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A FAMÍLIA, INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO SOCIAL: REDESCOBERTA E CULPABILIZAÇÃO
André Sebastião Silva Machado1
RESUMO O presente artigo trata da redescoberta e culpabilização das famílias para com as ações de proteção social de seus membros a partir de um viés neoliberalista. A partir deste contexto se apresenta a minimização do Estado na atuação através de políticas públicas sociais em detrimento ao incentivo “caseiro e natural” da instituição família em “cuidar” de seus membros. Contudo tal estratégia vem se mostrando inexpressiva face o cotidiano realístico desses núcleos familiares, no qual a intervenção Estatal se apresenta mais do que necessária enquanto tutelador das necessidades sociais em detrimento dos necessitados sociais. Constatação que se traduz/reluz na efetivação de políticas públicas sociais, principalmente no que tange à Política Pública de Assistência Social. Palavras-chave: Família; Estado; Neoliberalismo; Política Social.
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Bacharel em Serviço Social pela Faculdade de Ciências Econômicas, Administrativas e Contábeis de Divinópolis/Faculdade Divinópolis – Faced/Fadiv – (2009), Pós-Graduado, nível de Especialização, em Gestão de Política de Assistência Social pela Faced (2011). Atualmente desenvolve suas atividades profissionais na qualidade de Assistente Social Forense como Servidor Público Efetivo do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – TJMG – na Comarca de Itapecerica/MG. Atuante nas áreas referentes à Infância e Juventude, Família e Cível. Responsável por implantar e coordenar o projeto “Rasa-Itapecerica”, uma proposta (de origem pioneira da Comarca de Divinópolis, através do dinamismo das Técnicos Judiciários Cleiciara, assistente social, e Regina, psicóloga) de reuniões mensais com os atores da rede socioassistencial municipal. Autor do artigo científico intitulado: “A assistência social a partir do eventual” publicado no rol dos trabalhos selecionados para o XII Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social – ENPESS – (realizado de 6 a 10 de dezembro de 2010 na cidade do Rio de Janeiro nas dependências da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ –). Contato:
[email protected].
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1 INTRODUÇÃO O enaltecimento da instituição família, enquanto fiel e natural instrumento para com a promoção, proteção e garantia dos direitos sociais inerentes aos viventes, principalmente com relação aos seus membros, (re) surge com ênfase a partir da década de 70, ponto histórico e contextual que demarcamos como circunstancial para o momento desta análise e tentativa de aprofundamento e contribuição com relação ao tema por ora tratado. A família é, portanto, convidada e/ou lhe imputada a consistente responsabilidade, quase totalitária, de procurar e dever prover um “estado” de bem-estar, social, material, moral, econômico.... aos membros que a estabelecem. Em sendo assim, explanaremos, à luz dos pensadores que contribuíram e contribuem na lide deste tema, sobre a importância imputada às famílias, sobretudo as brasileiras, neste contexto neoliberal, no qual a figura feminina é centrada em destaque, sendo a mulher, assim como seus grupos familiares, os “neo-sacrificados” pelo sucesso para a proteção social “cidadã”. É relevante observarmos na sequência o quanto as políticas voltadas para o tocante a família se demonstram replicantes e muitas vezes reprisadas de fundamentação ideológica descontextualizada. Tal Fato que as caracteriza no fundamento da argumentação de protelação e culpabilização dos atores que deveriam ser protegidos e patrocinados. Por fim, uma convocação ao clamor de uma política pública de proteção social que vislumbre a família enquanto sujeito a exercer e gozar dos direitos plenos de cidadania a ele inerente.
2 O REDESCOBRIMENTO DA FAMÍLIA: NEOLIBERALISMO, ESTADO, PROTEÇÃO SOCIAL E SOCIEDADE
A família se tornou mais visível, como elemento central, no apoio aos diversos modelos de Estado de Bem-Estar Social, a partir da discussão proposta pelas “feministas sobre o potencial emancipatório das políticas sociais para as mulheres nos anos 70”
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(GOLDANI, 2002, p. 34). Fato que se agrega à crise econômica mundial assentada no fim destes anos, momento no qual, segundo Pereira-Pereira (2006), vem se redescobrindo a família enquanto um promissor e latente agente privado/domiciliar/íntimo de proteção social de seus membros. Proteção esta, que se propõe a prever, em quase todas as agendas governamentais, medidas de apoio ao núcleo familiar com ênfase às crianças. Agendas que se pautam em campanhas de publicidade e “conscientização” familiar com orientações pré-nupciais, combate à violência doméstica, à vadiagem, à gravidez na adolescência, à drogadição e abusos sexuais. Há, também como foco, aconselhamentos e auxílios: ajuda material aos pais e ampliação das visitas domiciliares às famílias por agentes oficiais (Estado), programas de redução da pobreza e do trabalho infantil, além de programas de valorização da vida doméstica: conciliamento do trabalho remunerado dos pais com a vida no âmbito doméstico. Alguns países dão especial suporte material às famílias monoparentais com crianças e dependentes adultos. Outros incentivam a reinserção da mãe trabalhadora no tradicional papel de “dona de casa”, com o chamativo apelo da importância do cuidado direto materno na criação saudável dos filhos. [...]. Essas políticas, por sua vez, assumem não só a forma de provisão de benefícios e serviços, mas também de tributos, seja para arrecadar recursos, e criar fundos públicos, seja para promover subsídios e isenções fiscais; de leis ou normas referentes ao casamento, divórcio, comportamento sexual, controle da natalidade, aborto; e de segurança social, relacionadas à saúde, à educação, à habitação e ao emprego (PEREIRA-PEREIRA, 2006, p. 26-27).
Faria (2001) menciona que para um melhor entendimento das políticas direcionadas às famílias, as quais chama de “políticas familiares”, necessitamos compreendê-las como políticas
públicas
sociais,
e
distingui-las
entre
políticas
implícitas/diretas
e
explícitas/indiretas. As políticas implícitas seriam aquelas que proporcionam certo impacto sobre a família, apesar de não ser este seu objetivo principal. Já as explícitas seriam aquelas cujo público-alvo é a família, com objetivos específicos a serem atingidos. A título de exemplificação menciona três áreas (principais) de intervenção pública concernentes às famílias, que parecem se adequar sob a consideração de políticas diretas para a família. A primeira se refere a regulamentação legal do comportamento familiar, trata das leis referentes ao casamento e ao divórcio; ao comportamento sexual; à contracepção e ao aborto; além de fazer referência aos direitos e obrigações dos pais quanto à proteção da criança. A segunda trata de políticas de garantia da renda familiar, como deduções nos
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impostos, nos benefícios monetários para famílias e crianças, licenças e benefícios para os pais, quando do nascimento e/ou doença dos filhos, e a obrigatoriedade de concessão de pensões alimentícias. Já a terceira área, se atém a provisão de serviços para a família, como provisão de creches e demais serviços correlatos, subsídio público para o pagamento do aluguel ou para a aquisição da casa própria e serviços sociais públicos e/ou comunitários. Apesar de tais tendências, não podemos confirmar a existência propriamente dita de uma política voltada para a família em muitos dos países capitalistas de centro, e muito menos naqueles tidos enquanto periféricos, a exemplo o Brasil. Tal afirmação é feita no sentido de levarmos em consideração o entendimento de uma política, enquanto um conjunto de ações coerentes, deliberadas e confiáveis, as quais são assumidas pelos poderes públicos com o intuito de promover a cidadania, além da produção de impactos sobre a estrutura e recursos das famílias (PEREIRA-PEREIRA, 2006).
Está certo que definições de política de família tendem a estar impregnadas de particularismos culturais. Assim, da mesma forma que não existe um padrão homogêneo de política social, e mesmo de Welfare State, não há também um único padrão de política familiar. Na verdade, os Estados nacionais variam muito nas suas intervenções sociais. No tocante à família, a Inglaterra, por exemplo, nunca teve uma explícita política [...]. Em compensação, [...], na Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Portugal e Espanha, há essa explicitação. Alguns desses países, como a Alemanha e a França, têm, inclusive, um Ministério da Família (PEREIRA-PEREIRA, 2006, p. 27).
Assim como as diferenças nos padrões de políticas sociais, das formas de intervenção dos Estados de Bem-Estar Social, além da impregnação de particularidades das definições de políticas para família, ressalta-se que na dinâmica econômica (crise do petróleo, reflexos do milagre econômico brasileiro e implantação do neoliberalismo) acorrida no contexto do redescobrimento da família como instituição “natural” de proteção social, sobretudo no Brasil, acarretaram e afetaram todas as famílias e seus membros de formas diferenciadas, apesar do ambiente comum de transformações e precarizações (GOLDANI, 2002). Neste contexto, a autora relata que coube às mulheres, na grande maioria das famílias, responsabilizar-se pelo alto custo social deste processo de mudanças. Sobretudo naquelas famílias em processo de formação e expansão precário quanto aos seus membros no referente a constituição de mão-de-obra, bem como as chefiadas por mulheres e com filhos pequenos.
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Ao mesmo tempo, confirmou-se a importância de grupos que ultrapassam os limites do domicílio (redes sociais de parentes, amigos, vizinhos) como parte fundamental das estratégias para enfrentar as dificuldades e escassez de recursos materiais entre as famílias [...] (GOLDANI, 2002, p. 34).
Dessa forma, podemos perceber o desenho de uma lógica na qual a atuação do Estado começa a se assentar com caráter de atuação mínima, apesar do discurso propagado pela nova ordem política econômica (neo) liberalista, na qual, a família é compreendida como a instituição mais importante do humano, local em que este recebe estabilidade e segurança em um mundo de transformações rápidas. Além disso, é fato empírico que a redescoberta da família não propiciou a produção de conhecimentos e de métodos de captação da realidade, capazes de descartar falsas visões ainda existentes nas chamadas políticas de família [...]. Por exemplo, [...], ainda prevalece uma “visão idílica” da família, das comunidades locais e de grupos informais, que deverão funcionar como fontes privadas de proteção social, tais como as que existiam a cinqüenta anos. [...] essa visão prejudica a obtenção de um conhecimento mais realista da possibilidade de a família vir a assumir um decisivo papel de apoio aos indivíduos numa sociedade em rápida mutação. Isso sem falar do equívoco da recuperação de antigos encargos domésticos, incluídos nos planos governamentais sob o nome de solidariedade informal, os quais, por recaírem mais pesadamente sobre as mulheres, incompatibilizam-se com o atual status de cidadã autônoma e de trabalhadora conquistado por esse segmento (PEREIRA-PEREIRA, 2006, p. 28).
Por isso, que no entendimento de Faria (2001), a política para a família pode ser definida em um campo que implica a apresentação precisa e clara de certos objetivos relativos a mesma. Objetivos, que variarão de acordo com cada época e/ou contexto Estatal, que podem ir desde a garantir uma maior ou menor taxa de natalidade, passando pela diminuição dos custos na criação dos filhos, e culminando com a intencionalidade de uma maior igualdade entre homens e mulheres e vice e versa. Para Medeiros (2000) há outra maneira de se pensar a relação entre família e política social, para o qual destacam-se, dentre outras, três formas de se abordarem essas relações, vejamos: a) tomar as famílias como objeto das políticas sociais; b) tratá-las como instrumentos das políticas públicas; e c) entendê-las como instituição redistributiva.
No caso da primeira forma, as políticas são entendidas como meios para se obter determinados padrões familiares como, por exemplo, as que favorecem famílias menores por meio do controle da fecundidade, como as campanhas, explícitas ou não, para evitar que mulheres muito jovens ou mulheres solteiras tenham filhos, ou medidas que visem dificultar a dissolução das uniões conjugais, como a
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proibição do divórcio. A segunda maneira é tratar as famílias como instrumento das políticas públicas, situação em que membros das famílias são usados para gerenciar, fiscalizar ou mesmo executar determinados serviços como, por exemplo, pais que administram ou fiscalizam o uso de fundos públicos recebidos pelas escolas de seus filhos, ou filhos que se encarregam dos cuidados de saúde de seus pais em uma internação doméstica apoiada pelo Estado. A terceira é entender as famílias como uma instituição redistributiva que pode reduzir ou potencializar as políticas sociais orientadas a indivíduos. Famílias podem tanto agregar recursos próprios aos fornecidos pelo Estado em determinada política, favorecendo ainda mais seus objetivos, quanto agir no sentido contrário, distribuindo a um determinado membro uma quantidade menor de recursos quando este já recebe algum benefício estatal. Como instituições redistributivas, a relação das políticas sociais com as famílias pode até mesmo funcionar no sentido de criar efeitos diversos dos esperados com determinada medida. É o caso, por exemplo, do sistema de Previdência Rural, cujos recursos, em tese destinados ao consumo na velhice, costumam ser usados para financiar a pequena produção familiar (MEDEIROS apud FARIA, 2001, p. 50-51).
Apesar dessas diretrizes, objetivações para o direcionamento de políticas voltadas para as famílias, antes e após a Carta Constitucional de 1988, “sempre se beneficiaram da participação autonomizada e voluntarista da família na provisão do bem-estar de seus membros” (PEREIRA-PEREIRA, 2006, p. 29). Desse modo, fica difícil, segundo a autora, falar da existência de uma política familiar que tenha produzido impactos positivos nos âmbitos familiares. Tal tendência que fora reforçada e legitimada com a extensão para o Brasil, de forma encampada pelo ideário neoliberal hegemônico Europeu e Norte-Americano, da concepção conservadora, principalmente a partir dos anos de 1980. Nesta concepção, a família e a sociedade devem compartilhar com o Estado certas responsabilidades, anteriormente delimitadas ao poder público, cristalizando, assim, o que anteriormente já era uma prática constituída (implícita) em algo embasado em ações de modernidade. Tal lógica vislumbrava uma participação mais ativa da iniciativa privada (mercantil e não mercantil) na provisão social, no intuito de substituição ao modelo Estatal rígido de proteção social, momento em que percebe-se a mobilização, por força da política neoliberal, pela ingerência primeira do Estado [fomento a privatizações] na prestação de serviços e bens. Então, “mesmo sem se ter claro ‘quem’ na sociedade deveria assumir responsabilidades antes pertencentes ao Estado, ‘quem’ e ‘com que meios’ financiaria a provisão social [...] foram concebidas fórmulas que exigiam da sociedade e da família considerável comprometimento” (PEREIRA-PEREIRA, 2006, p. 31).
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A este estado de comprometimento, Mishra (1995),
conceitua
de
Sociedade Providência ou de
Bem-Estar.
condição
instiga
Esta a
entender à grande parte da opinião pública, através de influências teóricas [teóricos como Rein e Rainwater] e socialistas/comunistas [Karl Marx], o “desvanecimento das fronteiras entre as esferas pública e privada, para defenderem uma abordagem holística que ‘examinasse todas as formas de proteção, independentemente da esfera que as administra, financia ou controla’”. Tal entendimento modelar, apesar de não ser totalmente novo, distancia sobremaneira “da análise pioneira de Titmuss, datada dos anos de 1960, sobre a divisão social do Welfare, como uma crítica contundente à mistura assistencial – já presente em sua época – e às avaliações positivas a respeito da mesma” (PEREIRA-PEREIRA, 2006, p. 32-33).
2.1 A divisão social do bem-estar
No sentido de melhor compreensão e apreensão da contribuição trazida por Titmuss, sobre a análise da divisão social do Figura 1 – Filho da África, irmão nosso. Google, 2011. (Intitulado pelo autor)
bem-estar, compilaremos a mesma em uma marcação única, isso de acordo com a visão de Pereira-Pereira (2006, p. 33) citando Johnson (1990), comecemos:
Para Titmuss, no estudo da política social é essencial considerar a divisão social do bem-estar em três categorias principais: o bem-estar social, o bem-estar fiscal e o bem-estar ocupacional. O bem-estar social compreende o que tradicionalmente era qualificado na Grã-Bretanha [país de Titmuss] como serviços sociais: transferências de renda, cuidados de saúde, serviços sociais pessoais, trabalho, emprego, serviços de educação. O bem-estar fiscal compreende uma ampla gama de subsídios e isenções de impostos sobre a renda. E o bem-estar ocupacional inclui benefícios e serviços sociais derivados do trabalho, como: pensões, pecúlios, aposentadorias. A importância dessa categorização é que, sem ela, ter-se-á uma idéia falsa da política social pública, se os serviços sociais tradicionais e os gastos
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com os mesmos constituírem as únicas medidas a serem consideradas. Há países, como os Estados Unidos e o Japão, que investem pouco em serviços sociais, mas privilegiam o bem-estar ocupacional. Portanto, para se poder conhecer o perfil da política de bem-estar adotada por diferentes países, ou grupos de países, é necessário ter em mente a “divisão social de bem-estar” realmente existente.
Para Mishra (1995, p. 104) o pluralismo de bem-estar contemporâneo “é muito mais do que uma simples questão de decidir quem pode fazer o melhor [Estado ou sociedade] em termos de vantagens comparativas na produção de serviços de bem-estar”. É também, e principalmente, uma estratégia de esvaziamento da política social como direito de cidadania, já que, com o arrefecimento entre as fronteiras do que é público ou privado, se expande a possibilidade da privatização das responsabilidades públicas, acarretando a possibilidade de quebra da garantia de direitos outrora consumados. Além dessas caracterizações, o modelo ou doutrina do pluralismo social pode ser entendido como um interagir de diferentes iniciativas tanto públicas quanto privadas. Em que as iniciativas ou ações são executadas por parceria entre Estado, sociedade civil e mercado. Características, arranjos que trazem consigo para o debate atual, iniciado no fim dos anos de 1970, conceitos como: descentralização, participação, controle social, parceria ou co-responsabilidade, solidariedade, relação das esferas pública e privada, sociedade providência, auto-sustentabilidade, entre outros (MIOTO, 2006). Porém, Pereira-Pereira (2006) citando Habermas (1981), pondera no sentido da dotação de responsabilização pela provisão social de acordo com essa tríade que se desenha – Estado, Mercado e Sociedade – tanto o Estado quanto o mercado “denominados por Habermas de “reino do sistema” [...], cedem cada vez mais espaço à sociedade (o “reino da vida”, segundo o mesmo autor) para que esta exercite a sua “vocação solidária” e emancipese da tradicional colonização do Estado. Considerada célula mater da sociedade ou a base sobre a qual outras atividades de bem-estar se apóiam, a família ganhou relevância atual justamente pelo seu caráter informal, livre de constrangimentos burocráticos e de controle externos. [...]. Há preponderantemente, o desenho espontâneo de cuidar e a predisposição para proteger, educar e até para fazer sacrifícios. Isso não poderia parecer mais favorável a um esquema de bem-estar que, como o pluralismo, valoriza e explora a flexibilidade provedora, as relações de boa vontade e o engajamento altruísta (PEREIRA-PEREIRA, 2006, p. 36).
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Além disso, as diversidades familiares, assim como a necessidade das diversas políticas públicas sociais voltadas para as famílias, como um dos dificultadores de se imputar, exclusivamente, ou quase dessa forma, à sociedade, a quase autonomia da proteção social. Neste Contexto, segundo Sposati (2004), o movimento de desprofissionalização dos serviços sociais em detrimento do voluntariado, acomete um retardo na difusão e massificação da assistência social enquanto política pública e direito a quem dela necessitar, de caráter não contributivo, e independentemente da condição socioeconômica. Além de afrontar norma Legal Federal – Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993 – no sentido de desconhecer a assistência social como de direito e não traduzida ou trazida como benemerência, caridade e filantropia, características comuns a sua gênese. Isso porque a construção, elaboração de políticas sociais, seja para as famílias ou não, podem e devem passar pelas colaborações argumentativas de profissionais e instituições compromissadas e engajadas com o contexto vivencial dos possíveis demandantes dessas políticas. É por isso que, como diz Johnson (1990), o objetivo da política social em relação à família, ou ao chamado setor informal, não deve ser o de pressionar as pessoas para que elas assumam responsabilidades além de suas forças e de sua alçada, mas o de oferecer-lhes alternativas realistas de participação cidadã (PEREIRA-PEREIRA, 2006, p. 40).
Nesse sentido, a relação entre Estado e Família foi marcada, ao longo dos tempos, inclusive no Brasil, pela manutenção do Estado como fonte de elaboração e controle de normatizações no tocante às famílias. E que essa construção, apesar de contraditória, no entendimento da autora, formulou uma parceria que garantisse a reprodução social. Dessa forma, a construção histórica do binômio políticas sociais/família fora permeada por uma ideologia, na qual as famílias, sem se considerar suas condições objetivas de vivência e as especificidades do convívio intrafamiliar foram elencadas ao dever de serem capazes de cuidar e proteger seus membros (MIOTO, 2006). Tal crença pode ser considerada como um instrumento embasador dos processos de elaboração das intervenções propostas para a assistência social. Este Fato permitiu “estabelecer uma distinção básica para os processos de assistência às famílias, a distinção entre famílias capazes e famílias incapazes” (MIOTO, 2006, p. 51). Tendo por capazes aquelas, através da via do mercado de trabalho e organização intrafamiliar, conseguissem
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desenvolver e desempenhar de maneira exitosa as funções e ações que lhes são atribuídas socialmente. Já no outro viés, aquelas compreendidas enquanto “incapazes”, se posicionariam na qualificação daquelas que não conseguiram promover nem patrocinar as funções que lhes foram atribuídas pela sociedade com relação à proteção social de seus membros. Sendo por parte do Estado, a necessária intervenção, interferência a fim de que tal proteção, promoção “venha a acontecer”. Contudo, segundo a autora, tal categorização é usada apenas para efeito de exposição, uma vez que, na realidade ainda não encontramos famílias totalmente suficientes, assim como dependentes. E acrescenta que tal construção categórica no entendimento das demandas e mazelas sociais que perpassam certas famílias, em certos períodos (prolongados ou não), em “capazes ou incapazes, sãs ou doentes, normais ou anormais se encontra fortemente arraigada tanto no senso comum como nas propostas dos políticos e dos técnicos responsáveis pela formulação de políticas sociais e organização de serviços” (MIOTO, 2006, p. 51). Fato que pode desencadear a formulação de propostas interventivas que trazem em seu bojo a intencionalidade, ideológica, de se ater a emergencial necessidade do ser vivente em detrimento do complexo refletir quanto às necessidades sociais que afligem uma determinada conjuntura. Visão e condição na qual se vislumbra o necessitado social e se aparta as necessidades sociais da coletividade, é que vem sendo rebatida ou cotidianamente combatida pelos profissionais Assistentes Sociais, principalmente, mas não exclusivamente, a partir da Constituição de 1988 – o marco legal da Assistência Social enquanto Política Pública no âmbito da Seguridade Social Brasileira. O que mostra uma constante reinvestidura contra as “ondas” conservadoras neoliberalizantes, que se mostram frequentes em intencionalidade na precarização dos direitos sociais e minimização do Estado (NETTO, 2001). Portanto, é a partir do pensamento de Netto (2001) que nos remetemos à orientação expressa pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS), com referência primaz à família, e que Mesquita et al ([S.d.]) trazem da seguinte maneira: A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) orienta-se pela matricialidade sócio-familiar, entendida como um dos eixos estruturantes do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), cujo modelo de gestão reconhece as pressões e os processos de exclusão socioculturais a que as famílias brasileiras estão submetidas. Nessa perspectiva, a “família constitui-se no espaço privilegiado e insubstituível de
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proteção e socialização primárias, provedora de cuidados aos seus membros”. Isso significa sua “centralidade no âmbito das ações da política de assistência social” e que deve estar “condizente com a tradução da família na condição de sujeito de direitos”, conforme a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a LOAS e o Estatuto do Idoso (MESQUITA et al, [S.d.], p. 11-12).
Para a efetivação da família enquanto sujeito de direitos é que rememoramos, neste momento, a necessidade e atuação dos Centros de Referência de Assistência Social – CRA’s – , conhecidos também como “Casas das Famílias”. Tal equipamento, assim expressa Mesquita et al ([S.d.], p. 12), se encontra localizado na Proteção Social Básica, “é de caráter preventivo e se organiza de forma sistemática e intersetorial no trabalho com famílias moradoras de áreas mais vulneráveis da cidade.” Ao observarmos a fundamentação de critérios para a instalação de um Centro de Referência de Assistência Social em determinada localidade, percebemos a afirmação feita por Mioto (2006), acima, quanto esta explana sobre a categorização das famílias. Mas, neste caso, em um sentido de indicador pautado na vulnerabilidade social, que a partir do qual, busca-se o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários com integração de dois eixos: assistencial e socioeducativo.
O primeiro refere-se ao apoio efetivo prestado à família e aos seus membros, através da potencialização da rede socioassistencial e do acesso aos serviços básicos a que têm direito. O Segundo está voltado para o trabalho com as famílias – entendidas como sujeitos sócio-culturais, com suas histórias e projetos – com as quais se desenvolve uma reflexão sobre seu cotidiano e suas diversas formas de organização, sejam elas do ponto de vista “estrutural”, “funcional” ou “relacional” (MESQUITA et al, [S.d.], p. 17).
Salientamos que a organização do ponto de vista estrutural busca referência à situação socioeconômica e de inclusão na rede de serviços [tanto na política social quanto na política urbana]. É neste momento que se desenvolve “atividades de encaminhamento e acompanhamento de casos, visitas e articulações institucionais, bem como visitas domiciliares, reuniões intersetoriais, dentre outras ações de rede” (MESQUITA et al ([S.d.]), p. 17). Na organização funcional trata-se da dinâmica do cotidiano familiar, que cobre desde a divisão de tarefas e economia doméstica, até o cuidado com os membros familiares. Já a relacional aborda a questão dos vínculos intrafamiliares conjuntamente com a família e a família extensa e a comunidade – desde relações de gênero e de gerações até facilidades e
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dificuldades com relação à promoção ou não dos direitos de seus membros (MESQUITA et al ([S.d.]).
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A família ou famílias, independentemente de seus arranjos ou organizações concentram a motriz para o desenvolvimento e (re) estruturação da mobilidade de uma sociedade, sobretudo, em um contexto em que o imperialismo do consumo rege as relações entre os pares sociais. Contudo, clama-se a entender ou pelo menos à quisa de sensibilização, que a dinâmica da competitividade do sistema socioeconômico capitalista não se mostra, até então, uma estratégia condizente a reger as relações intrafamiliares nem destas com o Estado, sendo com este, mediadas através de políticas públicas. Políticas estas que trazem, em sua maioria, as demandas implícitas de uma ordem neoliberalizante, na qual as transferências das obrigações do tido “Estado Protetor” são compartilhadas de maneira assimétrica entre Estado e sociedade – a família. Portanto, torna-se presumível, ao depararmos com as várias argumentações feitas pelos autores supra, que a imputabilidade ou transferência para as famílias, com os cuidados zelosos com seus membros e por consequência com a sociedade, não pode ser compreendida ou aceita como, em oportunas ocasiões, uma culpabilização da família pelo “descontrole”, mazelas, precarizações que permeiam e assolam a sociabilidade, sobretudo a particularidade brasileira. Diante disso, podemos observar que o redescobrimento da família se coloca muito além de sua importância como núcleo primeiro da socialização e fonte de reprodução e produção social. Mostra-se como um importante instrumento institucional de reorganização das forças produtivas baseada na política neoliberal, com ampla fomentação a minimização do Estado, acarretando, assim, a precarização dos mínimos sociais e, ao mesmo tempo, difundindo o pluralismo de bem-estar, no qual a sociedade é co-responsável, ou mais do que isso, pela provisão social.
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REFERÊNCIAS
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