Agatha Christie
A terceira moça Tradução de Petrucia Finkler
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L&PM POCKET 3
Sumário
Capítulo 1....................................................................... 9 Capítulo 2..................................................................... 15 Capítulo 3..................................................................... 33 Capítulo 4..................................................................... 38 Capítulo 5..................................................................... 54 Capítulo 6..................................................................... 66 Capítulo 7..................................................................... 77 Capítulo 8..................................................................... 95 Capítulo 9................................................................... 108 Capítulo 10................................................................. 117 Capítulo 11................................................................. 133 Capítulo 12................................................................. 149 Capítulo 13................................................................. 153 Capítulo 14................................................................. 170 Capítulo 15................................................................. 184 Capítulo 16................................................................. 191 Capítulo 17................................................................. 200 Capítulo 18................................................................. 207 Capítulo 19................................................................. 215 Capítulo 20................................................................. 220 Capítulo 21................................................................. 226 Capítulo 22................................................................. 246 Capítulo 23................................................................. 257 Capítulo 24................................................................. 269 Capítulo 25................................................................. 278
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Para Norah Blackmore
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Capítulo 1
Hercule Poirot estava sentado à mesa do café da manhã. Na mão direita, segurava uma xícara fumegante de chocolate quente. Sempre tivera uma queda por doces. Para acompanhar o chocolate quente, um brioche. Combinava muito bem com chocolate. Balançou a cabeça em sinal de aprovação. Provinha do quarto estabelecimento que ele havia testado. Era uma pâtisserie dinamarquesa, porém bastante superior à que se dizia francesa e que ficava ali perto. Aquele brioche não passara de uma fraude. Estava gastronomicamente satisfeito, com o estômago em paz. Sua mente também estava tranquila, talvez até demais. Havia concluído seu Magnum Opus, uma análise dos grandes escritores de ficção policial. Atrevera-se a fazer comentários depreciativos sobre Edgar Allan Poe, reclamara da falta de metodologia nos derramamentos românticos de Wilkie Collins, glorificara ao extremo dois autores americanos que eram praticamente desconhecidos e, de várias outras formas, conferira honrarias a tudo o que julgou merecedor e recusara-se a outorgá-las ao que não considerava digno. Acompanhara a impressão do volume, vira o produto final e, a não ser por um número inacreditável de erros tipográficos, declarara que estava bom. Ele havia apreciado aquela aventura literária e a vasta quantidade de livros que fora obrigado a examinar, divertira-se ao bufar de desgosto enquanto jogava longe algum volume (mas sempre se lembrando de apanhá-lo e desfazer-se dele com cuidado no cesto de papéis) e adorara 9
balançar a cabeça elogiosamente nas raras ocasiões em que tal aprovação fosse justificada. E agora? Gozara de um interlúdio prazeroso e relaxante, muito necessário depois do trabalho intelectual. Mas não se pode relaxar para sempre; deve-se dar início a uma próxima etapa. Infelizmente ele não fazia ideia do que poderia ser a próxima etapa. Alguma nova conquista literária? Achava que não. Faça uma coisa bem feita e dê-se por satisfeito. Aquela era sua máxima. A verdade era que estava entediado. Toda aquela extenuante atividade mental com a qual andara se ocupando fora de fato um exagero. Aquilo o acostumara mal, o tornara inquieto... Que irritante! Meneou a cabeça e tomou outro gole do chocolate. A porta se abriu e George, o bem instruído criado, entrou. Tinha modos deferentes e levemente constrangidos. Tossiu e murmurou: – Uma... – fez uma pausa – Uma... jovem senhora veio lhe fazer uma visita. Poirot olhou para ele com surpresa e um leve desagrado. – Não recebo ninguém a esta hora – disse com reprovação. – Pois não, sir – concordou George. Amo e criado se entreolharam. A comunicação entre eles era por vezes carregada de dificuldades. Através da entonação, de uma insinuação ou da escolha cuidadosa das palavras, George costumava indicar que havia algo a mais a ser elucidado desde que a pergunta certa fosse feita. Poirot ponderava qual seria a pergunta certa nesse caso. – Ela é bonita, essa jovem senhora? – perguntou com cautela. – Na minha opinião, não, sir, mas tudo é uma questão de gosto. 10
Poirot considerou a resposta. Lembrou-se da breve pausa que George havia feito antes de usar a expressão “jovem senhora”. George era um observador minucioso da sociedade. Não tivera certeza do status da visitante, mas concedera-lhe o benefício da dúvida. – É da opinião de que ela é uma jovem senhora em vez de, digamos, uma jovem... pessoa? – Acho que sim, sir, embora hoje em dia não seja sempre tão fácil fazer tal distinção – respondeu George com um remorso sincero. – Ela disse o motivo pelo qual deseja falar comigo? – Disse – George pronunciou as palavras com alguma relutância, desculpando-se por elas antecipadamente – que queria consultar o senhor sobre um assassinato que ela pode ter cometido. Hercule Poirot olhou espantado para George. Suas sobrancelhas ergueram-se. – Pode ter cometido? Ela não tem certeza? – Foi o que ela disse, sir. – Insatisfatório, mas possivelmente interessante – disse Poirot. – Pode... ter sido uma brincadeira, sir – sugeriu George hesitante. – Tudo é possível, suponho – admitiu Poirot –, mas acho difícil que alguém pensasse... Ele ergueu a xícara. – Espere cinco minutos e mande-a entrar. – Pois não, sir. George retirou-se. Poirot tomou o último gole do chocolate. Empurrou a xícara para o lado e ficou de pé. Caminhou até a lareira e ajustou os bigodes cuidadosamente olhando-se no espelho sobre a chaminé. Satisfeito, retornou à poltrona e aguardou a chegada de sua visitante. Não sabia exatamente o que esperar... 11
Tivera esperanças talvez de encontrar algo que se aproximasse de seu próprio conceito de beleza feminina. A desgastada expressão “donzela em perigo” chegou a lhe ocorrer. Ficou desapontado quando George retornou acompanhando a visita; intimamente balançou a cabeça e suspirou. Ali não havia beleza, tampouco qualquer aflição perceptível. Uma perplexidade branda parecia ser a expressão mais acertada. “Pfff!”, pensou Poirot desgostoso. “Estas moças! Será que nem sequer se dão o trabalho de tentar se arrumar? Bem maquiada, vestida de forma atraente, com os cabelos penteados por um cabeleireiro profissional, talvez ficasse aceitável. Mas assim!” A visitante era uma moça de uns vinte e poucos anos. Cabelos longos e desgrenhados de cor indefinida escorriam-lhe sobre os ombros. Os olhos, que eram grandes, tinham uma expressão vazia e eram de um azul esverdeado. Vestia o que presumivelmente eram as roupas da moda da nova geração. Botas pretas de couro com cano alto, meias brancas de lã rendilhada que não pareciam muito limpas, uma saia minúscula e um pulôver longo e desajeitado de lã grossa. Qualquer um da idade e da geração de Poirot teria sentido um único desejo: o de jogar a garota num banho o mais rápido possível. Ele com frequência tivera aquela mesma reação caminhando nas ruas. Havia centenas de garotas com aquela exata aparência. Todas pareciam sujas. No entanto, numa certa contradição, aquela ali aparentava ter acabado de se afogar e ter sido salva da correnteza. Tais moças, refletiu, talvez não estivessem de fato sujas. Elas apenas se esmeravam e faziam o possível para causar tal impressão. Levantou-se com sua polidez usual, estendeu-lhe a mão e puxou uma cadeira. – Queria falar comigo, mademoiselle? Sente-se, por gentileza. 12