Variações de Temperatura da Superfície do Mar nos Oceanos Pacífico e Atlântico no Final do Quaternário: Possíveis Consequências para o Nordeste Brasileiro Tyhago Aragão Dias, Alexandre A. Costa, Felipe V. Pimentel Universidade Estadual do Ceará – Av. Paranjana, 1700 – Fortaleza-CE, Brasil. Email:
[email protected] ABSTRACT: It is well known that the annual southward displacement of the Intertropical Convergence Zone (ITCZ) is the major large-scale pattern associated with Northeast Brazil (NEB)’s wet season. In the current climate state, the interannual variability of ITCZ’s position is strongly constrained by the sea surface temperature (SST) field over tropical oceans and several works have shown specific relationships involving NEB’s annual rainfall and the conditions over the equatorial Pacific (with El Niño events inducing below-average precipitation in this region) and over the two sides of the intertropical portion of the Atlantic basin, in the region known as the “dipole” (with positive dipole conditions, i.e., anomalously warm conditions in the Northern tropical Atlantic and/or anomalously cold conditions over the Southern tropical Atlantic again favoring below-average precipitation). In the present work, time series of paleo Sea Surface Temperatures (PSSTs) for the last portion of the Quaternary (with relatively high time resolutions) were analyzed, with emphasis on the Holocene. Four data sites are particularly relevant: two in the Equatorial Pacific, two in the intertropical Atlantic (one in each hemisphere), so PSST gradients over the Equatorial Pacific and paleo-dipole indices were calculated. The results suggest that the mid-Holocene was marked by an amplified SST gradient over the equatorial Pacific, which is coherent with a weaker ENSO activity (with weaker and/or less frequent El Niño events), as well as by generally negative dipole conditions (compared against current climate conditions). If the current influence of tropical SSTs over Northeastern South America’s rainfall have also existed during the late Quaternary climates over such region, one should expect moister conditions over NEB during the mid-Holocene. Palavras-chave: Temperatura da Superfície do Mar, Paleoclima, Nordeste Brasileiro
1. INTRODUÇÃO Os oceanos têm grande relevância na configuração do clima em escala global. Por exemplo, a variação da temperatura da superfície do mar (TSM) do oceano Pacifico (maior massa de água que recobre o planeta) é dominada, na escala interanual, pela alternância quase periódica de episódios de El Niño e La Niña, caracterizados por condições respectivamente quentes e frias nas porções central e leste da bacia e cujas consequências globais incluem alterações no regime chuvoso do Nordeste Brasileiro (NEB). Diversos trabalhos já identificaram a importância tanto do fenômeno El Niño quanto da configuração do chamado Dipolo do Atlântico como moduladores da precipitação sobre o NEB (Ropelewski e Halpert, 1987; Nobre e Shukla, 1996) e mostraram que as condições de TSM nas bacias do Pacífico e Atlântico modulam fortemente o posicionamento da Zona de Convergência Intertropical. É possível que este tipo de influência dos campos de TSM nos oceanos tropicais sobre o clima regional do NEB também tenha ocorrido no passado. Neste caso, flutuações nos campos de TSM nos Oceanos Pacifico e Atlântico devem ter influenciado o clima sobre a
região, eventualmente determinando a ocorrência de períodos mais úmidos ou mais secos do que o atual. Por exemplo, Cane (2005) sugere que, durante a porção média do Holoceno, o fenômeno El Niño esteve menos atuante do que no presente. Esta configuração seria, a princípio, favorável a um longo período de chuvas mais abundantes do que as atuais sobre o NEB. A existência desse período é, de fato, corroborada por outros trabalhos, e.g., Cruz et al., 2009, que, apesar de não identificar uma vinculação direta entre este fato e a TSM nos oceanos Pacífico e Atlântico, sugere, por meio do registro de espeleotemas, totais de precipitação mais elevados há poucos milhares de anos atrás sobre a região (o trabalho de Cruz et al., na verdade, dá bem mais atenção às possíveis alterações no sistema de monções da América do Sul). Nesse contexto, investigamos, no presente trabalho, a evolução da TSM sobre determinados sítios nos oceanos Pacifico e Atlântico durante o final do período do Quartenário, analisando-os como indicadores da atividade do fenômeno El Niño e da configuração do Dipolo, formulando algumas hipóteses sobre os possíveis impactos dessa evolução sobre o NEB.
2. MATERIAIS E MÉTODOS Foram analisados dados de reconstrução climática a partir de sedimentos coletados em colunas de coral extraídas ao longo dos Oceanos Pacífico e Atlântico. Esses dados estão disponíveis no site do “National Climatic Data Center (NCDC)”, vinculado à “National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA)”. As séries selecionadas são de períodos diversos, sendo proposta a análise apenas dos últimos vinte mil anos, aproximadamente a partir do último máximo glacial, cobrindo o Holoceno. Neste trabalho, enfatizaremos a evolução temporal da série de TSM em quatro sítios localizados ao longo do Pacífico Equatorial ou no interior ou proximidades da região do dipolo do Atlântico: “Tropical leste” (0°1.3'N,86°27.8' W, KIENAST et al. 2006 ), “Tropical Oeste” (146°14'E, 1°25'N, DE GARIDEL-THORON et al. 2007), “Cariaco” (10°42.00'N, 64°56.50' W, LEA et al. 2006) e “Sudeste” (17°09.5'S, 11°00.5'E, KIM et al. 2002). Os dados foram interpolados para uma mesma resolução temporal, com intervalos de 10 anos. A partir dos dados interpolados para os sítios Tropical leste e Tropical oeste, foi calculada uma série temporal para a diferença de temperatura entre esses sítios, representando o gradiente zonal de TSM ao longo da bacia. Valores maiores dessa diferença pressupõem uma porção leste do Pacífico mais resfriada com respeito à porção oeste, sugerindo uma redução na atividade do El Niño. Em contrapartida, uma redução na diferença de temperatura oesteleste pode ser um forte indicador ou da ocorrência mais frequente de episódios de El Niño ou da manutenção de um estado semi-permanente similar a essas condições. Sobre o Atlântico, sabendo-se que os padrões de distribuição meridional da TSM são fundamentais na determinação da variabilidade climática sobre o Nordeste Brasileiro, com o aquecimento da porção setentrional ou austral da bacia favorecendo o posicionamento da Zona de Convergência Intertropical em latitudes respectivamente mais ao norte ou mais ao sul, estimou-se um Índice do Dipolo do Atlântico para todo o período de aproximadamente vinte mil anos. 3. RESULTADOS A evolução temporal da TSM sobre os sítios de coral ao longo dos últimos 20 mil anos mostra que a porção equatorial oeste da bacia do Pacífico foi sempre mais quente do que a porção leste, em associação com a ação dos ventos alísios. O conjunto da bacia, porém, era
mais fria (1-2 graus na região equatorial que tem amplitudes térmicas menores e 4-5 graus em outras regiões), durante a última era glacial. Durante o Holoceno, a temperatura do Pacífico Oeste permaneceu praticamente constante, ao passo que a temperatura no Pacífico Leste apresentou uma tendência de aquecimento. No que diz respeito ao Atlântico, as temperaturas se elevaram significativamente em ambos os sítios, após o término da última era glacial. Em contraste com as temperaturas no sítio Cariaco (Atlântico Norte), a TSM média no sítio Sudeste (próximo à costa sudoeste da África) apresentou um declínio de mais de dois graus do Holoceno médio até o presente (Figura 1).
Tempo (anos antes do presente)
Figura 1 – Séries temporais de TSM reconstruídas a partir de dados de coral
Durante o Holoceno, variações importantes ocorreram no gradiente de temperatura entre os sítios localizados em extremos opostos da Bacia do Pacífico (Figura 2). No início desse período, essa diferença permaneceu em torno de 4,0-4,5 graus, reduzindo-se para valores inferiores a 4 graus há cerca de 9,5 kyr. Em seguida, durante o Holoceno médio, a diferença de temperatura voltou a se elevar, ultrapassando 4 graus há 8 kyr e 6 kyr. Durante esse intervalo de tempo, é possível que a atividade do fenômeno El Niño tenha se reduzido. O segundo período (~6 kyr) concorda fortemente com os indicativos apresentados por OttoBliesner et al. (2003). Em seguida, há pouco mais de 5 kyr, a diferença de temperatura entre os dois sítios voltou a cair (dessa vez para valores pouco acima de 3,5 graus), permanecendo relativamente estabilizada até próximo de 3,5 kyr, quando reduziu-se ainda mais (aproximadamente até 3 graus há 2 kyr, quando a série “Tropical leste” é interrompida). Esse resultado sugere que a porção mais recente do Holoceno foi precisamente aquela mais marcada por uma intensa atividade do El Niño.
Tempo (anos antes do presente)
Figura 2 – Evolução temporal da diferença entre as TSM reconstruídas nos sítios localizados no Pacífico Equatorial (oeste menos leste).
Os resultados relativos à evolução temporal da TSM nos dois sítios do Atlântico mostram que as águas eram significativamente mais frias entre dezesseis e vinte mil anos atrás. Entre onze e treze mil anos atrás, as temperaturas oscilaram fortemente, com indícios de mudanças climáticas abruptas, sendo visível o efeito do evento de Younger Dryas na TSM, principalmente no sítio “Cariaco”. Tais flutuações foram seguidas, nos últimos onze mil anos, por uma relativa estabilização da TSM no Atlântico (Figura 1). As anomalias médias a norte e a sul na Bacia e um “índice de dipolo” também foram calculados. Foi verificado um índice de dipolo positivo entre quinze e vinte mil anos atrás, sugerindo um possível período mais seco sobre o NEB. Entre doze e quinze mil anos houve uma relativa estabilização no dipolo com oscilações de dimensão relativamente pequena. O índice de dipolo apresentou grande queda em seus valores durante dois e doze mil anos, sugerindo que o NEB pode ter sido favorecido com períodos úmidos especialmente entre cinco e nove mil anos. Entre mil e dois mil anos atrás, configurou-se a situação atual do clima na bacia do Atlântico com o dipolo possivelmente favorecendo o clima mais seco no NEB.
Tempo (anos antes do presente)
Figura 3 – Variação das médias de anomalias e do Índice de Dipolo durante o período do Holoceno
4. CONCLUSÕES Durante os últimos 20 kyr houve mudanças significativas na configuração do Pacífico equatorial e do dipolo do Atlântico, o que pode ter influenciado sensivelmente a evolução do clima no NEB. É possível especular, com base nos indicativos de uma menor atividade do El Niño e de predominância de valores negativos para o Dipolo do Atlântico, particularmente no Holoceno médio, que o NEB atravessou períodos mais úmidos do que o clima atual. Assim, nos últimos três milhares de anos, uma atividade particularmente intensa do fenômeno El Niño e um gradiente de TSM no Atlântico favorecendo temperaturas mais altas ao norte, pode impor condições de semi-aridez e de grande variabilidade climática na escala interanual sobre o NEB que possivelmente não tenham sido a regra ao longo de todo o Holoceno. Como trabalho futuro, pretende-se confrontar essas hipóteses com outros registros paleoclimáticos (TSM em outras regiões do globo, pólen, espeleotemas, sedimentos, etc.) e com dados de simulações paleoclimáticas com modelos globais para as condições citadas (dados, por exemplo, gerados através do Paleoclimate Model Intercomparison Project – PMIP, Jossaume e Taylor, 1995).
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