Da era fordista ao desemprego estrutural da força de trabalho: mudanças na 1 organização da produção e do trabalho e seus reflexos Vinicius Correia Santos2
Introdução Como conseqüência da reestruturação produtiva do capitalismo na década de 1970, observou-se transformações nas formas de organização do trabalho no espaço de produção fabril. O presente artigo analisará essas transformações a partir da visão do pensamento marxista sobre a lei de tendência da queda da taxa de lucro. Para tal feito, a investigação centrou-se na mudança na forma de organização do trabalho e da produção e suas conseqüências para o Estado, os capitalistas e os trabalhadores. Verificando mudanças crucias a partir do fordismo (como racionalização do trabalho) e do keynesianismo (como regulação econômica) para o toyotismo (regulação da produção e do trabalho) e a acumulação flexível (regulação econômica). Nesse sentido, vamos trabalhar a temática a partir de quatro eixos fundamentais que compreendem essas transformações. No primeiro eixo, apresenta-se o que foi o fordismo, destacando o que ele trouxe para a organização do trabalho; no segundo, evidencia-se o compromisso fordista enfocando as relações entre Estado – capitalistas – trabalhadores que levaram a queda na taxa de lucros; no terceiro, discute-se o que é o toyotismo e suas mudanças fundamentais para a regulação da produção e do trabalho; e no último eixo apresenta-se a acumulação flexível e suas principais conseqüências. Pretende-se com isso, mostrar o que Marx escreveu no séc. XIX como contra tendência a queda da taxa de lucro foi usado na reestruturação produtiva do capitalismo no séc. XX. 1 Fordismo O fordismo começou quando Henry Ford modificou o processo artesanal de produção de carros com a implantação do sistema taylorista na linha de montagem, ou seja, racionamento do trabalho que permitiu uma produção em massa de produtos homogêneos. O modelo taylorista é uma forma de organização do trabalho humano baseado na ciência, que tem como base o parcelamento extensivo das atividades e tarefas, formas de supervisão e controle despóticas, além da desqualificação da força de trabalho pela extrema separação entre as tarefas de concepção e de execução. Esse trabalhador desqualificado e parcelado é o chamado operário massa, que para Bihr (1998) não passa do apêndice de todo o sistema mecânico, ou seja, o “corpo morto do capital”. O fordismo se apoiou em cinco transformações, são elas: 1) produção em massa, 2) parcelamento das tarefas, 3) criação da linha de montagem, 4) padronização das peças, 5) automatização das fabricas. O resultado dessas cinco transformações na organização produtiva é que antes de Ford era necessário 12:30 horas em média para construir um veículo. Após a 1
Artigo submetido ao VI Colóquio Internacional Marx e Engels nas seções de comunicações do Grupo Temático 9 - Trabalho e produção no capitalismo contemporâneo, no ano de 2009. 2 Economista, mestrando em Planejamento para Desenvolvimento na Universidade Federal do Pará (UFPA). Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará (FAPESPA). E-mail:
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2 introdução do taylorismo com sua racionalização e parcelamento das atividades, o tempo vai para 5:50 horas, logo depois com o treinamento dos operários cai para 2:38 horas e em 1914 Ford automatiza as primeiras linhas de montagem e o tempo cai para 1:38, o que significa oito vezes menos do que o esquema artesanal (GOUNET, 1999). Nota-se aqui, a intensificação e o aumento de produtividade do trabalho, causado pelo método cientifico taylorista de parcelamento das atividades. Como conseqüência, Ford conquista o mercado norte-americano e depois o mundo. Seus lucros saltam de 2 para 250 milhões de dólares no período de 1907-1919 (GOUNET, 1999). Neste sentido, o fordismo-taylorismo se espalhou para todo o sistema produtivo como forma de organização da produção e do trabalho, que teve como elementos básicos a linha de montagem, produção em massa, produtos homogêneos, consumo de massa, controle do tempo e movimentos do operário, existência do trabalho parcelado, separação entre elaboração e execução no processo produtivo e desqualificação do trabalhador. E essa forma de organização do trabalho é a marca do período de crescimento e expansão do pós-guerra que vai de 1945-1973, conhecida como a “Era de Ouro” do capitalismo. Sendo a época do surgimento de uma nova institucionalidade para garantir a reprodução do capital, mas para manter o capitalismo, nessa época, foi necessário incorporar as massas, ou seja, oferecer aos trabalhadores estabilidade no emprego, direitos previdenciários, saúde, educação etc. É nesse cenário, após a Segunda Guerra Mundial, que começou uma nova estrutura social e econômica, conhecida como o compromisso fordista, na qual o Estado, capital e trabalhadores assumiram esse compromisso para garantir o capitalismo como sistema de produção, reprodução e dominação social. 2 O compromisso fordista e a queda da taxa de lucro Antes de tudo, o compromisso fordista não foi feito entre dois indivíduos, ou qualquer relação contratual entre duas ou mais pessoas. Como também ele não foi resultado de vontades livres que se enquadram naturalmente, mas esse compromisso foi firmado entre intermediários organizacionais e institucionais que lhes serviram de representantes, ou seja, as organizações sindicais, organizações patronais e entre eles e o Estado como “regulador” desse acordo. Em primeiro lugar, esse compromisso foi “imposto” a cada um dos protagonistas pela própria dinâmica anterior do capitalismo, ou seja, pelas lutas de classes que foram marcadas o século XIX entre burguesia e proletariado3. Em segundo lugar, onde foi declarado oficialmente esse compromisso, especialmente os países da Europa setentrional, resultou em um processo ilusório para seus protagonistas. Porque ele veio para apaziguar as disputas anteriores entre as classes, ilusão no sentido que o capitalismo levaria ao sufrágio universal. E por fim, esse compromisso não acabou com a luta de classe entre burguesia e proletariado. Pois, nesse sistema os trabalhadores não conseguiram sua independência. Do ponto de vista dos trabalhadores, esse compromisso pode ser visto como uma barganha, ou seja, ele trocou a “luta revolucionária” (a emancipação) pela seguridade social (redução do tempo de trabalho, saúde, educação, entre outras satisfações fundamentais), permitindo assim, a burguesia deter o conflito com o 3
O primeiro movimento organizado foi a Primeira Internacional que teve um esforço de alcançar uma eficiência política para derrubar o capitalismo, vale destacar a Comuna de Paris (a tomada de Paris pelos operários que dura 72 dias, logo são sangrentamente massacrados pelo exercito francês) e o papel de Marx como o principal teórico do movimento comunista.
3 operariado, ao mesmo tempo podia controlá-los, através do Estado, ao negociar tais “satisfações”. Um exemplo dessa “negociação” entre trabalhadores, Estado e burguesia aconteceu nos EUA, conforme relato de Harvey (1992, p.128): “os sindicatos ganharam considerável poder na esfera da negociação coletiva nas indústrias de produção em massa, preservaram algum controle dentro das fábricas sobre as especificações de tarefas, sobre a segurança e as promoções, e conquistaram importante poder político (embora nunca determinante) sobre as questões como benefícios da seguridade social”. Esse poder (tanto político, como de organização de classe) faz dos sindicatos os porta-vozes dos anseios proletários para ter uma vida melhor, e ao mesmo tempo tornou o capitalismo mais democrático e igualitário. E o Estado assegurou as conquistas da classe operária, ao mesmo tempo em que servia de centro dinâmico de acumulação do capital (keynesianismo4). Sendo assim, o Estado Moderno Capitalista era sem dúvida, o único a garantir a reprodução do capital nesse período, e ao mesmo tempo incorporar as massas, pois ele é produto da própria forma mercadoria, uma vez que ele só pode ser concebido dentro da forma mercadoria. Assim, o Estado Capitalista é o que sustenta o capitalismo e vice-versa. Conseqüentemente, o capitalismo se desenvolveu nos países centrais com fortes taxas de crescimento econômico e com melhorias das condições de vida da classe trabalhadora. A aliança do fordismo com o keynesianismo se expandiu mundialmente, e o capitalismo se dedicou a um surto de expansões internacionalistas de alcance mundial (HARVEY,1992). E assim, o fordismo-keynesianismo se tornou hegemônico como modo de racionalização do trabalho e regulação econômica. Pois ao mesmo tempo em que conseguia melhorias para a classe trabalhadora, neutralizava os conflitos que questionavam o modo de produzir capitalista. Ao se expandir e se complexificar, o fordismo com seus produtos homogêneos não era mais capaz de atender a demanda da sociedade cada vez mais heterogênea5. Com o crescimento lento e queda das taxas de lucro o fordismo-keynesianismo entrou em uma recessão econômica generalizada. Essa crise do fordismo-keynesianismo como regulação e reprodução capitalista, de acordo com o pensamento de Marx (1984), é explicada pela lei da queda tendencial da taxa de lucro. Porque, segundo Marx, com o desenvolvimento do capitalismo há modificações na composição orgânica do capital6, há um aumento do capital constaste em relação ao capital variável que pode levar a uma queda da taxa de lucro geral. Para Marx (1984) a taxa de lucro é dada pela expressão m/C (Tx de lucro = m / C), onde m é a mais-valia7 e C o capital global (capital variável + capital constante). Marx vai demonstrar que com a reprodução do capitalismo o capital variável 4
Modalidade de intervenção do Estado na vida econômica. “O período fordista é, assim, marcado por um desdobramento da antiga classe operária: de um lado, a camada dos operários qualificados, herdeiros dos operários de ofício, constituindo uma ‘aristocracia operária’ por ser a principal beneficiária do compromisso fordista, bem representada e bem definida pelas organizações sindicais das quais forma a base; de outro, o contingente crescente dos operários desqualificados, que suportam toda carga do fordismo na fábrica, beneficiam-se muito pouco de suas vantagens fora da fábrica, e são mal integrados nas organizações sindicais e mal defendidos por ela […]” (BIHR, 1998, p.52, grifo do autor). 6 Consiste na relação entre o valor do capital constante (máquinas equipamentos, matérias-primas, etc.) e capital variável (parte do capital destinada à compra da força de trabalho) dentro do processo de produção capitalista. 7 Valor do trabalho não pago ao trabalhador, isto é, na exploração exercida pelos capitalistas sobre seus assalariados. 5
4 tem tendência a diminuir ou continuar na mesma magnitude, por causa do desenvolvimento das forças produtivas (leia-se tecnologia, por conta da concorrência inter-capitalista). Esse desenvolvimento fará com que tenha menos trabalho nas mercadorias (menos capital variável), e mais capital constante, que implica num aumento do capital global. Com o aumento do capital global, vai haver uma diminuição da taxa de lucro que é expressa pela relação m/C (↓Tx de lucro = m / C↑). Isso tudo acontece se a taxa de mais-valia continuar a mesma proporção, ou diminuir, em relação à etapa de produção inicial8. Sendo assim, Marx (1984, p.163) escreve que modificações “na composição orgânica média do capital global pertencente a determinada sociedade, crescimento paulatino do capital constante, em relação ao capital variável, ter necessariamente por resultado uma queda gradual na taxa de lucro geral”. Para Marx (1984) a mudança na composição orgânica do capital ocorre por conta da concorrência entre os capitalistas, dentro do processo de reprodução do capitalismo. Essa mudança está relacionada com o desenvolvimento das forças produtivas, ou seja, pela mudança tecnológica, que é a regra básica dos capitalistas para preservar os mercados e os lucros. Isso, Marx já tinha escrito no Manifesto do Partido Comunista, quando afirmou que “a burguesia não pode existir sem revolucionar continuamente os instrumentos de produção” (MARX; ENGELS, 2004, p.48), e essa busca por instrumentos que mudam as formas de produzir é uma característica intrínseca do capitalismo. Katz (1996, p.10) afirma que em “uma economia estruturada em torno do mercado submete a uma inesgotável rivalidade tecnológica” que inevitavelmente alterará as proporções de trabalho contidas nas mercadorias, que levará ao aumento do capital constante em relação ao capital variável, logo a queda da taxa de lucro. E isso é observado no período fordista-keynesiano pela elevação da composição orgânica do capital, diretamente relacionado com os efeitos da economia de escala9 (BIHR, 1998). Antunes (1999) nos diz ainda, que a queda da taxa de lucro é reforçada pelo aumento do preço da força-de-trabalho, principalmente por causa do compromisso fordista. Assim, acentuou a tendência da queda da taxa de lucro. E com a queda da taxa de lucro todo o sistema entra em recessão e crise, neste contexto Gounet (1999) diz que a taxa de lucro cai e os investimentos também. Com o poder de compra sendo reduzido para garantir as taxas de lucro, os mercados se comprimem. O desemprego aumenta. Porém, graças à previdência social, os sem-emprego se beneficiam de indenizações, que incrementam os déficits estatais. E para sair da crise, o capitalismo na sua fase fordista-keynesiana precisa se reestruturar. Ou seja, utilizar as contra - tendências apontadas por Marx (1984) para manter o capitalismo como de acumulação, reprodução e dominação. As contratendências apontadas por Marx são: 1) elevação do grau de exploração do trabalho; 2) compressão do salário abaixo de seu valor; 3) barateamento dos elementos do capital constante; 4) ter uma superpopulação relativa; 5) abertura comercial; 6) aumento do capital por ações. A seguir, será mostrado que o toyotismo usa em seus fundamentos básicos as contras-tendências ditas por Marx (1984), como por exemplo: elevação do grau de exploração do trabalho e a diminuição do salário.
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Isso é claro, serve apenas como exemplo hipotético. Pois existe mecanismos que fazem aumentar a taxa de mais-valia que Marx vai classificar como contra-tendências à lei da queda da taxa de lucro. 9 Corresponde fisicamente a gigantescas unidades de produção.
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3 O toyotismo O toyotismo surgiu e apareceu através da empresa automobilística japonesa Toyota Motor Company, concebida pelo engenheiro Taiichi Ohno. Esse método de organização da produção e do trabalho apareceu para enfrentar os problemas econômicos que o Japão enfrentava no pós-guerra (PINTO, 2007) Entende-se aqui, que o sistema de Ford é concebido em uma economia em crescimento (mercado consumidor em expansão) e o toyotismo é criado num contexto de crescimento econômico lento, em meio a um mercado interno contraído e muito diversificado, caracterizado pela pequena expansão da demanda. Esse método de produção e organização do trabalho, o toyotismo, apoiou-se principalmente em 06 princípios básicos, são eles: 1) crescimento pela demanda; 2) combate a qualquer tipo de desperdício; 3) flexibilidade do aparato produtivo; 4) instalação do método do kanban; 5) diversificação dos produtos; 6) terceirização da produção. Primeiramente para ter o crescimento puxado pela demanda é necessário romper com a idéia fordista de produzir o máximo, em grandes séries. No modelo japonês a demanda que deve fixar a quantidade produzida, a empresa só produz o que é vendido e o consumo condiciona toda a organização da produção. Gounet (1999, p.26) ao discutir o crescimento puxado pela demanda afirma que “o sistema baseia-se um pouco no exemplo dos supermercados: enchem-se as prateleiras, os clientes vêm, se servem e, conforme fazem as compras, a loja volta a encher as prateleiras”. Em segundo lugar, pela carência de espaço físico no território japonês e com a obrigação de ser rentável, incita a Toyota a combater todo desperdício. Para realizar isso, a empresa decompõe o trabalho em quatro operações básicas: 1) transporte; 2) produção; 3) estocagem; 4) controle de qualidade. E dentro dessas operações só a produção agrega valor à mercadoria, e as outras representam custos. Sendo assim, é preciso limitar ao máximo o tempo de transporte, estocagem e controle de qualidade. Eis porque a máxima fluidez da produção é o objetivo supremo. Ela significa situar tanto quanto possível as operações uma ao lado da outra, limitar o transporte no espaço mas multiplicá-lo no tempo, evitar que se formem estoques em qualquer ponto da cadeia (GOUNET, 1999, p.26-27).
O terceiro fundamento básico é o aparato produtivo flexível e sua adaptação às flutuações de mercado (just-in-time). Essa regra permite ao toyotismo atender sua produção a demanda de bens e serviços, com isso os trabalhadores tem que se adaptarem a produção. Surge aqui à expressão “trabalhador polivalente”, que rompe de vez com o trabalhador altamente especializado do sistema fordista (o executor de apenas uma única tarefa no processo produtivo). Aqui o trabalhador tem que executar várias tarefas, pois se a produção for de um determinado bem “X” o trabalhador executará uma operação para a produção desse bem, mas se a demanda for por outro bem “Y” o trabalhador executará outro movimento e assim sucessivamente, tudo de acordo com a demanda (sem falar a preocupação com a qualidade do produto). Portanto, para se adaptar a demanda é necessário o aparato produtivo flexível, afetando diretamente a organização do trabalho e tornando-a flexível também. A quarta característica é o método kanban na cadeia produtiva. Isso significa a instalação de uma espécie de placa que indica várias coisas, mas especialmente é a peça ou elemento que está ligada a cadeia de produção. Gounet (1999) nos conta com detalhe
6 o funcionamento do método kanban dentro da Toyota: quando a equipe precisa de um painel para o carro que está montando, pega um painel reserva. Nesse momento retira o kanban da peça empregada. Este volta ao departamento que fabrica painéis. Essa unidade sabe então que precisa reconstruir o estoque esgotado. Portanto, o kanban serve antes de mais nada como senha de comando. Mas na organização flexível, puxada pela demanda, é um método rápido, fácil e essencial (p.27).
O quinto princípio está ligado com o objetivo da Toyota que era produzir muitos modelos de carros, mas cada um em série reduzida. Significando que a linha de montagem no toyotismo produz vários modelos de carros na mesma linha de montagem, pois cada vez que existe um novo modelo é preciso adaptar e mudar as máquinas. E o último princípio é da terceirização da produção. Gounet (1999) afirma que em vez de investir na economia de escala (integração vertical) como era de hábito no fordismo, a Toyota passou a desenvolver as relações de sub-contratação com seus fornecedores de peças, ou seja, os fabricantes de autopeças são empresas à parte e totalmente controladas pela Toyota, em que os custos salariais representam 30 a 50% a menos do que se fosse produzido na montadora. Portanto, foram apresentados os conceitos fundamentais de funcionamento do sistema que é o determinante para a reestruturação do capitalismo na década de 1970, afetando diretamente todo o sistema anterior, principalmente a organização da produção e do trabalho, que vai caracterizar a acumulação flexível. 4 Acumulação flexível e o desemprego estrutural da força de trabalho A acumulação flexível é o termo criado por Harvey (1992) para marcar a transformação da rigidez fordista10 para a flexibilidade dos processos de trabalhos, dos mercados de trabalho, dos produtos, dos padrões de consumo, da descontração industrial, da revisão do papel do Estado, da financeirização da economia, da heterogeneização e fragmentação da classe trabalhadora, da intensificação do trabalho, da precarização do trabalho, enfim, se fosse necessário simplificar essa nova fase de acumulação, a palavra seria “flexibilização”. Na acumulação flexível houve a mudança de centro dinâmico da acumulação capitalista. O setor produtivo não é mais o carro chefe, a financeirização da economia é a norma da vez. A conseqüência da financeirização da economia sobre o setor produtivo no processo de acumulação é a desregulamentação da economia, redução do papel do Estado (diminuição da autonomia das políticas econômicas nacionais e autônomas), flexibilização dos mercados de trabalho, dificuldades de investimentos nas economias periféricas, logo diminuindo as estratégias de geração de emprego nacionais (POCHMANN, 2002). O Estado passa de garantidor da reprodução do capital para mero regulador da economia, a política de Estado Mínimo11 desestrutura toda a rede de proteção social da era fodista construído no pós-guerra. Neste sentido Soares (2003) escreve: em vez de evoluirmos para sistemas verdadeiramente públicos e universais que garantam os direitos essenciais de cidadania das 10 11
Rigidez dos contratos e relações salariais garantidos pelo compromisso fordista através do Estado. Estado com o mínimo de atribuições de despesas para não comprometer a crise fiscal.
7 parcelas majoritárias da população que não tem condições de incorpora-se via ‘mercado’, reduz-se ainda mais a já debilitada capacidade do Estado no social (2003, p. 30).
O impacto dessa retração do Estado no social é que as políticas sociais passam de caráter universal para de caráter privado e “as políticas sociais passam a ser substituídas por ‘programas de combate à pobreza’, que tratam de, segundo seus proponentes ‘minimizar’ os efeitos do ajuste sobre os ‘mais pobres’ ou os ‘mais frágeis’” (SOARES, 2003, p.27). Outra conseqüência da acumulação flexível é a intensificação do trabalho. No sistema toyotista exige flexibilidade da produção e dos trabalhadores, pois o operário tem que ser polivalente, trabalhar em equipe e ser bem qualificado, mas os salários não são corrigidos a altura do aumento da qualificação. E o grande empecilho para o objetivo da intensificação do trabalho é o sindicato, mas na acumulação flexível o sindicato é controlado e manipulado pela classe patronal, surgindo termos como “sindicalismo de participação / envolvimento” ou “sindicalismo de resultado”. Isso só é possível, porque os trabalhadores têm que incorporar as concepções desse “novo” modo de fazer sindicalismo ou podem perder seus empregos. Assim, Antunes (2003) relata a mudança no movimento sindical depois do processo de reestruturação do capitalismo: Os sindicatos operaram um intenso caminho de institucionalização e de crescente distanciamento dos movimentos autônomos de classe. Distanciam-se da ação, desenvolvida pelo sindicalismo classista e pelos movimentos sociais anticapitalistas, que visavam o controle social da produção, ação esta tão intensa em décadas anteriores, e subordinam-se à participação dentro da ordem. Tramam seus movimentos dentro dos valores fornecidos pela sociabilidade do mercado e do capital. (p.43, grifo do autor).
Com os sindicatos incorporados pelos valores do capital, Antunes (2003) afirma que isso levou ao um dualismo, ou seja, entre os trabalhadores empregados e desempregados. Isso resultou em um processo crescente de individualização das relações de trabalho, que será chamado pelo autor de “neocorporativismo”, ou seja, os trabalhadores empregados farão de tudo para manterem-se no emprego enquanto que os desempregados procuraram formas precárias de se inserirem no sistema capitalista. O autor destaca que esse movimento provocou um racha na classe operária, pois ela foi heterogeneizada, fragmentada e complexificada e assim as possibilidades de uma efetiva emancipação humana estão seriamente danificadas. Como resultado de todas essas transformações ocorridas no mundo da produção foi o desemprego estrutural da força de trabalho e a crescente precarização das condições de trabalho, como também, forte tendência para a flexibilização das leis e do mercado em relação ao trabalho. Os dados do desemprego depois da reestruturação do capitalismo mostram um pouco a dimensão dessa transformação, pois em 1996 da População Economicamente Ativa (PEA), ou seja, cerca de 2,5 bilhões de pessoas no mundo inteiro, 35% encontrava-se em situação de subutilização do trabalho, significando desemprego ou subemprego. E nos países pertencentes à OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) são 34 milhões de desempregados e a OCDE não espera taxas de desemprego em menos de 10% da PEA em vários países que compõem a organização internacional (OCDE, 1996 apud POCHMANN, 2002, p.39).
8 E no Brasil, as formas de trabalho sem cobertura social, o subemprego, já superam as que a possuem e continuam a predominar quando a criação de novas ocupações. Segundo dados do IBGE, de cada dez ocupações geradas nos anos 1990, apenas uma era com carteira assinada, enquanto no período de 1940 a 1980 eram sete. Conforme a PNAD 2002, apenas 38% da População Economicamente Ativa (PEA) possui alguma cobertura social. Os que se encontram sem ocupação no país alcançam os 10% da PEA (POCHMANN, 2002). Assim, surgem discursos que dizem que o problema do desemprego é por conta da alta carga de tributos inseridos sobre as relações trabalhistas. E que é preciso flexibilizar tais leis. Inclusive é discurso de organismos internacionais, pois: as propostas predominantes da OCDE e de outros organismos internacionais e europeus continuam considerando que o enfrentamento dos problemas do mundo do trabalho dos países centrais deva ocorrer por meio de políticas desregulamentadoras para o mercado de trabalho (POCHMANN, 2002, p.29).
Com as flexibilizações do mercado de trabalho a força de trabalho se torna mais barata, pois utilizam-se trabalhadores contratados temporariamente e precariamente os quais num período de crescimento da economia são exauridos em longas jornadas para atender a níveis altíssimos de produtividade, para num momento de recessão, voltarem a condições de desempregados. E com o desemprego estrutural, fica mais difícil de tais trabalhadores voltarem a ter empregos estáveis. Aqui, comprova-se o que Marx já havia escrito no século XIX é realizado no capitalismo na década de 1970, para fugir da tendência da queda da taxa de lucro. “Esse processo (da queda da taxa de lucro) levaria em breve a produção capitalista ao colapso, se tendências contrárias não atuassem constantemente” (MARX, 1984, p.186). Assim, no processo de reestruturação o capitalismo é uma aplicação das causas contrariantes da tendência da queda da taxa de lucro, como por exemplo: elevação do grau de exploração do trabalho e compressão do salário abaixo de seu valor. E se o desemprego da força de trabalho avança na acumulação flexível, restam aos trabalhadores procurarem outras formas de sobrevivência. Uns se enquadram no mercado informal, outros em empregos parciais e precários. Então o que fazer para solucionar o desemprego? Singer (1998,) começa a esboçar tal solução, é claro sem considerar outros discursos como o da “Teoria do Capital Humano” que diz que a culpa é do trabalhador, pois esse não é qualificado e educado o suficiente para oferecer sua força de trabalho no mercado. Ou então, a que diz que o trabalhador tem que ser empreendedor e sempre procurar processos de inovação para obterem sucesso no modo de produção capitalista. Em relação à proposta de Singer (1998, p.09-10) a solução e alternativa, seria a economia solidária, “trata-se de eliminar o desemprego e a exclusão social nos quadros do capitalismo, permite sustentar que a economia solidária é a mais importante alternativa ao capitalismo neste momento histórico, por oferecer uma solução prática e factível a exclusão social, que o capitalismo em sua nova fase liberal exacerba”. E como não é objetivo desse artigo analisar nenhuma das saídas apresentadas, fica apenas apontado tais “soluções”, mas o que esse artigo tentar demonstrar é que a teoria da “lei tendencial de queda da taxa de lucro” de Marx não é anacrônica no sentido de explicar o processo de reestruturação produtiva do capitalismo, mas ela é essencial para entender esse processo e mostrar que o toyotismo utiliza em seus fundamentos as contra-tendências apontadas por Marx.
9 Considerações Finais A partir das discussões acima, conclui-se que para melhor compreensão do processo de reestruturação produtivo do capitalismo, a mudança na organização da produção e do trabalho foi essencial para manter o capitalismo como modo de produção dominante. E através da teoria marxista é possível interpretar essas mudanças, pois a acumulação flexível é a aplicação das contra tendências apontas por Marx para tentar fugir da queda da taxa de lucro que poderia leva ao colapso capitalista. Sendo, o desemprego-estrutural é a face mais cruel da exclusão social e que as soluções que estão em debate na contemporaneidade estão relacionadas com os efeitos da reestruturação produtiva do capitalismo. Referências ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999. ______. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2003. BIHR, A. Da Grande noite à alternativa: o movimento operário em crise. São Paulo: Boitempo, 1998. GOUNET, T. Fordismo e toyotismo na civilização do automóvel. São Paulo: Boitempo, 1999. HARVEY, D. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1992. KATZ, C. O enfoque marxista da mudança tecnológica. In: KATZ, C.; COGGIOLA, O. Neoliberalismo ou crise do capital?. 2. ed. São Paulo: Xamã, 1996. p.9-18. MARX, K. O capital: Crítica da Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1984. Volume III, Tomo 1. (Coleção Os Economistas) MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Martin Claret, 2004. PINTO, G. A. A organização do trabalho no século 20: taylorismo, fordismo e toyotismo. São Paulo: Expressão Popular, 2007. POCHMANN, M. O trabalho sob fogo cruzado: exclusão, desemprego e precarização no final do século. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2002. SINGER, P. Globalização e desemprego: diagnósticos e alternativas. São Paulo: Contexto, 1998. SOARES, L. T. O desastre social. Rio de Janeiro: Record, 2003.