2010 SJC-CT Caducidade da licença ou da admissão de ...

P.º n.º C.P. 83/2010 SJC-CT Caducidade da licença ou da admissão de comunicação prévia. Cassação dos respectivos títulos. Anotação deste facto à descr...
66 downloads 25 Views 128KB Size

P.º n.º C.P. 83/2010 SJC-CT Caducidade da licença ou da admissão de comunicação prévia. Cassação dos respectivos títulos. Anotação deste facto à descrição predial. Cancelamento do registo das operações urbanísticas. Título para registo. Sujeito da obrigação de registar – regime especial. Tributação emolumentar. PARECER

1 – Na base da presente consulta encontra-se a seguinte factualidade: Na sequência da declaração de caducidade de determinado loteamento e cassação do respectivo alvará a senhora presidente da câmara municipal de ... comunica tal facto à conservatória do registo predial para efeitos de anotação à descrição ou de cancelamento do correspondente registo nos termos do prescrito no n.º 2 do artigo 79.º do Decreto-Lei n.º 599/99, de 16 de Dezembro, na redacção introduzida pelo Decreto-lei n.º 26/2010, de 30 de Março. A conservatória, segundo informação da consulente, exige o pagamento de 100 €, a título de emolumentos, sob pena de rejeição da apresentação do aludido pedido de registo. Entende a senhora presidente da câmara municipal que tratando-se de uma comunicação imposta por lei, e reportada à caducidade de loteamentos promovidos por particulares, a mesma não encerra em si um verdadeiro pedido de registo a favor do município pelo que o mesmo deve ser gratuito, tendo até em conta o disposto no artigo 14.º do Regulamento Emolumentar dos Registos e do Notariado, nomeadamente na alínea a) do n.º 1, que prevê a gratuitidade dos averbamentos à descrição de factos não dependentes da vontade dos interessados. Solicita, por isso, esclarecimentos sobre a correcção da exigência do pagamento de emolumentos feita pela conservatória nos casos em que a câmara municipal se limita a comunicar à conservatória a caducidade do loteamento e a subsequente cassação do alvará para efeitos da aludida anotação à descrição ou do cancelamento do respectivo registo. 2 – Por despacho de ... de … de … foi determinada a audição do Conselho Técnico, com base em proposta dos Serviços Jurídicos e de Contencioso que considerou indissociável da apreciação desta matéria a relativa à obrigação de registar, ao sujeito da obrigação e ao prazo para cumprimento tempestivo dessa obrigação, pelo que cumpre emitir parecer.

1

II – Fundamentação

1 – O Regime Jurídico da Edificação e da Urbanização (doravante, RJUE) foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, tendo sofrido as alterações introduzidas pela Lei 60/2007, de 4 de Setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março, que procedeu à sua republicação. Como é sabido, são as licenças e as admissões de comunicação prévia (vd. o artigo 4.º do RJUE) que configuram os actos administrativos que decidem sobre as operações urbanísticas, sendo os respectivos alvarás (n.º 1 do artigo 74.º do RJUE) ou os recibos da apresentação da comunicação prévia acompanhado do comprovativo da admissão nos termos do artigo 36.º-A do RJUE1 (n.º 2 do citado artigo 74.º) apenas os documentos que servem de título às mesmas – cfr. o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 54.º, ambos do Código do Registo Predial (CRP). Consequentemente, se aqueles actos administrativos caducam os referidos títulos deixam de subsistir devendo a entidade competente proceder à sua cassação e à promoção oficiosa da respectiva anotação às descrições prediais pertinentes e do cancelamento

dos

respectivos

registos,

em

conformidade

com

as

estipulações

consagradas no artigo 79.º do RJUE, adiante escalpelizadas.

1.1 – Antes de mais, afigura-se-nos imperioso apurar, ainda que em termos perfunctórios, o que significa, no âmbito do urbanismo, o termo «caducidade» e a que «realidade» se reporta. Em comentário ao artigo 71.º do RJUE, Fernanda Paula Oliveira e outros2 sublinham que há «alguma dificuldade em enquadrar juridicamente as caducidades aqui referidas, na medida em que, sendo este um instituto que desponta do ordenamento jurídico civilístico, a sua “importação” para o direito administrativo não é isenta de dúvidas. Desde logo porque, em especial no direito administrativo, a mesma assume contornos muito heterogéneos, falando-se de uma caducidade preclusiva distinta de uma caducidade-sanção».

1

O artigo 36.º-A do RJUE prevê a disponibilização no sistema informático previsto no artigo 8.º-A da

informação de que a comunicação não foi rejeitada, o que equivale à sua admissão. Na ausência ou inoperância do sistema informático, dispõe a Portaria n.º 216-A/2008, de 3 de Março, que a informação de não rejeição e de admissão de comunicação prévia é facultada mediante a emissão de certidão. 2

In Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, 2009, 2.ª Edição, págs. 462 e 468.

2

De qualquer modo, como adiante acrescenta, «é o interesse público específico subjacente

à

caducidade

que

há-de

ditar

o

regime

da

caducidade

no

direito

3

administrativo» . O acto administrativo, como ensina Marcello Caetano4, pode deixar de vigorar por haver decorrido o tempo previsto para a produção dos seus efeitos (caducidade). A declaração de caducidade é um acto pelo qual a administração atesta que se verificaram certos factos que nos termos da lei originam a cessação dos efeitos de certo acto administrativo. Logo, a supressão dos efeitos não decorre da declaração de caducidade mas dos factos objectivos que efectivamente ocorreram e que, nos termos da lei, são causa de extinção do acto administrativo. No parecer do C.T. emitido no proc.º n.º R.P.69/2001DSJ-CT5, tendo presente os ensinamentos do Mestre, salientou-se que: «a caducidade opera em relação a um acto administrativo. Portanto, o que verdadeiramente caduca é a licença, enquanto acto administrativo, e não o alvará, enquanto título. (…) O que caduca, portanto, é o acto administrativo do licenciamento. O alvará, o título de licenciamento, deverá ser cassado». Contudo, a caducidade não provoca a destruição dos efeitos já produzidos pelo acto administrativo, apenas se torna inadmissível que, depois dela, os efeitos ainda se venham a produzir. Também Osvaldo Gomes6 salienta, adrede, que «A extinção da licença de loteamento pode verificar-se por acto imputável à Administração e ao interessado. No primeiro caso, avulta a revogação, que terá de obedecer aos requisitos gerais. No segundo, poderá invocar-se como factos extintivos a renúncia, que, no nosso entender, não depende de aceitação, para produzir os seus efeitos, e a caducidade».

Vejamos, então, com um pouco mais de pormenor as disposições legais pertinentes e a interacção das mesmas tendo em conta os registos em causa.

1.2 – O artigo 71.º do RJUE, além de identificar as situações que podem conduzir à caducidade da licença ou da admissão de comunicação prévia de operações urbanísticas

3

Para mais desenvolvimentos atinentes, designadamente, às causas da caducidade, natureza e regime,

veja-se, da autora, a obra citada, págs. 460 e segs. 4

In Manual de Direito Administrativo, Volume I, 10.ª edição, reimpressão, págs. 530 e 534.

5

Publicado no BRN n.º 10/2001, II Caderno, pág. 35.

6

In Manual dos Loteamentos Urbanos, 2.ª edição, 1983, pág. 414 e segs.

3

(n.ºs 1 a 3), prescreve o procedimento a observar com vista à declaração das referidas caducidades e a entidade competente para o efeito, fazendo preceder aquela declaração da audição do interessado – n.º 5 do citado preceito7. O n.º 7 do citado artigo 71.º preceitua que «Tratando-se de licença para a realização de operações de loteamento ou obras de urbanização, a caducidade pelos motivos previstos nos n.ºs 3 e 4 não produz efeitos relativamente aos lotes para os quais já haja sido aprovado pedido de licenciamento para obras de edificação ou tenha sido apresentada comunicação prévia da realização dessas obras». O legislador, como exercício de ponderação dos interesses em presença, quis excluir da declaração de caducidade os lotes para os quais já tenha sido aprovado um licenciamento para obras de edificação ou apresentada a comunicação prévia da realização dessas obras. Contudo, nos casos em que tal declaração possa conduzir à existência de lotes isolados e desprovidos, designadamente, de intra-estruturas básicas, o Município deveria poder acautelar essa situação ressalvando também da caducidade as parcelas ligadas àquele lote, para assegurar a sua funcionalidade urbana8.

1.3 – Por seu turno, o artigo 79.º do RJUE prescreve, na parte relevante para o caso, o seguinte: «1 – O alvará ou a admissão de comunicação prévia é cassado pelo presidente da câmara municipal quando caduque a licença ou a admissão de comunicação prévia ou quando estas sejam revogadas, anuladas ou declaradas nulas.

7

O legislador, ao condicionar a declaração de caducidade à audição prévia dos interessados, terá

pretendido que as razões que estes possam invocar sejam consideradas na decisão, concedendo, assim, uma margem de discricionariedade à Administração que demanda a ponderação devida dos motivos invocados pelo particular e do interesse público em presença. Cfr., neste sentido, FERNANDA PAULA OLIVEIRA e DULCE LOPES, in Implicações Notariais e Registais das Normas Urbanísticas, 2005, págs. 83 e 84. Afigura-se-nos, assim, que a validade intrínseca da declaração de caducidade não é sindicável pelo qualificador do correspondente pedido de registo de cancelamento, já que ela resultou do exercício do poder discricionário do presidente da câmara municipal que não lhe cumpre questionar. Veja-se, relativamente ao desvio de poder, MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, in Direito Administrativo Geral, Tomo III, 2007, págs. 156 e 157, entre outros. No entanto, o interessado dispõe de meios para reagir contra o acto administrativo que considere lesivo dos seus direitos, podendo pedir a suspensão da eficácia do acto administrativo que declarou a caducidade ao abrigo do preceituado na alínea a) do n.º 2 do artigo 112.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. 8

Vd. FERNANDA PAULA OLIVEIRA e outros, in Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, pág. 469.

4

2 – A cassação do alvará ou da admissão da comunicação prévia de loteamento é comunicada pelo presidente da câmara municipal à conservatória competente, para efeitos de anotação à descrição ou de cancelamento do correspondente registo. 3 – Com a comunicação referida no número anterior, o presidente da câmara municipal dá igualmente conhecimento à conservatória dos lotes que se encontrem na situação referida no n.º 7 do artigo 71.º, requerendo a esta o cancelamento parcial do correspondente registo nos termos da alínea g) do n.º 2 do artigo 101.º do Código do Registo Predial e indicando as descrições a manter».

Nestes termos, quando a licença ou a admissão de comunicação prévia seja declarada caduca a câmara municipal deve, de harmonia com o prescrito nos n.ºs 4 e 5 do artigo 79.º do RJUE, proceder, respectivamente, à apreensão do respectivo alvará, na sequência de notificação ao respectivo titular, ou ao averbamento de cassação à informação prevista no n.º 1 do artigo 36.º-A do referido RJUE.

2 – Naturalmente que a declaração de caducidade da licença ou da admissão de comunicação prévia das operações urbanísticas, e a subsequente cassação dos títulos correspondentes, há-de ter influência no plano registal, já que integram o elenco dos factos obrigatoriamente sujeitos a registo predial. Por isso, o exame de toda esta problemática não estaria completo sem um olhar atento sobre a forma que reveste o ingresso destes factos nas tábuas bem como sobre os documentos que são considerados título bastante para tal efeito. É o que a seguir procuraremos analisar, sem descurar a necessidade de definir o âmbito da caducidade dissecando as situações em que a referida comunicação oficiosa do presidente do município dá lugar à anotação da cassação à descrição predial e ao averbamento (requerido) de cancelamento parcial do registo das operações de transformação fundiária no «prédio-mãe» e as situações em que se deve proceder ao cancelamento total do referido registo.

2.1 – As operações de transformação fundiária resultantes de loteamento, de estruturação de compropriedade e de reparcelamento, bem como as respectivas alterações, estão sujeitas a registo obrigatório por força do prescrito na alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º-A do CRP. Estas inscrições podem ser canceladas por averbamento efectuado nos termos do prescrito na alínea g) do n.º 2 do artigo 101.º do CRP.

5

A caducidade, sendo embora um facto extintivo, não se encontra, enquanto tal, sujeita a registo predial, não obstante o sejam diversos factos com ela relacionados. Parece-nos, assim, que a anotação da cassação às descrições prediais colhe arrimo no último segmento da norma da alínea u) do n.º 1 do artigo 2.º do CRP – «e quaisquer outros factos sujeitos por lei a registo», enquanto que o averbamento de cancelamento se subsume no disposto no proémio da alínea x) do n.º 1 do citado artigo 2.º – «Os factos jurídicos que importem a extinção de direitos». O artigo 13.º do CRP, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 116/2008, de 4 de Julho, passou a possibilitar o cancelamento dos registos com base em execução de decisão administrativa (v.g., a declaração de caducidade da licença de loteamento)9.

2.2 – Decorre do disposto no n.º 2 do citado artigo 79.º do RJUE que a cassação do alvará ou a admissão de comunicação prévia é comunicada pelo presidente da câmara municipal, num quadro de oficiosidade externa, à conservatória do registo predial competente, para efeitos de anotação à descrição ou de cancelamento do correspondente registo. Do n.º 3 do mesmo preceito extrai-se que, com a referida comunicação, o presidente da câmara municipal deve requerer o cancelamento parcial do correspondente registo, indicando também as descrições a manter. Nos termos expostos, o presidente da câmara municipal está constituído no poderdever de requerer o averbamento de cancelamento, por caducidade, do registo das operações urbanísticas.

2.2.1 – A conservatória, na sequência da comunicação da cassação do alvará ou da admissão de comunicação prévia, procede à anotação desse facto às descrições dos lotes que se encontrem na situação prevista no n.º 7 do artigo 71.º do RJUE10, isto é, aos lotes para os quais já tenha sido aprovado pedido de licenciamento para obras de edificação ou já tenha sido apresentada comunicação prévia da realização dessas obras uma vez que a declaração de caducidade não os atinge, e ao cancelamento parcial do respectivo registo no «prédio-mãe».

9

Veja-se, adrede, FERNANDA PAULA OLIVEIRA e outros, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, págs.

492 e 493. 10

Dos títulos subjacentes aos negócios jurídicos respeitantes aos lotes não abrangidos pela declaração

de caducidade deve constar a data de caducidade da «aprovação» da operação de loteamento, por via do prescrito no n.º 1 do artigo 49.º do RJUE.

6

2.2.2 – Quanto aos restantes lotes, isto é, aos que foram abrangidos pela caducidade, o facto a registar é o cancelamento parcial da inscrição da operação de transformação fundiária resultante do loteamento no «prédio-mãe» e o cancelamento total nas fichas desses lotes11, mediante requerimento feito pelo presidente do respectivo município e instruído com a comunicação de cassação referida, indicando também expressamente as descrições a manter, como decorre do prescrito no n.º 3 do artigo 79.º do RJUE.

2.3 – A caducidade do licenciamento das operações de loteamento pode, no entanto, produzir efeitos em relação a todos os lotes procedendo, então, a conservatória ao cancelamento total da respectiva inscrição na ficha do «prédio-mãe» e nas fichas dos lotes respectivos.

2.4 – O título que serve de base à referida anotação de cassação à descrição predial é a comunicação efectuada pelo presidente da câmara municipal à conservatória do registo predial. O título para cancelamento (seja total seja parcial) do registo da operação fundiária resultante do loteamento é, em qualquer uma das situações ora equacionadas, a «declaração de caducidade»12, sendo o referido registo requerido pelo presidente da câmara municipal competente e anotado no Diário.

3 – Concluída esta breve exegese, é chegado o momento para se fazer uma breve alusão ao regime da obrigatoriedade do registo predial que foi criado pelo Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de Julho, com vista a potenciar a coincidência entre a realidade física, a substantiva e a registal, contribuindo, deste modo, para aumentar a segurança no comércio jurídico de bens imóveis. Decorre da conjugação do prescrito no artigo 8.º-A com disposto no n.º 1 do artigo 2.º do CRP os factos que devem ser obrigatoriamente sujeitos a registo.

11

De harmonia com a doutrina firmada na deliberação tomada no proc.º C.P.40/99 DSJ-CT, publicado no

BRN n.º 11/99, II Caderno, pág. 2, os efeitos da caducidade do alvará de loteamento circunscrevem-se ao âmbito próprio do direito administrativo, aí suspendendo o jus aedificandi nele previsto relativamente aos lotes que não chegaram a ser objecto de licenciamento de construção. Sobre os referidos lotes podem ser celebrados quaisquer actos jurídicos permitidos por lei, com excepção daqueles cuja validade esteja condicionada, como formalidade ad substantiam, à subsistência de um alvará em vigor. 12

No proc.º C.P.1/97 DSJ-CT publicado no BRN n.º 11/97, II Caderno, pág. 35 e segs., considerou-se

que a «declaração de caducidade» é título bastante para o cancelamento do registo da operação de loteamento.

7

Consequentemente, a anotação da cassação e o averbamento de cancelamento das operações urbanísticas (alíneas u) e x) do n.º 1 do artigo 2.º do CRP) integram o elenco dos factos obrigatoriamente sujeitos a registo. No contexto deste regime geral de obrigatoriedade do registo assumem particular relevância os sujeitos da obrigação, que se encontram mencionados no artigo 8.º-B do CRP; o prazo de cumprimento dessa obrigação, estabelecido no artigo 8.º-C do mesmo Código; e a responsabilidade pelo agravamento emolumentar imputada aos referidos sujeitos no caso de cumprimento tardio da obrigação nos termos do artigo 8.º-D do CRP. Verificamos, no entanto, que em nenhuma das diversas alíneas do n.º 1 do artigo 8.º-B é possível enquadrar a figura do presidente da câmara municipal quando actua em cumprimento da obrigação que emana do n.º 2 do artigo 79.º do RJUE, nem, tão pouco, se vislumbra a possibilidade de outro sujeito encabeçar essa obrigatoriedade porque, não podendo ser considerado beneficiário do facto nos termos do disposto na alínea f), do n.º 1 do citado artigo 8.º-B13, não resta qualquer outra norma. Com efeito, o interesse do promotor das operações urbanísticas é até conflituante com o perseguido pelo presidente do município, ou dito de outra forma, são interesses excludentes. 3.1 – É que, na verdade, a imposição que faz recair sobre o presidente da câmara municipal o poder-dever de promover a anotação à descrição predial ou o cancelamento do registo da operação de transformação fundiária resulta do regime especial consagrado no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (sendo, aliás, anterior ao regime geral consagrado no Código do Registo Predial)14, concretamente do prescrito no n.º 2 do artigo 79.º, mas a tal obrigação não está associado qualquer prazo para o seu cumprimento, nem, naturalmente, qualquer sanção se promovido intempestivamente.

13

Defendeu-se já neste Conselho (proc.º R.P.63/2010 SJC-CT) a propósito da alteração da licença que a

promoção desse registo não constitui um exclusivo da entidade licenciadora, considerando que o beneficiário do facto (normalmente o proprietário) deve promover o referido registo no prazo de trinta dias a contar da titulação, ao abrigo e nos termos do prescrito nos artigos 8.º-B, n.º 1, alínea f), e 8.º-C, n.º 1, ambos do CRP. Tal entendimento é, porém, inaplicável ao caso configurado nos autos. 14

Desde a reforma de 1999 que esta matéria mantém a mesma inserção sistemática sendo que a

redacção dos n.ºs 2 e 3 do artigo 79.º do Decreto-Lei n.º 555/99 conferida pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, na parte pertinente, também se mantém inalterada. A obrigatoriedade de promoção oficiosa do cancelamento parcial do registo do alvará imposta ao presidente da câmara municipal constava já do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 448/91, 29 de Novembro, não decorre nem se enquadra na lógica concebida pelo legislador para as obrigações estabelecidas nos artigos 8.ºB, 8.º-C e 8.º-D do CRP.

8

A solução preconizada pela aludida norma, bem como noutras igualmente patentes no RJUE, passa pela obrigatoriedade de promoção do registo efectuada com base em comunicação, ainda que secundada por requerimento, inserindo-se num poder-dever da entidade competente, absolutamente alheada da existência de outros (potenciais ou hipotéticos) sujeitos da obrigação de registar. Assentemos, pois, que ao presidente da câmara municipal cabe o cumprimento de uma obrigação especial que consiste na promoção da anotação à descrição ou do cancelamento do registo das operações urbanísticas e que brota do prescrito no n.º 2 do artigo 79.º do RJUE, não se subsumindo na facti species do artigo 8.º-B do CRP com o qual não visou estabelecer qualquer articulação. Assim, sendo-lhe inaplicável esta disposição legal, também as demais disposições constantes dos artigos 8.º-C e 8.º-D, do CRP, relativas, respectivamente, a prazos para a promoção dos registos e ao agravamento emolumentar no caso de cumprimento tardio da obrigação, lhe são igualmente inaplicáveis15. Os actos de registo promovidos em cumprimento de um poder-dever que lei especial atribui ao presidente da câmara municipal (ou a qualquer outra entidade pública externa), são considerados casos de oficiosidade externa ou extrínseca16. A elaboração destes registos depende, em regra, de mera comunicação da entidade competente. Por vezes, como no caso concreto dos autos no que respeita ao averbamento de cancelamento, são requeridos e objecto de apresentação no Diário, mas nem esta formalidade é de molde a afastar o seu cariz de oficiosidade externa17.

15

Mesmo nos casos em que se concebe a existência de um sujeito da obrigação à luz do prescrito no

artigo 8.º-C do CRP, salientou-se que a obrigação da câmara municipal não tem prazo de cumprimento, não tem sanção e não desresponsabiliza o «sujeito activo do facto» - cfr. o citado proc.º n.º R.P. 63/2010SJC-CT. 16

Decorre do disposto no artigo 41.º do CRP que o registo se efectua mediante pedido de quem tenha

legitimidade, salvo os casos de oficiosidade previstos na lei. Ora, a oficiosidade aqui prevista tanto pode respeitar à interna ou intrínseca como à externa ou extrínseca, sendo que a primeira brota do próprio sistema de registo predial e encontra-se, portanto, contemplada no respectivo Código, enquanto que a segunda emana de diplomas avulsos, sendo desencadeada por outras entidades ou serviços públicos, no cumprimento de um poder-dever que a lei lhes comete. A este propósito, veja-se o parecer proferido nos proc.ºs 11R.P.95 e 14R.P.95, in BRN n.º 8/97, I Caderno, pág. 10 e segs. 17

O regime especial acolhido no RJUE contempla ainda outras situações de promoção oficiosa de

registos que escapam igualmente à lógica da aplicação do prescrito no artigo 8.º-B, quanto aos sujeitos da obrigação de registar, bem como aos prazos e sanção previstos, respectivamente, nos artigos 8.º-C e 8.º-D, todos do CRP. Como exemplos paradigmáticos de oficiosidades externas emanadas do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, podemos referenciar os seguintes: o averbamento à inscrição da operação de transformação

9

3.2 – A situação em apreço nos autos não é, aliás, inédita. Neste Conselho já defendemos, a propósito da comunicação oficiosa efectuada pelas câmaras municipais na sequência da aprovação de alterações à licença à conservatória para fins do registo correspondente, que aquelas entidades «não agem nem com o sujeitos activos nem passivos da relação jurídica, visto que não se encontram em qualquer dos seus pólos, nem estão a praticar actos que impliquem alterações aos elementos da descrição para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 90.º do CRP, pelo que a sua actuação não se enquadra na previsão consagrada nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 8.º-B do citado Código»18.

4 – Estritamente ligada com a elaboração dos registos está a questão emolumentar já que, como é sobejamente sabido, os actos praticados nos serviços de registo estão sujeitos a tributação emolumentar, salvo os casos de isenção, gratuitidade ou redução previstos na lei – cfr. o disposto no artigo 1.º do RERN, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de Dezembro, e no n.º 1 do artigo 151.º do Código do Registo Predial.

4.1 – No que concerne às anotações (sejam à descrição sejam à inscrição) não está prevista qualquer tributação emolumentar pela sua efectuação pelo que, à míngua de norma a preveja, não pode ser exigido qualquer emolumento pela sua elaboração.

4.2 – Diversa é, no entanto, a situação no que concerne aos averbamentos à inscrição já a tributação destes se encontra prevista no n.º 3.2.1, por referência ao n.º 3.1, ambos do artigo 21.º do RERN. Os averbamentos à inscrição referidos na alínea g) do n.º 2 do artigo 102.º do CRP são igualmente tributados nos termos do n.º 3.2.1, in fine, do citado artigo 21.º do RERN, que contempla os averbamentos de factos extintivos. Assim, a norma invocada pela consulente com vista à gratuitidade dos registos referidos – alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do RERN – respeitante a averbamentos à descrição de factos não dependentes da vontade dos interessados, cujo registo seja fundiária – n.º 7 do artigo 27.º, embora revestindo algumas particularidades atinentes, designadamente, aos sujeitos; e o averbamento do embargo à descrição – n.º 8 do artigo 102.º.

18

Cfr., neste sentido, a deliberação tomada no proc.º n.º C.P.65/2008 SJC-CT, homologada em 29 de

Setembro de 2008.

10

imposto por lei, não tem aqui aplicação não obstante se reconheça que a razão de ser é idêntica nos dois casos.

4.3 – Cremos, porém, que, tendo em consideração o entendimento já expresso por este Instituto em situações análogas à ora exposta, tudo se resolverá a contento da senhora presidente do município convocando aqui a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 10.º do Código Civil19. Concretizemos. No despacho n.º 10/2004, proferido em 11 de Maio pelo então Director-Geral20, foi fixado o entendimento de que tratando-se de um acto efectuado com base numa comunicação da câmara municipal, alheio à vontade do interessado registral e imposta ao conservador no âmbito da colaboração entre os serviços do Estado, para garantia do interesse público, urbanístico e ambiental, a unidade do sistema jurídico determina uma interpretação restritiva do artigo 21.º, n.º 3.3, do RERN, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 194/2003, de 23 de Agosto, no sentido de excluir da sua previsão o averbamento decorrente da alteração da licença de operação de loteamento. Posteriormente, e já na vigência das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de Julho, no Código do Registo Predial e no RERN, foi novamente analisada

esta

questão

tendo-se

mantido

o

entendimento

estabelecido,

isto

é,

considerou-se que o aludido averbamento deve ser excluído do âmbito de aplicação do n.º 3 do artigo 21.º do RERN21. Ora, afigura-se-nos que também ao pedido de registo indicado pela senhora presidente da câmara consulente subjaz a necessidade de garantir o interesse público, urbanístico e ambiental, sendo concebível aplicar analogicamente a este caso o que ficou decidido quanto ao anteriormente descrito. Assim, há que conceder aqui

o mesmo

benefício que foi

concedido aos

averbamentos efectuados, na sequência da comunicação pela câmara municipal, às inscrições das operações de transformação fundiária resultante do loteamento, de estruturação de compropriedade e de reparcelamento, previstas no n.º 7 do artigo 27.º do RJUE, por imperarem as mesmas razões. 19

Segundo BAPTISTA MACHADO, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 2008, pág. 202 e

segs., dois casos dizem-se análogos quando neles se verifique um conflito de interesses paralelo, isomorfo ou semelhante, de modo a que o critério valorativo adoptado pelo legislador para compor esse conflito de interesses num dos casos seja por igual ou por maioria de razão aplicável ao outro. 20

Publicado no BRN n.º 4/2004, I Caderno, pág. 3.

21

Veja-se a deliberação tomada no citado proc.º n.º C.P.65/2088 SJC-CT.

11

Nestes termos, a colaboração devida entre os serviços do Estado com vista à promoção da garantia do interesse público, urbanístico e ambiental, invocado para justificar o não pagamento de emolumentos pelo averbamento de alteração da licença decorrente do prescrito no n.º 7 do artigo 27.º do RJUE, é igualmente razão justificativa para o não pagamento de emolumento do averbamento de cancelamento da inscrição de transformação fundiária efectuado na sequência da comunicação da cassação do alvará ou da admissão de comunicação prévia de loteamento, por caducidade dos respectivos actos administrativos, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 79.º do RJUE.

III – Assim, em conformidade com o exposto, a posição deste Conselho vai condensada nas seguintes

Conclusões

I – A declaração de caducidade da licença ou da admissão de comunicação prévia

determina

a

cassação

do

respectivo

alvará

ou

da

admissão

da

comunicação prévia pelo presidente da câmara municipal nos termos do disposto nos n.º 1, 4 e 5, do artigo 79.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março.

II – A cassação do alvará ou a da admissão de comunicação prévia efectuada pela câmara municipal é comunicada pelo respectivo presidente à conservatória do registo predial competente, para efeitos de anotação à descrição ou de cancelamento do correspondente registo, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 79.º do referido Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação.

III – A anotação da referida cassação é efectuada às descrições dos lotes que se encontrem na situação prevista no n.º 7 do artigo 71.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, isto é, aos lotes para os quais já tenha sido aprovado pedido de licenciamento para obras de edificação ou já tenha sido apresentada comunicação prévia da realização dessas obras.

IV – Quanto aos restantes lotes, que foram abrangidos pela caducidade, o facto a registar é o cancelamento da inscrição da operação de transformação fundiária resultante do loteamento [alínea g) do n.º 2 do artigo 101.º do Código

12

do Registo Predial], sendo, com a aludida comunicação, requerido pelo presidente do respectivo município e instruído com a declaração de caducidade e a indicação das descrições a manter, como decorre do prescrito no n.º 3 do artigo 79.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação.

V



Tanto

a

cassação

como

o

cancelamento

referidos

são

factos

obrigatoriamente sujeitos a registo predial, como decorre da análise conjugada do disposto no n.º 1 do artigo 2.º [parte final da norma da alínea u) e proémio da norma da alínea x), respectivamente] e na alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º-A, ambos do Código do Registo Predial.

VI – Impende sobre o presidente da câmara municipal o dever de promover oficiosamente a anotação à descrição predial e o cancelamento do registo da operação de transformação fundiária resultante de loteamento mas a tal obrigação não está associado qualquer prazo para cumprimento, nem, naturalmente, qualquer sanção pecuniária, visto que aquela não decorre do preceituado no artigo 8.º-B do Código do Registo Predial, mas do regime especial consagrado no direito do urbanismo, concretamente do prescrito no n.º 2 do artigo 79.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação.

VII – Os actos praticados nos serviços de registo estão sujeitos a tributação emolumentar, salvo os casos de isenção, gratuitidade ou redução previstos na lei – cfr. o disposto no artigo 1.º do Regulamento Emolumentar dos Registos e do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de Dezembro, e no n.º 1 do artigo 151.º do Código do Registo Predial.

VIII – Os averbamentos de cancelamento da inscrição referidos na alínea g) do n.º 2 do artigo 102.º do Código do Registo Predial são tributados nos termos do n.º 3.2.1 do citado artigo 21.º do Regulamento Emolumentar dos Registos e do Notariado.

IX – Contudo, o dever de colaboração entre os serviços do Estado para garantia do interesse público, urbanístico e ambiental, justifica a exclusão do averbamento de cancelamento da inscrição de operações de transformação fundiária, efectuado oficiosamente na sequência de requerimento do presidente da câmara municipal nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 79.º do Regime

13

Jurídico da Urbanização e da Edificação, do âmbito de aplicação do n.º 3.2.1 do artigo 21.º, do Regulamento Emolumentar dos Registos e do Notariado.

Parecer aprovado em sessão do Conselho Técnico de 29 de Abril de 2011. Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, relatora, António Manuel Fernandes Lopes, João Guimarães Gomes Bastos, Luís Manuel Nunes Martins, Maria Madalena Rodrigues Teixeira, José Ascenso Nunes da Maia. Este parecer foi homologado pelo Exmo. Senhor Presidente em 10.05.2011.

14

FICHA Proc.º n.º C.P. 83/2010 SJC-CT – Súmula das questões abordadas

Comunicação da cassação do alvará ou da admissão de comunicação prévia de loteamento feita pelo presidente da câmara municipal para efeitos de anotação à descrição ou de cancelamento do registo de registo – artigo 79.º do RJUE Obrigação de promover o registo, inexistência de prazo e de sanção aliada ao cumprimento tardio – Inaplicabilidade das disposições ínsitas nos artigos 8.º-B, 8.º-C e 8.º-D, todos do CRP. Emolumentos respeitantes ao averbamento de cancelamento – n.º 3.2.1 do artigo 21.º do RERN. Inaplicabilidade desta norma aos averbamentos requeridos pelo presidente da câmara municipal em cumprimento de um poder-dever que a lei lhe comete.

*****

15