março2011
Jornal Unesp
Ciências humanas
As duas faces do turismo em Bonito Embora o turismo na região de Bonito, em Mato Grosso do Sul, geralmente respeite a preservação ambiental, muitos costumes locais estão sendo descaracterizados. Essa é a constatação de uma tese defendida em 2010, no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT), Câmpus de Presidente Prudente. “O turismo substituiu a agropecuária na geração de empregos no município, mas não se preocupou em preservar raízes, o que está levando ao esquecimento de muitas tradições”, afirma Marçal Rogério Rizzo, autor do estudo. Durante quatro anos, o economista levantou dados sobre Bonito, localizado na Serra da Bodoquena, região centro-sul do Estado, entrevistou 49 pessoas e aplicou mais de duzentos questionários a moradores. Ele constatou que há muito mais gente envolvida com o turismo, embora as atividades agrícolas ainda tenham maior participação no PIB (Produto Interno Bruto) municipal. Carne de jacaré – Para Rizzo, uma das causas dessa descaracterização cultural está no fato de haver muitos “forasteiros” entre os empresários envolvidos em atividades turísticas. “São pessoas que, encantadas com as belezas naturais, decidiram se estabelecer no local, mas, como não tinham vínculos, não souberam preservar o legado dos tropeiros e vaqueiros típicos daqui”, comenta. Um exemplo dessa deformação está na culinária. Os restaurantes promovem a ideia de que jacaré é um prato da região. Na verdade, a carne desse animal servida em Bonito vem de criadouros do Pantanal, situado mais ao norte do Estado. “É uma tentativa de vender um ambiente exótico ao viajante”, afirma o estudioso. Para o economista, Bonito poderia explorar melhor a cultura rural e a dos tropeiros, desconhecidas da maioria dos turistas. Ele verificou que a população local identifica o arroz carreteiro como um símbolo de sua cozinha. A receita, que leva charque e é cozida em panela de ferro, foi criada pelos condutores de carretas puxadas por bois em comitivas que levavam cargas até o sul do país. Guerra do Paraguai – A história do lugar é rica, mas pouco explorada, segundo Rizzo. A região foi palco de muitos conflitos da Guerra do Paraguai, um fato hoje pouco lembrado. Estão cada vez mais esquecidas também lendas como a do benzedor Sinhozinho, que foi um famoso curandeiro.
Fotos Marçal Rogério Rizzo
Economista comemora preservação da natureza e melhora econômica, mas lamenta perda de tradições
Turistas em cachoeira e cartaz limitando número de visitantes: esforço pelo uso sustentável das atrações locais
A Festa de São Pedro, celebrada em 28 de junho, que por muitos anos foi a mais tradicional da cidade, também perde importância. O destaque no calendário festivo ficou para o Festival de Inverno, criado para atrair turistas na baixa temporada. O segundo evento mais popular é o Festival Gospel, o que reflete o avanço das religiões de cunho evangélico. Convívio familiar – Até as vestimentas mudaram com a chegada dos visitantes. A tradicional botina foi trocada pelo tênis e o uso de óculos de sol, antes pouco difundido, virou moda. A rotina familiar também foi afetada. Como o emprego no setor envolve ati-
vidades nos finais de semana e feriados, muitos pais perdem o convívio com os filhos. O dia de descanso dos casais também pode não coincidir. Ainda assim, o pesquisador acredita que muitas inovações não entram em conflito com as atividades tradicionais, como a agricultura. Fazendeiros e sitiantes têm encontrado uma nova fonte de renda nas visitas dos turistas a cachoeiras, rios e grutas localizadas nas propriedades. Na área urbana, consomem serviços como hospedagem e alimentação, além de produtos artesanais. Controle ambiental – Bonito se preocupou em explorar os atrativos na-
Efeitos positivos e negativos das mudanças no município
turais de modo sustentável. Rizzo elogia a atuação da Promotoria de Justiça local. Para ele, a rígida fiscalização obrigou empresários a adotarem modelos com o menor impacto possível na natureza e está solidificando a preocupação ambiental entre a população. O economista destaca o controle de visitações para impedir que as atrações fiquem superlotadas. O “voucher único”, como é chamado esse parâmetro, é estabelecido a partir de estudos científicos e é uma condição para a liberação de licença ambiental para a exploração de cada local. Geração de renda – Para frequentar as atrações é obrigatória a presença de um guia – a exceção fica por conta dos locais para banho. Há 85 profissionais qualificados e cadastrados como guias, mas o número deve aumentar com o aquecimento do turismo no Brasil. Atualmente, a capacitação dos trabalhadores é feita em parceria pelas prefeituras, o Sebrae e a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). Esses agentes garantem que os visitantes não provoquem queimadas, retirem mudas de plantas, amostras minerais ou animais e nem joguem lixo. Em sua opinião, a atuação de ONGs terá cada vez mais importância para garantir que um número crescente de pessoas seja incluído no desenvolvimento gerado pelo turismo. “Ampliar a participação da população local é elevar a qualidade de vida, mas para isso a capacitação dos moradores será fundamental.” Cínthia Leone