ação coletiva por danos morais - Conectas Direitos Humanos

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO FORO CENTRAL DA COMARCA DE SÃO PAULO/SP “[...] o problema que temos dian...
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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO FORO CENTRAL DA COMARCA DE SÃO PAULO/SP

“[...] o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.” Bobbio, Norberto. A era dos direitos (2004, p. 25)

CONECTAS DIREITOS HUMANOS, associação civil sem fins lucrativos, qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, inscrita no CNPJ sob o n. 04.706.954/0001-75, com sede na Av. Paulista, 575, 19º andar, CEP 01311000, São Paulo-SP (doc. 1), neste ato representada por sua Diretora Executiva Lucia Nader (doc. 2) e por seus procuradores (doc. 3) abaixo assinados, com fundamento nos artigos 1º, III, 5º, III, V, X e XLV da Constituição da República; artigo 41, X da Lei nº 7.210/84; artigos 5º, “1” e 11 da Convenção Americana de Direitos Humanos, artigo 7º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966, artigo V da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, bem como os artigos 1º, IV, e 5º, II da Lei nº 7.347/85 e os artigos 81 e seguintes da Lei nº 8.078/90, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA

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em face do ESTADO DE SÃO PAULO, pessoa jurídica de direito público interno, com sede na Rua Pamplona, 227, Jardim Paulista, CEP 01405-902, São Paulo/SP, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos.

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DOS FATOS Desde 04/02/2014, a autora tem recebido em sua caixa postal nº 62663, CEP:

01214-970, São Paulo/SP, divulgada por meio de seu site http://www.conectas.org, cartas de mulheres que denunciam o procedimento adotado durante a realização da revista corporal obrigatória para a visita de familiares, companheiros e cônjuges de reclusos no Centro de Detenção Provisória “ASP Giovanni Martins Rodrigues” I (CDP I) de Guarulhos, instalado na Rua José Marques Prata, nº 240, Av. Guinle, s/nº, Guarulhos/SP e no Centro de Detenção Provisória II (CDP II) de Guarulhos, instalado na Av. Guinle, s/nº, Guarulhos/SP, ambos sob coordenação da Coordenadoria da Capital e Grande São Paulo da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo (doc. 04). Tais mulheres relatam que desde o recolhimento de seus familiares nas referidas unidades prisionais, companheiros ou cônjuges, comparecem a tais estabelecimentos em quase todos os dias reservados à visita, devendo se submeter ao procedimento da revista íntima. Por meio dos relatos trazidos nas cartas, é possível identificar um padrão no procedimento adotado pelas agentes de segurança, como demonstram trechos de 3 cartas, abaixo transcritos, recebidas pela autora: “Após revirarem toda a minha comida, fico mais uns 50 minutos na fila, aguardando a revista íntima em pé, cansada, mas forte. A funcionária já me olha dos pés a cabeça, c/ desprezo e fala: “Já sabe o que tem que fazer”. Passo no detector com roupa, s/ sutiã, entro p/ a sala da revista c/ mais 3 ou 4 meninas, tiramos toda a roupa. E começa a sessão de tortura: “abaixa, faz força, tá fechado, faz força, tose, abaixa de novo, põe a mão e abre, não tô vendo.”

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O que ela quer ver? Meu útero? Pra que tudo isso? E a tortura volta: “encosta na parede, deita, abre mais a perna e faz força como se fosse ter um bebê.” Como assim? Eu não tenho filho, não sei como é essa força, mas faço tudo isso. Mas nada é suficiente para as funcionárias, e então chamam outras para me revistar e começa tudo de novo, aí nervosa eu já começo a chorar, então vem no meu psicológico: “Tá chorando porquê? Vai, põe a mão e tira a droga, tira, porque eu sei que tem”. A minha resposta é: tô cansada, desde de ontem aqui na porta da cadeia, só quero ver meus familiares, não tô com drogas dentro de mim. Com todas as meninas acontece isso, é muito humilhante...” *** “O negócio está tão sério que é olhar para nossa cara e dizer simplesmente: “Tira que eu to vendo” ou “você é o que do preso?” ou pedir para que façamos força até quando nossas necessidades saem. Já pouco tempo atrás, passei por isto, entrei eu e mais uma menina na revista feminina. Após ter feito o procedimento, a funcionária pegou minha ficha, pediu para que eu me vestisse e me levou no banheiro do CDP, encosteime à parede e fiz força por 20 minutos, abri, passei papel higiênico, tossi. Aos prantos eu pedi pelo amor de deus e as informei que eu não estava com absolutamente nada. Mesmo assim o questionário não acabou: perguntaram se eu tinha passagem pela polícia, o que eu era do preso e há quanto tempo eu estava com ele e porque estava demonstrando nervosismo.” ***

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“no nosso dia dia de visita e na entrega de jumbo1 sofremos constantes humilhações e constrangimentos com nossas pessoas; somos obrigadas a fazer força abrir nossas partes intimas com a mão, somos obrigadas a por a perna em cima do balcão e ainda colocar o dedo, ficar de quatro e ainda não podemos alegar nossos direitos que tomamos gancho2 e ainda se tivermos menstruadas não podemos visitar nossos familiares. As gravidas perdem os bebês e ainda são somos obrigadas a aceitar essa falta de respeito. Os muralhas3 mexem com nós as mulheres mandam beijos e xingam os presos falando que dorme com nós, as mulheres dos presos. Pede o número das mulheres dos presos.” *** “Se estou menstruada ou com corrimento me chama de porca, sem higiene, porque estou indo assim, muitas vezes me mandam embora por nojo de fazer revista e quando revistam mandam abrir com o dedo, ficar de 4, abaixar 10 vezes, passar o papel higiênico duro e que muita gente pega infecção. E somos obrigadas a falar que estamos com droga sendo que não estou carregando isso.” *** “A revista íntima é muito humilhante, as funcionárias querem que coloquemos a mão em partes íntimas do nosso corpo, o norma é abaixar 3 vezes de frente e 3 vezes de costa, mais as funcionárias

nos

fazem

até

abaixar

10

vezes.

Pacote contendo itens básicos de higiene e alimentos que as famílias enviam ou levam aos presos, já que o Estado não fornece adequadamente esses itens. Para mais informações sobre o fornecimento de materiais básicos de higiene pelo Estado, cf. http://www.conectas.org/pt/acoes/justica/noticia/presas-usam-miolo-depao-em-lugar-de-absorvente-intimo 2 Punição aplicada pela direção do estabelecimento prisional que suspende os direitos de visita, pode ter período indeterminado, a critério da direção. 3 Agentes de Escolta e Vigilância Penitenciária (AEVP). São os funcionários que fazem a segurança das muralhas da unidade prisional e são os únicos que trabalham armados. 1

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Se eu estiver muito fechada, a funcionária diz que não posso entrar, e me faz voltar pra casa c/ comida, crianças e muito peso, porque

moro

muito

longe

da

cadeia.

Mulheres que fazem tratamento vaginal não podem entrar para visita e já mandam colocar a mão para tirar drogas que não existem. Sou trabalhadora e não tenho nada pra tirar.” Em todas as cartas as mulheres descrevem o mesmo procedimento: despir-se completamente para agachar 3 ou mais vezes, abrir bem as pernas, abrir a vagina com as mãos de modo que seja possível a visualização de seu canal vaginal, fazer movimentos enquanto nuas – tudo isso dentro de uma repartição pública, sob exigência dos agentes de segurança penitenciária e sob ameaça de não visitar seu familiar caso não realize o procedimento determinado. Pelo teor das cartas, nota-se que a imposição a tal procedimento de revista é aplicado indistintamente sem qualquer fato ou diligência anterior, de modo que os agentes do Estado presumem que cada uma das pessoas que estão ali sejam portadoras de materiais, objetos ou substâncias proibidas. Não obstante o terror do constrangimento de suportar esse procedimento absolutamente ofensivo ao direito mais básico de um ser humano, qualquer tentativa dessas mulheres em exigir dos agentes de segurança o respeito à dignidade, esbarra em retaliações por parte da direção do presídio como a suspensão do direito de visita, como demonstram os seguintes trechos das cartas recebidas pela Conectas: “Não posso reclamar, não posso falar com o diretor, ele não nos ouve, não posso nem chorar que fico de gancho e meus familiares de castigo. Sou cidadã, pago meus impostos, voto e minha situação fica como? Vou continuar sofrendo c/ esses abusos?” ***

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“fui informada que esse tipo de coisa não pode acontecer, eu deveria ter ido a CORREGEDORIA, mas ai cabe uma pergunta: se após registrar um B.O. e ir na CORREGEDORIA, eu poderia visitar meu marido tranquilamente no final de semana seguinte? Acredito que não. Porque de tudo iriam fazer para que meu marido pegasse a raiva e como castigo ainda iriam me dar gancho! Para que ter medo de uma coisa se não fazemos? Pois é! Medo porque não temos voz lá dentro, somos uns monstros, mulheres de presidiários, nossos maridos, filhos, acabam pagando com castigo por alguma coisa que falamos ou deixamos de fazer do lado de fora.” Os trechos das cartas aqui transcritas são apenas uma amostra do que foi denunciado à Autora. Estão acostadas aos autos 24 cartas de mulheres que demonstram o desespero de suportar tal rotina de violações, além de deixar explícito o receio de sofrerem represálias caso sejam identificadas por agentes do Estado como denunciadoras da prática violadora. Tal procedimento, comumente adotado pela Administração Penitenciária do Estado de São Paulo (doc. 7), já foi objeto de três relatórios do Relator Especial sobre Tortura das Nações Unidas, em que no ano de 20014 recomendou que medidas devem ser tomadas para assegurar que os visitantes às delegacias, centros de detenção provisória e presídios sejam submetidos à revistas que respeitem sua dignidade, e que, no ano de 20105 afirmou que as revistas degradantes e invasivas de familiares continuam por todo o sistema prisional. Em 2011, o Subcomitê de Prevenção da Tortura das Nações Unidas apresentou relatório sobre o Brasil (doc. 8), após visita de inspeção e monitoramento ao país, recomendando que o Estado assegure que as revistas íntimas cumpram com os critérios de necessidade, razoabilidade e proporcionalidade. Se fossem realizadas, as revistas dos corpos devem ser realizadas sob 4

Disponível em: http://acnudh.org/wp-content/uploads/2011/01/Report-of-the-Special-Rapporteur-onTorture-Visit-to-Brazil-2001.pdf Acessado em 25/04/2014. 5 Disponível em: http://www.univie.ac.at/bimtor/dateien/georgia_unsrt_2010_followup.pdf Acessado em 25/04/2014.

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condições sanitárias adequadas, por pessoal qualificado e do mesmo sexo, e de uma maneira compatível com a dignidade humana e respeito pelos direitos fundamentais. Revistas intrusivas vaginais ou anais devem ser proibidas pela lei. Porém, não é necessário um organismo internacional para se apurar que a revista

íntima vexatória, como a adotada nos estabelecimentos penais em questão, viola preceitos universais que fundamentam a dignidade humana. O Poder Judiciário brasileiro por meio da sua função típica da jurisdição, é capaz de observar que estão sendo violados os direitos constitucionais à inviolabilidade da intimidade, à vedação do tratamento desumano ou degradante, à intranscendência da pena, além de observar que a prática ofende um dos fundamentos do próprio Estado Democrático de Direito: a dignidade da pessoa humana. E, no presente caso, quem são as pessoas humanas cuja dignidade foi atacada? Quem são as pessoas humanas que tiveram sua intimidade violada? Quem são as pessoas humanas que sofreram tratamento desumano e degradante? São as pessoas que vão até os CDP I e II de Guarulhos e são obrigadas a se submeter à revista íntima invasiva e vexatória para que possam visitar seu familiar, companheiro ou cônjuge recluso na unidade. Ou seja, pessoas que exercem seu direito e que pretendem ver efetivado o direito do preso de convivência familiar e o direito de receber visita. E, no presente caso, quem é o único responsável por tais violações? O Estado de São Paulo. Importante notar que o procedimento de revista adotado nos estabelecimentos prisionais em questão, denunciado por meio das cartas enviadas à autora, ocorreu e continuará ocorrendo devido à identificação de um padrão de atuação do Estado naquela unidade. De modo que viola direitos fundamentais de cada uma das mulheres que se submeteram e que se submeterão ao procedimento da revista íntima invasiva, humilhante e vexatória. 7

2) DOS INTERESSES ENVOLVIDOS Além da mácula social suportada pelos familiares dos reclusos, a visita começa muito antes do contato do recluso com seu familiar, companheiro ou cônjuge, quando começa a preparar o “jumbo” com alimentos, roupas, remédios e produtos de necessidade pessoal, fornecidos pelo familiar em substituição ao próprio Estado, que, contrariando os ditames da Lei de Execução Penal, não fornece tais elementos básicos aos reclusos sob sua responsabilidade, como demonstrou o Relatório do Conselho Nacional de Justiça sobre os estabelecimentos prisionais paulistas (doc. 9). Independentemente do fato social que envolve os familiares de presos, o que se discute na presente ação é, especificamente, a atuação do Réu no momento da revista pessoal obrigatória para o ingresso de pessoas na unidade prisional em dia de visita. Nota-se, que estamos diante de um fato e que esse fato se repete a cada dia de visita nos CDP I e II de Guarulhos, com centenas de pessoas! Se uma só mulher sofresse a revista íntima vexatória em uma das unidades prisionais aqui tratadas, já surgiria o seu direito de pleitear uma reparação do Estado pela violação de suas garantias constitucionais. Se outras passassem pelo mesmo sofrimento, por óbvio que também teriam o mesmo direito. Porém, hoje o CDP I de Guarulhos conta com uma população carcerária de 2.589 pessoas (capacidade para 844) (doc. 5) e o CDP II de Guarulhos possui 2.299 pessoas presas (capacidade para 841) (doc. 6), das quais significativa parcela recebe visitas de pessoas que, assim como o próprio preso, não possuem condições materiais de exercer o direito de acesso à justiça, seja pela falta de defensor, seja pelas punições peculiares aplicadas pela unidade prisional como a suspensão do direito de visita de quem questiona a própria violação sofrida durante a revista. Assim, está claro que o fato, que seguramente será comprovado na presente demanda, tem potencial alcance de um número indeterminado de pessoas, mas passíveis de serem determinadas. 8

Trata-se, eminentemente, de direitos individuais homogêneos, que por possuírem origem comum, são resguardados pela tutela jurisdicional coletiva prevista no art. 81, III da Lei nº 8.078/90. Todavia, ao mesmo tempo que os fatos narrados violam direitos individuais homogêneos, também violam direitos coletivos de natureza indivisível e indeterminável, denominado pelo art. 81, I da Lei nº 8.078/90 de direitos difusos, face ao dano social que o procedimento da revista íntima vexatória afeta a todos indistintamente. E a presente ação civil pública se propõe a defender tanto direitos individuais homogêneos quanto interesses difusos. Hipótese permitida pelo ordenamento jurídico e assegurada pelo STJ no julgamento do REsp nº 866.636, em 29/11/2007, com relatoria da i. Ministra Nancy Andrighi6. Portanto, face à grave lesão que o réu traz a bens jurídicos caros à sociedade, está caracterizado o dano social que afeta a todos indistintamente, sendo, também, objeto da presente ação. 3) DA LEGITIMIDADE ATIVA E DO INTERESSE PROCESSUAL DA AUTORA A propositura da ação civil pública para a proteção de interesses difusos e coletivos tem guarida constitucional e transcende às atribuições do Ministério Público, como define o art. 129, §1º da Constituição da República: “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (...) III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; 6 Trecho da ementa: “Como o mesmo fato pode ensejar ofensa tanto a direitos difusos, quanto a coletivos e individuais, dependendo apenas da ótica com que se examina a questão, não há qualquer estranheza em se ter uma ação civil pública concomitante com ações individuais, quando perfeitamente delimitadas as matérias cognitivas em cada hipótese.”

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§ 1º - A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei.” A Lei nº 7.347/85 diz expressamente em seu artigo 5º, inciso V, que as associações possuem legitimidade para propor a ação civil pública, desde que estejam constituídas há pelo menos um ano e que incluam, entre suas finalidades institucionais, a proteção de interesses tuteláveis por meio deste instrumento processual. Esta mesma regra consta do inciso IV do artigo 82, do Código de Defesa do Consumidor. Veja-se: Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: I - o Ministério Público, II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal; III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código; IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear. A Conectas é uma associação civil sem fins lucrativos e sem fins econômicos, fundada em setembro de 2001, cuja finalidade precípua é a promoção e defesa de direitos humanos, desenvolvendo, para tanto, várias atividades, entre elas a propositura de ações judiciais, nos termos da lei. Com relação aos fins institucionais da associação autora, vale transcrever o inciso VI do artigo 3º e o parágrafo 1º, item “d” do mesmo artigo de seu Estatuto (doc. 01), in verbis:

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Artigo 3º - A ASSOCIAÇÃO será regida nos termos da Lei 9.790/99 e terá por finalidade promover, apoiar, monitorar e avaliar projetos em direitos humanos em nível nacional e internacional, em especial: [...] VI – promoção e defesa dos direitos humanos em âmbito judicial. Parágrafo 1º - A ASSOCIAÇÃO pode, para consecução de seus objetivos institucionais, utilizar todos os meios permitidos na lei, especialmente para: [...] g) Promover ações judiciais visando à efetivação dos direitos humanos. Evidente, portanto, estarem preenchidos os requisitos legais autorizadores da interposição da presente ação civil pública pela Conectas, tendo em vista sua existência de mais de 12 anos, bem como seus fins institucionais e a pertinência de sua atuação com o objeto desta demanda. Oportuno acrescentar que a legitimidade de associação para a propositura de ações judiciais em defesa de interesses individuais homogêneos já é assunto pacificado na jurisprudência, como reflete o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. CONTRATO INCIDÊNCIA

DE DO

ARRENDAMENTO CÓDIGO

DE

MERCANTIL. DEFESA

DO

CONSUMIDOR. ASSOCIAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA. CERCEAMENTO

DE

DEFESA.

INOCORRÊNCIA.

VARIAÇÃO CAMBIAL. PROVA DA CAPTAÇÃO DE RECURSOS NO EXTERIOR. SÚMULA 07/STJ. [...] 11

3. As associações instituídas na forma do art. 82, IV, do CDC, estão legitimadas para propositura de ação coletiva em defesa de interesses individuais homogêneos (CDC, art. 81, III). Precedente. [...] 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg

no Ag

493.452/PR,

Rel.

Ministro FERNANDO

GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 03/02/2009, DJe 16/02/2009) O caso em tela indubitavelmente trata de típica violação de direitos humanos e versa sobre a defesa de interesses transindividuais, de modo que é inegável a legitimidade da Conectas para propor a presente demanda, consoante seu estatuto, a lei e o entendimento jurisprudencial. Desde janeiro de 2006, Conectas tem status consultivo junto à Organização das Nações Unidas (ONU) e, desde maio de 2009, dispõe de status de observador na Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos. Assim, diante das violações denunciadas pelas mulheres que tiveram que passar pela revista íntima vexatória nos termos descritos na presente demanda, e, diante da vulnerabilidade dessas mulheres na busca por direitos fundamentais perante a administração pública, a Conectas viu-se compelida a buscar judicialmente a proteção de seus direitos e interesses, razão pela qual propõe a presente ação civil pública, visando a garantia do direito à indenização pelo Estado dos danos morais sofridos face às já mencionadas violações.

4) DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS 4.1) Da inconstitucionalidade da revista íntima vexatória Além de estabelecer a estrutura do Estado, a organização de seus órgãos, o modo de aquisição do poder e a forma de seu exercício, limites de sua atuação, de fixar o regime

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político e disciplinar os fins sócio-econômicos do Estado7, a Constituição da República também assegura direitos e garantias fundamentais individuais e coletivos. Logo em seu primeiro artigo, a Constituição define a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República, constituída como um Estado Democrático de Direito. É inegável que a interpretação de qualquer norma e sua eventual subsunção a um fato deve ser interpretada conforme o mandamento constitucional. É como leciona Luis Roberto Barroso8, quando diz que a atividade da interpretação da norma constitucional deve se iniciar pelo princípio maior que rege o tema a ser apreciado: “O ponto de partida do intérprete há que ser sempre os princípios constitucionais, que são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A atividade de interpretação da Constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie.” No caso presente, o princípio maior é o da dignidade da pessoa humana, que é diretamente violado quando o Réu obriga que as visitantes de estabelecimento prisional se agachem, abram as genitálias com as mãos e façam força como se estivessem dando à luz, enquanto agentes penitenciários examinam seus corpos. A Constituição da República, em seu artigo 5º, inciso X, também garante a inviolabilidade da intimidade, assegurando ainda o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. 7 8

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18ª ed., São Paulo: Malheiros. p. 45. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 1996. São Paulo: Saraiva. p. 141.

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Assim, um procedimento que obriga absolutamente todas as visitas de detentos a ficarem completamente nuas e terem seus órgãos genitais inspecionados, gera o inevitável dever de responsabilidade civil do Réu. Porém, não é só. A própria Constituição assegura que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III), e não há como negar que a humilhação pela qual passam, até mesmo, mulheres grávidas, idosas, adolescentes, pessoas com deficiência e crianças é uma forma de tratamento desumano e degradante. E há quem diga que os efeitos psicológicos que perseguem as pessoas que são constantemente submetidas à revista íntima são semelhantes aos das pessoas que já foram torturadas, como alertou Cristina Rauter9 à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados10: “Acrescente-se a isso o já mencionado procedimento da revista íntima, outra situação que pode ser equiparada à tortura – e assim é vivida por quem passa pela experiência. Estou atendendo uma mãe de ex-preso que foi, durante anos, submetida a esse procedimento

e

que

exibe

hoje

feitos

psicológicos

semelhantes aos dos torturados, de pessoas torturadas na época da ditadura militar.”

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Cristina Rauter é Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal Fluminense e membra da equipe clínica do Grupo Tortura Nunca Mais. 10 Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Conferência nº 0799/06, de 01/06/2006. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoespermanentes/cdhm/documentos/notas-taquigraficas/nt01062006g.pdf Acessado em 25/04/2014.

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Mas, ainda que tal procedimento não fosse reconhecido como tortura ou tratamento desumano, a violência contra a mulher está presente. É o que demonstra Isabel Cristina Fonseca da Cruz11 12: “O conceito de violência contra a mulher deve basear-se na Convenção para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), aprovada pela Organização dos Estados Americanos - OEA, em 1994, e ratificada pelo Brasil, em 1995. Neste sentido, são violência contra a mulher igualmente o assédio sexual, a violência racial, a violência contra mulheres idosas, a revista íntima, entre outras.” Um detalhe importante e que não pode ser esquecido é que todas aquelas que passam pela revista íntima vexatória gozam de plena liberdade, e que são obrigadas a se desnudar em público, apenas por possuírem vínculo de afetividade ou parentesco com uma pessoa presa. Resta claro que aí há também a violação do princípio constitucional de que a pena não deve ultrapassar a pessoa do condenado (art. 5º, XLV). Por fim, é importante salientar que todas as normas constitucionais aplicáveis à presente demanda são definidoras de direitos e garantias individuais, possuindo eficácia plena e aplicação imediata (art. 5º, parágrafo 1º). Tais normas, portanto, não podem ser interpretadas como promessa constitucional inconsequente13 e, muito menos, violadas por agentes do Estado, por mera arbitrariedade ou capricho14, devendo ser aplicadas ao caso presente a fim de se julgar pela procedência da demanda.

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Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da USO (EESP), Professora Titular da Universidade Federal Fluminense, Coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Saúde e Etnia Negra 12 CRUZ, Isabel Cristina Fonseca da. A Sexualidade, a saúde reprodutiva e a violência contra a mulher negra: aspectos de interesse para assistência de enfermagem. Disponível em http://www.ee.usp.br/REEUSP/index.php?p=browse&id=14 Acessado em 25/04/2014. 13 STF, Recurso Extraordinário nº 271.286. Relator: Ministro Celso de Mello, DJ 24/11/2000. 14 De acordo com José Afonso da Silva, a aplicação imediata se dá quando as normas constitucionais são “dotadas de todos os meios e elementos necessários à sua pronta incidência aos fatos, situações, condutas ou comportamentos que elas regulam. A regra é que as normas definidoras de direitos e garantias individuais sejam de aplicabilidade imediata. Mas aquelas definidoras de direitos sociais, culturais e econômicos nem sempre o são, porque não raro dependem de providências ulteriores que lhes competem a eficácia e possibilitem sua aplicação” (Comentário contextual à Constituição, 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 408).

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4.1) Da não aceitação da revista vexatória no plano normativo internacional Além do dever de cumprimento de sua Constituição, o Estado brasileiro assumiu compromissos perante organizações internacionais, dentre eles está o dever de respeitar os Direitos Humanos reconhecidos pela comunidade internacional. 4.1.1) Organização das Nações Unidas (ONU) Na Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil é signatário de documentos internacionais que garantem direitos individuais e protegem as pessoas de violações de direitos humanos. Dentre elas estão a Declaração Universal de Direitos Humanos15, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos16, Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes17 e o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes18. Como corolário do reconhecimento da dignidade inerente a todo e qualquer ser humano, o Artigo V da Declaração Universal dos Direitos Humanos determina aos Estados signatários que ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. No âmbito da ONU, a revista íntima vexatória é mencionada em diversos relatórios, principalmente do Comitê Contra a Tortura e do Subcomitê de Prevenção da Tortura. A Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, em seu artigo 17, criou o Comitê Contra a Tortura, com a função de controlar a aplicação das disposições desta Convenção pelos Estados Partes.

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Adotada e proclamada pela Resolução n. 217ª, da III Assembleia Geral das Nações Unidas de 10 de dezembro de 1948 e assinada pelo Brasil na mesma data. 16 O Brasil aderiu ao Pacto em 24 de janeiro de 1992. 17 Ratificado pelo Brasil em 28 de setembro de 1989. 18 Ratificado pelo Brasil em 12 de janeiro de 2007.

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Não obstante a revista vexatória não ter sido analisada no relatório apresentado em 200619 sobre o Brasil, o Comitê fez recomendações ao Estado argentino para que tomasse medidas que assegurassem o respeito à dignidade e aos direitos humanos das pessoas durante revistas manuais20. Ademais, o Comitê menciona e apoia a decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos de 1996 sobre os critérios estabelecidos para a prática das revistas vaginais. Já o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, em seu artigo 2º, criou o Subcomitê de Prevenção à Tortura, com a função de fazer recomendações aos Estados Partes com o intuito de prevenir e combater a tortura. Em 2012, após receber reclamações relacionadas aos procedimentos intrusivos e humilhantes das revistas para visitantes, inclusive idosas e crianças, o Subcomitê apresentou a seguinte recomendação em seu relatório sobre o Brasil (doc. 10): “O SPT recomenda que o Estado garanta que as revistas cumpram com os critérios de necessidade, razoabilidade e proporcionalidade. Se conduzidas, as revistas corporais devem ser realizadas em condições sanitárias adequadas; por pessoal qualificado, do mesmo sexo do indivíduo revistado; e devem ser compatíveis com a dignidade humana e com o respeito aos direitos fundamentais. Revistas intrusivas, como vaginais e anais, devem ser proibidas por lei” A proibição dessas revistas, como recomendada pelo Subcomitê, fundamentouse no artigo 16 da Convenção contra a Tortura e nas regras 19 a 21 das Regras de Bangkok, 19

ONU, Report on Brazil Produced by the Committee Under Article 20 of the Convention and Reply from the Government in Brazil, 3 March 2009, CAT/C/39/2: pp. 19, art. 60 e pp. 20, art. 69. Disponível em: < http://docstore.ohchr.org/SelfServices/FilesHandler.ashx?enc=6QkG1d%2fPPRiCAqhKb7yhssrn2du5UCX z44%2fYuDDc2UebuXIAglPehOOqpb29W8Sf52bXmV7lzbc2ecur5Pqgo2BJqfnngXcsousHNKI6R1Cf%2bG6 0pgld6Qa5duDBauXr> acesso em 25/04/2014. 20 UN Committee Against Torture (CAT), Comments Submitted by the Government of Argentina on the Conclusions and Recommendations of the Committee against Torture, 20 March 2006, CAT/C/ARG/CO/4/Add.1, disponível em: acesso em: 25/04/2014

17

que estabelecem regras mínimas para o tratamento de mulheres reclusas, exigindo que as revistas sejam realizadas com dignidade e respeito e que outros métodos de inspeção devam ser usados para substituir as revistas invasivas21. Levando em consideração que essas regras proíbem a revista vexatória para mulheres reclusas, que têm direitos restringidos devido à sua situação legal, fica claro que os visitantes, que possuem todos os direitos como cidadãos, não podem ser submetidos às revistas vexatórias. Ainda no âmbito da ONU, o Relator Especial sobre a Tortura, após sua visita ao Brasil em 2000, na 57ª sessão da Comissão de Direitos Humanos da ONU, apresentou relatório22, recomendando para o Estado Brasileiro tomar medidas que assegurem o respeito à dignidade dos visitantes durante as revistas: “Medidas devem ser tomadas para assegurar que os visitantes às delegacias, centros de detenção provisória e presídios sejam submetidos à revistas que respeitem sua dignidade” O Relator Especial também declarou em relatório sobre proteção de mulheres contra tortura, que nudez, revistas invasivas do corpo, insultos e humilhações de natureza sexual constituem violência contra a mulher23. Em 2010, na 13º sessão ordinária do Conselho de Direitos Humanos da Assembleia Geral da ONU, o Relator Especial, apresentou novo relatório informando que as revistas degradantes e invasivas de familiares continuam por todo sistema prisional brasileiro e que o governo brasileiro não respondeu aos pedidos de informação24.

21

Regras de Bangkok, disponível em http://carceraria.org.br/wpcontent/uploads/2012/09/Tradu%C3%A7%C3%A3o-n%C3%A3o-oficial-das-Regras-de-Bangkok-em-1104-2012.pdf Acessado em 25/04/2014. 22 Disponível em http://daccess-ddsny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G01/123/23/PDF/G0112323.pdf?OpenElement Acessado em 25/04/2014. 23 Disponível em http://unispal.un.org/UNISPAL.NSF/0/707AC2611E22CE6B852574BB004F4C95 Acessado em 25/04/2014. 24 Disponível em http://www.univie.ac.at/bimtor/dateien/georgia_unsrt_2010_followup.pdf Acessado em 25/04/2014.

18

Além disso, durante a 25ª sessão ordinária do Conselho de Direitos Humanos (2014), o atual Relator Especial sobre a Tortura, Sr. Juan Mendes, alertou para o fato de as revistas íntimas se caracterizarem como uma prática "humilhante e degradante" ou até mesmo como "tortura, quando conduzidas com uso de violência". O relator disse que as buscas feitas em corpos devem ser conduzidas de maneira respeitosa e sem humilhação, e, apenas quando não exista alternativa. Mendez reconheceu a dificuldade de balancear imperativos de segurança com o respeito aos direitos, mas foi claro sobre o fato de que nenhuma prática pode violar a dignidade humana25.

4.1.2) Organização dos Estados Americanos (OEA) O Estado brasileiro, também é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), que, por meio de seu artigo 33, instituiu a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Observa-se que tanto na Comissão quanto na Corte, já há jurisprudência afirmando que a revista vexatória ofende a dignidade inerente ao ser humano estampada nos artigos 5º e 11 da Convenção. Em 1989, a Comissão recebeu denúncia contra o Governo da Argentina relacionada a situação de uma mulher e sua filha de 13 anos que foram obrigadas a se despir completamente e ter a genitália inspecionada ao ingressarem em estabelecimento prisional. O caso recebeu o nº 10.506 e o relatório da Comissão nº 38/96, publicado em 1996 (doc. 11), desmonta o argumento da necessidade de realizar as revistas em nome da segurança pública, declarando que as revistas vexatórias violam direitos protegidos pela Convenção Americana de Direitos Humanos, destacando-se os seguintes trechos: 25

Disponível em http://www.conectas.org/pt/acoes/justica/noticia/15017-nova-denuncia-na-onu Acesso em 25/04/2014

19

“A Comissão deseja salientar que o visitante ou membro da família que procure exercer seu direito a uma vida familiar não se deve converter automaticamente em suspeito de um ato ilícito, não se podendo considerá-lo, em princípio, como fator de grave ameaça à segurança.” “Embora a medida em questão possa ser excepcionalmente adotada para garantir a segurança em certos casos específicos, não se pode sustentar que sua aplicação sistemática a todos os visitantes seja necessária para garantir a segurança pública.” “A restrição aos direitos humanos deve ser proporcional ao interesse que a justifica e ajustar-se estritamente à obtenção desse legítimo objetivo. Para justificar as restrições dos direitos pessoais dos visitantes, não basta invocar razões de segurança.” A Comissão tem sustentado invariavelmente que cabe ao Estado a obrigação da facilitar o contato do recluso com sua família, não obstante as restrições às liberdades pessoais que o encarceramento acarreta. Nesse sentido, a Comissão reiterou em diferentes ocasiões que o direito de visita é um requisito fundamental para assegurar o respeito à integridade e liberdade pessoal dos reclusos e, como corolário, o direito de proteção à família de todas as partes afetadas.[...] Portanto, a Comissão conclui que, ao requererem as autoridades do Estado argentino que a Senhora X e sua filha se submetessem a revistas vaginais sempre que desejavam manter contato pessoal com o marido da Senhora X, exerceram interferência indevida no direito à família dos peticionários.

20

Por fim, a Comissão recomendou que o Estado Argentino tomasse medidas para cumprir o julgamento e para que as vítimas fossem adequadamente compensadas: “118. Recomenda ao Estado argentino que adote as medidas legislativas ou de outra natureza para ajustar suas previsões às obrigações estabelecidas pela Convenção, expressas nas presentes conclusões e recomendações. 119. Recomenda ao Estado argentino que mantenha a Comissão informada sobre o processo de estudo e sanção das medidas mencionadas no parágrafo anterior. 120. Recomenda que as vítimas sejam adequadamente compensadas.”

A Comissão, por meio da Relatoria Especial sobre os Direitos das Pessoas Privadas de Liberdade, aprovou, em 2009, no 131º período ordinário de sessões, o documento “Princípio e Boas Práticas sobre a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas” (doc. 12) e dentre os princípio que os Estados Partes da Convenção Americana devem cumprir está o XXI, que diz: “Os exames corporais, a inspeção de instalações e as medidas de organização dos locais de privação de liberdade, quando sejam procedentes em conformidade com a lei, deverão obedecer aos critérios de necessidade, razoabilidade e proporcionalidade. Os exames corporais das pessoas privadas de liberdade e dos visitantes dos locais de privação de liberdade serão praticados em condições sanitárias adequadas, por pessoal qualificado do mesmo sexo, e deverão ser compatíveis com a dignidade humana e o respeito aos direitos fundamentais. Para essa finalidade, os Estados membros utilizarão meios alternativos que levem em consideração 21

procedimentos e equipamentos tecnológicos ou outros métodos apropriados. Os exames intrusivos vaginais e anais serão proibidos por lei. As inspeções ou exames praticados no interior das unidades e instalações dos locais de privação de liberdade deverão ser realizados

por

autoridade

competente,

observando-se

um

procedimento adequado e com respeito aos direitos das pessoas privadas de liberdade.”

Por fim, na audiência pública da 146ª Sessão da Comissão, em novembro de 201226, o Relator Especial para as Pessoas Privadas de Liberdade constatou que as revistas vexatórias são incompatíveis com o trato humanitário e a dignidade humana, e que, considerando os atuais avanços de tecnologia, é inconcebível que tais revistas ocorram, recomendando, inclusive, que o Brasil aderisse aos Princípios e Boas Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas. Já quanto à jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, pode ser mencionado o Caso Penal Miguel Castro Castro x Peru, 200627, que, concluiu que a revista genitália feminina é uma forma de violência contra a mulher e, por seus efeitos constitui tortura: “as revisões vaginais praticadas nas mulheres visitantes, na ausência completa de regulamento, praticada por policiais e carcereiros, não por pessoal da saúde, e como uma medida principal e não como último recurso no objetivo de manter a segurança no presídio, constitui violência contra a mulher. [...] 26

Disponível em http://www.oas.org/OASPage/videosasf/2012/11/110112_Vidal_2.wmv Acessado em 25/04/2014. 27 Disponível em http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_181_esp.pdf Acessado em 25/04/2014.

22

Este tribunal conclui que os atos da violência sexual aos quais a reclusa for submetida sob uma suposta “inspeção” vaginal dedilhar, constituem uma violação sexual, que por seus efeitos constitui tortura.” Por fim, não é demais mencionar que o próprio direito interno brasileiro reconhece a hierarquia supralegal dos tratados e convenções de direitos humanos ratificados pelo Brasil, como demonstra o próprio posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre a hierarquia da Convenção Americana sobre Direitos Humanos: "Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do CC de 1916 e com o DL 911/1969, assim como em relação ao art. 652 do novo CC (Lei 10.406/2002)." (RE 466.343, Rel. Min. Cezar Peluso, voto do Min.Gilmar Mendes, julgamento em 3-12-2008, Plenário, DJE de 5-6-2009, com repercussão geral.)

“[...] Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no art. 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia 23

à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica. O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações

internacionais

e

das

proclamações

constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs. Aplicação, ao caso, do art. 7º, n. 7, c/c o art. 29, ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): um caso típico de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser humano.” (HC 91.361, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23-9-2008, Segunda Turma, DJE de 6-2-2009. Assim, verifica-se que de acordo com as convenções internacionais ratificadas pelo Brasil, a revista intima vexatória, como a que ocorre nos CDPs I e II de Guarulhos ofende a dignidade humana, devendo, todas as vítimas desse procedimento inaceitável, serem indenizadas pelo Réu.

4.1) Da ilegalidade da revista íntima vexatória Em demandas de responsabilidade civil, como a presente, o artigo 927 do Código Civil que estabelece que aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo, somente é bem aplicado se a ilicitude for investigada em todo ordenamento jurídico, no plano legal e constitucional.

24

A dignidade da pessoa humana, sendo – mais que um direito – um fundamento da República estabelecido na Constituição, torna-se uma lente pela qual devem ser interpretados os demais direitos posteriormente conhecidos. Assim, o direito fundamental à intimidade, à privacidade e à integridade física e psicológica, apesar de possuírem eficácia reconhecidamente imediata, também podem encontrar dimensões de sua realização em normas infraconstitucionais. Sendo assim, o fato jurídico trazido na presente demanda, a par de transitar também pelos domínios do direito constitucional, pode ser bem solucionado a partir da exegese dos direitos da personalidade trazidos pelo Código Civil, como reconhece a doutrina brasileira, com a aprovação do enunciado nº 274 na IV Jornada de Direito Civil promovida pelo CJF/STJ, cujo teor ora se transcreve: ENUNCIADO 274 – Art. 11: Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, inc. III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação. Diante disso, com a leitura dos artigos 11, 12 e 21 do Código Civil, que ora transcreve-se, pode-se identificar a expressão da inviolabilidade da intimidade, privacidade e integridade física e psicológica inerente à personalidade humana: Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

25

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma. Cabe desde logo mencionar, que no presente caso, não há qualquer exceção prevista em lei que impeça a fruição dos direitos da personalidade mencionados acima. Nem mesmo no âmbito do Estado de São Paulo, há lei que regulamente os limites das revistas feitas em visitantes do sistema prisional. Pelo contrário! A própria Constituição Estadual, na Seção que trata da política penitenciária estabelece que a legislação penitenciária estadual respeite normas internacionais de direitos humanos. É o que dispõe seu artigo 143, abaixo transcrito: Artigo 143 - A legislação penitenciária estadual assegurará o respeito às regras mínimas da Organização das Nações Unidas para o tratamento de reclusos, a defesa técnica nas infrações disciplinares e definirá a composição e competência do Conselho Estadual de Política Penitenciária. Nem mesmo a Resolução nº 144/2010 da Secretaria de Administração Penitenciária, que instituiu o Regimento Interno Padrão das Unidades Prisionais do Estado de São Paulo, prevê a revista íntima e vexatória nos visitantes (doc. 13). O artigo 94 da Resolução traz disposição contrária a sua aplicação quando dispõe que os visitantes devem

ser tratados com humanidade e com dignidade inerente ao ser humano, por parte de todos os funcionários da unidade prisional e de todo o corpo funcional dos órgãos pertencentes à Secretaria da Administração Penitenciária. Os artigos 149 e seguintes dessa mesma resolução, preveem a revista manual e mecânica dos visitantes, mas em nenhum momento, dispõem que a revista manual deve ser íntima e, muito menos, que o visitante deve despir-se completamente, agachar 3 ou mais vezes, abrir bem as pernas, abrir a vagina com as mãos de modo que seja possível a

26

visualização de seu canal vaginal e fazer movimentos enquanto nuas, como descrevem as cartas das vítimas juntadas aos autos (doc. 4). Não obstante, vale lembrar que o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), por meio do artigo 3º de sua Resolução nº 9, de 12 de julho de 2006 (doc. 14), determina que a honra e a dignidade dos visitantes revistados devem ser respeitadas. Além de obrigar o estabelecimento prisional a possuir detectores eletrônicos capazes de identificar armas, explosivos e drogas, também define que a revista manual deverá ser efetuada em caráter excepcional e quando houver fundada suspeita de porte de objeto ilícito, que deverá ser registrada em livro próprio, com consentimento do revistado, antes da revista manual. Veja-se o teor dos dispositivos normativos desta resolução: Art. 1º - A revista é a inspeção que se efetua, com fins de segurança, por meios eletrônicos e/ou manuais, em pessoas que, na qualidade de visitantes, servidores ou prestadores de serviço, ingressem nos estabelecimentos penais. §1º - A revista abrange os veículos que conduzem os revistandos, bem como os objetos por eles portados. § 2º - A revista eletrônica deverá ser feita por detectores de metais, aparelhos de raio X, dentre outros equipamentos de segurança, capazes de identificar armas, explosivos, drogas e similiares. [...] Art. 3º - A revista manual deverá preservar a honra e a dignidade do revistando e efetuar-se-á em local reservado.” Também é imperioso trazer à baila o artigo 41, inciso X da Lei de Execução Penal, que garante a visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos como direito da pessoa presa, não podendo, por óbvio, a administração criar obstáculos desnecessários ao exercício desse direito.

27

Além disso, o próprio CNJ - Conselho Nacional de Justiça, apresentou o Relatório Final do Mutirão Carcerário do Estado de São Paulo realizado em 2011 (doc. 09), que recomendou à Secretaria de Administração Penitenciária a ampliação de aparelhos de detecção de metais e outros objetos para que não fossem realizadas as revistas vexatórias. Veja-se trecho do relatório: No tocante às revistas, em algumas unidades prisionais há aparelhos para a detecção de metais e outros objetos, de modo que se sugere à SAP a ampliação desses equipamentos, de modo a evitar o constrangimento nas chamadas “revistas íntimas”, principalmente em crianças e mulheres. Até mesmo o Plano Nacional de Direitos Humanos 328 (PNDH-3), reconhece a ofensa que essa forma de revista tem à dignidade humana. Como propõe a Diretriz 14, que combate a violência institucional, com ênfase na erradicação da tortura e na redução da letalidade policial e carcerária, a Diretriz 16 que busca a modernização da política de execução penal, priorizando a aplicação de penas e medidas alternativas à privação de liberdade e melhoria do sistema penitenciário, e, como demonstra o objetivo estratégico 1 com a seguinte ação programática: adotar mecanismos

tecnológicos para coibir a entrada de substâncias e materiais proibidos, eliminando a prática de revista íntima nos familiares de presos. É bom lembrar, inclusive, que o eg. Tribunal de Justiça de São Paulo já reconheceu que procedimento de revista íntima é degradante, invasivo, viola a proteção constitucional à intimidade e ofende a dignidade humana.

Veja-se este julgado que determinou o pagamento de R$ 14.000,00 a título de indenização por danos morais a uma mulher que foi submetida à revista íntima vexatória por ser suspeita de ter praticado furto em um estabelecimento comercial:

28

Disponível em http://portal.mj.gov.br/sedh/pndh3/pndh3.pdf Acessado em 25/04/2014.

28

RESPONSABILIDADE

CIVIL

-

INDENIZAÇÃO

POR

DANOS MORAIS ACUSAÇÃO DE SUBTRAÇÃO DE CHEQUE QUE RECAIU SOBRE OS FUNCIONÁRIOS DO ESTABELECIMENTO SUBMETIDA

À

RÉU

AUTORA

SITUAÇÃO

QUE

FOI

VEXATÓRIA

E

CONSTRANGIMENTO DE ORDEM MORAL RÉU QUE REALIZOU REVISTA, EM SEPARADO, NO BANHEIRO DO ESTABELECIMENTO POR PESSOA ALHEIA AO SEU QUADRO DE FUNCIONÁRIOS - CONDUTA ILÍCITA SOFRIMENTO

INTENSO

CONSTRANGIMENTO EVIDENCIADOS

CAUSADO

SOFRIDO

DEVER

-

DE

PELO DANOS

INDENIZAR

RECONHECIDO - QUANTUM ARBITRADO VALOR CONDIZENTE COM A CAPACIDADE FINANCEIRA DE QUEM DEVA ARCAR COM O PAGAMENTO, SEM ENRIQUECER

A

VÍTIMA

SENTENÇA

MANTIDA

RECURSO IMPROVIDO (AC 9121980-14.2007.8.26.0000, 2ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Neves Amorim, j. 13/12/2011)

Nota-se que nele, a 2ª Câmara de Direito Privado, trata como inquestionável a ofensa à honra, a profunda perturbação nas relações psíquicas, sentimentos e afetos da mulher que sofreu a revista íntima, merecendo a devida reparação pelo constrangimento ilegal. Veja-se trecho do acórdão: “De fato, a prova oral produzida nos autos confirmou que a autora foi levada ao banheiro do estabelecimento e de lá saiu desesperada e chorando, o que afasta a alegação de que a situação limitou-se à exibição do conteúdo de sua bolsa. Ademais, como ressaltado pelo MM. Juiz sentenciante o estabelecimento réu na tentativa de legitimar sua conduta, trouxe aos autos informação de decisão similar, que não considerou abusiva 29

a revista íntima a funcionários de uma empresa, considerando o fato exercício regular de direito, o que reforça a coerência dos fatos narrados na petição inicial. Inquestionável, portanto, que a conduta manifestamente ofensiva afetou a honra da autora no âmbito social e pessoal, causando profunda perturbação em suas relações psíquicas, em sua tranqüilidade, em seus sentimentos e afetos, de modo a configurar constrangimento ilegal que exige a devida reparação.”

Outro julgado, da lavra deste eg. Tribunal, garantiu a indenização de R$ 10.000.00 a uma mulher por ter sofrido danos morais em decorrência da humilhação sofrida em revista íntima vexatória. Veja-se sua ementa: Responsabilidade civil - Suspeita de furto - Revista íntima em empregado - Dano moral - Configuração - Lesão ao princípio da dignidade da pessoa humana - Ofensa à integridade psicofisica - Vulneração a direito da personalidade Precedentes do TST- Sentença mantida - Recurso improvido. Ementa - Dano moral - Reparação - Valor - Minoração Descabimento - Consideração das peculiaridades do caso concreto - Observância aos critérios compensatório e punitivo - Sentença mantida - Recurso improvido. (AC 0106504-31.2003.8.26.0000, 7ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Luiz Antônio Costa, j. 26/05/2010) Neste caso, a 7ª Câmara de Direito Privado é ainda mais explícita em caracterizar a ofensa à integridade psicofísica e a lesão ao princípio da dignidade humana gerado pela revista íntima, comprovada mediante prova testemunhal, como demonstra o seguinte trecho do v. acórdão:

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“O quadro-fático probatório - notadamente o depoimento testemunhal de fls. 70-71 - comprova a ocorrência da ação do Apelante (conduta) direcionada à Apelada (nexo causal). Resta saber se tal comportamento foi capaz de causar dano moral. Atualmente, doutrina e jurisprudência conceituam dano moral como lesão ao princípio da dignidade da pessoa humana, ou, em outras palavras, ofensa a direito da personalidade. Na espécie, não é difícil concordar com que o recorrente, ao submeter a recorrida à revista íntima, vulnerou-lhe a integridade psicofísica, categoria que integra a dignidade pessoal e, ao mesmo tempo, consubstancia subespécie de direito da personalidade.” A dignidade humana e sua respectiva ofensa diante de procedimentos de revistas íntimas vexatórias, também é reconhecido na Justiça do Trabalho, como demonstra o firme e pacificado entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, refletido nos seguintes julgados: RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. REVISTA ÍNTIMA VEXATÓRIA.

ABUSO

DE

DIREITO.

ILÍCITO

TRABALHISTA. Deparamo-nos no caso em tela com o confronto entre dois direitos, de um lado o do empresário, visando à proteção de seu patrimônio e de terceiros, e de outro o do empregado, tendo ameaçada a inviolabilidade à sua intimidade e imagem pessoal por estar submetido diariamente a revistas íntimas, ocasião em que era obrigado a se despir totalmente e dessa forma se agachar de costas perante seus revistadores, com intuito de certificar que não estaria escondendo dinheiro da empresa em seu corpo. Em situações em que haja conflito de direitos entre as partes, deve proceder-se à análise do caso concreto com base nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na solução da demanda. Com efeito, a atividade patronal, qualquer que seja, não justifica expor o empregado a revista vexatória, 31

despindo-o, prática esta abusiva que excede o poder diretivo do empregador, pois atinge a intimidade e dignidade do ser humano, direitos pessoais indisponíveis, previstos nos incisos III e X do artigo 5º da Lei Maior. O empregador não se apropria do pudor das pessoas ao contratá-las. Respeito é o mínimo que se espera. Se a empresa desconfiava de seus empregados, que adotasse outros meios de fiscalização, capazes de impedir delitos, preservando, no entanto, a intimidade de cada um. [...] Uma vez constatada a violação de direito personalíssimo - a dignidade da pessoa humana - dúvidas não há de que, consoante o artigo 5º, V, da Constituição Federal, o empregador deverá ser condenado a indenizar o empregado pelos danos morais decorrentes do ilícito praticado. Para efeito de tal indenização, conclui-se ser razoável e proporcional o valor arbitrado pela r. sentença, de R$ 9.000,00, que ora é restabelecido.Recurso de revista conhecido por violação do art. 5º, X, da Constituição Federal e provido. (RR 124300-06.2001.5.01.0015, 3ª Turma, Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 07/03/2014) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. REVISTA ÍNTIMA. CONTATO FÍSICO. PRÁTICA ABUSIVA. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. Hipótese em que é incontroverso nos autos que a fiscalização praticada na empresa não se resume à revista sobre os pertences dos empregados, sendo exercida por contato físico. O procedimento adotado pelo reclamado importa em exposição desnecessária do empregado e de sua intimidade no âmbito da relação de emprego, o que contraria o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e o direito à inviolabilidade da honra, imagem, vida privada e intimidade, previstos nos arts. 1.º, III, e 5.º, V e X, da Constituição Federal. Agravo de instrumento não provido.

32

(AIRR 14287420105050463, 7ª Turma, Relª. Minª. Delaíde Miranda Arantes, j. 27/09/2013) "(...) DANO MORAL. REVISTA ÍNTIMA. A revista corporal dos (as) empregados (as) enseja, de maneira geral, o pagamento da indenização por dano moral, em face da afronta aos princípios e às regras constitucionais de proteção à privacidade, à intimidade e à dignidade das pessoas humanas (art. 5º , V e X, CF) (...) (AIRR 181740-54.2005.5.12.0001, rei. Min. Maurício Godinho Delgado, 6ª Turma, j. 24/03/2010). Não obstante os julgados acima não estarem se referindo a praticas ocorridas em visitantes do sistema prisional, a revista íntima vexatória ofende a privacidade, a intimidade e a dignidade das pessoas humanas em qualquer lugar que ela ocorra, independente se o é praticada por um particular ou por um agente do Estado. Ou as pessoas que visitam o sistema prisional são menos seres humanos do que as pessoas que visitam um supermercado? Ainda que já esteja suficiente a demonstração da necessidade de se reparar tamanha violação, cabe mencionar julgamento seminal da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, que trata especificamente da revista íntima vexatória realizada em visitante do estabelecimento prisional. Veja-se a ementa: DIREITO CIVIL

ADMINISTRATIVO DO

ESTADO

CONSTRANGEDOR

DE

-

-

RESPONSABILIDADE

ATO AGENTE

COMISSIVO

E

ESTATAL

-

CONSTRANGIMENTO ILEGAL - DEVER DE INDENIZAR - RESPONSABILIDADE OBJETIVA. 1. Cabe ao Estado, pelo princípio constitucional da responsabilidade reparar os danos causados por atos omissivos ou comissivos praticados pelos agentes estatais. 33

2. Recomposição que se faz não apenas no plano material, mas também no imaterial, quando a vítima, sem culpa alguma, foi submetida a constrangimento incompatível com o agir da administração. 3. Revista de visitante a estabelecimento prisional que resultou na sua exposição a dois exames íntimos para verificação de não estar portando droga, um dos quais realizado em estabelecimento hospitalar. 4. Recurso especial provido. (REsp nº 856.360/AC, Segunta Turma, Minª. Relª. Eliana Calmon, DJe 23/09/2008) Diante da similitude fática com a presente demanda, pede-se vênia para transcrever trecho do voto da Minª. Relª. Eliana Calmon, cujo acórdão, por unanimidade, deu provimento ao pleito da vítima: “Na hipótese dos autos, consta ter sido a Recorrente submetida à revista íntima, quando foi à penitenciária visitar seu namorado, recluso no estabelecimento prisional. [...] Ao praticar atos administrativos, interfere a Administração na esfera jurídica dos administrados, interferência que não lhes pode causar dano. Se tal intervenção ocasiona dano ou mal estar aos administrados, abre-se ensejo de haver pedido de intervenção do Estado, seja na esfera administrativa e/ou judicial, no sentido de haver lícita reparação na proporção dos danos sofridos. Adotando a ordem constitucional vigente a responsabilidade objetiva do Estado, consubstanciada na modalidade do risco administrativo, sob o pálio da não necessidade de demonstração de culpa, para fins de responsabilização, devem os danos causados ser reparados de forma abrangente, incluindo-se na reposição não somente os danos materiais, mas também os danos

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morais, conforme disciplina o artigo 37, § 6º da Constituição Federal. [...] Assim sendo, constatando-se o dano, a reparação é medida que se impõe, de acordo com o previsto previsto nos artigos 186 e 927, ambos do Código Civil Brasileiro. O dever de indenizar se impõe se do ato comissivo ou omissivo do agente derivar-se dano direta ou indireta. Afinal, as ações ou omissões dos prepostos estatais não se bipartem, sendo considerados uma unidade, em conformidade com a teoria do órgão administrativo, onde a vontade do agente é a vontade do Estado. [...] No caso dos autos, entendo que há obrigação de reparar o dano moral causado à Recorrente, eis que presentes todos os elementos aptos a ensejar o abalo psicológico causado, não sendo um mero dissabor causado à Recorrente. Ocorreu, efetivamente, um abuso de direito.” Desta forma, não há que se falar em inexistência de dano moral conforme aduz o Estado, já que o exercício regular do direito do Estado em questão de segurança não pode ser utilizado como instrumento para cometer atos que atinjam de forma desproporcional e desarrazoada o direito de outrem. Outrossim, o argumento da segurança não pode se sobrepor à dignidade da pessoa humana.”

Portanto, está claro que a prática da revista íntima vexatória é um incisivo e ofensivo golpe à regularidade do ato administrativo da revista e à ordem constitucional, legal e jurídica internacional, não podendo o Poder Judiciário deixar indene tamanha violação de direitos humanos praticada pelo Estado de São Paulo.

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5) DOS DANOS 5.1) Do dano moral Com o advento da Constituição de 1988, tornou-se inequívoco o reconhecimento do dano moral e de sua reparação na hipótese de lesão. O inciso X do artigo 5º é somente uma das expressões da Carta Constitucional em admitir a reparabilidade do dano moral, mas fundamenta suficientemente a defesa dos direitos constitucionais subjetivos afirmados na presente demanda: X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; Nota-se claramente que os bens jurídicos reconhecidos pela norma constitucional mencionada decorrem da própria natureza humana, sendo integrantes de sua própria personalidade. Uma vez violados, exsurge o direito de indenização à vítima, de maneira que seja assegurada a dignidade humana como fundamento da República. É o que leciona Sérgio Cavalieri Filho29: “[...] logo no seu primeiro artigo, inciso III, a Constituição Federal consagrou a dignidade humana como um dos fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito. Temos hoje o que pode ser chamado de direito subjetivo constitucional à dignidade. Ao assim fazer, a Constituição deu ao dano moral uma nova feição e maior dimensão, porque a dignidade humana nada mais é do que a base de todos os valores morais, a essência de todos os direitos personalíssimos. Os direitos à honra, ao nome, à intimidade, à privacidade e à liberdade estão englobados no direito à dignidade, verdadeiro

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Cavalieri Filho, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 9ª ed., 2010, p. 82.

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fundamento e essência de cada preceito constitucional relativo aos direitos da pessoa humana.” Como não reconhecer que há grave ofensa à dignidade das mulheres que são submetidas ao procedimento padrão e sistemático de revista íntima vexatória nas unidades prisionais em questão, sendo obrigadas a despir-se completamente para agachar 3 ou mais vezes, abrir bem as pernas, abrir a vagina com as mãos de modo que seja possível a visualização de seu canal vaginal, fazer movimentos estando nuas, para só então ser autorizada a visita ao familiar, cônjuge ou companheiro? Ora, é patente que esse procedimento está muito distante da essência da dignidade! Se ainda restarem dúvidas quanto ao conceito de dignidade como fundamento de todos os direitos personalíssimos, pede-se vênia para transcrever a celebre frase atribuída a Immanuel Kant: “A dignidade é o valor de que se reveste tudo aquilo que não tem preço, ou seja, que não é passível de ser substituído por um equivalente. É uma qualidade inerente aos seres humanos enquanto entes morais. Na medida em que exercem de forma autônoma a sua razão prática, os seres humanos constroem distintas personalidades humanas, cada uma delas absolutamente individual e insubstituível. A dignidade é totalmente inseparável da autonomia para o exercício da razão prática. A vida só vale a pena se digna.” Nota-se que o procedimento adotado rotineiramente nas revistas íntimas por agentes do Estado nos CDPs I e II de Guarulhos são alheios à própria função do Estado de exercer sua atividade administrativa, com absoluta segurança, de modo a não causar dano a ninguém. A revista, assim como qualquer ato realizado por agentes do Estado, está vinculada ao dever de incolumidade, cuja violação enseja o dever de indenizar, independentemente de culpa.

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O que busca a presente ação é uma sentença genérica que fixe a responsabilidade civil do Réu pelos danos causados e do dever de indenizar as vítimas aqui delineadas. A quantificação dos danos de cada vítima será determinado em sede de liquidação e execução de sentença, como determina o art. 97 da Lei nº 8.078/90 e como entende a doutrina, aqui representada por Fredie Didier Jr e Hemres Zaneti Jr.30 cujo entendimento transcreve-se abaixo: “O fato de ser possível determinar individualmente os lesados não altera a possibilidade e pertinência da ação coletiva. Permanece o traço distintivo: o tratamento molecular, nas ações coletivas, em comparação com a fragmentação da tutela (tratamento atomizado), nas ações individuais. É evidente a vantagem do tratamento uno, das pretensões em conjunto, para obtenção de um provimento genérico. [...] Nessa perspectiva, o pedido nas ações coletivas será sempre uma “teses jurídica geral” que beneficie, sem distinção, os substituídos. As peculiaridades dos direitos individuais, se existirem, deverão ser atendidas em liquidação de sentença a ser procedida individualmente.” Sendo assim na ocasião da liquidação e execução individual da sentença pelas vítimas, será possível apurar a relação de causalidade entre o dano individualmente sofrido e o fato danoso reconhecido na sentença, e, os fatos e alegações pertinentes ao dimensionamento do dano sofrido, observando-se ainda os aspectos peculiares de cada vítima como idade, sexo, saúde, efeitos psicológicos da violação, bem como o grau e as condições da humilhação a qual foi submetida. Não há como afastar o Poder Judiciário desse atentado às garantias constitucionais de liberdade individual promovida pelo Réu, mas que, em decorrência do ato ilícito atingir uma coletividade, tem o tratamento coletivizado na presente demanda.

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DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil, V. 4. Salvador: Ed. Jus Podium, 2014. p. 71.

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Desse modo, estão caracterizadas as violações à integridade moral das mulheres que passam pelo procedimento da revista íntima vexatória nos CDPs I e II de Guarulhos, nos moldes trazidos na presente ação civil pública, e que, de modo inequívoco devem ser compensadas com a imposição de obrigação pecuniária imposta ao Réu. 4.2) Do nexo causal e da responsabilidade objetiva Caracterizadas as violações à dignidade da coletividade defendida nessa demanda, faz-se necessário demonstrar o nexo de causalidade entre o Réu, o causador do dano, e as vítimas. O próprio bem jurídico tutelado e o fato jurídico narrado já demonstram que os responsáveis pela violação à intimidade da autora são agentes do Estado e que estavam no exercício de suas funções. Não obstante, a adoção de um procedimento comum pelos agentes de segurança das unidades em questão, para a revista de pessoas que desejam visitar pessoas reclusas naquelas unidades, caracteriza a imputação direta ao Estado pelos atos de seus agentes. Tal hipótese é defendida por Celso Antônio Bandeira de Mello31: “Assim como o Direito constrói a realidade (jurídica) ‘pessoa jurídica’, também constrói para ela as realidades (jurídicas) vontade e ação, imputando o querer e o agir dos agentes à pessoa do Estado. A relação entre a vontade e a ação do Estado e de seus agentes é uma relação de imputação direta dos atos dos agentes ao Estado. Esta é precisamente a peculiaridade da chamada relação orgânica. O que o agente queira, em qualidade funcional – pouco importa se bem ou mal-desempenhada -, entende-se que o Estado quis, ainda que haja querido mal. O que o agente nestas condições

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Bandeira de Mello, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 15ª ed., p. 867.

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faça é o que o Estado fez.” Celso Antônio Bandeira de Mello” (grifos nossos)

Desse modo, a relação de causalidade entre a ação administrativa e o dano de uma coletividade específica de administrados está demonstrada pela própria comprovação da ocorrência do fato narrado pelas cartas recebidas pela autora e, que será esmiuçada com a prova testemunhal de mulheres que passaram por tal constrangimento e de agentes de segurança que aplicam o abominável procedimento. Portanto, resta-se demonstrada a relação de causa e efeito entre a conduta ilícita do Estado, ao promover reiteradamente a revista íntima humilhante e vexatória nos CDPs I e II de Guarulhos, e os danos morais sofridos pelas vítimas trazidas na presente demanda.

4.3) Do dano social

O princípio de que a pena não pode ultrapassar a pessoa do condenado está no inciso XLV, do art. 5º da Constituição da República, sendo um dos fundamentos mais básicos do direito penal moderno. Mesmo assim, o simples fato de ter vínculos afetivos com pessoas presas faz com que pessoas passem todas as semanas pelo procedimento que as obriga a se desnudar e ter seus órgãos genitais inspecionados por agentes de segurança. Assim, o poder de punir do Estado, expressado na disciplina imposta nas unidades prisionais que, por vezes ofende a dignidade do recluso sob o pretexto da segurança, ainda que inaceitável do ponto de vista humanitário do recluso, é ainda mais reprovável do ponto de vista das pessoas que, juridicamente, sequer são atingidas pelo poder punitivo do Estado.

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Nota-se, com essa conduta, que o réu abdica de seu dever de assegurar aos administrados a preservação de sua incolumidade, como quer o art. 139 da Constituição do Estado de São Paulo, para aplicar penas, mesmo que não prevista pelo direito penal, às pessoas que não cometeram crime, e portanto, que não estão e não deveriam estar custodiadas pelos sistema prisional. A própria execução penal deve proporcionar condições para a harmônica integração social do preso de modo a orientar o seu retorno à convivência em sociedade. Nesse aspecto a família tem papel inafastável, diante da condição de entidade familiar como primeira expressão da sociedade, reconhecida pela Constituição da República em seu art. 226 quando diz que a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. Ora, o que faz o Réu, com a conduta descrita na presente ação, se não o rompimento dos laços familiares do preso? E, como se cumprirá o objetivo do retorno à convivência em sociedade, se o próprio Réu rompe o derradeiro elo que liga o preso à base da sociedade? Objetivo este, vale lembrar, estampado na própria Lei de Execução Penal, em seu artigo inaugural: Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. Os efeitos sociais da transcendência da aplicação da pena e da violação da proteção constitucional da entidade familiar, ocasionadas pelo revista íntima vexatória, tornam-se inevitáveis. Na medida em que o próprio Estado de São Paulo viola bens coletivos garantidos pela Carta Constitucional, quem suportará o ônus será toda a sociedade, que não verá surtir efeito o objetivo ressocializador da execução penal. Não obstante a grave ofensa cometida pelo Estado em aplicar pena a familiares, não pode ser olvidado que tratam-se de centros de detenção provisória, o que significa dizer que as pessoas ali encarceradas não possuem condenação judicial transitada em julgado, possuindo direito subjetivo à garantia constitucional da presunção da inocência prevista no art. 5º, LVII da Constituição. 41

Se o Estado é impedido constitucionalmente de aplicar penas que ultrapassem a pessoa do condenado, imagine-se ultrapassar a aplicação da pena ao cônjuge, companheiro ou familiar de alguém que nem condenado está? Em casos como esse, a medida que se impõe é a condenação por danos morais coletivos, como já assegurou em diversas oportunidades o Superior Tribunal de Justiça: “A consequência que se extrai dessa conclusão é que a lesão a um bem difuso ou coletivo corresponde a um dano nãopatrimonial e, por isso, deve encontrar uma compensação, permitindo-se que os difusamente lesados gozem de um outro bem jurídico. Não se trata, portanto, de indenizar, porque não se indeniza o que não está no comércio e que, portanto, não tem preço estabelecido mercado. A degradação ambiental, por exemplo, deve ser compensada, pois a perda do equilíbrio ecológico, ainda que temporária, não pode ser reduzida a um valor econômico. Mesmo que possa se identificar o custo da despoluição de um rio, não se precifica a perda imposta à população ribeirinha que se vê impossibilitada, durante meses, de nadar em suas águas outrora límpidas”. [...] A questão da existência de um dano moral supra-individual surge, no Direito Brasileiro, com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor que, em um só passo, alterou a redação do art. 1o da Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) e introduziu em nosso ordenamento o art. 6o, CDC. Com efeito, o art. 1o, LACP, deixa antever a possibilidade de um dano moral coletivo ao afirmar que “regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e materiais causados: [...] IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo” (grifou-se). Na mesma linha, o art. 6º, CDC, estabelece que “são direitos básicos do consumidor: [...] VI a efetiva reparação 42

de danos patrimoniais e morais, individuais , coletivos e difusos”. (REsp 636.021/RJ, Terceira Turma, relª. minª. Nancy Andrighi, j. 06/03/2009) “O dano moral extrapatrimonial deve ser averiguado de acordo com as características próprias aos interesses difusos e coletivos, distanciando-se quanto aos caracteres próprios das pessoas físicas que compõem determinada coletividade ou grupo determinado ou indeterminado de pessoas, sem olvidar que é a confluência dos valores individuais que dão singularidade ao valor coletivo”. (REsp 1.057.274/RS, Segunda Turma, relª. minª Eliana Calmon, j. 26/02/2010)

Para que não haja dúvida sobre as características e o próprio conceito de dano social, que permeia a afirmação de direitos trazida na presente demanda, pede-se vênia para a transcrição da doutrina de Antonio Junqueira de Azevedo32, que trata do reconhecimento do dano social, afirmando que:

“os danos sociais, por sua vez, são lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral -

principalmente a respeito da segurança - quanto por

diminuição na qualidade de vida [...] Por outro lado, mesmo raciocínio deve ser feito quanto aos atos que levam à conclusão de que não devem ser repetidos, atos negativamente exemplares - no sentido de que sobre eles cabe dizer: ‘Imagine se todas as vezes fosse assim!’. Também esses atos causam um rebaixamento do nível coletivo de vida - mais especificamente na qualidade de vida

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Azevedo, Antonio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civi: o dano social. In: Filomeno, José Geraldo Brito; Wagner Junior, Luiz Guilherme da Costa; Gonçalves, Renato Afonso (Coord.). O Código Civil e sua interdisciplinaridade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, apud Flavio Tartuce, pp.432 e 434.

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Mesmo este eg. Tribunal de Justiça Paulista já reconheceu o dano social, condenando o causador do dano em R$ 1.000.000,00 no intuito de preservar o interesse coletivo. Veja-se trecho do voto do d. des. rel. Teixeira Leite, da 4ª Turma de Direito Privado, no acórdão proferido na Apelação Cível nº 0027158-41.2010.8.26.0564: “Trata-se, enfim, de uma tentativa de fazer com que a responsabilidade civil cumpra a função que a sociedade exige, qual seja, a de encontrar fórmulas subsidiárias para acabar com os efeitos da crise provocada pelos chamados efeitos repetitivos da ilicitude. Quando o Estado não observa as transformações sociais e os demais ramos do direito não enxergam solução, cabe ao intérprete inventar a diretriz que constitua o antidoto contra a recidiva e que, também, puna o agente contraventor com a retirada de lucro desmedido que se obteve à custa das transgressões dos contratos massificados e que vitimizam consumidores impotentes.”

Nota-se, portanto, que o dano social, como já reconhecido pelos tribunais, é passível de compensação em face da função social da responsabilidade civil, o que deve ser aplicado à presente demanda, diante das temíveis consequências que a revista íntima vexatória traz para a sociedade.

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6) CONCLUSÃO A presente ação civil pública busca a garantia e efetivação dos direitos irrevogáveis à intimidade, à privacidade, à integridade física e psicológica e, sobretudo, à dignidade da pessoa humana, que, sistematicamente, são violados durante o procedimento de revista íntima vexatória, na qual mulheres, crianças, homens, idosos e idosas são obrigados a se submeter para que possam visitar familiares reclusos nos CDPs I e II de Guarulhos. Aqui estão presentes 24 cartas de mulheres que foram obrigadas a passar pela revista íntima vexatória nessas unidades, que descrevem o mesmo procedimento: despir-se completamente para agachar 3 ou mais vezes, abrir bem as pernas, abrir a vagina com as mãos de modo que seja possível a visualização de seu canal vaginal e fazer movimentos enquanto nuas. Nesse sentido, a tutela coletiva torna-se necessária para garantir o acesso à justiça de pessoas que não possuem condições de exercê-lo individualmente, seja pela receio de retaliações aplicadas pela unidade prisional em que seu familiar está recluso, seja pela condição de vulnerabilidade material e psicológica das pessoas que passam pela humilhação da revista íntima vexatória. Esse é o motivo preponderante da inexpressiva quantidade de ações indenizatórias individuais movidas pelas pessoas que sofrem tamanha violação de direitos. A utilização da presente ação civil pública se justifica na medida que requer a fixação, em sentença genérica, da responsabilidade civil do Réu pelos danos causados e do dever de indenizar as vítimas do fato danos, tornando-se possível a liquidação e execução individual da sentença pelas vítimas. Ocasião em que será possível apurar a relação de causalidade entre o dano individualmente sofrido e o fato danoso reconhecido na sentença, e, os fatos e alegações pertinentes ao dimensionamento do dano sofrido, observando-se os aspectos peculiares de cada vítima como idade, sexo, saúde, efeitos psicológicos da violação, bem como o grau e as condições da humilhação a qual foi submetida. 45

A revista íntima vexatória, seguramente é uma das maiores violações de direitos humanos que ocorre no Estado de São Paulo e em outros estados brasileiros, e que, diante da vulnerabilidade das vítimas, por muito tempo permaneceu invisível aos olhos da sociedade e do Judiciário. Mas já é possível observar a notoriedade dessa grave violação de direitos, quando grandes veículos da imprensa como Folha de São Paulo33, O Estado de São Paulo34, Carta Capital35 e BBC36 noticiam a realidade do procedimento da revista vexatória no sistema prisional paulista. Também é destacado que os Estados de Goiás37 e Espírito Santo38, assim como a cidade de Recife (PE)39, já proibiram esse tipo de revista, não sendo registrados aumentos na insegurança em suas unidades prisionais. A indenização das vítimas da revista íntima vexatória praticadas nos Centros de Detenção Provisória I e II de Guarulhos aqui pleiteada, é apenas um dos efeitos inevitáveis que o sistema prisional impõe às pessoas que vivem sua realidade e têm seus direitos fundamentais violados. Portanto, diante dos fatos e fundamentos jurídicos até aqui demonstrados, o pedido veiculado na presente demanda deve ser julgado totalmente procedente.

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http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/164252-barbarie-intima.shtml http://blogs.estadao.com.br/sp-no-diva/a-saga-das-frageis-mulheres-de-carater-contra-o-estadoburro-e-canalha/ 35 http://www.cartacapital.com.br/sociedade/eles-assistem-tudo-depois-e-a-vez-deles-6734.html 36 http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/04/140422_revista_vexatoria_pai.shtml 37 Portaria nº 435, de 19 de julho de 2012, da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e Justiça. 38 Portaria nº 1578-S, de 27 de novembro de 2012 da Secretaria de Estado da Justiça do Espírito Santo. 39 Procedimento de Controle Administrativo PCA nº 003/2014 do Juiz Titular da 1ª Vara Regional de Execução Penal e Corregedoria de Presídios do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. 34

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7) DO PEDIDO Diante do exposto requer-se: a) a citação do réu, para responder aos termos da presente ação, sob pena de revelia; b) seja a presente ação julgada PROCEDENTE, para: b.1) ser reconhecida, por meio de sentença genérica do art. 95 da Lei nº 8.078/90, a responsabilidade civil do Réu pelos danos morais causados às pessoas que, nos últimos 3 anos, foram obrigadas a se submeter ao procedimento da revista íntima vexatória no Centros de Detenção Provisória I “ASP Giovani Martins Rodrigues” e II de Guarulhos, condenando-se o réu ao pagamento de quantia correspondente à indenização, a ser definida em sede de liquidação individual de sentença promovida pelas vítimas, onde serão apurados a relação de causalidade entre o dano individualmente sofrido e o fato danoso reconhecido na sentença, e, os fatos e alegações pertinentes ao dimensionamento do dano sofrido, observando-se os critérios atinentes às vítimas tais como idade, sexo, saúde, efeitos psicológicos da violação, bem como o grau e as condições da humilhação a qual foi submetida. b.2) ser reconhecida, por meio de sentença genérica do 95 da Lei nº 8.078/90, a responsabilidade civil do Réu pelos danos morais causados às pessoas que forem submetidas ao procedimento da revista íntima vexatória no Centros de Detenção Provisória I “ASP Giovani Martins Rodrigues” e II de Guarulhos a partir da presente data, condenando-se o réu ao pagamento de quantia correspondente à indenização, a ser definida em sede de liquidação individual de sentença promovida pelas vítimas, onde serão apurados a relação de causalidade entre o dano individualmente sofrido e o fato danoso reconhecido na sentença, e, os fatos e alegações pertinentes ao dimensionamento do dano sofrido, observando-se os critérios atinentes às vítimas tais como idade, sexo, saúde, efeitos psicológicos da violação, bem como o grau e as condições da humilhação a qual foi submetida.

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b.3) condenar-se o Réu à reparação do dano moral coletivo, mediante pagamento de quantia certa consistente em R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) face à gravidade do dano social sofrido, e portanto de natureza difusa, pela transcendência da individualização da pena, pela grave ofensa institucionalizada à dignidade humana e pela ofensa à entidade familiar resultada pelo rompimento dos laços familiares com o recluso, cujo valor deverá ser revertido ao Fundo Estadual de Defesa dos Interesses Difusos, criado nos termos da Lei Estadual nº 6.536/89 com a finalidade de financiar projetos de organizações não governamentais que auxiliem no desenvolvimento de uma política carcerária mais próxima aos ditames constitucionais que se fundamentam na dignidade da pessoa humana; b.4) o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, com as devidas atualizações monetárias; Requer-se, ainda, que: c) seja intimado o Ministério Público Estadual, na pessoa da Promotoria Oficiante na Área de Tutela Coletiva – Especializada na Defesa de Direitos Humanos, para que atue como fiscal da lei, nos exatos termos do artigo 92 da Lei nº 8.078/90; d) a publicação de edital no DOE, nos termos do art. 94 da Lei nº 8.078/90; e) seja decretado segredo de justiça aos documentos juntados aos autos, diante da gravidade das violações, do risco de represália pela denúncia por agentes públicos, de modo a preservar a dignidade, a intimidade e a privacidade das vítimas. f) que o processamento da presente ação se dê independentemente do recolhimento de quaisquer custas pela Autora, por gozar de ampla isenção conferida pelos artigos 18 da Lei nº 7.347/85 e 87 da Lei nº 8.078/90; g) que as publicações relativas ao presente feito, para que válidas e vinculativas, sejam feitas apenas em nome dos advogados Flavio Siqueira Júnior, OAB/SP 284.930;

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Rafael Carlsson Gaudio Custódio, OAB/SP 262.284; Sheila Santana de Carvalho, OAB/SP 343.588; e, Vivian Calderoni, OAB/SP 286.871. Protesta-se provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, em especial a testemunhal e a pericial, caso necessário. Dá-se à causa o valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). Termos em que, Pede deferimento. São Paulo, 20 de maio de 2014.

Rafael C. G. Custódio

Marcos Roberto Fuchs

OAB/SP 262.284

OAB/SP 101.663

Sheila Santana de Carvalho

Vivian Calderoni

OAB/SP 343.588

OAB/SP 286.871

Flavio Siqueira Júnior OAB/SP 284.930

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