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Anais XVI Encontro Nacional dos Geógrafos Crise, práxis e autonomia: espaços de resistência e de esperanças - Espaço de Socialização de Coletivos –

A INFLUÊNCIA DE ERIC DARDEL NA CONSTRUÇÃO DA GEOGRAFIA HUMANISTA NORTE AMERICANA1

HOLZER, Werther Universidade Federal Fluminense. [email protected]

INTRODUÇÃO

O que pretendo discutir neste texto é como Dardel (1952/1990), com sua obra “O Homem e a Terra: natureza da realidade geográfica” influenciou a geografia cultural norte americana, na década de 1970, propiciando o aparecimento da geografia humanista. Como método seguirei as “pegadas” que uma leitura hermenêutica de alguns textos já clássicos da geografia humanista, escritos por Tuan e por Relph, nos oferecem. Em minha dissertação de mestrado (Holzer, 1992), já na introdução, apontava o aporte oferecido por Dardel, a partir de sua redescoberta pelos geógrafos norte americanos, como uma possibilidade de aproximação entre a geografia do espaço vivido francesa e a geografia humanista norte americana. Ironicamente, apesar de hoje podermos considerálo um precursor de uma geografia pautada pelo uso da fenomenologia, Dardel não teve sucessores imediatos na França. Sua recuperação pelos geógrafos franceses só aconteceria na década de 1980, quando André-Louis Sanguin, da Universidade de Quebéc, resgatou o livro de Dardel comparando-o em importância aos trabalhos de Wright, demoraria mais de dez anos para o lançamento da reedição da pequena obra, em francês. Quando os franceses se deram conta da importância e da riqueza da obra de Dardel para a renovação da geografia, em especial a voltada para as questões culturais contemporâneas, já se haviam passado vinte anos desde a primeira citação de seu livro por geógrafos norte-americanos. Não por acaso o contato com o livro de Dardel ocorreu em uma universidade canadense, a de Toronto, onde eram veiculadas críticas a geografia da percepção de base comportamentalista. A mesma atitude crítica orientava 1

Trabalho apresentado no Espaço de Socialização de Coletivos “Perspectivas fenomenológicas da geosofia”, durante o XVI Encontro Nacional de Geógrafos, realizado em Porto Alegre, Julho 2010.

1 Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. 978-85-99907-02-3

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jovens professores: Tuan, desde 1963 se aproximara das formulações de Bachelard e de Piaget, numa crítica interna aos métodos da Geografia Cultural e mais ampla geografia de base quantitativista e comportamentalista; Relph nos fornece um depoimento de suas motivações: A concepção de lugar e de não-lugar foi em grande parte um produto do acaso. Eu estava estudando as paisagens simbólicas do Escudo Canadense, porque os seus lagos e florestas são supostamente centrais para a identidade canadense. Conforme a pesquisa avançou, encontrei várias referências à importância do lugar e ao sentido de lugar, mas fui incapaz de encontrar uma definição substancial para estas idéias. Por isso, comecei a desenvolver as minhas próprias. Nessa época, eu também fui envolvido em um debate acadêmico sobre as metodologias da geografia, muitos dos quais versando sobre os supostos benefícios das técnicas quantitativas. Para meus propósitos, estes métodos eram triviais e de âmbito limitado. Vi, no entanto, na fenomenologia um método filosófico que reconheceu a importância dos significados e símbolos. Fazia sentido aplicar a fenomenologia para estudar o lugar (embora, em retrospecto, eu não tenha feito isso tão rigorosamente quanto deveria), e minhas tentativas de definição ampliada. As paisagens simbólicas do Escudo Canadense recuaram para segundo plano e, em seguida, desapareceu em uma gaveta de arquivo. (RELPH, s.d)

Em sua busca por alternativas epistemológicas, como já observei em outro texto (Holzer, 1992), Relph recorreu a geógrafos clássicos, como La Blache, James, Sauer e Hartshorne, recorreu também a trabalhos mais recentes como os de seu colega Tuan (1971). Seu objetivo era de discutir a base fenomenológica da geografia para ressaltar a importância do lugar como conceito geográfico e para isso recorreu também a Dardel e a filósofos como Heidegger, Schutz e Merleau-Ponty. Tuan, em suas investigações humanistas, recorreu a textos de geógrafos como Humboldt, Sauer, Glacken, Lowenthal e Dardel (seguramente introduzido na geografia norte-americana por Relph em sua tese de 1973) e de filósofos como Kockelmans, Merleau-Ponty, Schutz, Heidegger, Van der Leew, Piaget, Cassirer, Bergson e Ricoeur. Munido deste aparato bibliográfico investigava as relações entre espaço e tempo e as características do “espaço” e do “lugar”. Os temas centrais que motivavam as pesquisas dos geógrafos humanistas estavam, certamente, contemplados em “O Homem e a Terra”: a relação primordial entre o homem e a Terra, as distâncias e direções na formação dos conceitos de lugar e de paisagem, todos os aspectos abordados a partir de uma perspectiva fenomenológica e 2 Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. 978-85-99907-02-3

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interdisciplinar, onde a arte tem um papel preponderante como fonte de informação para a compreensão dos fenômenos. O centro das investigações está na intencionalidade voltada para os fenômenos espaço-temporais, sendo o “lugar” sua referência principal.

O LUGAR NA OBRA DE DARDEL

Dardel, em “O Homem e a Terra” não dedica um capítulo ou item especifico para discutir a questão do lugar. Ao contrário o conceito permeia o texto como fundamento para a construção de todas as relações temporais e espaciais do ser-no-mundo. Esta afirmação se apóia no seguinte trecho de seu texto: Do plano da geografia, a noção de situação extravasa para os domínios mais variados da experiência do mundo. A “situação” de um homem supõe um “espaço” onde ele “se move”; um conjunto de relações e de trocas; direções e distâncias que fixam de algum modo o lugar de sua existência. “Perder a localização”, é se ver desprovido de seu “lugar”, rebaixado de sua posição “eminente”, de suas “relações”, se encontrar, sem direções, reduzido à impotência e à imobilidade. Novamente a geografia, sem sair do concreto, empresta seus símbolos aos movimentos interiores do homem. (Dardel, 1990, 19).

Como Sauer (.......), com toda certeza a partir de uma convergência epistemológica, Dardel propõe que os lugares são essenciais na construção de outros conceitos espaciais. Destes a paisagem é enfatizada como conceito de síntese, que permite, a partir da justaposição dos traços físicos com os traços da ocupação humana, compará-la com outras a partir de suas semelhanças e diferenças. Dardel enuncia esta idéia neste pequeno trecho: “Muito mais que uma justaposição de detalhes pitorescos, a paisagem é um conjunto, uma convergência, um momento vivido, uma ligação interna, uma “impressão” une todos os elementos.” (Dardel, 1990, 41) Esta paisagem, construída a partir da intencionalidade humana, que Dardel denomina de “uma tonalidade afetiva dominante”, a do mundo vivido, seria “refratária a toda redução puramente científica” (Dardel, 1990, 42). Esta irredutibilidade se deve ao fato de que o ser-no-mundo, o ser-ai (Dasein), implica numa totalidade onde o homem, o espaço, o tempo estão indissoluvelmente ligados. Esta indissolubilidade se manifesta na Terra a partir das ligações existenciais humanas, e pode ser chamada de geograficidade, definida como “a Terra como lugar, base e meio de sua realização.” (Dardel, 1990, 42).

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Mas, esta intencionalidade implica em ação, assim Dardel enuncia a paisagem como o resultado das interações entre o espaço telúrico, o espaço aéreo, o espaço aquático e o espaço construído. A ação humana se manifesta, No âmbito da sua visão cotidiana e de sua movimentação diária habitual, o homem exprime sua relação geográfica com o mundo a partir do ordenamento do solo: “construtor de florestas” na Malásia ou nas Landas, destruidor de florestas, do solo vegetal e dos rios no Nordeste brasileiro, ele transforma em outro lugar, em horizonte pastoral, as águas do Zuiderzee. A geografia pode assim exprimir, inscrita no solo e na paisagem, a própria concepção do homem, sua maneira de se encontrar, de se ordenar como ser individual ou coletivo. (Dardel, 1990, 43).

Esta relação é intersubjetiva e deve ser tratada pela geografia a partir do que interessa primordialmente ao homem: suas ligações existenciais, suas preocupações e seu bem estar, e seus projetos para o futuro. Ele fala aqui das relações estabelecidas pelo homem com outros homens e com todas as coisas que compõe seu mundo vivido. A geografia não seria um conhecimento referido a um determinado objeto, mas sim uma ciência que tem o papel de compreender o mundo geograficamente, do homem ligado à Terra por sua condição terrestre. Então, A realidade geográfica é para o homem, [...], o lugar onde ele está, os lugares de sua infância, o ambiente que atrai sua presença. Terras que ele pisa ou onde ele trabalha, o horizonte do seu vale, ou a sua rua, o seu bairro, seus deslocamentos cotidianos através da cidade. [...] A realidade geográfica exige uma adesão total do sujeito, através de sua vida afetiva, de seu corpo, de seus hábitos, que ele chega a esquecê-los, como pode esquecer sua própria vida orgânica. Ela está, contudo, oculta e pronta a se revelar. (Dardel, 1990, 46).

Este dinamismo de nossa relação com a Terra se expressa a partir dos eventos que ocorrem no espaço concreto, a experiência da realidade-acontecimento, próxima da linguagem cotidiana, do vernacular. Que determina a localização de um elemento geográfico como resultado destas relações recíprocas entre lugares-acontecimentos. Dardel pergunta: Como evitar abrir assim a espacialidade geográfica para a perspectiva temporal? A geografia não é, no fim das contas, uma certa maneira de nós sermos invadidos pela terra, pelo mar, pela distância, de sermos dominados pela montanha, conduzidos em uma direção, atualizados pela paisagem como presença da Terra? (Dardel, 1990, 54).

A geografia, então, se refere a habitar, a construir, a cultivar e a circular, onde “a Terra é experimentada como base. Não somente ponto de apoio espacial e suporte material, mas condição de toda “posição” da existência, de toda ação de assentar e de se estabelecer.” 4 Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. 978-85-99907-02-3

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(Dardel, 1990, 55). No conceito de lugar está a essência que estabelece a geografia como ciência. Dardel se apóia em Lévinas para estabelecer “o lugar como suporte do Ser”. Lévinas vê no sono, assim como Bachelard (.....) no devaneio, um método para nos aproximarmos das essências, para fazermos a redução fenomenológica, ao abandonarmos as relações corriqueiras de nossa vida cotidiana e nos dirigirmos imediatamente às relações fundamentais com a coisa. O fundamento desta redução é o “lugar”: Em nossa relação primordial com o mundo, tal como se manifesta neste gesto banal, ao nos abandonarmos assim “às virtudes protetoras do lugar”, nós firmamos nosso pacto secreto com a Terra, nós expressamos por nossa conduta que nossa subjetividade de sujeito se encolha sobre a terra firme, se assente, ou melhor, “repouse”. É deste “lugar”, base de nossa existência, que, despertando, tomamos consciência do mundo e saímos ao seu encontro, audaciosos ou circunspetos, para trabalhá-lo. Há no lugar de onde a consciência se eleva para ficar de pé, frente aos seres e aos acontecimentos, qualquer coisa de mais primitivo que o “início”, o país natal, o ponto de ligação, é, para os homens e os povos, o lugar onde eles dormem, a casa, a cabana, a tenda, a aldeia. Habitar uma terra, é confiar primeiro pelo sono aquilo que está, por assim dizer, abaixo de nós: base onde se aconchega nossa subjetividade. Existir é para nós partir de lá, do que é mais profundo em nossa consciência, do que é “fundamental”, para destacar no mundo circundante “objetos” aos quais se reportarão nossos cuidados e nossos projetos. Elemento não abstrato ou conceitual, mas concreto. Antes de toda escolha, existe este “lugar” que não pudemos escolher, onde ocorre a “fundação” de nossa existência terrestre e de nossa condição humana. (Dardel, 1990, 56). A Terra, então é uma experiência antipredicativa, ela está na origem da consciência que o sujeito tem de si e do mundo, como observa Dardel ela antecede toda objetivação e se mistura a qualquer intencionalidade da consciência, ou seja, o mundo vivido do homem só é a partir da Terra, a partir da qual ele constrói e erige. Dardel recorre a Heidegger para mostrar que esta relação é construída cotidianamente, uma vez descuidada determinada coisa que o homens constrói ela retorna a sua origem na Terra, como ruína, como obscuridade.

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Esta realidade de cada indivíduo, se manifesta coletivamente enquanto espaço terrestre que “aparece como a condição de realização de toda realidade histórica, que lhe dá corpo e assinala a cada existente o seu lugar. É a Terra que, podemos dizer, estabiliza a existência.” (Dardel, 1990, 59). A partir desta idéia Dardel acompanha a geografia como o “lugar” da história: as geografias como concepções do mundo circundante são testemunhos de épocas sucessivas onde elas eram a imagem admitida da Terra. [...]O que nos importa, antes de tudo, é o despertar de uma consciência geográfica, através das diferentes intenções sob as quais aparecem ao homem a fisionomia da Terra. Se trata menos de períodos cronológicos do que de atitudes duráveis do espírito humano frente-a-frente com a realidade circundante e cotidiana, em correlação com as formas dominantes da sensibilidade, do pensamento e da crença de uma época ou de uma civilização. Estas “geografias” se ligam cada uma delas a uma certa concepção global do mundo, a uma inquietude central, a uma luta efetiva contra o “fundo escuro” da natureza circundante. (Dardel, 1990, 63).

A partir do lugar, utilizando-se de todos os passos do método fenomenológico husserliano Dardel, melhor do que ninguém, aproximou-se de uma geografia “além da ciência”, que os geógrafos culturais procuravam, e o mais importante, referenciado à história, a partir das “ontologias” geográficas que permearam as mais diversas épocas e povos. Com certeza estes fundamentos de sua obra atraíram a atenção dos geógrafos norte-americanos que buscavam novos caminhos para a ciência geográfica, e o encontraram na fenomenologia e no conceito de lugar. A GEOGRAFIA DE DARDEL E A GEOGRAFIA HUMANISTA NORTE AMERICANA: O LUGAR COMO CONCEITO DE CONVERGÊNCIA

Na introdução esbocei as relações entre a obra de Dardel e a geografia humanista norte americana. Certamente foi Relph (1970) o primeiro a apontar a fenomenologia como aporte teórico-conceitual alternativo para os geógrafos interessados em estudar a “percepção” a partir de um ponto de vista distante do positivismo e do comportamentalismo. Esta busca pelo aporte fenomenológico, acompanhada de artigos introdutórios ao método (Tuan, 1971 e Buttimer, 1974, p. ex.), orientaram as pesquisas destes jovens geógrafos culturais por novos campos, onde o “lugar” era o conceito fundamental para uma nova aproximação geográfica da relação do homem com o ambiente. 6 Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. 978-85-99907-02-3

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O método fenomenológico era enfatizado como “um procedimento para descrever o mundo cotidiano da experiência imediata do homem, incluindo suas ações, lembranças, fantasias e percepções; ele não é um método de análise ou explicação de qualquer mundo objetivo ou racional através do desenvolvimento de hipóteses e teorias prévias”. (Relph, 1970, 193). Neste momento, posso afirmar, o autor ainda não tivera contato com o livro de Dardel. Ele afirma que os geógrafos, com a exceção de Sauer, não deram atenção à fenomenologia. Sua preocupação era com a construção de novas formas de ver a natureza pela geografia baseada visão holística da relação do homem com a natureza, derivada da noção de intencionalidade, e na crítica que a fenomenologia faz ao cientificismo e ao positivismo. Esta rejeição contrária as aproximações mecanicistas e quantitativistas, permitiria que a geografia reconhecesse e descrevesse as essências da estrutura perceptiva, valorizando o mundo da experiência humana. As considerações de Relph foram ouvidas e logo um pequeno grupo de geógrafos culturais e históricos se aprofundaram nos meandros deste método alternativo — em breve denominado humanista — que pretendia agrupar um coletivo que se dedicasse ao estudo das relações do homem com a natureza a partir desta nova ótica. A ótica seria a do “lugar”, eleito como objeto de estudo por Relph, quando elaborava sua tese defendida em 1973, e que seria rapidamente adotada pelos outros componentes deste coletivo. A tese de Relph, intitulada “The Phenomenon of Place”, seria editada na forma de livro três anos mais tarde (Relph, 1976). Ali o autor diferenciava espaço de lugar, a partir da experiência humana. Aqui a influência da obra de Dardel se faz sentir. Os espaços, todos adjetivados, uma vez apropriados, nomeados, se tornam lugares, ou melhor, os lugares, a partir das experiências antipredicativas, constituem os espaços. Assim, espaço primitivo, está ligado ao comportamento instintivo e à ação inconsciente; o espaço perceptivo é o espaço da ação centrado nas necessidades imediatas; e o espaço existencial ou espaço vivido (que pode ser interpretado como o lugar), é definido como: [...] a estrutura íntima do espaço tal qual nos aparece em nossas experiências concretas de mundo como membros de um grupo cultural, ele é intersubjetivo, e portanto permeia a todos os membros daquele grupo, pois estes foram todos socializados de acordo com o

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conjunto comum de experiências, signos e símbolos. (Relph, 1976, 12).

Relph observa que na vida cotidiana os lugares são experimentados como paisagem, como rotina, a partir das experiências pessoais com outras pessoas e com os artefatos que nos rodeiam. Assim: O lugar é o fundamento de nossa identidade como indivíduos e como membros da comunidade, o lugar onde habita o ser. O lar não é só o lugar em que você está feliz por viver, ele não pode estar em toda parte, não pode ser trocado, é um centro de significados insubstituível. (Relph, 1976, 39).

Aproxima-se aqui, e a seguir, o que escreve Relph do que enunciara Dardel: o lugar é o centro da ação e da intenção. Eles estão incorporados às estruturas da consciência humana a partir da experiência. Através deles a intencionalidade define objetos e eventos, ou seja, “lugares são essencialmente focos de intenção, que tem usualmente localização fixa e traços que persistem em uma forma identificável.” (Relph, 1976, 43). Pouco tempo após Relph defender sua tese, Tuan (1980), em 1974, publicou livro que marca o inicio uma investigação conceitual que seria importante para enunciação de um campo autônomo de pesquisa, a Geografia Humanista, dois anos depois. Sua busca era por “conceitos espaciais que fossem mais adequados do que o de "paisagem", utilizado usualmente pela Geografia Cultural, permitindo uma investigação com características mais subjetivas e antropocêntricas, além de adequar-se ao aporte filosófico fenomenológico, existencialista.” (Holzer, 1992, 125). Em “Space and Place: Humanistic Perspective” (Tuan, 1979), publicado em 1974. Tuan afirma que “espaço” e “lugar” são os conceitos que definem a natureza da geografia. Introduz também o tempo como conceito em constante interação com o espaço. O autor defende a importância de sua investigação: A importância do “lugar” para a geografia cultural e humanista é, ou deveria ser, óbvia. Como nós funcionais no espaço, os lugares sujeitam-se as técnicas da análise espacial. Mas como um único e complexo conjunto — enraizado no passado e crescendo no futuro — e como símbolo, o lugar clama pelo entendimento humanista. Na tradição humanista os lugares tem sido estudados a partir das perspectivas histórica e literário-artística [...] Nos falta, contudo, análise sistemática [...] Exceto a dissertação de Edward Relph, a literatura sobre este tópico — seguramente de importância central para os geógrafos — tem sido, e continua sendo, negligenciada. Aprendemos a apreciar a análise espacial, a erudição histórica e a fina

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prosa descritiva, mas o entendimento filosófico, baseado no método e ponto de vista dos fenomenologistas, ainda está além do alcance de nossos conhecimentos. (Tuan, 1979, 388-389).

Para Tuan tempo e espaço estão ligados pela noção de distância, ambos os conceitos orientados e estruturados pela intencionalidade do ser (Tuan, 1979, 390). Deste modo, espaço e tempo são inseparáveis na atividade locomotora, apesar de serem separáveis na fala e no pensamento. Ao espaço se contrapõe o lugar. Considerado como entidade única que tem significado e história que o identificam dos demais. Desse modo a personalidade do lugar associa a qualidade físicas da Terra às modificações trabalhadas por gerações. É exatamente esta associação que provê aos lugares um sentido e estabilidade. O lugar é um artefato único ligado às experiências humanas (Tuan, 1975, 151). Neste mesmo texto Tuan (1975, 152) afirma: “O lugar é um centro de significados construído pela experiência. O lugar é conhecido não somente através dos olhos e da mente, mas também pelos modos mais passivos e diretos da experiência. Esta investigação dos atributos do lugar culminaria em 1977 com a publicação do livro Space and Place: the perspective of experience (Tuan, 1983). Mas, seria em artigo posterior que Tuan deixaria entrever o peso da influência de Dardel: O lugar é uma pausa no movimento. Esta é uma relação entre tempo e lugar. A cidade é tempo tornado visível, esta é outra relação. Consideremos cada uma destas afirmações em breve comentário. O movimento exige tempo e ocorre no espaço: eles exigem um campo espaço-temporal. Lugar e movimento, no entanto, são antitéticos. Lugar é uma parada ou pausa no movimento — a pausa que permite a localização para tornar o lugar no centro de significados que organiza o espaço do entorno. (Tuan, 1978, 14).

Por outro lado, aqui se antevê um afastamento, se por um lado Tuan define o lugar, a partir de sua relação com o tempo como mudança direcional e repetição. Ele aqui se esquece para Dardel é a distância que qualifica o lugar e o relaciona com o espaço geográfico, com podemos ver no trecho seguinte: Que o espaço geográfico aparece essencialmente qualificado por uma situação concreta que afeta o homem, isto é o que prova a espacialização cotidiana que o espacializa como afastamento e direção. A distância geográfica não provém de uma medida objetiva, auxiliada por unidades de comprimento previamente determinadas. Ao contrário, o êxito de medir exatamente resulta desta preocupação primordial que leva o homem a se colocar ao alcance das coisas que o cercam. A distância é experimentada não como uma quantidade, mas

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como uma qualidade expressa em termos de perto ou longe. O que está perto é o que pode se dispor sem esforço, o que está longe exige um esforço e, implicitamente, um desejo de se aproximar. [...] O afastamento real, o que é geograficamente válido, depende dos obstáculos a serem vencidos, do grau de facilidade que um homem colocar um lugar ao seu alcance. Nos ocorre mesmo de sermos obrigados a tomar distância, a recuar, para colocar um cimo montanhoso ao alcance da nossa vista ou para fazer uma fotografia aérea. (Dardel, 1990, 12-13).

Podemos concluir que a Geografia Cultural, renovada em Geografia Humanista pelo método fenomenológico, é tributária direta em seus temas centrais da geografia proposta por Eric Dardel. O que pretendo a partir da análise destes vestígios é oferecer subsídios para que possamos avançar em nossas investigações a partir de dois aportes extremamente próximos de nossas questões contemporâneas, que certamente exigem a construção da ciência geográfica em novas bases.

REFERÊNCIAS

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