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VIVECITRUS E A PRODUÇÃO DE MUDAS CERTIFICADAS
CHRISTIANO CÉSAR DIBBERN GRAF (1)
RESUMO Quase um século se completa após a instalação do primeiro viveiro de citros organizado no Estado de São Paulo, ocorrendo inúmeras mudanças no sistema de produção, em função de pragas e doenças, levando à necessidade nos dias de hoje do uso de muda certificada. Este Estado produz, atualmente, 20 milhões de mudas cítricas, sendo 3,5 milhões em ambiente protegido, dos quais 2,5 milhões produzidos pelos associados da Associação Paulista de Viveiros Certificados de Citros (Vivecitrus), fundada em 1998, que tem como objetivo a busca constante da melhor qualidade na produção de mudas cítricas. Atualmente, a Vivecitrus possui doze membros espalhados em diversas regiões paulistas, desenvolvendo, produzindo e divulgando a importância da muda certificada. Termos de indexação: associação, certificação, mudas cítricas.
(1) Associação Paulista de Viveiros Certificados de Citros (Vivecitrus), Caixa Postal 4, 13490970 Cordeirópolis (SP). E: mail:
[email protected]
ARTIGO TÉCNICO
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SUMMARY VIVECITRUS AND THE PRODUCTION OF CERTIFIED NURSERY TREES It has been almost a century since the installation of the first organized citrus nursery in the State of São Paulo, Brazil. Innumerous changes have occurred in the production system as a result of occurrence of pests and diseases, what determined the use of the certified nursery tree at the present day. Currently, 20 million nursery trees are produced in the State of São Paulo. About 3.5 million nursery trees are produced annually in protected environment by members of the “Associação Paulista de Viveiros Certificados de Citros”, Vivecitrus, founded in 1998. The Vivecitrus objective is the constant search of quality for production of nursery trees. Nowadays, Vivecitrus gathers 12 members from several regions of the State of São Paulo, developing, producing and informing about the importance of the certified nursery tree. Index terms: association, certification, citrus nursery trees.
1. HISTÓRICO As primeiras citações de citros, no Brasil, mencionam o litoral de São Paulo em 1540, a Bahia em 1567 e, a partir de 1760, as plantações no Rio Grande do Sul, todas propagadas utilizando-se sementes, pés francos (POMPEU JUNIOR, 1991; KOLLER, 1994). O primeiro viveiro de mudas enxertadas no interior paulista iniciou suas atividades em 1912, na Chácara Santa Cruz, em Limeira (HASSE, 1987). A partir dessa data, quando as vantagens da utilização das plantas enxertadas ficaram claras, até a década dos 20s, a laranja ‘Caipira’ foi o principal “cavalo” para citros no Brasil. Em vista de sua
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baixa tolerância à seca e à gomose de Phytophthora, foi substituída pela laranja ‘Azeda’, que predominou até a década dos 40s. Com o advento da tristeza, o limão ‘Cravo’ passou a ser o principal porta-enxerto. Seu bom desempenho em condições não irrigadas, boa produtividade, rusticidade e qualidade média do fruto, fez com que, atualmente, entre 70 e 80% das plantas cítricas estejam sobre este “cavalo”, apesar de ser suscetível à gomose de Phytophthora e ao declínio (SEMPIONATO et al., 1997). Em relação às borbulhas, grande parte do sucesso do programa de produção dos clones nucelares deve-se aos viveiristas e citricultores interessados, os quais, a partir de 1955, passaram a receber gemas distribuídas pela Estação Experimental de Limeira, hoje Centro de Citricultura Sylvio Moreira, em substituição aos clones velhos. O crescente interesse pelo uso de clones nucelares foi revelado pelo resultado de inspeções periódicas realizadas em viveiros comerciais. CINTRA et al. (1971) verificaram que, em 1961, havia 2,35 milhões de mudas nos viveiros paulistas, das quais 232 mil mudas, ou seja, 9,89%, eram nucelares; em 1970, havia 9,51 milhões de mudas, das quais 9,02 milhões ou 94,91% de nucelares. Na década dos 80s, vários programas foram criados visando atender ao incremento da demanda de borbulhas no Estado de São Paulo. Em 1985, foi implantado o “Plano de Emergência”, para a formação de mais de 30 milhões de mudas (GREVE, 1986). Em 1988, foi aprovado o projeto de implantação de borbulheiras adensadas, a céu aberto, em cinco localidades paulistas, aumentando substancialmente a produção de borbulhas e melhorando a sua qualidade (PRATES et al., 1988). Na mesma época, algumas empresas privadas, preocupadas com a sanidade e com a qualidade do sistema radicular, iniciaram os primeiros lotes de produção de porta-enxertos e mudas produzidas em recipientes com substratos, sob estufas e telado (LIMA, 1986). Em decorrência da clorose variegada dos citros (CVC), em 1994, instalou-se, no Centro de Citricultura Sylvio Moreira, o primeiro projeto de Produção de Borbulhas Certificadas em sistema protegido (CARVALHO e LARANJEIRA, 1994). LARANJA, Cordeirópolis, v.22, n.2, p. 549-559, 2001
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2. SITUAÇÃO ATUAL Tendo em vista o caráter perene da cultura, a muda é um dos insumos mais importantes para a formação de um pomar de citros. O potencial máximo de produtividade e qualidade das frutas será revelado 6 a 8 anos após o plantio, e a longevidade do pomar só será conhecida em um intervalo de tempo ainda maior (TEÓFILO SOBRINHO, 1991). Todos os anos, no Brasil, milhões de árvores são erradicadas em vista da CVC, do cancro cítrico e de outras doenças e pragas. Boa parte dessas plantas nem chegou a produzir, por uma razão simples: já foram para o campo com algum tipo de doença, ou seja, saíram do viveiro contaminadas. A produção de mudas sadias, livres de patógenos causadores de doenças como gomose de Phytophthora, cancro cítrico ou CVC, além de permitir a formação de pomares típicos da variedade-copa de alta produtividade, possibilita o enquadramento das mudas cítricas nas normas legais de produção e comercialização, que cada vez compõem mais o cenário dessa atividade. Grande parte das normas de certificação de mudas deve-se a experimentos e trabalhos desenvolvidos em função de normas internas de produção das empresas citrícolas. Em fevereiro/1998, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo aprovou algumas alterações nas normas estabelecidas em 1994 (PANZANI et al., 1994). para a produção de mudas certificadas de citros (NORMAS, 1998). Muda Certificada - Somente será certificada a muda produzida em viveiros registrados para produção de muda certificada, com inspeções periódicas em todas as fases de produção pelos Engenheiros-Agrônomos da Coordenadoria de Defesa Agropecuária da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, entidade certificadora. LARANJA, Cordeirópolis, v.22, n.2, p. 549-559, 2001
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O uso de borbulha certificada é obrigatório, com origem genética comprovada, garantia de pureza varietal e isenção total de pragas e doenças. As mudas só recebem a etiqueta de certificação após analisadas e comprovadamente isentas de CVC, cancro cítrico, gomose de Phytophthora, nematóides e outras pragas e doenças. Viveiro para Produção de Muda Certificada - O registro é concedido pela entidade certificadora apenas para viveiros que cumprirem todas as normas técnicas, desde a sua construção, e que garantem a sanidade da muda produzida. Eis os requisitos necessários para o registro de um viveiro: z
Distância mínima de 20 m de plantas cítricas;
z
Área de boa drenagem;
z
Antecâmara;
z
Telado de 1mm2;
z
Bancadas de 30 cm do solo ou camada de 5 cm de pedra britada;
z
Pedilúvio para desinfestação de calçados e mãos;
z
Mureta lateral que impede águas invasoras;
z
Tratamento da água com cloro a 5 ppm ou de poço artesiano.
Apesar de sua grande importância, o Programa de Produção de Mudas Certificadas do Estado de São Paulo é de caráter voluntário. Visando a um melhor controle de todas as mudas produzidas no Estado, agora em caráter obrigatório, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento editou a Portaria n.o 3 de 30/8/1999, para a produção de mudas fiscalizadas. Artigo 1.o - A partir de 1.º de julho de 2000, as sementeiras para produção de porta-enxertos de citros somente poderão ser instaladas em ambiente telado à prova de afídeos. Artigo 2.o - A partir de 1.º de janeiro de 2001, só serão registrados os viveiros para produção de mudas cítricas, instalados em ambientes telados à prova de afídeos. LARANJA, Cordeirópolis, v.22, n.2, p. 549-559, 2001
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Artigo 3.o - A partir de 1.º de janeiro de 2003, fica proibido, em todo o território do Estado de São Paulo, o comércio e o transporte de porta-enxertos e mudas cítricas produzidos em viveiros sem proteção anti-afídica.
3. O TRABALHO DA VIVECITRUS Neste momento de drásticas mudanças em que novas regras e normas para a produção de mudas cítricas estão sendo lançadas, muitos viveiristas se viram na necessidade de se adaptarem ao novo sistema de produção. As técnicas eram pouco conhecidas e todo o manejo precisava ser rediscutido: como e onde construir o viveiro, como irrigar, como nutrir as plantas e como prevenir doenças e pragas, como CVC, cancro cítrico, gomose de Phytophthora e nematóides. Em reuniões entre técnicos e viveiristas para discutir esse novo método, surgiu, em outubro de 1998, a Associação Paulista de Viveiros Certificados de Citros (Vivecitrus). Em quase três anos de existência, a Vivecitrus conseguiu estabelecer contato com diversos viveiristas, definindo, assim, seu papel na sociedade. Organiza, desde 1999, o Dia do Viveirista, colabora na programação da Semana da Citricultura, ambos os eventos no Centro de Citricultura Sylvio Moreira/IAC, trabalhou na preparação e definição do financiamento para construção de viveiros telados e na elaboração de seguro contra cancro cítrico e adversidades climáticas para os mesmos. Dentro de sua finalidade técnica, a Vivecitrus reúne-se freqüentemente com pesquisadores e técnicos brasileiros e estrangeiros para discussão e elaboração de projetos ligados à irrigação, nutrição, pragas e doenças. Com membros na Associação Paulista de Produtores de Sementes e Mudas (APPS) e constantemente participando de reuniões da Câmara Setorial de Citricultura e da Comissão Técnica de Citricultura da
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CONCHAL
HOLAMBRA
MOGI GUAÇU
S. J. BOA VISTA
ARARAQUARA
MATÃO
SALES DE OLIVEIRA
MONTE AZUL PAULISTA
Figura 1. Distribuição dos integrantes da Vivecitrus no Estado de São Paulo
ARARAS
RIO CLARO
CORDEIRÓPOLIS
IPEÚNA
MENDONÇA
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Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, a Vivecitrus levantou discussões, sugeriu e adequou parte da Legislação. Contribui com outros grupos e associações ligados à citricultura com informações técnicas e, ainda, com doação de porta-enxertos certificados para construção da primeira borbulheira certificada do Horto Florestal/Associação dos Produtores de Mudas de Limeira. Atualmente, a Vivecitrus conta com 12 membros, entre viveiros comerciais e não comerciais, espalhados por todas as regiões paulistas (Figura 1). Tais produtores, em 2000, foram responsáveis pelo cultivo de mais de 2,5 milhões de mudas em sistema protegido e se reúnem mensalmente para discutir os mais diversos assuntos ligados à produção de mudas. A Vivecitrus, com sede em Cordeirópolis (SP), tem como objetivo a busca constante da qualidade na produção de mudas, contribuindo, assim, para o desenvolvimento da citricultura. Com a necessidade de adaptação às novas regras, esse novo segmento da cadeia produtiva de citros compartilha as mesmas dificuldades, a saber: z
Alto custo nas instalações (estufas, bancadas, irrigação, etc.);
z
Mudanças tecnológicas (manejo, fertilização, etc.);
z
Poucas opções de substratos;
z
Pouca diversidade de material certificado para propagação;
z
Altas temperaturas, causadas pelo clima subtropical e pela utilização de estufas fabricadas com base nos países do hemisfério norte;
z
Maior custo de produção.
O cliente-citricultor, nesse momento, já ciente e favorável a essas mudanças, adaptou-se muito bem às mudanças da conformação das mudas adquiridas, passando do plantio de mudas formadas (3 a 4 galhos) e mais maduras para mudas tipo pavio ou haste única de 11 meses de idade
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após a semeadura. Eliminaram-se alguns conceitos a partir do momento em que tais mudas foram para o plantio definitivo, mostrando todo o seu potencial genético, resultando em excelente desenvolvimento nas mais diversas regiões. Considerando seu maior custo de produção, US$1,50 a US$1,70 (Tabela 1), em comparação a US$1,00 da tradicional muda de campo, muitos citricultores e empresas citrícolas adotaram o sistema de produção de mudas em ambiente protegido, justificado pelo seu custo/ benefício.
Tabela 1. Custo de produção de mudas certificadas Custos
Valores
Porcentagem
US$
%
Fixo .........................
0,24
14,25
Variáveis .................
0,66
39,64
Mão-de-obra ...........
0,45
36,96
Financeiro ...............
0,17
10,06
Administração ........
0,15
9,09
Total ........................
1,68
100,00
Juntamente com a Vivecitrus, outros viveiros, comerciais e não comerciais estão-se adaptando às novas normas, produzindo até o momento 3,5 milhões de mudas distribuídas em 158 viveiros telados dentro do Estado (Tabela 2). Dentro desse universo produtivo, não é difícil detectar diferenças nos sistemas de produção de cada viveiro, com suas características, diferentes manejos e finalidades, respeitando sempre, porém, os princípios das normas de produção de mudas certificadas.
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Tabela 2. Número de viveiros telados por região do Estado de São Paulo Região
Viveiros n.o
%
Centro ..................
15
9,49
Norte ....................
63
39,87
Noroeste ..............
37
23,42
Sul ........................
43
27,22
Total ....................
158
100,00
Agora, em 2001, a Vivecitrus está direcionada a um projeto de substratos e nutrição da muda cítrica, à participação no Sexto Congresso Internacional de Viveiristas de Citros, a ser realizado em Ribeirão Preto (SP) em julho próximo e, recentemente, lançou o Informativo Vivecitrus, dando mais um passo para a consolidação da Associação, criando um veículo de comunicação que possibilitará a divulgação de notícias, eventos, legislações e dados coletados com a experiência de seus viveiristas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CARVALHO, S.A.; LARANJEIRA, F.F. Protótipo de viveiro de mudas certificadas e borbulheiras sob telado à prova de afídeos do Centro de Citricultura. Laranja, Cordeirópolis, v.15, n.2, p.1213-1220, 1994. CINTRA, A.F.; NEVES, H.S.; YAMASHIRO, T. Produção comparada de mudas cítricas no Estado de São Paulo. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE FRUTICULTURA, 1. Anais... Campinas, 1971, p.547-566. GREVE, A.; PRATES, H.S. Matrizes de citros - Plano de emergência. Laranja, Cordeirópolis, v.7, n.1, p.251-275, 1986.
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HASSE, G. A laranja no Brasil 1500-1987: a história da agroindústria cítrica brasileira, dos quintais coloniais às fábricas exportadoras de suco do século XX. São Paulo: Duprat & Iobe, 1987. KOLLER, O.C. Citricultura: laranja, limão e tangerina. Porto Alegre: Editora Rígel, 1994. 446 p. LIMA, J.E.O. de. Novas técnicas de produção de mudas cítricas. Laranja, Cordeirópolis, v.7, n.2, p.463-468, 1986. NORMAS para produção de muda certificada de citros. Laranja, Cordeirópolis, v.19, n.2, p.441-421, 1998. PANZANI, C.R.; PRATES, H.S.; GREVE, A. Sistema de produção de muda certificada de citros no Estado de São Paulo. Laranja, Cordeirópolis, v.15, n.1, p.173-199, 1994. POMPEU JUNIOR., J. Porta-enxertos. In: RODRIGUEZ, O. VIEGAS, F.C.P.; POMPEU JUNIOR, J.; AMARO, A.A. Citricultura brasileira. 2 ed. Campinas: Fundação Cargill, 1991. v.1, p.265-280. PRATES, H.S.; GREVE, A.; PAGGIANO FILHO, A. Programa de plantas matrizes de citros no Estado de São Paulo: situação atual. Laranja, Cordeirópolis, v.9, n.2, p.327-355, 1988. SEMPIONATO, O.R.; STUCHI, E.S.; DONADIO, L.C. Viveiro de citros, Jaboticabal: FUNEP, 1997. 37p. TEÓFILO SOBRINHO, J. Propagação de citros. In: RODRIGUEZ, O.; VIEGAS, F.C.P.; POMPEU JUNIOR, J.; AMARO, A.A. Citricultura brasileira, 2. ed. Campinas: Fundação Cargill, 1991. v.1, p.281-301.
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