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Acionistas desiguais Comissão Europeia propõe direitos ampliados para acionistas de longo prazo, rompendo com o conceito de “uma ação, um voto”; no Brasil, ações preferenciais ganham apelo Por Mariana Segala

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rises são sempre um momento propício para rever conceitos. Para bem e para o mal. Com o objetivo de sair delas, às vezes buscam-se alternativas que passam pela revisão de princípios até então inquestionáveis — e a história mostra que elas podem resultar tanto em soluções inteligentes para resolver problemas novos como em retrocessos abomináveis. As práticas da boa governança corporativa passam, neste momento, por uma revisão desse tipo. Na berlinda, surpreendentemente, está o direito a “uma ação, um voto”. Praticamente um dogma nas cartilhas da boa governança, o princípio visa a impedir o desalinhamento entre a participação política e econômica dos acionistas. A discussão tem origem na tormenta financeira de 2008. Os desmandos de executivos gananciosos levaram bancos à bancarrota e evidenciaram a importância de se terem acionistas com olhar de longo prazo sobre as organizações, capazes de gerenciar riscos e conduzir a companhia para um crescimento sustentável. Com esse pano de fundo, a Comis-

são Europeia fez, entre abril e junho, uma consulta pública para levantar sugestões sobre como assegurar fontes de financiamento com essa característica. E propôs para debate, causando enorme furor, a ampliação dos direitos de voto das ações pertencentes aos investidores que têm esse horizonte com o intuito de recompensá-los por sua lealdade à companhia. O debate é polêmico, no entanto vem sendo aceito por defensores da boa governança. “Tenho de admitir que essas ideias dão até arrepio. Mas é uma polêmica que merece acontecer porque, afinal de contas, trata-se de saber como as empresas servirão melhor à economia e a seus investidores”, observou Maria Helena Santana, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), durante o último Círculo de Debates promovido pela capital aberto. “Sempre achei que assegurar um voto por ação fosse o jeito certo de estabelecer a governança nas empresas”, admite Simon Wong, sócio da consultoria londrina Governance for Owners e professor da Escola de Direito da Northwestern University, de Chicago.

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capa var o poder e a influência das famí“Mas, sinceramente, estou mais receplias fundadoras. “Em certas empretivo à ideia de que quebrar esse princípio sas, os empreendedores originais são pode ser bom em alguns casos.” tão importantes para o seu desempeO professor sugere que ações com nho no futuro que pode ser interesdireito a votos extras sejam oferecidas sante, também para os outros acionisa acionistas de longo prazo. Em países tas, que eles mantenham o controle”, europeus, como a França, essa é uma Consulta pública pondera Mats Isaksson, chefe da diviforma de recompensar quem mantém da Comissão são de assuntos corporativos da Orgaas ações por mais tempo — acima de Europeia sugere nização para Cooperação e Desenvoldois anos, na maioria dos casos. Por vimento Econômico (OCDE), entidade razões de equidade, Wong defende votos extras para que reúne os países mais ricos do munque essas ações não sejam distribuí- os acionistas mais do. Além disso, os empreendedores tedas somente aos fundadores da em- comprometidos mem abrir mão do comando de suas presa e a outros insiders, e sim a toempresas e ficarem reféns de invesdos os investidores que cumpram o retidores voltados para ganhos de curto prazo. quisito de serem sócios por um período mínimo. Esse A avaliação da performance das empresas que prazo, alerta, não pode ser muito grande, acima de possuem ações de pesos diferentes não é consencinco ou sete anos, pois beneficiaria somente os funsual entre os especialistas. Há casos bons e ruins. dadores e controladores. Da mesma forma, adverte, A Berkshire Hathaway está no primeiro grupo. seria prudente limitar a sua posse por um único inTeve uma única classe de papéis até 1996, quando vestidor, de modo a evitar que um grande acionista o seu fundador, Warren Buffett, fez uma oferta em tome decisões unilateralmente. Por fim, Wong lemque levantou mais de meio bilhão de dólares com a bra que, se o objetivo da iniciativa é reforçar o comemissão de papéis de classe B, com direitos de voto portamento de “proprietário” dos acionistas e inceninferiores aos da classe A. Atualmente, para cada tivar os investimentos de longo prazo, valeria a pena ação classe A da empresa, existem quase 1.300 clasdiscutir se os investidores “passivos” (ou de índices) se B. O detalhe é que o conjunto dos papéis classe A devem ser tratados da mesma forma que os acionistem oito vezes mais poder de voto do que os de classe tas que optam por uma gestão ativa de seus recursos. B, mas nem por isso a companhia é mal vista pelos investidores. Desde que foram lançadas, as ações com classes distintas — Ao contrário do Brasil, onde a Lei direito reduzido tiveram uma valorização de 375%, das Sociedades por Ações proíbe que as ordinárias bem próxima da alta de 383% dos papéis emitidos tenham direitos de voto diferentes entre si — a disaté 1996 — e muito acima da média do mercado (no tinção só pode se dar com a emissão de preferenciais, mesmo período, o índice S&P 500 avançou 154%). sem direito de voto algum —, na Europa e nos EstaA mesma sorte não tem sido experimentada pelas emdos Unidos não há regra que impeça essa situação. presas de tecnologia. Desde que chegaram à Nasdaq, Os casos mais comuns de uso de “dual class” vistos pouco mais de um ano atrás, os papéis do Facebook, até agora, porém, não visam a compensar os acionispor exemplo, acumulam perda de 37%, até 24 de jutas mais engajados por suas contribuições ao governo nho de 2013. Já o site de compras coletivas Groupon, das companhias. Ao contrário, o objetivo das ações cujas ações detidas pelos fundadores têm 150 vezes de duas classes costuma ser o de preservar o poder do mais votos que as restantes, registra uma baixa de controlador, como fizeram Google, Groupon e Face69,5% desde a abertura de capital até 24 de junho. book. Para garantir ao mercado que os privilegiaUm estudo publicado pela consultoria Institutional dos cérebros de seus fundadores seriam mantidos no Shareholder Services (ISS) no ano passado procurou comando das organizações ao longo do tempo, elas verificar o impacto da oferta de ações com direitos ofertaram ao mercado papéis com direito a um voto distintos na precificação dos papéis, a partir do decada e reservaram aos principais acionistas ações sempenho das integrantes do índice S&P 1500. Chesuperpotentes, com direito a até 150 votos cada. No gou à conclusão de que empresas que possuem concaso do Facebook, embora detenha apenas 28% das trolador, mas têm apenas um tipo de ação, se saem ações da rede social, Mark Zuckerberg vota como se muito melhor no longo prazo do que aquelas com possuísse 57% do capital da companhia. controlador e o capital dividido entre papéis de clasÉ o renascimento da antiga estratégia empregases diferentes. Enquanto, num prazo de dez anos, o da por companhias tradicionais de mídia, como o primeiro grupo atingiu um retorno anual de cerca de The New York Times e a News Corp., dona dos canais 14%, o segundo obteve metade disso. Fox e do jornal The Wall Street Journal, para preser30

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capa Há outros levantamentos que indicam exatamente o oposto. Três pesquisadores, um deles funcionário da Securities and Exchange Commission (SEC), regulador do mercado de capitais americano, publicaram um estudo sobre o assunto em 2012. Eles analisaram 142 companhias que mudaram suas estruturas de capital de “uma ação, um voto” para modelos com papéis de diferentes pesos. Concluíram que, quando os acionistas dominantes adquirem a chance de vender ações no mercado sem perder o controle, suas empresas registram um aumento nos investimentos, se desfazem de operações não essenciais e acabam obtendo performance superior. — O Brasil também vem mostrando uma inclinação a flexibilizar o princípio de uma ação, um voto, com o objetivo de preservar os acionistas controladores. A maior oferta pública inicial de ações (IPO) do ano passado, do BTG Pactual, levou à BM&FBovespa units compostas de quatro ativos diferentes: uma ação ordinária e duas ações preferenciais do Banco BTG Pactual, com sede no Brasil; um recibo de ações (BDR) com direito a voto e dois sem direito a voto da BTG Pactual Participations (BPP), empresa com sede em Bermudas e listada na Euronext Amsterdam. Toda a estrutura da oferta foi pensada para manter André Esteves no poder. Na seção fatores de risco do prospecto, a companhia alertava que, após a oferta, seu fundador controlaria o banco, detendo, direta ou indiretamente, cerca de 22,55% dos direitos econômicos do BTG Pactual. A oferta candidata a ser a segunda maior de 2013, da Votorantim Cimentos, previa a emissão de ações ordinárias e preferenciais agrupadas na forma de units. O objetivo era também proteger a fatia acionária dos donos — a família Ermírio de Moraes, que continuaria com cerca de 90% do capital votante após a oferta. A emissão, estimada em R$ 10 bilhões, foi cancelada em junho devido à instabilidade econômica. O IPO da Alupar, realizado em abril de 2013 também com oferta de units, manteve a família Godoy Pereira, dona do veículo de investimento Guarupart Participações, no controle. O prospecto da oferta da distribuidora de energia ressalta que, logo após a conclusão da operação (sem considerar a colocação das units suplementares), seu acionista controlador seria titular de 66,04% do total de ações. A emissão levantou cerca de R$ 821 milhões. As ofertas mais frequentes de ações preferenciais alteram um movimento que se consolidou a partir de 2002, quando teve início o Novo Mercado. De lá para cá, o segmento premium de governança da Bolsa abrigou 109 IPOs, o equivalente a 75% dessas distribuições. O restante ocorreu no segmento tradicional,

donos protegidos

ou nos níveis 1 e 2, em que a emissão de papéis sem direito a voto é permitida. “Por anos, as ações preferenciais foram associadas ao que havia de pior no mercado. Mas, com o tempo, percebemos que os investidores se mostraram bem tolerantes com as empresas que emitem esse tipo de papel”, constata Maria Helena Santana. — Dois episódios recentes no Brasil expressam o gosto de investidores pelas preferenciais (PNs). No ano passado, a Comgás planejava migrar do segmento tradicional para o Novo Mercado, contudo foi impedida pelo investidor Luis Alves, detentor de mais de 40% das ações PN da Comgás sob o guarda-chuva do fundo Poland. A companhia pretendia trocar uma PN por uma ON, mas Alves defendia que essa relação deveria ser mais favorável para as preferenciais, devido ao seu dividendo superior. A Coteminas enfrentou, em abril deste ano, a mesma dificuldade. Não conseguiu migrar para o Novo Mercado, porque os detentores de PNs preferiram exercer o direito de retirada e vender as ações (aplicável em razão da perda de direitos na conversão para ordinárias) a ter os papéis negociados no segmento máximo de governança corporativa da Bolsa. A predileção no recebimento de dividendos — assim como o direito a proventos maiores — garantida às ações preferenciais atrai investidores não só do Brasil como do resto do mundo. Tanto que a Comissão Europeia, em sua audiência pública, sugere, além do direito a votos extras, o dividendo superior como um atrativo para as ações dos investidores de longo prazo. Na visão de Peter Montagnon, consultor

híbridos em alta

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capa pressão das bolsas concorrentes, sênior do Financial Reporting Counque permitiam a listagem de emprecil (FRC), órgão inglês que lançou o sas com mais de um tipo de papel, a Stewardship Code em 2010, é prováNyse acabou cedendo no critério de vel que o apelo das ações preferenciais uma ação, um voto”, conta Mariana cresça nos próximos anos. O compoPargendler, professora da Escola de nente híbrido desses papéis, que ofere“Estamos Direito da Fundação Getulio Vargas cem tanto o retorno da valorização da caminhando para (FGV) em São Paulo. ação como os ganhos com dividendos, Atualmente, a BM&FBovespa ené uma tendência em sua visão. “Esta- um mundo em que frenta a pressão de alguns agentes do mos caminhando para um mundo em a distinção entre mercado para permitir a oferta de que a distinção entre capital e dívida capital e dívida não será mais ações preferenciais no Bovespa Mais, não será mais tão rigorosa”, prevê. segmento dedicado a abertura de caEsse movimento, argumenta, es- tão rigorosa” pital de pequenas e médias compataria sendo impulsionado pelos regunhias. Igualmente ao Novo Mercado, ladores europeus, que agora pressiouma das exigências desse segmento é a emissão exnam os detentores de bonds emitidos por bancos a clusiva de ações ordinárias. O PAC-PME, grupo que assumir parte dos prejuízos gerados pela crise finanreúne 114 instituições interessadas em alavancar a ceira: “São investidores de dívida que passarão a asentrada de empresas menores na bolsa, defende que sumir riscos de acionistas”. Esse novo conceito faessa regra seja mudada. “Se os investidores não quivorecerá títulos que tenham como característica a serem preferenciais, não haverá demanda, simples oferta do retorno do capital e de um fluxo constante assim”, conclui Rodolfo Zabisky, presidente do Grude rendimentos, explica Montagnon. “Compreendo a po Attitude e representante do PAC-PME. demanda dos investidores por ações preferenciais e Zabisky aponta que, em sua maioria, os acionisnão vejo nada de errado com isso. Eles aceitam trotas de empresas brasileiras raramente participam car poderes políticos por preferência nos dividendos. das assembleias de modo significativo — nem quanO problema é quando se têm acionistas de uma mesdo há a possibilidade de votar pela internet. “Há um ma classe com votos distintos”, completa. O FRC se consenso de que, mais do que ações ordinárias, os posicionou contrariamente às propostas lançadas investidores querem ser sócios de um empreendedor pela Comissão Europeia na audiência pública. campeão e de um negócio com potencial grande de O chefe do Global Corporate Governance Forum, crescimento. Nesses casos, governança não é o parâPhil Armstrong, também discorda da ideia de se adometro principal para seleção do investimento”, diz. tarem ações com votos extras para estimular o atiO próprio Novo Mercado permite que o princívismo dos acionistas. “Essa é uma péssima prática pio de “uma ação, um voto” não seja seguido. Desde de governança e deve ser rejeitada”, considera. Em a última reforma, implementada em 2011, seu regusua visão, o incentivo é equivocado, porque os gestolamento prevê que a companhia poderá limitar o pores de recursos já têm, em seu mandato, o direito e a der de voto dos acionistas. Nesse caso, independenteobrigação de votar nas assembleias. O executivo acremente do tamanho da participação, os votos valerão, dita que as iniciativas para flexibilizar pilares funno máximo, um percentual estabelecido no estatuto damentais da boa governança originam-se do movi— que, segundo a Bolsa, não pode ser inferior a 5%. mento de desmutualização das bolsas de valores em Para pôr essa restrição em prática, a empresa deve revários países (processo a partir do qual as bolsas neceber o aval da BM&FBovespa. “Evoluções como esgociam suas próprias ações em pregão). “Há um posa são necessárias se quisermos manter o nosso mertencial conflito de interesses. As bolsas precisam de cado competitivo”, assegura Carlos Alberto Rebello, companhias que se listem em suas plataformas para diretor de Regulação de Emissores da BM&FBovespa. fazer lucros — ou ao menos que não se deslistem —, Para quem busca respostas sobre as melhores e uma das tentações parece ser a de afrouxar regras práticas quanto à proporcionalidade entre poder de governança”, enfatiza. econômico e político nas empresas, Wong deixa um recado: “É possível compreender o fato de alguns boazinhas demais? — De fato, duas ou três décaacionistas terem ações com mais poder de voto que das atrás, discussões como a proposta pela Comisoutros, mas é muito difícil justificar quando alguns são Europeia não encontrariam respaldo das bolsas. acionistas não têm poder de voto nenhum”. Na visão A Bolsa de Nova York (Nyse) recusava-se a listar, no do professor, mas todos os acionistas devem ter alguseu pregão, companhias que tivessem mais de uma ma voz, ainda que pouca. classe de ações. Isso mudou apenas em 1986. “Por 32

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