudo existem dúvidas no que concerne à capacidade de responder aos desafios institucionais e políticos da União Europeia. Joseph Weiler é da opinião de que a União Europeia criou um novo modelo de federalismo, baseado na tolerância constitucional, onde os próprios Estadosmembros se submetem voluntariamente às esferas das competências da União (ibid., p. 25). Porém, essa tolerância constitucional, tal como intitula Joseph Weiler, rapidamente se torna em intransigência quando algum país dos EM se depara com a mais pequena adversidade ou não pretende perder o controlo de algum sector onde o próprio seja soberano. Cada vez mais, a União Europeia afigura-se como um caldeirão democrático que se vê obrigada a aceitar as legítimas vontades dos seus cidadãos e a dialogar com governos nacionais que vão desde a extrema-esquerda até à extrema-direita. No meio de tanta divisão política é impossível que a União Europeia responda de forma perentória às contrariedades, pelo que é necessário estabelecer condições para que haja maior proximidade entre o cidadão europeu e a União Europeia. Só através da criação de identidade europeia será possível criar condições para que a União Europeia ultrapasse as divisões políticas e os interesses que persistem em estagná-la.

BIBLIOGRAFIA Acórdão TJUE, 12.11.1969, Stauder, Proc. 29/69. Acórdão TJUE, 08.03.2011, Zambrano, Proc. C-34/09. Acórdão TJUE, 26.02.2013, Melloni, Proc. C-399/11. Acórdão TJUE, 11.11.2014, Dano, Proc. C-333/13. CANOTILHO, J.J. Gomes (2003), Direito Constitucional e Teoria da Constituição.7.ª edição. Coimbra: Almedina. _____Brancosos e interconstitucionalidade. 2.ª ed. Coimbra: Almedina. CANOTILHO, Mariana, FROUFE, Pedro Madeira, SILVEIRA, Alessandra (2013), Citizenship and solidarity in the European Union. Euroclio, vol. 77. HELD, David (1995), Democracy and the Global Order. Palo Alto, Califórnia, EUA: Stanford University Press.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

108

José Ricardo Sousa

MADURO, Miguel Poiares (2009), O superavit democrático europeu. Análise Social, vol. XXXVI, p. 158-159. MARTINS DA SILVA, António (2010). História da Unificação Europeia: A Integração Comunitária. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra. MAYOS, Gonçal (2015). Interconstitucionalidad e interculturalidad como modelos de “fenómenos inter.” In WALMOTT BORGES, Alexandre e PINTO COELHO, Saulo, coord.; MAYOS, Gonçal, CARBONELL, José Carlos, JÚNIOR, Moacir Henrique e MOYANO, Yanko, org. (2015). Interconstitucionalidade e Interdisciplinaridade: desafios, âmbitos e níveis de interação no mundo global. Uberlândia, Minas Gerais, Brasil: LAECC/PPGD-UFU, pp. 146-172. PIRES, Francisco Lucas (1997), Introdução ao Direito Constitucional Europeu. Coimbra: Almedina. SILVEIRA,

Alessandra

(2012),

Intersubjectividade,

interdemocraticidade,

interconstitucionalidade. In ROSAS, João Cardoso e MOURA, Vítor, 2012.Pensar radicalmente a Humanidade. Ribeirão: Humus. ______ (2015). Interconstitucionalidade: normas constitucionais em rede e integração europeia na sociedade mundial. In WALMOTT, Alexandre e PINTO COELHO, Saulo (coords.), Interconstitucionalidade e interdisciplinaridade: desafios, âmbitos e níveis de interação no mundo global. Uberlândia, Minas Gerais, Brasil: Edição Laboratório Americano de Estudos Constitucionais Comparado – LAECC.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

109

Nacionalismo Democrático para a União Europeia

NACIONALISMO DEMOCRÁTICO PARA A UNIÃO EUROPEIA UMA NECESSIDADE PRAGMÁTICA PARA O DESENVOLVIMENTO E SOBREVIVÊNCIA COMUM

MICAEL SOUSA1

RESUMO O nacionalismo está carregado de uma forte conotação negativa – exemplos históricos são imensos, especialmente na história europeia. No entanto, os nacionalismos contribuíram para a autodeterminação dos povos e conseguiram criar coesão e os meios necessários para projetos coletivos importantes. A União Europeia atravessa uma crise de identidade e coesão. O desenvolvimento de um pan-nacionalismo que assente num modelo de multiculturalismo, tolerância e democracia poderia contribuir para a necessária coesão para este projeto coletivo. Será necessário encontrar os pontos de contacto, usando a eficácia dos nacionalismos do passado, mas evitando os seus efeitos negativos. Mais do que surgir uma nova identidade europeia resultante da fusão do multiculturalismo, o nacionalismo multicultural poderá surgir da contribuição dessas partes diversas, sem que ocorra perda das várias identidades culturais. Assim, surgiria um pan-nacionalismo europeu, orientado para a qualidade de vida e desenvolvimento da União Europeia, sem a perda de liberdade e das diferentes culturas europeias. Palavras-chave: Nacionalismo, Pan-nacionalismo, União Europeia, Democracia

Histórico do artigo: recebido em 11-02-2016; aprovado em 19-02-2016; publicado em 03-05-2016. Publicação a convite do Conselho Editorial. 1 Escritor, colunista no P3 – Público e Vereador-adjunto da Câmara Municipal de Leiria. Leiria, Portugal. Email: [email protected]

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

110

Micael Sousa

ABSTRACT Democratic Nationalism for the European Union: a pragmatic need for the common development and survival. Nationalism have a strong negative connotation, historical examples are immense, especially in the European history. However, nationalism contributed to the self-determination and managed to create cohesion and the means to valuable collective projects. The European Union is going through an identity crisis and lack of cohesion. The development of a pan-nationalism based on a multiculturalist model, tolerance and democracy could contribute to the necessary cohesion to the European collective project. It will be imperative to find the proximity links, using the effectiveness that nationalism proved to achieve, but avoiding its negative effects. More than generating a new identity from the multiculturalism, the multicultural nationalism may arise from the contribution of these different parts, without the loss of the different cultural identity. Thus, it could emerge a European pan-nationalism, orientated to quality of life and the development of the European Union, without losing freedom and the different European cultures. Keywords: Nationalism, Pan-nationalism, European Union, Democracy _________________________________________________________________________________________________________________

1. INTRODUÇÃO A construção dos Estados-nação aconteceu naturalmente em alguns países europeus, mas noutros foi um processo direcionado. Em ambos os casos a “invenção” do nacionalismo foi essencial para essa construção política, que permitiu dar corpo a medidas de natureza variada: social, económica, cultural, entre outras. É seguro que o nacionalismo extremista teve manifestações muito negativas - ideologias e tendências que ainda persistem em algumas locais e ameaçam crescer. Mas o nacionalismo, na sua vertente libertária e espontânea, teve seguramente aspetos positivos para o desenvolvimento das comunidades agregadas, segundo o espírito de um Estado que passou a ser também nação. De outro modo, muito provavelmente, seria difícil conseguir que grupos diversos e alargados cooperassem perante um desígnio superior coletivo além da escala local do homem comum. Terá sido essa “invenção” nacionalista que fomentou a cooperação, ainda que pudesse existisse já uma propensão étnica histórica e natural das sociedades em causa. No caso da União Europeia, sendo uma entidade recente, comparativamente com o nacionalismo próprio da maioria dos Estados-nação europeus, o seu potencial está ainda em formação e definição. Podemos chamar-lhe de “Pan-nacionalismo”,

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

111

Nacionalismo Democrático para a União Europeia

partindo da soma coincidente dos vários nacionalismo que a constituem, pois para haver uma união efetiva há forçosamente pontos comuns entre os vários Estados. Caso contrário, a união seria completamente anacrónica. Poderá ser então esse aspeto que falta reforçar na atual União Europeia: um sentido de unidade e partilha concretizado num nacionalismo democrático europeu, capaz de ser um elemento ideológico e cultural agregador do desenvolvimento das comunidades, fomentando do espírito de cooperação e aceitação da diferença para propósitos comuns.

2. NACIONALISMO DO BEM E DO MAL Tendo em conta a história contemporânea, especialmente após o advento dos nacionalismos expansionistas europeus do final de século XIX e os conflitos catastróficos que potenciaram durante o século XX, o nacionalismo sofre hoje de estigmas difíceis de ultrapassar. Apesar disso certas minorias radicais estão em crescimento, apelando a um nacionalismo separatista e fomentador da intolerância e hostilização. Esta realidade deve trazer preocupações à própria vida democrática no seio da União Europeia. Curiosamente, tal como refere René Remond, o nacionalismo do início de século XIX, nas suas primeiras manifestações, que contribuíram para a instituição de vários Estados europeus independentes, ora separados de impérios ora agregando pequenos territórios fragmentados, não estavam associados a ideologias políticas de esquerda ou direita, e muito menos a totalitarismos. Esses movimentos tendiam muito mais para o liberalismo. Foi então em finais de século XIX e inícios de século XX que o nacionalismo foi convertido numa arma de opressão e domínio, principalmente quando associado a sistemas políticos totalitários expansionistas. Ou seja, se for possível recuperar a versão não extremista original, a do advento dos nacionalismos do século XIX, e liga-los à cultura democrática europeia característica original da invenção da própria democracia que nasceu na europa e numa antiguidade clássica grega, que sempre foi assimilada à cultura europeia posterior -, poderá ser criado um novo tipo de nacionalismo que evite a sua dimensão perniciosa. Esse nacionalismo democrático europeu, o tal pan-nacionalismo europeu de

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

112

Micael Sousa

base democrática, poderá ser o contraponto para esvaziar as ameaças dos crescentes movimentos nacionalistas extremistas, anti-europeus, e fomentar o fator de união cívica europeia.

3. VISÃO MODERNISTA VERSUS VISÃO ETNICISTA Modernistas como Ernst Gellner e Michel Mann, mas mais ainda Eric Hobsbawm e Patrick Geary, tendem a defender que o nacionalismo surge primeiro dos Estados politicamente instituídos ou em fase de construção, ou seja: é premeditado e orientado para fins políticos e de governação. Por outro lado Anthony Smith mais timidamente, mas depois Josep Llobera, Adrian Hastings e outros mais contundentes, defendem uma versão em que o nascimento do nacionalismo se associa mais a origens étnicas que a premeditações económicas e políticas. A vertente étnica, com forte relação com a cultua, a língua e as tradições e organizações sociais mais antigas, diverge, por natureza, da versão modernista. Apesar das duas inclinações divergentes, dificilmente alguma delas poderá assumir uma dimensão universalista. Dos casos concretos reais dos nacionalismos que conhecemos da história da humanidade, quase sempre, surgiram de uma mescla, mais ou menos pronunciada, tando do princípio utilitário do Estado como da genuína vontade étnica de união e autogoverno. É quase impossível haver algum tipo de nacionalismo a surgir de um modo absoluto fruto somente por via da tendência modernista ou étnica. A opção mais razoável é a conjugação de ambas. A origem dos nacionalismos contemporâneos terá então uma componente “modernista”, proveniente de um objetivo planeado; e uma componente étnica surgida da cultura e história das próprias sociedades e comunidades. Desse modo, caso se pretenda fomentar o nacionalismo, ou o pan-nacionalismo para o caso da União Europeia, o seu sucesso será também o resultado de uma mescla de criação nova orientada e do reforço das existências e aproximações étnicas.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

113

Nacionalismo Democrático para a União Europeia

4. NACIONALISMO NO MUNDO GLOBALIZADO Num mundo globalizado, em que as distâncias diminuem e a mistura cultural, tendencialmente homogeneizante para uma versão ocidentalizada, faz sentido questionar os nacionalismos. No entanto, apesar dessa globalização, ou agora da mundialização da informação, dos fluxos financeiros e da própria cultura, que tão facilmente atravessa fronteiras, as nações mantém a sua força e os nacionalismos estão longe de desaparecer, pois constituem identidades que dificilmente podemos dispensar enquanto indivíduos que sentem necessidade de fazer parte de um determinado coletivo. Somos animais sociais – como dizia Aristóteles - e tendemos para garantir certos níveis de pertença a grupos, locais ou outros valores, mesmo que sejam imaginários. Apesar do esbatimento de algumas fronteiras nacionais, certas coisas continuam a ser possíveis apenas na realidade delimitada dos Estados-nações e dos nacionalismos. Mesmo os emigrantes e migrantes tendem a levar consigo o seu nacionalismo, na forma de cultura, como característica identitária a cultivar, independentemente do local onde se estabeleçam.

5. PAN-NACIONALISMO: NACIONALISMO EUROPEU Na Idade Média, certos grupos já cruzavam as fronteiras instáveis, por vezes a “ferro e fogo”, da Europa, ignorando as diferenças políticas. Construtores medievais, estudiosos e académicos faziam da europa um espaço alargado de ação, mudando de local de trabalho sem grandes limitações. Eram a exceção em sociedades rígidas, estáticas e estratificadas. Mas existia uma espécie de pan-europeismo entre esses dois grupos. No caso dos académicos, quase sempre associados ao clero, usavam uma língua internacional europeia: o latim medieval. Latim herdado, com as devidas alterações, de uma época em que parte considerável da Europa estava unificada sob um império, do qual restaram fundamentos de cultura e também a instituição da Igreja católica que contribuiu para uma continuidade de unidade religiosa. Esse mesmo império tinha sido tão forte, e com tanta influência nos séculos posteriores, que muitos

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

114

Micael Sousa

governantes o tenham tentando recriar à sua maneira. A União Europeia, com o tratado de Roma de 1950 não escapou também a essa influência. No início da época moderna, por volta do século XVI, quebrou-se a unidade religiosa europeia, mas surgiu o prenúncio de outro tipo de unidade: o capitalismo, ainda que a várias velocidades e em níveis de desenvolvimento contínuos para os vários Estados. Com o desenvolvimento do capitalismo, depois da queda dos protecionismos dos Estados mercantilistas, por volta de finais do século XVIII, surge uma crescente busca pelo liberalismo geral, que reforçou o individualismo, mas não só. Contribuiu também para a emancipação de grupos culturais em nacionalismos. Uns tinham mais fundamento étnico que outros, uns foram mais forçados pelos interesses geopolíticos e económicos, outros pelas aspirações coletivas daqueles que partilhavam culturas comuns facilmente identificáveis. Esses movimentos de emancipação coletiva beberam muito do crescente reforço liberal que se tornou movimento democratizante, ainda que tenham existido exceções na Europa. Fosse como fosse, as inspirações na antiguidade clássica greco-latina, de nações compostas de cidadãos, que em alguns casos era aprofundada até ao seu desenvolvimento último em democracia plena, criaram e fundaram um princípio comum, quer fosse herdado diretamente ou adotado: a cidadania. O nacionalismo europeu assumiu uma vertente democratizante inicialmente, mas depois, durante a primeira e segunda guerra mundial, sob a égide dos nacionalismos expansionistas e extremistas, potenciou-se a intolerância e a violência, ainda mais agravadas pelas novas possibilidades tecnológicas, até uma escala nunca vista. Como resposta ao cataclismo das guerras mundiais – para que a europa nunca mais fosse o palco de tais eventos - foi alicerçado, a partir dos anos 50 do século XX, um projeto europeu de unidade. Enquanto as memórias das guerras estavam vivas, e pairava a Guerra Fria alimentando receios da repetição do passado, a construção da unidade europeia, assente nos princípios democráticos e da cidadania, foi facilitada. Foram os próprios aliados Norte Americanos que exigiram, para a aplicação do Plano Marshall, uma unidade na Europa, conscientes da necessidade de força e coesão, um

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

115

Nacionalismo Democrático para a União Europeia

pouco à semelhança da sua realidade federal que os impulsionou para o primeiro lugar nas nações até aos dias de hoje. Mas essa construção não conseguiu reinventar um novo tipo de nacionalismo. Não surgiu verdadeiramente um pan-nacionalismo europeu que fortalecesse a união naturalmente, e que partisse e vivesse no imaginário cultural dos cidadãos europeus. Não se cultivou esse formato superior de nacionalismo, que podia ter sido baseado na ideologia cívica e democrática para a união. O pan-nacionalismo europeu poderia ter mantido e preservado os vários nacionalismos dos vários Estados, tal como persistem os regionalismos dentro desses mesmos Estados, pois a democracia está longe de ser incompatível com a liberdade e tolerância pela diferença, sendo o sistema político mais apto e capaz de estabelecer pontos de contacto comuns. Por isso, hoje, quando os desafios vêm de dentro e de fora, os cidadãos europeus não respondem em uníssono, e nem os próprios representantes políticos encontram a coesão que necessitavam para responder às ameaças externas e internas. Hoje o inimigo é, principalmente, a crise e a própria perda de importância e poder dos europeus. Lembrando Hobbes, a Europa precisa de ser um Leviatã e todos os europeus precisam de ter um inimigo contra quem unir forças. Esse inimigo não precisa, nem deve, de maneira alguma, ser identificado como um outro Estado, Nação ou Federação. O inimigo é pobreza e a perda de qualidade de vida das populações, a perda de direitos e liberdades. O cimento dessa união é a democracia, a cidadania para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.

6. MAIS EUROPEUS QUE NUNCA Atualmente, mesmo tendo Rousseau precocemente referido no seu tempo a existência de um sentimento europeu a sobrepor-se aos sentimentos nacionais, somos mais europeus que nunca. Apesar do nacionalismo europeu ser fraco, ele hoje é mais marcado que nunca, especialmente por comparação. Se os nacionalismos de Estado prevalecem quando se comparam Estados, o espírito muda quando os cidadãos comparam blocos políticos de maiores dimensões. Se nos compararmos, por exemplo, com os Estados Unidos da América, muito provavelmente recorreremos à dimensão da

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

116

Micael Sousa

União Europeia. Também no caso dos emigrantes e migrante dentro do espaço da U. E., passados os processos de aculturação, e quando a identidade oscila entre o país de origem e o de acolhimento, a cidadania europeia ajuda a resolver problemas de identificação. Não podemos esquecer que se tem fomentado a circulação de pessoas, de estudantes e trabalhadores no espaço da união, por isso esse sentimento de pertença europeia será igualmente importante para essas pessoas, que ficam no limbo das nacionalidades. Apesar de sermos mais europeus que nunca, um nacionalismo europeu está ainda longe de ser uma realidade. E, com as devidas precauções, seguindo sempre pela via democrática e da tolerância, o potencial positivo do nacionalismo da União Europeia está por concretizar.

7. NACIONALISMO EUROPEU COMO FACILITADOR DAS POLÍTICAS EUROPEIAS É altamente improvável que o processo de construção europeia aconteça sem a dimensão cultural e a política estarem conjugadas. Tem de ser desenvolvido um novo tipo de patriotismo, mais além do patriotismo meramente constitucional e legalista, se bem que mesmo esse ainda pouco se encontra desenvolvido. Já hoje a União europeia, tal como refere Rita Ribeiro, é “uma comunidade de valores essencialmente políticos: democracia, direitos humanos, liberdades, Estado social e Estado de direito”. Apesar do Estado Social estar a ser redimensionado pelas medidas de austeridade, a sua existência, e das restantes características enunciadas, distinguem os Estados da Europa, quer seja por as terem desenvolvido ou por as tentarem aprofundar e defender continuamente como valores basilares das suas sociedades. Estes são claros motivos de união e que podiam contribuir para a coesão, pois todos se relacionam com a qualidade de vida e felicidades dos cidadãos europeus. Poderão, mais que isso, ser o vinco de um nacionalismo, numa vertente pan-estatal, do necessário pan-nacionalismo europeu, tão importante para a sobrevivência da própria União Europeia num mundo de blocos. Hoje o mundo não se divide em dois blocos, como aquando da fundação da União Europeia. Nem sequer se divide em três se considerarmos o 3º Mundo na sua

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

117

Nacionalismo Democrático para a União Europeia

conceção original - países que não se enquadravam em nenhum dos dois grandes blocos. Hoje o mundo é também composto por potências, mas são mais os concorrentes. Existem muitos Estados-potência que podem ser vistos como blocos também, especialmente como blocos económicos. Ai se inserem os países emergentes, a Índia, o Brasil e outros, que vêm equilibrar o poder entre os dois antigos blocos compostos pelos Estados Unidos da América e pela Rússia, e agora também a China. Falando em Estados não podemos esquecer outros países, ou unidades políticas, que, independentemente da sua dimensão geográfica, influenciam a economia mundial e a geopolítica global. Resta saber se a União Europeia terá a capacidade de manter a unidade e se desenvolver para poder ombrear com as restantes potências. De modo a sobreviver, garantindo o nível de vida, preponderância económica e papel de relevo na política mundial, é do senso comum, e está definido há muito, que os Estados Europeus terão de saber constituir uma união efetiva e funcional. Mas, atualmente, vive-se numa época crítica: a União parece vacilar e ser incapaz de dar o passo seguinte. Os cidadãos europeus não se sentem tão próximos como era suposto da sua União, sendo esse afastamento decorrente de razões diferentes em cada Estado ou região. Não é absoluta a tolerância e empatia entre cidadãos de Estados diferentes. Provavelmente isto acontece por não se reconhecerem como iguais. A União só será viável se existir um elo comum entre todos, que incuta igualdade e partilha de valores e objetivos comuns. Isso, tal como já foi referido, poderia ser conseguido através de um novo tipo de nacionalismo, imunizado pelo valor da liberdade e democracia, pois essa é uma característica de base nas sociedades europeias, ou por ligação histórica direta ou por adoção. A história comprova o sucesso possível dessa intenção. Muitos países europeus passaram por esse processo com sucesso. Apesar das diferenças regiões, constituíram-se como nações com uma cultura base comum. O mesmo terá de acontecer na União. O nacionalismo e a noção de pertença acontece a vários níveis. No nível superior ficaria o nacionalismo europeu. No nível intermédia a associação a culturas e espaços Estatais, e depois a regiões, podendo terminar na família ou outro grupo social de maior proximidade. Tudo isto é possível sem conflitos de

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

118

Micael Sousa

compatibilidade, desde que a base comum seja de facto coerente. Para isso a democracia, num sentido lato, seria a melhor candidata, sempre associada à liberdade, em todas as variantes que lhe possamos associar. Tal seria ainda mais benéfico pois sabe-se que as comunidades que vivem em sistemas democráticos mais aprofundados tendem a ser as mais desenvolvidas e onde os cidadãos conseguem experimentar melhor qualidade de vida, isto com base nos estudos recentes de Daron Acemoglu e James Robinson. Essa união de ideias base poderá ser a forma de aproximar os cidadãos da própria U.E., pois se a base desse nacionalismo for a própria democracia europeia facilmente se garantirá coesão, unidade, liberdade, desenvolvimento e robustez para enfrentar os desafios do futuro.

8. DEMOCRACIA: ESTÁ TUDO INVENTADO? A democracia está longe de ser um sistema político esgotado. Existem vários modelos diferentes no mundo e até nos próprios Estados-membro da União Europeia. A maior parte dos modelos seguem pela via da representação democrática, com cidadãos a poder eleger representantes para várias câmaras e assembleias, com vários poderes e objetivos distintos. Existem também variantes de democracia mais direta em certas realidades, com voto direto através de assembleias alargadas, referendos, orçamentos participativos e outros tipos de sistemas parciais ou totais de democracia direta. Nuns utilizam-se mais as novas tecnologia de informação e comunicação, noutros a participação é mais tradicional, através da presença física in loco. Há muito a melhorar e aprofundar na democracia representativa, especialmente porque os níveis de abstenção são preocupantes. Tal pode significar que novos sistemas de participação e avaliação dos representantes têm de ser instituídos, ou então simplesmente que o modo representativo tem de ser conjugado com a via direta, nem que seja em sistemas mistos. Por outro lado, é na via direta onde o crescimento e aprofundamento pode ser mais consequente. Muito há por fazer no desenvolvimento e aplicação da democracia direta e até no conceito, em crescente afirmação, de “democracia eletrónica”. As tecnologias da informação e comunicação

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

119

Nacionalismo Democrático para a União Europeia

poderão ser um aspeto chave no desenvolvimento da democracia direta e da capacidade de adaptação da vida cívica ao mundo contemporâneo, com impacto muito relevante nas gerações mais jovens. A panóplia de opções e modelos mistos eletrónicos de participação individual é imensa e em crescimento. Facilmente se consegue passar imensas quantidades de informação, debater de modo sucinto e eficaz, construir projetos e ideias em conjuntos sem a necessidade de presença física com real representação cívica. As interações podem ser feitas à distância, em trabalho colaborativo, quer em tempo real quer em modelos assíncronos. Podemos especular e fantasiar sobre as possibilidades futuras das novas formas de fazer democracia, mas o mais importante será manter em aberto a possibilidade de melhorar continuamente a democracia e adapta-la ao uso cívico, porque nem sempre os cidadãos vêm a democracia como feita para o seu uso. Será importante contrariar a visão de que: a democracia apenas se faz com e para políticos profissionais. As possibilidades de aprofundar a democracia são imensas. A democracia pode ser renovada, ser muito mais próxima dos cidadãos e fácil de “usar”, pois a verdadeira cidadania só acontece quando os cidadãos usam - no bom sentido - dos seus direitos e deveres democráticos. Só assim existe de facto democracia.

9. CONCLUSÃO O nacionalismo sempre serviu para justificar vários fins, quase sempre políticos. No caso de um nacionalismo para a União Europeia, um tipo de pan-nacionalismo, obviamente que terá também objetivos políticos pragmáticos, especialmente porque a própria U.E. também é uma agregação pragmática de Estados unidos para certos objetivos. A U.E. surgiu para superar as dificuldades sentidas no contexto da época, no pós-guerra e início da Guerra Fria. Hoje os problemas que enfrentam os Estados Europeus são substancialmente diferentes, pois o mundo mudou. Poucas são as soluções viáveis que não passem pelo aprofundamento da união para ultrapassar os desafios contemporâneos num mundo globalizado. Para isso é necessário envolver os cidadãos, construindo e reforçando o sentimento cívico de pertença europeia. A isso chamo de um novo tipo de nacionalismo: o nacionalismo democrático europeu. Esse

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

120

Micael Sousa

nacionalismo vive da prática comum da democracia por todos os cidadãos em todos os Estado-membro e na U.E., e do facto de ter sido uma invenção da antiguidade ancestral da própria Europa. Esta opção tem muitas vantagens, primeiro pela qualidade de vida que pode propiciar aos europeus em todas as suas vertentes, mas também porque é um sentimento e via autossustentável. Quando mais abraçarmos a democracia mais a aprofundamos, e quando mais a assimilamos em profundidade mais nos aproximamos dos nossos cidadãos europeus, sendo todos eles, em conjunto, a base democrática que sustenta e concretiza o processo europeu. O método é o fim em si próprio, criando uma circularidade que tende para mais e melhor democracia, tendo para mais União na Europa.

BIBLIOGRAFIA ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James A. (2013), Porque Falham as Nações - As origens do poder, da prosperidade e da pobreza. Lisboa: Temas e Debates. GARCÊS, Ana Paula; OLIVEIRA MARTINS, Guilherme de (2009), Os Grandes Mestres da Estratégia - Estudos sobre o poder da Guerra e da Paz. Coimbra: Edições Almedina. GEARY, Patrick J. (2008), O Mito das Nações – a invenção do nacionalismo. Lisboa: Trajectos Gradiva. GELLNER, Ernest (1993), Nações e Nacionalismos. Lisboa, Trajectos Gradiva. HOBSBAWN, Heric J. (1991), Nações e nacionalismos desde 1780. Rio de Janeiro: Paz e Terra. JUDT, Tony (2011), Um Tratado sobre os nossos actuais descontentamentos. Lisboa: Gradiva. LANDES, David S. (2001), A Riqueza e Pobreza das Nações - Por que são Algumas tão Ricas e Outras tão Pobres. Lisboa: Gradiva. LAUREANO, Abel (2014), Breviário de História e Políticas da União Europeia. Lisboa: Almeida & Leitão. KEANE, John (2009), Vida e Morte da Democracia. Lisboa: Edições 70.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

121

Nacionalismo Democrático para a União Europeia

LLOBERA, Josep R. (2000), O Deus da Modernidade. O Desenvolvimento do Nacionalismo na Europa Ocidental. Oeiras: Celta. MARRATZU, Priamo (2006), Nacionalismo e homogenidade cultural: a importância dos media. Biblioteca On-line do Conhecimento de Ciências Sociais, disponível em www.bocc.ubi.pt. MARTINS, Manuel Meirinho (2010), Cidadania e Participação Política – temas e prespectivas de análise. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais e Políticas. RÉMOND, René (1994), Introdução à história do nosso tempo - Do Antigo Regime aos nossos dias. Lisboa: Edições Gradiva. RIBEIRO, Rita (2004), A nação na Europa – breve discussão sobre identidade nacional, nacionalismo e supranacionalismo. Cadernos do Noroeste, série sociologia. Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho. SCHWANITZ, Dietrich (2012), Cultura - Tudo o que é preciso saber. Lisboa: Dom Quixote. SMITH, Anthony D. (1997), A Identidade Nacional. Lisboa: Gradiva. _______ (1999), Nações e Nacionalismo numa Era Global. Oeiras: Celta. SOBRAL, José Manuel (2003), A formação das nações e o nacionalismo: os paradigmas explicativos e o caso português. Análise Social, vol. XXXVII.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

122

COMUNICAÇÕES A proteção do investimento estrangeiro – uma nova política europeia?

Maria João Palma A União Bancária resolve? Nuno Cunha Rodrigues

A proteção do investimento estrangeiro – uma nova política europeia?

A PROTEÇÃO DO INVESTIMENTO ESTRANGEIRO – UMA NOVA POLÍTICA EUROPEIA?1 MARIA JOÃO PALMA2

RESUMO O presente artigo é baseado numa apresentação com o título “A proteção do Investimento Estrangeiro pela União Europeia”, proferida no Seminário subordinado ao tema “Dilemas da Globalização”, realizado no dia 21 de Abril de 2016, na Academia das Ciências, em Lisboa, organizado pela Associação Portuguesa de Estudos Europeus (APEE), conjuntamente com a Academia das Ciências. Tendo como ponto de partida a alteração do âmbito da política comercial comum, mediante a inclusão da referência ao “Investimento Directo Estrangeiro”, na redação dada ao artigo 207º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), pelo Tratado de Lisboa, o estudo discorre sobre a aparente edificação de um emergente Direito do Investimento Estrangeiro da União Europeia. O texto identifica os principais atos aprovados pela União Europeia (direito derivado, Acordos Internacionais em processo de negociação/conclusão) que terão permitido regular a articulação entre as competências dos Estados-Membros e as competências da União Europeia, dando lugar ao surgimento de uma Nova Política Europeia de Proteção do Investimento Estrangeiro. Palavras-chave: Política comercial comum, Investimento Directo Estrangeiro, Tratado de Lisboa, Regulamento Grandfathering, Acordos de Investimento.

Histórico do artigo: recebido em 25-04-2016; aprovado em 26-04-2016; publicado em 03-05-2016. Publicação a convite do Conselho Editorial. 1 O presente texto é baseado na nossa intervenção subordinada ao título “A proteção internacional do Investimento Estrangeiro pela União Europeia” - realizada no dia 21 de abril de 2016, na Academia das Ciências, Lisboa, no Seminário “Dilemas da Globalização”, organizado conjuntamente pela Associação Portuguesa de Estudos Europeus (APEE) e pela Academia das Ciências. Os nossos agradecimentos à APEE pelo gentil e honroso convite para publicar a nossa intervenção na Revista Análise Europeia, dirigida pela mesma Associação. 2 LLM College of Europe. Mestre em Direito FDL. Assistente convidada no Curso de Estudos Europeus, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Lisboa, Portugal. E-mail: [email protected].

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

124

Maria João Palma

ABSTRACT This article is based on the presentation “The protection of Foreign Investment by the European Union” given at the Conference “Globalization’s Dilemmas” held in Lisbon (on 21 April 2016, in the Science Academy) organized by the Portuguese Association for European Studies (APEE) and the Science Academy. The changes introduced by the Treaty of Lisbon concerning the scope of the common commercial policy by the inclusion of a reference to foreign direct investment (article 207 Treaty on the Functioning of the European Union (TFEU)), claim for the analysis about the newly shaped Foreign Investment Law by the European Union. This text identifies the main regulations concerning investment law approved by European institutions, the investment agreements under negotiation and the main questions involving the division of competences between the member states and the European Union. This framework reveals the emergence of a foreign investment policy by the European Union. Keywords: Common commercial policy, Foreign Direct Investment, Lisbon Treaty, Investment agreements. _________________________________________________________________________________________________________________

1.

A

PROTEÇÃO

JURÍDICA

DO

INVESTIMENTO

ESTRANGEIRO



DO

3

BILATERALISMO AO REGIONALISMO

A celebração do primeiro Acordo Bilateral de Promoção e Proteção Recíproca de Investimento remonta a 1959, por altura da assinatura do primeiro BIT (Bilateral Investment Treaty)4 entre a República Federal da Alemanha e o Paquistão5. Desde essa altura, o número de acordos celebrados a nível mundial aumentou para, aproximadamente, 3000 BITs, dos quais cerca de metade foram celebrados por Estados-Membros da União Europeia6.

3

A presente reflexão encontra a sua raiz no nosso estudo – “A nova Política Europeia de Investimento Estrangeiro decorrente do Tratado de Lisboa: o Regulamento Grandfathering e a articulação entre a competência da União Europeia e as competências remanescentes dos Estados-Membros”, in Revista Internacional de Arbitragem e Conciliação, Almedina, Vol. VIII, 2015, p. 83 a 110. 4 Uma vez que o seu uso é generalizado, usaremos a sigla em inglês BIT (Bilateral Investment Treaty) para fazer referência aos acordos bilaterais de promoção e proteção recíproca de investimento. 5 Alemanha, China, Suíça e Reino Unido são os 4 maiores signatários de BITS a nível mundial. As listas por país podem ser consultadas em - unctad.org/en/Pages/DIAE/…/Country-specific-List-of-Bits.aspx. 6 Em 2013, o número de BITs celebrados totalizava 3. 240 dos quais 1.382 celebrados pelos EstadosMembros com 149 países. Vide, UNCTAD, World Investment Report, 2013, p. 114-128, (http://unctad.org/en/PublicationsLibrary/wir2013_en.pdf).

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

125

A proteção do investimento estrangeiro – uma nova política europeia?

Os Acordos Bilaterais de Investimento têm por objetivo assegurar, de forma recíproca, garantias mínimas aos investimentos e aos investidores de uma parte contratante no território da outra parte contratante (“level playing field”)7 8. Essas garantias consubstanciam, por um lado, um conjunto de direitos substantivos que são assegurados aos investidores (como a regra do tratamento nacional ou o direito a indemnização em caso de expropriação) mas, também, o acesso à arbitragem internacional como modo de resolução dos litígios em alternativa aos tribunais nacionais e cuja principal vantagem residirá na deslocalização dos litígios relativos a investimentos efectuados em destinos considerados de risco político para ambientes que possam garantir, de forma acrescida, a resolução imparcial da regulação da contenda9. Presentemente, os acordos bilaterais de proteção do investimento estrangeiro continuam a prevalecer em termos quantitativos, porém, em termos de impacto económico o destaque deve ser dado aos Acordos regionais, ou Acordos Mega regionais, como são designados no jargão do comércio internacional. O aumento do peso económico dos Tratados regionais é notório desde a conclusão da negociação da zona de comércio livre entre o México e a América Central (NAFTA)10, a qual incluiu um capítulo sobre investimento; sendo evidenciado, também, pelos negociações em curso do

Acordo

de

Comércio

Livre

Trans-Pacifico

(TPP

Agreement)11,

ou

pelos

desenvolvimentos recentes no ASEAN12. 7 Khawar Qureshi apresenta a seguinte definição: “What is a BIT? These are Treaty arrangements to provide foreign investors with a “level playing field” and access to an intern ational arbitral tribunal in the event the host State uses its sovereign power with detrimental effect to the foreign investor”, in “Bilateral Investment Treaties (BITs): The Essentials”, 2007, http://www.mcnairchambers.com/media/documents/200810/investmenttreatyessentials_.pdf. 8 No que se refere ao tratamento a dar aos investidores estrangeiros existem Tratados há mais de duzentos anos: os percursores dos Acordos Bilaterais de proteção dos investimentos foram os Acordos de “Amizade, Comércio e Navegação”, tendo o primeiro destes sido assinado em 1788 entre os Estados Unidos e a França. 9 O sistema de resolução de litígios usualmente previsto nos BITs surge estruturado quer numa vertente inter-estadual, quer numa vertente investidor-Estado, admitindo-se um variado leque de remissões para tribunais arbitrais de onde sobressai a remissão para o Centro Internacional para a Resolução de Diferendos relativos a Investimentos (CIRDI em Washington), instituído pela Convenção de Washington, de 1965, sob os auspícios do Banco Mundial. 10 O North American Free Trade Agreement (NAFTA) é um acordo assinado pelo Canadá, México e Estados Unidos, tendo entrado em vigor em 1994. 11 O TPP é uma zona de comércio livre, em negociação desde Dezembro de 2012, entre a Austrália, Brunei, Chile, Canadá, Malásia, Mexico, Nova Zelândia, Peru, Singapura, os Estados Unidos e o Vietname. O Japão

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

126

Maria João Palma

Torna-se, também, relevante notar que, a nível da União Europeia (UE) a Comissão Europeia está, actualmente, em virtude da nova competência atribuída pelo Tratado de Lisboa e da redação dada ao artigo 207º do TFUE, a negociar acordos que incluem disposições relativas à proteção de investimento, em nome da UE e de todos os Estados-Membros, nomeadamente, com o Canadá (CETA), Singapura, Índia e com os Estados Unidos da América (TTIP)13. Mais recentemente, saliente-se a proposta americana de constituição de uma zona de comércio livre entre os Estados Unidos e a União Europeia de negociação de um acordo Compreensivo sobre Comércio e Investimento (TTIP)14 e a abertura oficial das negociações para uma Zona de Comércio Livre, incluindo disposições sobre investimento, entre a UE e o Japão15. Note-se que, estes acordos regionais são zonas de comércio livre (Free Trade Area, FTA, na sigla inglesa) que, além de regularem questões relativas ao comércio incluem também disposições relativas à liberalização de serviços, propriedade intelectual e à proteção do investimento, respondendo de forma mais adequada à actual realidade económica em que estas dimensões estão intimamente interligadas (hodiernamente, designados de FTAs Plus).

expressou também o seu desejo de se juntar às negociações. A Coreia de Sul foi convidada pelos Estados Unidos mas declinou o pedido. 12 A Associação de Nações do Sudeste Asiático (ANSEA/ASEAN) é uma organização regional de Estados do sudeste asiático que foi constituída em 8 de agosto de 1967. Foi fundada originalmente pela Tailândia, Indonésia, Malásia, Singapura e Filipinas. Em 1992, os países participantes decidiram transformá-la em zona de livre-comércio, a ser implantada gradualmente até 2008. A nível de relações externas, a prioridade da ASEAN é fomentar o contacto com os países da região Ásia-Pacífico, mas foram também estabelecidos acordos de cooperação com o Japão, China e Coreia do Sul. 13 Em Junho de 2010, na Comunicação sobre a Política Europeia de Investimento (COM (2010) 343, a Comissão enumera aqueles que considera os parceiros de valor acrescentado - Canadá, Índia, Singapura, Mercosul, a curto prazo; China e Rússia a médio prazo. Sobre as negociações em curso pode consultar-se, http://ec.europa.eu/trade/. 14 A 12 de Fevereiro de 2013, o President Barack Obama convidou a UE para o início de negociações informais de um Acordo Transatlântico entre os Estados Unidos e a União Europeia (the Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP). A 12 de Março, a Comissão apresentou um estudo de impacto sobre o TTPI (SWD (2013) 69 final, 12.3.2013 e solicitou ao Conselho uma autorização para a abertura formal das negociações. De acordo com os resultados do estudo, este Acordo UE-EUA será o maior acordo bilateral alguma vez negociado e poderá implicar um output de cerca de 0.5% da economia anual da UE. 15 http://ec.europa.eu/trade/.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

127

A proteção do investimento estrangeiro – uma nova política europeia?

Toda esta rede de acordos em que, por vezes, o mesmo parceiro está presente em vários acordos de comércio tem sido, expressivamente, designada pela doutrina dedicada ao estudo do direito do comércio internacional de spaghetti bowls – uma complexa rede de instrumentos de proteção de investimento que origina sobreposições e inconsistências16.

2. O REGULAMENTO GRANDFATHERING E A CONVIVÊNCIA ENTRE BITs CELEBRADOS PELOS ESTADOS-MEMBROS E OS ACORDOS DE INVESTIMENTO DA UNIÃO EUROPEIA Tendo como objectivo prevenir aquele efeito e, na decorrência da assunção, após o Tratado de Lisboa, por parte da UE, de uma nova competência para a celebração de acordos internacionais em matéria de Investimento Direto Estrangeiro (IDE), aquela aprovou, em 2012, um conjunto de regras cujo escopo pretende ser disciplinar a sucessão no tempo entre os BITs nacionais e os Acordos da UE que contenham disposições relativas à protecção do investimento estrangeiro através do Regulamento (UE) nº 1219/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 201217, o qual estabelece disposições transitórias para os acordos bilaterais de investimento celebrados entre os Estados-Membros e os países terceiros. Este Regulamento – também designado de Regulamento Grandfathering

18

-

assegura a vigência dos BITs nacionais até à sua substituição pelos Acordos de investimento celebrados pela UE, evitando, assim, a aplicação do artigo 351º do TFUE19, do qual resultaria a obrigatoriedade de denúncia por parte dos Estados-Membros dos 16 Vide, UNCTAD, 2012, p. xx. Na doutrina, Richard Baldwin: “Multilaterilising regionalism: spaghetti bowls as building blocs on the path to global free trade”, Working paper nº 12545, http://www.nber.org/papers/w12545. 17 Publicado no Jornal Oficial da União Europeia, L 351/40, de 20.12.2012. 18 Uma análise do Regulamento Grandfathering pode ser encontrada no nosso estudo supra citado na nota 3. 19 O artigo 351º do TFUE prevê o seguinte: “As disposições dos Tratados não prejudicam os direitos e obrigações decorrentes de convenções concluídas antes de 1 de Janeiro de 1958 ou, em relação aos Estados que aderem à Comunidade, anteriormente à data da respectiva adesão, entre um ou mais Estados-membros, por um lado, e um ou mais Estados terceiros, por outro. Na medida em que tais convenções não sejam compatíveis com os Tratados, o Estado ou os EstadosMembros em causa recorrerão a todos os meios adequados para eliminar as incompatibilidades verificadas. Caso seja necessário, os Estados-Membros auxiliar-se-ão mutuamente para atingir essa finalidade, adoptando, se for caso disso, uma atitude comum (…) - o sublinhado é nosso. A expressão “... por todos os meios ...” inclui a denúncia ou revogação do acordo.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

128

Maria João Palma

referidos Acordos em virtude da alteração da titularidade da competência relativa ao IDE, a qual, de competência nacional, passou a competência exclusiva da UE. O referido Regulamento estaria, assim, na base de um processo de edificação daquilo que podemos identificar como um emergente Direito do Investimento Europeu, o qual, através de uma hábil engenharia jurídica viria a ditar as regras de uma convivência pacífica entre os BITs dos Estados-Membros e os Acordos de Investimento da UE. Esta engenharia assenta numa trilogia em que convivem os BITs antigos dos Estados-Membros, um espólio considerável que é mantido nos termos do referido Regulamento, cerca de 1500 BITs, a par dos Acordos de Investimento da UE que são celebrados por esta e que não interferirão com os BITs dos Estados-Membros, desde que os parceiros não sejam idênticos e, por fim, novos BITs celebrados pelos EstadosMembros com autorização da UE que, tendo-se assumido, desde o Tratado de Lisboa, como a titular da competência, dá o seu aval a novos BITs dos Estados, procedendo, se assim o entender, a uma habilitação nos termos do artigo 2º do TFUE, para que celebrem novos acordos desde que não tenha interesse nos parceiros eleitos pelos Estados-Membros. Esta possibilidade de negociações paralelas – por parte da UE e por parte dos Estados-Membros - compreende-se se pensarmos que os Estados deverão ter a oportunidade de poder equiparar as suas redes de proteção de investimentos, não devendo, para tal, ficar a aguardar que a UE celebre Acordos com todos os potenciais destinatários ou receptores de investimentos (a Alemanha ou o Reino Unido tem, seguramente, mais do dobro de BITs em vigor do que, por exemplo, Portugal)20. Posteriormente, surgiria o Regulamento sobre Responsabilidade Financeira que determina os critérios de repartição de competências entre a UE e os EstadosMembros21 22.

20

Em junho de 2013, a Alemanha tinha 136 BITs assinados, dos quais 127 em vigor; ao passo que Portugal tinha 55 BITs assinados e 41 em vigor. 21 Regulamento (UE) n. ° 912/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de julho de 2014 , que estabelece um regime de gestão da responsabilidade financeira relacionada com os órgãos jurisdicionais de resolução de litígios entre os investidores e o Estado, estabelecidos por acordos internacionais em que a União é parte.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

129

A proteção do investimento estrangeiro – uma nova política europeia?

3. OS ACORDOS INTERNACIONAIS DE INVESTIMENTO A CELEBRAR PELA UE – A VAEXATA QUESTIO DA MIXITY Atualmente, a estruturação desta nova competência encontra-se numa fase mais dinâmica em que caminham em simultâneo as negociações de um feixe de Acordos de Investimento da UE com países terceiros (TTIP, CETA, UE Japão, UE China, UE Myanmar, UE Índia, UE Vietname, UE Singapura). Uma vez tendo sido dirimida a questão da competência para a celebração dos Acordos - questão que está, presentemente, a ser discutida no Tribunal de Justiça da UE no âmbito do Parecer nº 2/2015, desencadeado pela Comissão para o caso concreto do Acordo UE/Singapura, e do qual deverá resultar a pronúncia, por parte daquele Tribunal sobre a natureza exclusiva ou mista do referido Acordo23 - pronúncia que será relevante, não só, para o caso concreto mas, também, para o conjunto de feixes de Acordos em negociação pela UE tendo em consideração a similitude do grosso das matérias versadas, os mesmos poderão entrar em vigor, no ordenamento dos Estados-Membros. A questão da mixity – como é apelidada no jargão dos experts das relações comerciais externas da UE - é, em nosso entender, mais do que uma questão jurídica, uma questão política – na medida em que, apenas a soma das competências de ambos (UE mais Estados-Membros) permite igualar o conjunto das competências dos grandes parceiros como os EUA, a China, a Índia ou a Rússia quando esteja em causa a

22

Ambos os Regulamentos apresentam como base jurídica apenas o artigo 207º do TFUE. Na medida em que consideramos que estão em causa não apenas competências exclusivas da UE mas, também, competências partilhadas (ex. portfolio), a base legal elegida foi, assim o entendemos, insuficiente. Para uma análise crítica dessa escolha vide o nosso estudo referido na nota 3. Enfatizamos que, a questão ganhará renovada atenção no caso de o TJUE vir a considerar que o investimento estrangeiro é uma competência partilhada quando se pronunciar no âmbito do Parecer nº2/2015 (infra). As considerações que o TJUE vier a tecer em termos de classificação das competências em torno dos diferentes tipos de investimentos (direto e indireto) serão, mutatis mutandis , transponíveis para o campo do direito derivado. O investimento direto – enquadrável no âmbito do artigo 207º do TFUE – reporta-se a investimento de longa duração, aquele que deixa lastro na economia de um país, contrapondo-se ao investimento indireto (ex. portfolio). Para uma análise dos diferentes tipos de investimento e repercussões ao nível da escolha da base jurídica, vide o nosso estudo referido na nota 3 e bibliografia aí referida. 23 No caso de o TJUE se pronunciar pela competência mista – que defendemos – a celebração dos Acordos deverá ser conjunta, i.e., pelo Conselho em nome da UE e pelos Estados-Membros de acordo com os ditames previstos nas respectivas Constituições. Neste sentido, pronunciou-se em tempos, o Tribunal Constitucional Alemão quando analisou o Tratado de Lisboa, a 30 de junho de 2009, para. 379, 2 BVE 2/08.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

130

Maria João Palma

celebração de Acordos de domínios abrangentes24. Nestes casos, deve caber ao conjunto constituído pela UE e os seus Estados-Membros o papel de actor global na arena do comércio internacional25, devendo para o efeito os Acordos Internacionais em curso assumir as vestes de Acordos Mistos.

4. DESENVOLVIMENTOS RECENTES – O CONTÁGIO BILATERAL ENTRE BITs DOS ESTADOS-MEMBROS E OS ACORDOS DE INVESTIMENTO DA UE Por fim importa referir que, muito embora a UE tenha evitado proceder à aprovação de um Modelo de BIT/Acordo de Investimento26, é possível verificar que o clausulado dos Acordos de Investimento da UE é próximo dos BITs dos EstadosMembros e, também, próximo entre si27, não nos cabendo, porém, nesta sede, proceder a uma comparação pormenorizada dos mesmos, deixando, apenas, assinalado que, na medida em que o processo de celebração de novos Acordos – da UE e dos Estados-Membros - caminha em paralelo nas duas esferas28 - é possível identificar os traços principais desse percurso. Dois traços deixamos, aqui, assinalados e que trespassam o conjunto dos Acordos de Investimento da Nova Era seja no patamar nacional, seja no patamar da UE – por um, lado, a consagração do direito de regular dos Estados-Membros em defesa do interesse público (policy space)29 e, por outro, preocupações acrescidas no que se refere à jurisdicionalização da forma de resolução de litígios. 24

O que o Professor Félix Ribeiro designou expressivamente de “parcerias esmagadoras” por altura da sua brilhante intervenção no Seminário “Dilemas da Globalização”, na Academia das Ciências em Lisboa, a 21 de Abril de 2016. 25 Assim, “Analysis of the upcoming modernisation of the trade pillar of the European Union – Mexico Global Agreement”, Directorate-General for External Policies, Policy Department (Parlamento Europeu, INTA) , 2016, nota 133, p. 41 26 Vide, Comunicação da Comissão Europeia “Towards a comprehensive European international investment policy”, COM (2010) 343 final, 7 de julho. 27 Certa doutrina identifica um Modelo invisível de Acordo de Investimento da UE. Assim, M. Bungenberg e A. Reinisch – “The Anatomy of the (Invisible) EU Model BIT”, The Journal of World Investment and Trade (2014) 15. 28 Para uma lista dos pedidos de autorização para negociar/celebrar BITs submetidos pelos Estados à Comissão ao abrigo do Regulamento Grandfathering, consulte-se www.europarl.eu/.../COM-AC_DI. 29 Cogitem-se as disposições relativas às atendíveis justificações em caso de expropriação indireta, por exemplo, no BIT Nigéria/Áustria (assinado em 8/4/2013) onde se assegura o direito de regular dos Estados justificado pelo interesse publico, com os Anexo X.11 do CETA e Anexo I do TTIP com o mesmo propósito. Vide, texto consolidado do CETA, publicado a 26 de setembro de 2014 – http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2014/september/tradedoc_152806.pdf e textos propostos para o

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

131

A proteção do investimento estrangeiro – uma nova política europeia?

Por um lado, a regulação do direito de regular tem sido uma preocupação constante como forma de travar as arbitragens consideradas fraudulentas30. Além dessa preocupação coloca-se, também, a questão de regular o recurso à arbitragem internacional tendo em consideração as propostas que estão a ser discutidas de reforma do sistema arbitral e respectiva transição para um sistema judicial. 31 A necessidade de proceder a esta reforma aparece na sequência de uma consulta pública realizada pela Comissão Europeia sobre o Acordo TTIP32, e as críticas dirigidas à possibilidade de recurso à arbitragem internacional no referido Acordo33. Em reação, a Comissão Europeia viria a apresentar, através do Concept Paper de maio de 201534, não só propostas de melhoria do sistema apresentado, mas, também, uma proposta de reflexão sobre a possível criação de um tribunal de investimento de natureza judicial, permanente e multilateral, i.e., abrangendo, além do TTIP, outros Acordos de Investimento35. capítulo do TTIP relativo ao investimento – http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs72015/september/tradoc_153807.pdf. É expectável um efeito de alastramento das previsões relativas a policy space ao nível dos BITs dos Estados-Membros. 30 Vide, Maude Barlow e Raoul Marc Jennar – “O flagelo da arbitragem internacional”, Le Monde diplomatique, 01.02.2016. 31 Sobre o sistema de resolução de litígios investidor-Estado nos Acordos da Investimento da União Europeia, August Reinisch e Lukas Stifter – “What about ISDS in EU Investment Agreements”, in Revista Internacional de Arbitragem e Conciliação, Almedina, Vol. VIII, 2015, p. 7 a 34. 32 O Relatório da Comissão Europeia sobre o resultado da consulta pública, de 13 de Janeiro de 2015, pode ser encontrado em http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2015/january/tradoc_153046.pdf 33 Os argumentos invocados contra a arbitragem internacional em matéria de investimentos são conhecidos: por um lado, a tendência dos árbitros para decidir a favor dos investidores atendendo ao seu interesse na nomeação para as arbitragens; por outro, o facto de os tribunais arbitrais de investimento terem natureza privada não existindo um controlo público da sua constituição ou das suas decisões; invoca-se, também, o facto de a arbitragem colocar em causa o direito de regulação pública dos Estados, referindo-se um abuso de um direito de ação contra medidas legítimas tomadas pelos Estados – são conhecidos os casos Abaclat (arbitragens ICSID iniciadas por investidores estrangeiros contra medidas de reestruturação da dívida pública pela Argentina para fazer face à crise económica e financeira) ou o caso Vattenfall (iniciado contra a Alemanha, também no ICSID, em virtude da sua decisão de supressão progressiva da energia nuclear). Para uma análise crítica destes casos, vide, Maude Barlow e Raoul Marc Jennar – “O flagelo da arbitragem internacional”, Le Monde diplomatique, 01.02.2016. Por fim, invoca-se, ainda, o facto de a arbitragem fazer sentido relativamente aos BITs celebrados pelos Estados-Membros com países em desenvolvimento cujos sistemas judiciais não oferecem garantias de imparcialidade (destinos de risco político), o que não se verificará no caso dos Acordos em curso, nomeadamente, no caso do TTIP. Neste sentido, vide Maude Barlow e Raoul Marc Jennar, op. cit. Uma resenha desta argumentação pode ser encontrada no artigo de Ricardo do Nascimento Ferreira “A judicialização do Sistema de ISDS no TTIP”, in Revista Internacional de Arbitragem e Conciliação, Almedina, Vol. VIII, 2015, p. 114. 34 http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2015/may/tradoc_153408.PDF. 35 Sobre os desenvolvimentos subsequentes aos resultados da consulta pública vide, August Reinisch e Lukas Stifter, op. cit, p. 10 e segs.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

132

Maria João Palma

Na mesma linha, o Parlamento Europeu aprovaria uma Resolução, em 8 de julho de 2015, recomendando à Comissão Europeia um novo sistema de resolução de litígios entre os investidores e os Estados, sujeito a princípios e controlo democráticos, processos públicos e de acordo com regras de transparência, com recurso a juízes profissionais, independentes e nomeados pelo poder público, incluindo recurso das decisões de modo a assegurar a coerência das mesmas, regras estas que contribuiriam, no seu conjunto, alegadamente, para impedir que os interesses privados possam comprometer a prossecução de objectivos de interesses públicos36. A 16 de setembro de 2015, a Comissão Europeia publicou para efeito de discussão os textos propostos para o capítulo TTIP relativo ao investimento, incluindo disposições sobre um sistema judicial permanente de resolução de litígios de investimento, manifestando, na mesma publicação, o seu empenho na criação de um Tribunal de Investimento Internacional que substitua todos os sistemas de resolução de litígios previstos em Acordos de Investimento37 - incluindo os dos BITs dos Estadosmembros, cujo contributo em termos de equilíbrio na garantia dos vários interesses em presença importará equacionar.

5. CONCLUSÃO Tendo como ponto de partida a alteração do âmbito da Política Comercial Comum, mediante a inclusão da referência ao “Investimento Directo Estrangeiro”, na redação dada ao artigo 207º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), pelo Tratado de Lisboa, a UE iniciou um processo de edificação de um emergente Direito do Investimento Estrangeiro da União Europeia cuja densificação nos permite concluir estarmos perante o surgimento de uma Nova Política da União Europeia. Esta Nova Política que se ergue não pode ser, pela sua versatilidade e abrangência de conteúdos, maxime a amplitude dos investimentos cobertos pelos Acordos Internacionais a celebrar pela UE , enquadrável unicamente no artigo 207º do 36

Ver http://www.europarl.eu/sides/getDoc.do?pubRef Ver http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2015/september/tradoc_153807.pdf http://europa.eu/rapid/press-release_MEMO-15-5652_en.htm. 37

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

e

133

A proteção do investimento estrangeiro – uma nova política europeia?

TFUE, não podendo, atualmente, afirmar-se que se trata de uma competência exclusiva, muito embora o “mote” para a dinâmica da UE tenha vindo do artigo 207º do TFUE que regula um campo de exclusividade. A Política Europeia de Investimento Estrangeiro permanece, por ora, uma competência partilhada entre a UE e os Estados-Membros – ditando a imposição de celebração de Acordos Mistos na esfera internacional. Esta Política só assumirá as vestes de uma política exclusiva quando a palavra “ direto” for suprimida do artigo 207 do TFUE38, o que só poderá suceder pela via de uma revisão formal dos Tratados, a qual implicará a chancela unânime dos EstadosMembros.

38

Em alternativa, poder-se-á enveredar pela regulação do investimento estrangeiro em disposição autónoma, o que, em nosso entender, será mais consentâneo com a autonomização da Política de Investimento Estrangeiro da UE.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

134

Nuno Cunha Rodrigues

A UNIÃO BANCÁRIA RESOLVE?1

NUNO CUNHA RODRIGUES

2

RESUMO O presente artigo corresponde ao texto da intervenção realizada no dia 26 de janeiro de 2016, na Faculdade de Direito de Lisboa, na conferência organizada pelo IDEFF e pelo Instituto Europeu subordinada ao tema “O Sistema Financeiro Português”. Partindo da análise dos três pilares da união bancária, o artigo reflete sobre a resolução de dois bancos em Portugal – o BES (Novo Banco) e o BANIF – bem como sobre o surgimento daquela união no contexto da crise financeira, concluindo que, sem uma verdadeira união económica e monetária, ainda por concretizar, a união bancária não permitirá resolver alguns dos problemas estruturais da União Europeia. Palavras-chave: União bancária, união económica e monetária, crise financeira, Banco Central Europeu, mecanismo único de resolução.

Histórico do artigo: recebido em 15-02-2016; aprovado em 19-02-2016; publicado em 03-05-2016. Publicação a convite do Conselho Editorial. 1 O presente artigo corresponde ao texto da intervenção realizada no dia 26 de janeiro de 2016, na Faculdade de Direito de Lisboa, na conferência organizada pelo IDEFF e pelo Instituto Europeu subordinada ao tema “O Sistema Financeiro Português 40000 Milhões de Imparidades Depois”. Agradeço à Associação Portuguesa de Estudos Europeus (APEE) o amável e honroso convite para publicar a comunicação então efetuada na revista da APEE. 2 Doutor em Direito. Professor auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Lisboa, Portugal. E-mail: [email protected]

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

135

A União Bancária resolve?

ABSTRACT The article is the text of the speech held on January 26, 2016, at the Law School of Lisbon, at the conference organized by IDEFF and the European Institute entitled "The Portuguese financial system." Based on the analysis of the three pillars of the banking union, the article reflects on the resolution of two banks in Portugal - BES (Novo Banco) and BANIF - as well as the emergence of the banking union in the context of the financial crisis, concluding that without true economic and monetary union, yet to be achieved, the banking union will not be able to solve some of the structural problems of the European Union. Keywords: Banking union, economic and monetary union, financial crisis, European Central Bank, mechanism single resolution. _________________________________________________________________________________________________________________

Foi-me pedido que respondesse a uma questão concreta: a União Bancária resolve? A pergunta envolve uma pluralidade de vertentes. Procura-se, por um lado, saber se a criação da União Bancária resolveu – ou resolve - a deficiência estrutural que ocorria no sistema financeiro e que esteve, em parte, na origem da crise financeira; por outro lado, perceber se a criação do Mecanismo Único de Resolução – um dos pilares da União Bancária - constitui uma solução para bancos problemáticos, à semelhança do que sucedeu com o Novo Banco ou o Banif. Ao procurar as respostas lembrei-me de uma célebre frase de um jogador de futebol que parece poder aplicar-se ao comportamento da União Europeia quando, diante de uma crise, ensaia uma solução. O jogador, explicando o que a sua equipa tinha feito, contou: “Quando estávamos à beira do abismo, tomámos a decisão certa: demos um passo em frente”. Essa parece ser a estratégia da União Europeia nas últimas décadas: perante o abismo, dar um passo em frente. Vejamos.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

136

Nuno Cunha Rodrigues

Na década de 90, pujante de crescimento económico e galvanizada politicamente pela queda do muro de Berlim e pela consequente reunificação alemã, a então Comunidade Europeia decidiu aprofundar a união política.3 No entanto, face ao impasse relativo à indefinição do modelo político, decidiu avançar no aprofundamento do modelo económico, criando uma União Económica e Monetária pouco pensada e estruturada porquanto construída em tempos de crescimento, com base em premissas teóricas dos anos 60, nomeadamente do Prémio Nobel da Economia de 1999, Robert Mundell, sobre zonas monetárias ótimas. Estas realidades não se encontravam, como se sabe, na então Comunidade Europeia.4 Com a União Económica e Monetária (UEM), procurou mimetizar-se, no espaço europeu, o modelo monetário norte-americano. A consequência foi que, na impossibilidade de se gizar um novo modelo político para a Europa, avançou-se desenhou um novo modelo económico com resultados que, uma década depois, estavam à vista de todos.5 Na verdade, cedo ficou claro que a Europa não dispunha de um orçamento federal que permitisse acorrer, de forma efetiva, a choques económicos assimétricos e a concretizar a ideia de solidariedade presente nos textos dos Tratados. A propósito de solidariedade, recordo apenas que, em 1992, o Tratado de Maastricht procedeu à alteração do regime dos auxílios de Estado (que agora a Comissão Europeia frequentemente evoca) para permitir a reunificação alemã e que, 3

Com a aprovação do Tratado de Lisboa, a Comunidade Europeia deu lugar à União Europeia com a consequente mudança da denominação. 4 O principal contributo de Mundell assentou na apresentação, como principal critério para o estabelecimento de uma zona com uma única moeda, a existência no seu interior de um alto grau de mobilidade de fatores. Assim, v. ROBERT A. MUNDELL, A theory of optimum currency areas, in American Economic Review, vol. 53, 1961, pp. 657-664. Assinalando que a União Europeia não é uma zona monetária ótima uma vez que não existe uma política orçamental de estabilização centralizada; porque os salários e preços não são suficientemente flexíveis e porque é pequena a mobilidade internacional do fator trabalho, v. SAMUELSON / NORDHAUS, Economia, 18.ª edição, McGraw Hill, Madrid, 2005, p. 638 e ANÍBAL CAVACO SILVA, União Monetária Europeia – funcionamento e implicações, Verbo, Lisboa, 1999, p. 93. 5 Já em 1999, PAULO DE PITTA E CUNHA, in De Maastricht a Amesterdão – problemas da União Monetária Europeia, Almedina, Coimbra, 1999, p. 97, alertava para as dificuldades de implementação da união económica e monetária então idealizada, nos seguintes termos: “the lauching of EMU, with its unbalanced structure – decisions on the unification of monetary policy under strict stability rules not paralleled by any move to centralize budgetary powers -, may create a serious problema to those Member States facing asymmetric shocks, in the contexto of a single market deprived of real mobility of the labour force (…) it is advisable, even in the absence of political will to set up the structures of fiscal federalism, to tackle the above referred problem”.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

137

A União Bancária resolve?

ainda atualmente, o artigo 107.º, n.º 2, alínea c) do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) considera compatíveis com o mercado interno os auxílios atribuídos à economia de certas regiões da República Federal da Alemanha afetadas pela divisão da Alemanha. Mais tarde, já na presente década, e perante as dificuldades causadas pela crise financeira surgida em 2007/2008, a União Europeia aprovou legislação – onde destaco o Tratado Orçamental e os pacotes vulgarmente designados como o six-pack e twopack – que correspondiam a uma tentativa de unificação orçamental europeia mas que, em rigor, não resolviam nada de concreto, uma vez que possuíam objetivos quase exclusivamente preventivos, visando, antes de mais, controlar as economias mais débeis da União Europeia, como a Portuguesa ou a Grega.6

6

O Tratado sobre a Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária vulgarmente conhecido como Tratado Orçamental, é um tratado intergovernamental, outorgado fora do quadro jurídico da União Europeia, tendo sido assinado pelos Estados-Membros da União Europeia (UE), com exceção do Reino Unido, da Croácia e da República Checa. O six-pack foi aprovado em 2011 e agrega uma componente de controlo orçamental, que procura garantir uma maior ação preventiva por parte da União Europeia, bem como uma componente de supervisão macroeconómica, com vista a prevenir e corrigir os desequilíbrios verificados nos Estados-membros. É composto por cinco regulamentos e uma diretiva (Regulamento (UE) n.º 1173/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro de 2011, relativo ao exercício eficaz da supervisão orçamental na área dos euroafetados ou ameaçados por graves dificuldades no que diz respeito à sua estabilidade financeira; Regulamento (UE) n.º 1174/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro de 2011, relativo às medidas de execução destinadas a corrigir os desequilíbrios macroeconómicos excessivos na área do euro; Regulamento (UE) n.º 1175/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro de 2011, que altera o Regulamento (CE) n.º 1466/97 relativo ao reforço da supervisão das situações orçamentais e à supervisão e coordenação das políticas económicas; Regulamento (UE) n.º 1176/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro de 2011, sobre prevenção e correção dos desequilíbrios macroeconómicos; Regulamento (UE) n.º 1177/2011 do Conselho, de 8 de novembro de 2011, que altera o Regulamento (CE) n.º 1467/97 relativo à aceleração e clarificação da aplicação do procedimento relativo aos défices excessivos e Diretiva 2011/85/UE do Conselho, de 8 de novembro de 2011, que estabelece requisitos aplicáveis aos quadros orçamentais dos Estados-Membros). O two-pack foi aprovado em 2013 e visou introduzir um novo ciclo de monitorização da Zona Euro, com a submissão prévia à Comissão Europeia dos orçamentos relativos ao ano seguinte pelos Estados-Membros. É composto por dois regulamentos (Regulamento (UE) n.º 473/2013, de 21 de maio de 2013, que estabelece disposições comuns para o acompanhamento e a avaliação dos projetos de planos orçamentais e para a correção do défice excessivo dos Estados-Membros da área do euro e o Regulamento (UE) n.º 472/2013, de 21 de maio de 2013, relativo ao reforço da supervisão económica e orçamental dos EstadosMembros afetados ou ameaçados por graves dificuldades no que diz respeito à sua estabilidade financeira na área do euro).

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

138

Nuno Cunha Rodrigues

Tudo isto quando, na década anterior, a Alemanha e a França tinham sido condenadas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) por terem violado o Pacto de Estabilidade e Crescimento.7 Convém não esquecer: a Alemanha não tinha sido penalizada pelo Conselho, em 2003, por ter infringido o Pacto de Estabilidade e Crescimento, decisão mais tarde considerada ilegal pelo TJUE. Disse-se que a decisão, em 2003, de não penalizar a Alemanha se tratara de uma demonstração de solidariedade europeia, anterior à crise. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Eis-nos então chegados a estes tempos. Neste momento, a União Europeia já não culpa exclusivamente os Estadosmembros pela emergência da crise financeira. Reconhece que esta se deveu, também, ao mau funcionamento do sistema bancário (como se viu, por exemplo, no caso da Irlanda) e ao efeito de contágio daí decorrente para as dívidas soberanas. A União Bancária surge, por conseguinte, como resposta a um problema central verificado em diversos Estados-membros no contexto de crises financeiras cruzadas, resultantes do contágio entre Estados-membros por um sistema financeiro marcado pela circunstância de o Banco Central Europeu (BCE) não poder atuar como financiador de última instância dos Governos nacionais e da consequente realidade de ser a banca nacional, em grande parte, financiadora de último recurso dos Estados.8 Este facto motivou a fragmentação do sistema financeiro existente nos Estadosmembros, pondo à vista a fragilidade de alguns sistemas bancários – em parte motivadas pela necessidade de cumprimento das novas regras de Basileia III -, levando à perda de confiança dos depositantes, ao agravamento das condições de financiamento dos Estados e particulares, à ampliação do risco sistémico e a fenómenos de “nacionalização” do sistema bancário, como sucedeu na Irlanda e, de alguma forma, em Espanha e em Portugal. 7

Cfr. acórdão do TJUE Comissão vs. Conselho, de 13 de julho de 2004, proc. C-27/04, Coletânea, 2004, p. I6649. 8 Cfr. artigo 123.º, n.º 1 do TFUE e artigo 21.º, n.º 1 do Protocolo relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu. Esta proibição não impede, contudo, o BCE de poder intervir nos mercados secundários, nomeadamente ao abrigo do chamado programa OMT.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

139

A União Bancária resolve?

É neste contexto que surge a União Bancária, constituída pelos seguintes três pilares: a) O Mecanismo Único de Supervisão (MUS), que atribui a função de supervisão bancária direta ao Banco Central Europeu, responsável pela supervisão direta dos 123 maiores grupos bancários na União Europeia9; b) O Mecanismo Único de Resolução (MUR) que nos termos do qual, desde janeiro de 2016, as resoluções devem ser sobretudo financiadas pelos acionistas e pelos credores dos bancos - em aplicação do princípio segundo o qual as perdas devem ser suportadas, em primeiro lugar, pelos acionistas e pelos credores e, não, recorrendo a fundos do Estado - podendo, a título complementar, haver financiamento pelo Fundo Único de Resolução (FUR), resultante de contribuições do setor bancário efetuadas pelos bancos ao longo dos próximos 8 anos e que, quando atingir o nível-alvo de fundos, permitirá deter cerca de 55 mil milhões de EUR, ou cerca de 1 % dos depósitos cobertos na área do euro.10

Pretende-se que, no futuro, seja este fundo europeu a assegurar a resolução de entidades do sistema financeiro.

9

O Mecanismo Único de Supervisão (MUC) foi criado na sequência da aprovação do Regulamento (UE) n.º 1024/2013, de 15 de outubro, que atribuiu ao BCE o poder de supervisionar as instituições de crédito significativas dos países da zona euro e dos outros Estados que, não tendo adotado o euro como moeda, desejem fazer parte desta colaboração. 10 O Mecanismo Único de Resolução (MUR) visa evitar que a resolução dos bancos afete a estabilidade sistémica e a situação financeira dos países onde estes operam. Nos termos do MUR, caberá ao BCE desencadear o processo de resolução e decidir se um banco está ou não em risco de falência, como resulta do Regulamento (UE) n.º 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho, que estabelece regras e um procedimento uniformes para a resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento no quadro de um Mecanismo Único de Resolução e de um Fundo Único de Resolução bancária e que altera o Regulamento (UE) n.º 1093/2010. Neste contexto foi igualmente aprovada a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de maio de 2014, relativa à recuperação e resolução bancária (DRRB), que prevê formas de resolução das instituições de crédito sem que seja necessário recorrer aos contribuintes. Em abril de 2014, o Parlamento Europeu aprovou ainda o pacote DRC IV, constituído pela Diretiva bancária 2013/36/UE relativa aos Requisitos de Fundos Próprios (DRC) e pelo Regulamento (UE) n.º 575/2013 relativo aos Requisitos de Fundos Próprios (CRR). Este novo pacote transpõe para o direito comunitário os requisitos prudenciais em matéria de fundos próprios para as instituições de crédito e as empresas de investimento, reforçando as normas de capitalização e liquidez dos bancos, as regras relativas às práticas de remuneração, assim como os incentivos à concessão de crédito, nomeadamente às PME.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

140

Nuno Cunha Rodrigues

Note-se que para aceder a este fundo, os bancos "tóxicos" deverão aplicar perdas aos seus principais credores, incluindo os detentores de dívida sénior (algo que não se verificou nos grandes resgates desta crise). O que implica que a autoridade central, o Conselho Único de Resolução (CUR) agência independente da União Europeia que se tornou operacional desde janeiro de 2016 - seja, em última instância, responsável pela decisão de iniciar a resolução de um banco e por exercer diretamente a função de resolução em relação a todas as instituições sujeitas à supervisão direta do BCE ou com atividade transfronteiriça na área do euro, ao passo que, a nível operacional, a decisão será executada em cooperação com as autoridades nacionais de resolução. Sabendo-se que, no caso Novo Banco e no caso BANIF, a resolução foi decidida em escassos dias, é legítima a interrogação de saber se este mecanismo europeu será suficientemente ágil para resolver grandes bancos europeus em escassos dias. Registe-se que esta divisão de competências entre o Conselho Único de Resolução (CUR) e os bancos centrais nacionais traz associada alguma esquizofrenia entre quem decide – o CUR - e quem paga – os depositantes, obrigacionistas e, no limite, contribuintes nacionais. Tudo isto entronca, como veremos mais adiante, num problema central da União Bancária: carência de legitimidade democrática. Concordo, por isso, com quem afirma o mecanismo único de resolução não pode ser visto como a bala mágica capaz de solucionar os problemas de risco sistémico.11 A União Europeia é totalmente inexperiente neste domínio, uma vez que, no passado, falências de bancos foram solucionadas sem recurso a mecanismos de resolução, seja através de intervenções públicas (caso da Irlanda ou da Suécia no início da década de 90) ou de nacionalizações (v. o caso do BPN em Portugal). Tudo dependerá, portanto, da forma como o mecanismo único de resolução vier a ser utilizado no futuro.

11

Assim, v. NICOLAS VÉRON e GUNTRAM B. WOLFF, From supervision to resolution: Next steps on the road to European banking union, Bruegel Policy Contribution, n.º 2013/04, p. 2, disponível em http://hdl.handle.net/10419/72128 (acesso em fevereiro de 2016).

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

141

A União Bancária resolve?

E aqui, Portugal pode estar a servir de cobaia da União Europeia. Se a troika é hoje entendida como um balão de ensaio (o que foi, aliás, reconhecido pelo Tribunal de Contas Europeu12), uma experiência da União Europeia face à crise financeira que surgiu, também, devido a deficiências estruturais da União Económica e Monetária e à inexistência de instrumentos económicos adequados, ensaio este realizado em Portugal e na Grécia também o mecanismo único de resolução parece ter vindo a ser subtilmente testado em Portugal nos casos Novo Banco e BANIF para, mais tarde, ser eventualmente utilizado noutros Estados Membros, nomeadamente impondo um fenómeno de concentração bancária transeuropeia em que, no final, apenas os grandes bancos sobreviverão (ao contrário do que provavelmente seria decidido pela Comissão Europeia em sede de controlo prévio de concentrações de empresas o que não sucedeu, no caso BANIF, apenas e só por estarmos face à resolução de um banco13).

c) Ficou por referir o terceiro pilar da União Bancária: o Mecanismo Único de Garantia de Depósitos. Visa-se, com este mecanismo, harmonizar as regras relativas à garantia de depósitos estabelecida a nível nacional para que Estado-membro tenha um sistema de garantia que atinja um nível de capitalização correspondente a 0,8% dos depósitos cobertos, num prazo de 10 anos. Porém, neste momento, o terceiro pilar não avançou tendo-se a União Europeia limitado a homologar as condições em que este fundo devem operar em cada país.14

12

Cfr. Relatório Especial nº 18/2015 "Assistência financeira prestada a países em dificuldades", disponível em http://www.eca.europa.eu/Lists/News/NEWS1601_26/INSR_CRISIS_SUPPORT_PT.pdf (acesso em fevereiro de 2016). 13 A apreciação de uma operação de concentração de empresas (nomeadamente quando resulta da fusão de dois bancos) pode ser feita a nível nacional (Autoridade da Concorrência) ou europeu (Comissão Europeia), caso sejam ultrapassados os limiares financeiros estabelecidos no Regulamento 139/2004. Porém, em qualquer caso, a operação pode não ser autorizada caso resulte na criação de entraves significativos à concorrência efetiva em consequência, nomeadamente, da detenção de elevadas quotas de mercado em resultado da operação projetada. 14 O Mecanismo Único de Garantia de Depósitos (SGD) foi criado com a aprovação da Diretiva 2014/49/UE relativa aos sistemas de garantia de depósitos, que contribui, juntamente com o FUR e o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), para o terceiro pilar da União Bancária.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

142

Nuno Cunha Rodrigues

Descritos os pilares da União Bancária, é tempo de responder às duas questões que suscitámos.15 Comecemos pela primeira: a criação da União Bancária resolveu – ou resolve - a deficiência estrutural que se verificava no sistema financeiro? Creio que não. Desde logo, atendendo a três observações: i) A União Bancária não encontra, relativamente a um dos pilares, fundamento jurídico no texto dos Tratados; ii) A União Bancária carece de legitimidade democrática; iii) A União Bancária não estará completa sem uma verdadeira União Económica e Monetária, que está ainda por concretizar.

Vejamos o primeiro ponto: a União Bancária não encontra, relativamente a um dos seus pilares, fundamento jurídico no texto dos Tratados. A harmonização da supervisão prudencial – 1.º pilar -, encontra base jurídica adequada no artigo 114.º do TFUE, tal como a criação do mecanismo único de supervisão que se fundamenta no disposto no artigo 127.º, n.º 6 do TFEU, apesar das dúvidas que se suscitam quanto à extensão das competências dispostas naquele artigo. Coloca-se, contudo, o problema da escolha da base jurídica quando nos referimos ao mecanismo de resolução. É que a criação deste mecanismo – ao contrário do mecanismo de supervisão – não se encontra expressamente referido no texto dos Tratados, o que, de alguma forma, se relaciona com a circunstância de qualquer mecanismo de resolução especialmente aplicável aos bancos dever ser considerado como alternativo ao regime de insolvência que é ainda matéria da esfera dos Estados-membros – ao contrário do que sucede, por exemplo, nos EUA.

Sobre a eventual criação deste mecanismo, no contexto da união bancária, v. DANIEL GROS e DIRK SCHOENMAKER, European Deposit Insurance and Resolution in the Banking Union, Journal of Common Market Studies, Volume 52. Number 3, 2014, pp. 529–554. 15 Discutindo a realização dos três pilares da união bancária, v. JEAN PISANI-FERRY; ANDRÉ SAPIR; NICOLAS VÉRON; GUNTRAM B. WOLFF, What kind of European banking union?, Bruegel Policy Contribution, n.º 2012/12, disponível em http://hdl.handle.net/10419/72098 (acesso em fevereiro de 2016).

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

143

A União Bancária resolve?

É certo que, para alguns, a base jurídica para a criação do mecanismo único de resolução seria extraída implicitamente do disposto no artigo 114.º do TFUE, referente à harmonização de legislação entre os Estados-membros. Ao ler o Regulamento n.º 806/2014 - que criou o Mecanismo Único de Resolução e o Fundo Único de Resolução bancária -,verificamos que foi aprovado tendo em conta, justamente, o artigo 114.º do TFUE. Acontece

que,

como

referi

anteriormente,

esta

norma

não

confere

explicitamente competências à União neste domínio. Não sou original nesta afirmação. A maior parte da doutrina estrangeira considera essencial proceder a uma revisão dos Tratados a este respeito, para que a União Bancária não esteja, à partida, condenada por falta de base jurídica adequada no que respeita ao mecanismo único de resolução.16 Passemos agora à segunda observação: a União Bancária encontra-se desprovida de legitimidade democrática. Este ponto já foi analisado pelo Parlamento Europeu. Recorde-se que o Parlamento esteve diretamente envolvido no processo legislativo que levou à criação da União Bancária mas competiu-lhe apenas uma função consultiva relativamente à legislação referente à União Bancária.17 A tudo isto acresce que a União Bancária reforçou os poderes do BCE ficando por definir que tipo de escrutínio democrático esta instituição ficará submetida. Trata-se, no fundo, de procurar dar resposta à velha questão latina quis custodiet ipsos custodes? – quem vigia os vigilantes? É certo que, dos atos do BCE, admite-se recurso para o Tribunal de Justiça.18

16

Sobre a falta de base jurídica adequada no TFUE para a criação do mecanismo único de resolução, v. NICOLAS VÉRON, A realistic bridge towards European banking union, Bruegel Policy Contribution, n.º 2013/09, disponível em http://hdl.handle.net/10419/106306 (acesso em fevereiro de 2016), pp. 5-7. 17 Assim, v. DAVID HOWARTH e LUCIA QUAGLIA, Banking Union as Holy Grail: Rebuilding the Single Market in Financial Services, Stabilizing Europe‟s Banks and „Completing‟ Economic and Monetary Union, in Journal of Common Market Studies, Volume 51 Annual Review, 2013, p. 119. 18 O artigo 271.º, alínea d) do TFUE prevê que o TJUE é competente para conhecer dos litígios respeitantes à execução das obrigações resultantes dos Tratados e dos Estatutos do SEBC e do BCE pelos bancos centrais nacionais.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

144

Nuno Cunha Rodrigues

Mas se, a nível nacional, conhecemos a relevante tarefa desempenhada pelas comissões de inquérito para, de alguma forma, escrutinar a atuação do Banco de Portugal, não conhecemos idêntica realidade a propósito da atuação do Banco Central Europeu. Avancemos agora para o terceiro ponto: a União Bancária nunca estará completa sem uma verdadeira União Económica e Monetária. Também aqui não sou original. Já em 2012, o então Presidente do Conselho Europeu Herman Van Rompuy, num relatório intitulado “Rumo a uma verdadeira União Económica e Monetária”, expunha a sua visão de uma União Económica e Monetária estável e próspera assente em quatro elementos constitutivos que passo a ler19: i) Um quadro financeiro integrado destinado a garantir a estabilidade financeira, em particular na área do euro, e a minimizar os custos para os cidadãos europeus decorrentes de situações de falência dos bancos. ii) Um quadro orçamental integrado (…) que englobe a coordenação (…) uma melhor execução e medidas comensuráveis conducentes à emissão comum de títulos de dívida. Este quadro poderá igualmente incluir diferentes formas de solidariedade orçamental. iii) Um quadro de política económica integrada dotado de mecanismos suficientes para garantir a implementação de políticas nacionais e europeias promotoras do crescimento sustentável, do emprego e da competitividade (…). iv) Assegurar a legitimidade e responsabilização democráticas necessárias ao processo decisório no âmbito da UEM, assente no exercício conjunto da soberania em matéria de políticas comuns e de solidariedade. Ora, se é possível dizer que a União Bancária procura dar resposta ao primeiro elemento constitutivo da (nova) União Económica e Monetária – ao criar um quadro A este propósito, v. MARIA LUÍSA DUARTE, O Banco Central Europeu e o sistema judicial da união europeia: supremacia decisória e controlo da legalidade, in Estudos em Homenagem a Sousa Franco, vol. III, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pp. 149-176. 19 O relatório está disponível em www.consilium.europa.eu%2Fpt%2Fworkarea%2Fdownloadasset.aspx%3Fid%3D17415&usg=AFQjCNGnh0 c6RzX5cUdrR5623-0BCRvR2g (acesso em fevereiro de 2016)

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

145

A União Bancária resolve?

financeiro integrado que minimize os custos para os cidadãos europeus -, a verdade é que estão ainda por concretizar os restantes três elementos constitutivos. Onde estão as (i) medidas conducentes à emissão comum de títulos de dívida e as formas de solidariedade orçamental, nomeadamente um verdadeiro orçamento federal que permita acorrer a choques económicos assimétricos como os verificados no passado? (ii) onde está o quadro de política económica integrada que garanta políticas nacionais e europeias promotoras do crescimento sustentável, do emprego e da competitividade?; e , por fim (iii) onde está a legitimidade e responsabilização democráticas necessárias ao processo decisório no âmbito da UEM? Por tudo isto, parece poder afirmar-se que a União Bancária ainda está manca. Respondo, por conseguinte, à primeira questão, dizendo que a União Bancária (ainda) não resolveu a deficiência estrutural que se verificava no sistema financeiro. Cumpre finalmente responder à segunda pergunta: a criação do Mecanismo Único de Resolução constitui uma solução para liquidar para os chamados bancos problemáticos, tais como o Novo Banco ou o Banif? Aqui, diríamos que a arquitetura estrutural e institucional da União Bancária privilegia a conhecida lógica too big to fail que esteve presente na regulação do sistema financeiro norte-americano na década passada. Essa lógica não evitou, no entanto, a falência de grandes bancos como o Lehman Brothers. Na Europa, procurou-se erguer uma União Bancária na qual os grandes bancos são supervisionados pelo Banco Central Europeu e os restantes são deixados à supervisão dos bancos centrais nacionais (ainda que, é certo, sujeitos a regras de supervisão prudenciais comuns, aprovadas pela União Europeia). Tudo numa zona que partilha a mesma moeda. Fará isto sentido?

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

146

Nuno Cunha Rodrigues

Não estaremos, de novo, a ser colocados perante uma União Europeia a duas velocidades: a dos grandes bancos e a dos pequenos e médios bancos e, por outro lado, a dos bancos da zona euro e a dos bancos de fora da zona euro?20 É que, se partilhamos a mesma moeda – o Euro - e se, consequentemente, a política monetária nos foi expropriada, por que razão devemos ter um mecanismo único de resolução para grandes bancos e outros para pequenos e médios bancos, afeto aos bancos centrais nacionais regido por entidades distintas – BCE e Bancos Centrais Nacionais? Poderia até discutir-se a arquitetura institucional deste modelo, indagando se fará sentido que, a nível nacional, a entidade supervisora tenha simultaneamente competências de resolução como acontece com o Banco de Portugal. Esta dúvida ficou claramente à vista de todos no caso BANIF. É tempo de concluir. Procurei, de forma sintética, dar resposta à questão de saber se a União Bancária resolve? Sei que, sem dar respostas concretas, muitas questões ficam em aberto. A meu ver, a correção de algumas das deficiências genéticas da União Bancária permitiriam transformar uma União Bancária “tóxica” numa União Bancária “solidária” e exemplar para o avanço da União Europeia. Assim o queiram os decisores políticos.

20

Suscitando questão idêntica v. DAVID HOWARTH e LUCIA QUAGLIA, Banking Union as Holy Grail: Rebuilding the Single Market in Financial Services, Stabilizing Europe‟s Banks and „Completing‟ Economic and Monetary Union, in Journal of Common Market Studies, Volume 51 Annual Review, 2013, pp. 114–117.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

147

Normas de Publicação

NORMAS DE PUBLICAÇÃO 1. Tipos de publicações e dimensão

A Análise Europeia publica artigos, recensões, revisões críticas e notícias, redigidos em português ou inglês.

Os artigos devem ser originais e oferecerem um contributo relevante e pertinente para o conhecimento na área dos Estudos Europeus. Não devem exceder 50 000 caracteres com espaços, incluindo resumo e palavras-chave em duas línguas, bibliografia, figuras e quadros.

As recensões consistem num resumo dos aspetos principais de uma obra, publicada há menos de 24 meses. O autor deve contextualizar o seu percurso e enquadrar, brevemente, o âmbito do estado da arte quanto ao tema. O autor deve, ainda, apreciar a obra quanto ao seu contributo no meio académico e sugerir possíveis caminhos para uma investigação futura, caso assim o entenda. Não devem ultrapassar 10 000 caracteres com espaços, incluindo resumo e palavras-chave em duas línguas, e bibliografia.

As revisões críticas incidem a um conjunto de obras sobre o mesmo tema ou autor, publicadas há menos de 24 meses, ou obras não recentes cuja pertinência e atualidade justifique uma revisão crítica. O autor deve aprofundar o estado da arte relacionado com o(s) tópicos(s) envolvido(s), enunciando e discutindo a sua relevância, oferecendo, de igual modo, o seu contributo pessoal para a clarificação dos aspetos envolvidos e sugestões para uma análise alternativa. Não devem exceder os 20 000 caracteres com espaços, incluindo resumo e palavras-chave em duas línguas, e bibliografia.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

148

Normas de Publicação

As notícias reportam-se a acontecimentos científicos da área, cuja relevância e pertinência justifiquem a sua publicação. Não devem exceder os 10 000 caracteres com espaços.

2. Estrutura e formatação do texto

Os originais devem ser preparados em suporte digital, na versão MS Word 2007 ou superior, em formato A4 com todas as margens a 3 cm. Os elementos da publicação devem respeitar a seguinte estrutura e respetivas normas de formatação:

Título: Deve ser conciso, exprimindo o conteúdo. Formatação: Segoe UI, tamanho 14, em maiúsculas, a negrito e alinhado ao centro.

Subtítulo: É opcional. Formatação: Segoe UI, tamanho 11, em maiúsculas, a negrito e alinhado ao centro.

Nome(s) do(s) autor(es): Primeiro nome e sobrenome(s) de cada autor, sem abreviaturas. Quando existe mais que um autor, a ordem pela qual o nome dos autores é apresentada é da sua exclusiva responsabilidade. Formatação: Segoe UI, tamanho 11, em maiúsculas pequenas, alinhado à direita. Para cada autor, a seguir ao seu nome, inserir uma nota de rodapé com a sua informação profissional, nome da organização a que pertence, localidade, país e e-mail pessoal ou institucional. Caso seja aluno, o autor deve colocar o curso que se encontra a frequentar, nome da instituição de ensino superior, localidade, país e e-mail pessoal.

Resumo/Abstract/Resumé/Resumen: O resumo deve salientar os aspetos essenciais do texto. Deve ser apresentado, obrigatoriamente, em português e inglês; opcionalmente, também pode ser apresentado numa terceira língua: francês ou espanhol. A sua redação deve ser clara e concisa, até um máximo de 1500 caracteres,

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

149

Normas de Publicação

incluindo espaços, em cada língua. Nos resumos em língua estrangeira, o título da publicação deve ser traduzido na respetiva língua e apresentado no início do resumo. Formatação: Segoe UI, tamanho 9, alinhamento justificado, entrelinhamento a 1,5 espaços, parágrafo com primeira linha a 1,25 cm.

Palavras-chave/Keywords/Mots-clés/Palabras clave: A seguir a cada resumo, devem ser apresentadas até um máximo de 5 palavras-chave na respetiva língua. Formatação: Segoe UI, tamanho 9, alinhamento justificado, entrelinhamento a 1,5 espaços, parágrafo com primeira linha a 1,25 cm.

Corpo do texto Formatação: Deve ser justificado, com entrelinhamento a 1,5 espaços, em Segoe UI, tamanho 11. A primeira linha de cada parágrafo deve ter um avanço de 1,25 cm.

Capítulos: O texto pode ser dividido em capítulos e sub-capítulos (até 3 níveis), numerados sequencialmente, em numeração árabe. Devem ser apresentados em maiúsculas,

alinhados à

esquerda,

em Segoe

UI,

tamanho 11,

a

negrito.

Notas: devem ser apresentadas em sequência numérica árabe, em rodapé, Segoe UI, tamanho 9, justificado.

Referências bibliográficas: São citadas ao longo do texto (ver ponto 5.1.). A referência bibliográfica remete também para a bibliografia no final do texto, sendo ordenada alfabeticamente pelo último nome do autor ou pelo título, nos casos de não existir autor.

Agradecimentos: É opcional. Se necessário, podem ser feitos os agradecimentos a assistências científicas, técnicas e financeiras. Formatação: Segoe UI, tamanho 11, justificado, entrelinhamento a 1,5 espaços. A primeira linha de cada parágrafo deve ter um avanço de 1,25 cm.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

150

Normas de Publicação

Limite: Até um máximo de 500 caracteres, incluindo espaços.

Bibliografia: Todas as referências bibliográficas citadas no texto, em nota de rodapé, devem ser apresentadas no final, por ordem alfabética, sob o título “Bibliografia”. Formatação: Segoe UI, tamanho 11, justificado, entrelinhamento a 1,5 espaços e parágrafo com avanço pendente a 1,25 cm.

3. Elementos do texto

3.1. Figuras As figuras englobam mapas, gráficos, desenhos, fotografias, etc. A sua inclusão no texto deve ser pertinente, devendo ser referidas no texto, usando a palavra “figura”, se esta ficar no meio da frase, ou a abreviatura “fig.”, caso se usem parêntesis: Ex: (fig. 1). As figuras são numeradas sequencialmente em numeração árabe e a sua legenda deve ser clara e curta, posicionada abaixo da figura, em Segoe UI, tamanho 9, centrado.

A qualidade das figuras representadas deve ser suficiente para garantir a sua legibilidade. Sempre que possível, as figuras devem ser a cores, em formato jpeg, gif, png, com uma resolução não inferior a 300 dpi.

Cada figura será enviada em separado e não pode exceder os 5 MB, enquanto que o conjunto não pode ultrapassar os 30 MB. As figuras devem ser identificadas com o apelido do primeiro autor e respetivo número da figura (ex: Silva_fig. 1.jpg). Juntamente, deve ser enviado um ficheiro de texto com uma listagem de todas as figuras, onde constem o número da figura, a respetiva legenda e a fonte. Esta lista deve ser identificada com o apelido do primeiro autor, seguido de _figuras (ex: Silva_figuras.docx).

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

151

Normas de Publicação

3.2. Quadros A sua inclusão na publicação deve ser pertinente, devendo ser referidos no texto e numeradas sequencialmente em numeração árabe. O seu título deve ser claro e sintético, posicionado acima do quadro, em Segoe UI, tamanho 10, centrado. A fonte deve ser indicada.

A informação contida nos quadros deve ser simples e concreta, devendo caber dentro de uma só página. Os quadros devem, obrigatoriamente, ser formatados com linhas horizontais interiores e exteriores, ficando ao critério do(s) autor(es) a inclusão de linhas verticais interiores e exteriores.

3.3. Abreviaturas e siglas A utilização de abreviaturas e siglas deve ser restringida ao máximo. A designação completa à qual se refere uma abreviatura ou uma sigla deve preceder de uma primeira indicação destas no texto (ex.: Organização das Nações Unidas (ONU)), a não ser que se trate de uma unidade de medida padrão (ex.: m (metros)). Não devem ser utilizados pontos nas siglas (ex.: UE em vez de U.E.).

3.4. Números Os números, quando não forem seguidos por unidades de medida, deverão ser apresentados por extenso, de primeiro a décimo e de um a dez (inclusive), e por algarismos a partir deste último número. As unidades de milhar devem ser separadas por um espaço (ex.: 1 500).

3.5. Citações As citações pouco extensas (até 3 linhas) devem ser incorporadas no texto, entre aspas. As citações mais longas serão recolhidas e formatadas em letra de tamanho inferior ao do texto (tamanho 10), sem aspas, com um avanço de parágrafo de 1 cm à esquerda e à direita.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

152

Normas de Publicação

Todas as citações de autores estrangeiros deverão, salvo casos especiais que justifiquem citar-se também o original, ser apresentadas em tradução. Deverá ser enviado em anexo o texto original de todas as citações cuja tradução seja da responsabilidade do autor do trabalho.

As interpolações serão identificadas por meio de parênteses retos [ ], enquanto que as omissões serão assinaladas por reticências dentro de parênteses retos [...]. O título das publicações referidas será apresentado em itálico, tratando-se de livros, ou será colocado entre aspas, no caso de artigos.

4. Referências bibliográficas

4.1. Por tipo de publicação

Chave Tipo de publicação Citação da fonte no texto Referência da fonte na bibliografia

Livro impresso (1 Autor) …de acordo com Lourenço (2007, p. 3) ou … (Lourenço, 2007, p. 3) LOURENÇO, Frederico (2007), Caracteres. Lisboa: Cotovia.

Livro impresso (2 autores) …como identificado por Abreu e Sequeira (1990, p. 67) ou …(Abreu e Sequeira,1990, p. 67) ABREU, Isaura e SEQUEIRA, Ana Pires (1990), Ideias e histórias: contributo para uma educação participada. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

153

Normas de Publicação

Livro impresso (3 ou mais autores) …(Perkins et al., 1990, p. 56) PERKINS, George [et al] (1990), The American tradition in literature. 70th ed. New York: Mcgraw-Hill.

Livros editados (KEENE, 1988, p. 89) KEENE, Eduard ed., (1988), Natural language. Cambridge: University of Cambridge Press.

Capítulos de livros editados (Mortimore, 1998 cit. por Hargreaves et al., 1998, p. 89) MORTIMORE, Peter (1998), The Vital Hours: Reflecting on Research on Schools and their Effects. In Hargreaves, Andy [et al], eds. -International handbook of educational change.

Dordrecht

[etc.]:

Kluwer

Academic

Publishers,

1998.

p.

85-99.

Livro eletrónico (Shapiro e Varian, 1999, p. 45) SHAPIRO, Carl; VARIAN, Hal (1999), Information rules: a strategic guide to the network economy [em linha]. Harvard: Harvard Business School Press. [Consultado em 21 de abril

de

2009].

Disponível

em:

.

Artigo impresso (Keirstead, 1987, p. 29) KEIRSTEAD, Carol (1987), Lowell looks for answers. Equity and Choice. Vol. 3, n.º 2, p. 28‐33.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

154

Normas de Publicação

Artigo eletrónico (Price-Wilkin, 1994, p. 7) PRICE‐WILKIN, John (1994), Using the World Wide Web to deliver complex electronic documents: implications for libraries. The Public Access Computer System Review [Em linha]. Vol. 5, n.º 3, p. 5‐21. [Consultado em 28 de abril de 2015]. Disponível em: .

Teses e dissertações (Silvestre, 2008, p. 65) SILVESTRE, Susana Margarida (2008), Partilhar livros com bebés dos 9 meses aos 3 anos: o papel das bibliotecas públicas portuguesas no suporte à literacia emergente [Texto policopiado] Évora: [S.n.]. Dissertação de mestrado.

Portal/Página Web (Governo de Portugal, 2015) GOVERNO DE PORTUGAL (2015), Agenda do Primeiro-ministro. [Em linha]. Lisboa: Governo de Portugal. [Consultado em 21 de junho de 2015]. Disponível em: .

Base de dados …conforme dados do Eurostat (2013) ou (Eurostat, 2013). Eurostat (2013), Main GDP aggregates per capita. [Em linha]. [Consultado em 21 de junho de 2015]. Disponível em: .

Legislação nacional …Dec. Lei nº 239/97 de 9 de Setembro Decreto-Lei n.º 239/97 de 9 de Setembro. Diário da República nº 208/97 - I Série A. Ministério do Ambiente. Lisboa.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

155

Normas de Publicação

Legislação e normas europeias (COM(2010) 548 final, p. 4) (Directiva 2009/147/CE) (JO L 169, 26.9.1987, p. 11)

COMUNICAÇÃO COM(2010) 548 final DA COMISSÃO AO CONSELHO E AO PARLAMENTO EUROPEU de 8 de Outubro de 2010 sobre a Avaliação de 2010 da Implementação

do

Plano

de

Acção

da

UE

sobre

Biodiversidade.

DIRECTIVA 2009/147/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 30 de Novembro

de

2009

relativa

à

conservação

das

aves

selvagens.

Jornal Oficial das Comunidades Europeias, Número L 169, de 26 de Setembro de 1987 – ACTO ÚNICO EUROPEU.

4.2. Vários documentos do mesmo autor Se, na lista das referências bibliográficas, houver vários documentos do(s) mesmo(s) autor(es), o(s) apelido(s) do autor(es) pode(m) substituir-se por travessão (-) na segunda referência e seguintes.

Exemplo: COELHO, Jacinto do Prado (1996), Bocage, pintor do invisível. Lisboa: Academia de Ciências de Lisboa. ___ (1955), Garrett prosador. Rev. Fac. Letras de Lisboa. 2ª Série. 21:1, 35-49. ___ (1944), A poesia ultra-romântica. Lisboa: Clássica Editora.

4.3. Documentos do mesmo autor com a mesma data Se as citações e respetiva lista de referências bibliográficas contiverem vários documentos do mesmo autor, publicados no mesmo ano, acrescenta-se ao ano de publicação uma letra (a, b, c, etc.) na citação e na referência bibliográfica, para assegurar a correspondência entre a citação e a referência.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

156

Normas de Publicação

Exemplo: FAVARGER, C. (1980a), Un exemple de variation cytogéographic: la complexe de l'Erysinum grandiflorum-sylvestre. An Inst. Bot. Cavanilles, 35, p. 361-393. FAVARGER, C. (1980b), Le nombre chromossomique de populations alticoles d'Erysimum des Picos de Europa. Bull. Soc. Neuchateloise Sci. Nat, 100, p. 93-105.

4.4. Vários locais de publicação Se o documento indica vários locais de publicação, transcreve-se o que estiver em maior evidência seguido de [etc.]; caso todos tenham o mesmo relevo tipográfico transcreve-se apenas o primeiro seguido de [etc.]. Poder-se-ão transcrever até três, no caso de corresponderem a editores diferentes.

Exemplo: London [etc.] London: Pergamon; New York: Marcel Dekker; Madrid: Interamericana.

4.5. Omissões Quando algum elemento da referência bibliográfica é omisso (autor, ano, editora, local de publicação), deve-se colocar a abreviatura n.d. em substituição, que significa “não definido.”

Exemplo: Ayuntamiento de Zaragoza (n.d.), Cómo Moverse en Transporte Público. [em linha]. [Consultado

em

10

de

abril

de

2013].

Disponível

em:



Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

157

Política Editorial

POLÍTICA EDITORIAL A Análise Europeia, editada pela Associação Portuguesa de Estudos Europeus, publica textos originais que contribuam para o desenvolvimento da investigação científica, a promoção de uma reflexão e discussão aprofundada sobre as metodologias dessa mesma investigação, e a divulgação de informação e conhecimento no âmbito dos Estudos Europeus.

A Análise Europeia reserva-se o direito de publicar ou não os trabalhos recebidos, comprometendo-se a informar os autores, dentro de um prazo previamente estabelecido, da sua decisão. Todos os trabalhos devem cumprir os seguintes critérios de admissibilidade: 

Originalidade e pertinência;



Relevância do trabalho para a difusão e o desenvolvimento do conhecimento;



Qualidade geral do texto (apresentação, clareza e correção linguística);



Metodologia (adequação e profundidade coerente na abordagem do tema);



Atualidade da bibliografia utilizada;



Adequação às normas de publicação.

Essa decisão é apoiada num processo de apreciação, realizado em duas etapas sucessivas. Em primeiro lugar, todos os trabalhos enviados para publicação serão avaliados pelos editores quanto à sua originalidade e pertinência, qualidade geral do texto e adequação às normas de publicação. Se o trabalho cumprir com todos estes requisitos, este passará à segunda fase de avaliação. A segunda fase de avaliação dos trabalhos estará a cargo de um membro do Conselho Científico, através do sistema blind peer review (revisão cega por pares). O avaliador irá considerar a relevância do trabalho, a metodologia usada e a atualidade da bibliografia, elaborando um parecer a

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

158

Política Editorial

fundamentar a sua decisão final. Através do parecer emitido, o avaliador poderá aprovar o trabalho na sua forma original, sugerir modificações ou manifestar-se desfavorável quanto à sua publicação.

O parecer favorável pode estar condicionado à reformulação dos trabalhos, bem como sugestões para adequá-los às normas de correção gramatical e ortográfica e às exigências de clareza, tendo em vista torná-los acessíveis ao maior número possível de leitores. Os editores podem sugerir aos autores a revisão dos artigos propostos, mediante essas indicações, e condicionar a sua publicação a uma nova apreciação das versões revistas. Os trabalhos aceites serão submetidos a uma nova revisão editorial pelos editores, do qual depende a decisão final quanto à sua publicação.

O Diretor da revista pode, se assim entender, convidar os membros do Conselho Científico ou qualquer personalidade, que se destaque pelo seu mérito profissional e/ou científico na área de Estudos Europeus, a publicar. Nesses casos, os seus trabalhos não serão sujeitos ao processo de arbitragem científica enunciado acima.

Após submissão dos seus trabalhos, os autores são legalmente responsáveis pela garantia de que estes não constituem infração aos direitos de autor, isentando a Associação Portuguesa de Estudos Europeus de qualquer responsabilidade. O direito de autor sobre a publicação recai na editora e proprietária da revista, a Associação Portuguesa de Estudos Europeus. O autor transfere os direitos de autor do seu artigo a favor da editora da revista, autorizando-a a editar, publicar, distribuir e reproduzir a sua obra em suporte eletrónico, incluindo a difusão através de plataformas de distribuição de artigos online com as quais a Associação estabeleça acordos. Sempre que se justificar, a Associação pode distribuir e reproduzir os textos em todos os suportes que tenha à sua disposição, nomeadamente magnéticos, óticos e em papel. A transferência do direito de autor não implica custos para ambas as partes.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1)

159

Política Editorial

As opiniões emitidas serão da exclusiva responsabilidade dos autores dos trabalhos, não expressando a opinião da Associação.

A Análise Europeia não cobre qualquer valor monetário pela submissão dos trabalhos ou pelo processamento e edição do texto aquando da sua publicação.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016

160