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Por Tadeu da Ponte Co-fundador da Primeira Escolha

Você está mantendo sua integridade ou esticando sua fibra moral?

Entre 15 e 17 de agosto de 2017, eu e mais 9 colaboradores da Primeira Escolha estivemos conversando com algumas centenas de executivos de RH no CONARH sobre os produtos para Recrutamento e Seleção da nossa empresa. Nem tão curiosamente, 100% das pessoas que conversaram conosco tinham interesse em saber mais sobre o Indicador de Integridade, teste que estávamos lançando por ocasião do evento, provocados pela pergunta que está no título deste texto. O que me pareceu notório foi que o interesse, pelo menos de algumas dezenas dos executivos com quem conversei pessoalmente, é decorrente das políticas de compliance que suas empresas estão desenhando, implantando ou revisando. O termo em inglês, traduzido ao pé da letra como conformidade, pode muito bem ser entendido como políticas de integridade, que se

estabelecem para reger as relações corporativas com fornecedores, clientes, governo e demais atores com quem as empresas se relacionam. No entanto, é essencial que se considere que as relações corporativas são essencialmente relações entre pessoas, conduzidas pelos colaboradores da empresa. Nesse sentido, tais políticas contemplam também as relações internas, entre os próprios profissionais da companhia, e deles com tudo o que faz parte da organização, seus ativos, sistemas, propriedade intelectual etc. Encontramos aqui o foco dessa nossa abordagem.

.síntese o problema mais do que os crimes incontestáveis e delitos organizacionais graves, as pequenas atitudes antiéticas podem gerar grandes prejuízos às empresas. O alinhamento entre princípios institucionais e conduta de seus profissionais está sendo formalizado nas políticas de compliance das companhias.

a análise as pessoas que cometem esses pequenos deslizes não o fazem por acharem certo ou por intencionalmente quererem fazer algo errado, mas por racionalizarem suas escolhas no contexto em que estão inseridas. Há três níveis nos quais as pessoas tendem a racionalizar suas ações: por reciprocidade, convenções sociais ou princípios e valores.

a proposta ao mapearem os níveis de desenvolvimento moral de seus colaboradores e pessoas em seus processos seletivos, as empresas podem direcionar adequadamente seus investimentos em recursos para minimizar perdas decorrentes das pequenas atitudes antiéticas.

Um propósito de um teste de integridade não é avaliar o quanto as pessoas são honestas e honradas pois, fora de contexto, (quase) todos os profissionais se declaram portadores de tais virtudes. Mais do que isso, (quase) todos genuinamente acreditam que são. Vamos tomar um exemplo (fictício, evidentemente, mas totalmente verossímil) no qual Pedro, um executivo extremamente dedicado, trabalha em média 12 horas por dia, de segunda a sexta e, frequentemente, dedica algumas horas do seu fim de semana ao trabalho, sempre no melhor interesse de sua empresa. Pedro faz uma média de dez viagens de avião a negócios por mês pelo Brasil e pelo menos oito viagens internacionais por semestre. Mesmo ocupando um cargo de diretoria, Pedro não tem uma secretária e ele próprio reserva seus bilhetes pelo sistema da agência de viagens da companhia. Para acumular milhas de sua companhia aérea favorita, mesmo viajando sempre de classe econômica, dentro das políticas de viagens da sua empresa, Pedro emite todos os seus bilhetes por esta companhia, que é, na média, um pouquinho mais cara que a opção mais barata disponível em cada emissão. Se isso custar 50 reais a mais em cada trecho nacional e 200 em cada trecho internacional, Pedro faz com que sua empresa gaste pelo menos 17 mil reais por ano mais com suas viagens. Pedro não é desonesto, nem percebe exatamente o tanto que isso custa a mais para sua empresa, mesmo porque ele sempre gasta em viagens um valor 15% a 20% abaixo do orçamento disponível para estas suas atividades. Pedro é extremamente organizado e emite seus bilhetes com muita antecedência. Além disso, é razoável que alguém que fica tanto tempo fora de casa a trabalho possa patrocinar boas viagens à sua família nas férias. Isso inclusive o torna mais produtivo nos períodos “não férias”.

Não há um executivo da empresa que não faça isso; foi seu próprio diretor, quando Pedro começou a viajar a trabalho ainda como gerente, que lhe deu a dica de acumular as milhas. Pedro também não se importa em escolher os voos mais baratos da sua companhia aérea de fidelidade, ainda que sejam em horários pouco agradáveis ou com algumas conexões indesejadas. Ele também aumenta seu status de passageiro frequente, o que lhe confere check-in prioritário e acesso às salas vip, o que lhe facilita dedicar mais tempo ao trabalho em si quando está em trânsito. Certo? Depende... Tudo o que está nesse parágrafo pode ser colocado por Pedro, em primeira pessoa, como justificativa para a sua prática, caso seja questionado pela empresa. Esse seria o processo de racionalização de Pedro para os 17 mil reais por ano que ele faz sua empresa gastar a mais por sua conveniência pessoal. Aí é que está a questão de se avaliar integridade em indivíduos: o problema não é o quanto cada um de nós é honesto, mas como cada pessoa racionaliza suas atitudes. O dicionário Michaelis traz para a o verbete racionalizar a seguinte definição atribuída pela publicação à Psicologia: “Justificar atos ou comportamentos, desencadeados por elementos não racionais ou inconscientes, partindo-se do ponto de vista racional”. Mais especificamente, avaliar integridade diz respeito a investigar quais são as preferências ou tendências de racionalização para cada pessoa. A teoria do desenvolvimento moral do psicólogo norte-americano Lawrence Kohlberg estabelece que tais preferências podem ser organizadas em três grandes níveis: Nível pré-convencional, no qual o indivíduo se orienta por reciprocidade, ou seja, por punição ou recompensa. Raciocinando neste nível, tendemos a explicar nossas atitudes em função de evitar punições ou conseguir vantagens individuais. Ao afirmar que emite passagens dentro da regra da empresa e que é razoável poder viajar com a família nas férias, nosso amigo fictício Pedro, do exemplo acima, estaria pensando dessa forma. Nível convencional, em que o indivíduo se orienta pelas normas sociais, principalmente aquelas que implicitamente deduzimos do comportamento de nossos pares. Tentamos aqui seguir os acordos sociais percebidos na maioria. Quando Pedro argumenta que todos os outros executivos da empresa fazem o mesmo que ele, revela estar racionalizando neste nível.

Nível pós-convencional, no qual o indivíduo se orienta por princípios e valores aos quais aderimos e internalizamos ao longo da vida. Tomamos decisões e agimos de acordo com este nível quando consideramos nosso entendimento do que é ético em determinada situação, ainda que intuitivamente. Quando Pedro diz que organiza suas viagens com antecedência e economiza seu orçamento de viagens e quando revela as vantagens para sua produtividade de ter um status diferenciado de passageiro frequente, ele está racionalizando a partir de princípios em que acredita, tais como, respectivamente, a responsabilidade com os recursos que a empresa para viagens e o valor de suas horas de trabalho. É evidente que há valores universais, como o valor da vida, o respeito ao próximo, a solidariedade etc., aos quais quase todas as pessoas supõem aderir. No entanto, compreender as tendências de racionalização frente a dilemas morais ou sociais pode ajudar as empresas e governos a poupar muito dinheiro. Em seu livro The Honest Truth About Dishonesty: How We Lie to Everyone – Especially Ourselves, o pesquisador Dan Ariely, da Universidade de Duke, aponta que as informações reportadas de maneira levemente superestimada pelos clientes das seguradoras geram um custo anual de 24 bilhões de dólares.

No Brasil, o economista Claudio Frischtak conduziu um estudo na Inter.B que concluiu que o custo do superfaturamento de obras de infraestrutura no país, de 1970 a 2015, totaliza R$2,1 trilhões de reais, em valores corrigidos pela inflação. A publicação deu origem ao documentário (Dis)Honesty The Truth About Lies, produzida pela Netflix. Em sua pesquisa, Dan Ariely analisa as razões que levam as pessoas a cometer pequenos ou grandes deslizes, de acordo com suas próprias fibras morais. A fibra moral pode ser definida como a determinação de fazer o que se considera certo. As pesquisas feitas por Dan Ariely e seu grupo no The Center for Advanced Hindsight na Universidade de Duke mostram que as pessoas fazem coisas que consideram erradas, de acordo com suas próprias fibras morais. A racionalização de suas ações dentro de determinados contextos e situações cria uma lógica na qual o indivíduo guarda certo afastamento dos atos antiéticos que comete, esticando a sua fibra moral.

O investimento da Primeira Escolha no Indicador de Integridade, teste que levamos mais de um ano para desenvolver, foi feito tendo como objetivo ajudar as empresas na gestão de suas forças de trabalho em relação ao que podemos chamar aqui de trabalho ético. Por exemplo, para um time de pessoas que têm preferências por racionalização prioritariamente no nível préconvencional, ou seja, dão grande importância à reciprocidade, é necessário direcionar recursos para fiscalização e incentivos individuais diretos ao comportamento ético. Refinando o exemplo, se for uma força de trabalho de estoque e almoxarifado, serão necessárias ações como câmeras de vigilância, revistas, proibição de entrar com bolsas etc., para que se evitem pequenos (ou grandes) furtos. Do ponto de vista do Recrutamento e Seleção, a empresa pode decidir contratar profissionais nos níveis convencional e pós convencional para compensar o turn over da área, e direcionar investimentos ao fortalecimento dos princípios elencados em seu código de ética em sua cultura. Outro exemplo: para uma área comercial com grande peso das comissões no pacote de remuneração, a empresa pode preferir contratar pessoas no nível pré-convencional, em que orientar-se por reciprocidade pode ser canalizado para a busca da recompensa individual.

Trabalho ético também está relacionado a agir constantemente no melhor interesse da empresa. Um funcionário que cumpre sua carga horária, mas não se dedica ao trabalho em boa parte deste período não está roubando algo físico da empresa, mas está se eximindo de sua responsabilidade fiduciária com seu empregador, que lhe paga integralmente o salário.

O que pode levar este profissional a uma maior produtividade pode ser algo diferente dependendo do modo como essa pessoa racionaliza suas atitudes frente à compreensão, do ponto vista moral, dessas atitudes. Os programas de ambientação e integração de novos funcionários pode ser direcionado à melhor maneira de cada um manter firme no trabalho a sua fibra moral. É importante reforçar que pessoas nos três níveis de desenvolvimento moral elencados por Kohlberg podem ser extremamente honestas. Um político ou um diretor de uma grande empresa pública condenado por conta da Operação Lava-Jato pode ser uma pessoa no nível convencional, que se orienta pela atitude de seus pares. Longe de ser um argumento ingênuo, uma

pessoa dessas pode ter sido totalmente honesta até certo ponto de sua carreira, o ponto em que começou a entender como normal o que lhe parecia estranho um pouco antes. As pequenas “vistas grossas” ou conivências podem ter iniciado o processo de esticar a fibra moral: veio a primeira vantagem pessoal, o salário do serviço público é bem menor do que se pode ganhar “de outra maneira”, todo mundo faz e assim se cria uma realidade própria na qual não é tão errado o que a própria pessoa reconhece depois como um grave crime. E se essa pessoa fosse um político ou empresário na Suécia, será que suas probabilidades de ir parar na cadeia seriam as mesmas? Trazendo para exemplos do nosso dia a dia, fizemos no CONARH uma singela brincadeira: imprimimos a imagem abaixo num painel de um metro e meio de altura. Aproveitando a veiculação deste texto para dar continuidade digital à provocação, convido cada leitor a identificar um amigo ou familiar que faça uma das coisas abaixo, sendo algo que lhe deixa incomodado ou aborrecido. Faça um print, copie a frase, compartilhe este material, o que você quiser, e dê essa dica a essa pessoa. Para não deixar o amigo leitor em um dilema moral sobre propriedade intelectual, você tem minha total permissão de copiar parcial ou integralmente este material para dar essa sua pequena contribuição no nosso processo de mudar o Brasil um pouquinho de cada vez. E você, está mantendo a integridade ou anda esticando sua fibra moral por aí?

Este artigo foi produzido, editado e revisado por Tadeu da Ponte e Primeira Escolha.