Agroeconomia

N UM horizonte PARA A

soja Como os produtores podem agregar valor ao grão convencional, uma cultura de difíceis cultivo e logística, mas de demanda crescente no mundo Cauê Vizzaccaro e Vera Ondei

o Whole Foods Market, supermercado que fica em frente à praça Columbus Circle, em Nova York, um dos lugares mais agitados nas proximidades do Central Park, inúmeros produtos expostos nas prateleiras trazem a seguinte informação: made whit nonGMO Ingredients (do inglês, feito com ingredientes não transgênicos). A Whole Foods possui outras 460 lojas de venda de alimentos espalhadas pelos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, onde a cena se repete. Em Paris, a poucas quadras do museu do Louvre, uma das lojas Naturalia, marca que pertence à rede Monoprix de supermercados, também avisa logo na entrada o que se vende ali: apenas produtos non-GMO. O mesmo ocorre em Roma, Lisboa, Madri, Berlim, Xangai e em outras diversas cidades.

foto: divulgação

pacote de ideias: na rede americana Whole Foods, os consumidores são sempre lembrados de que todos os seus produtos não levam ingredientes transgênicos

foto: Andrew Councill/Bloomberg via Getty Images

Os produtos fabricados com ingredientes não transgênicos fazem parte de um mercado em crescimento no mundo todo. Não por acaso, em junho, a gigante de comércio eletrônico Amazon comprou a Whole Foods por US$ 13,7 bilhões. O Brasil, como um dos maiores produtores globais de grãos, poderia tirar mais proveito dessa onda com o seu principal produto de exportação: a soja. No caso, a soja convencional, ou non-GMO no mercado internacional. “Nunca plantei soja transgênica”, diz o agricultor Evandro Batista Gianezini, proprietário da fazenda Terra Way, no município de Sinop (MT). “Quem já está nesse mercado não sai.” Gianezini está se programando para plantar 20 mil hectares na safra 2017/2018, juntando as suas outras fazendas localizadas nos municípios de Tabaporã, Porto dos Gaúchos e União do Sul, todas no Estado. Mas no Brasil ainda há pouquíssimos produtores dispostos a plantar a soja convencional, embora o mercado pague prêmios por ela. Na safra 2016/2017 foram cerca de cinco milhões de toneladas em uma área de 2,2 milhões de hectares. Esse volume representa 4% da safra total de 114 milhões de toneladas colhidas, entre convencional e transgênica. O Mato Grosso é referência no cultivo. Na última safra, 13,7% da lavoura foi do tipo convencional: três milhões de toneladas em 1,2 milhão de hectares,

segundo dados do Instituto MatoGrossense de Economia Agropecuária (Imea). A aderência é baixa porque os desafios são grandes para se manter nesse mercado. Um dos principais é a obrigatoriedade da segregação da cultura, para que ela não se misture com a soja transgênica em toda a sua cadeia, do plantio ao embarque nos portos. Também há poucas sementes melhoradas e adaptadas à disposição dos produtores e, o mais grave, não há uma política pública para esse mercado sair da condição de um nicho, como linhas de transporte exclusiva e armazéns nas zonas produtivas.

grão de valor

O que é o mercado de soja convencional no país

5 milhões de toneladas por safra Área plantada: 2,2 milhões de hectares Relação da área plantada com a total: 4% Prêmio médio pago ao produtor por saca: 20%

foto: istock

Produção:

Fonte: Aprosoja e Mapa dinheiro Rural/151-setembro-2017

Europa em foco: a Naturalia, marca que pertence aos supermercados Monoprix, é apenas um exemplo de negócio no continente que demanda cada vez mais non-GMO

Para reverter esse quadro, o Mato Grosso está tomando a dianteira. No dia 28 de julho foi criado o Instituto Soja Livre. Fazem parte nove entidades, entre elas a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado (Aprosoja-MT) e as fundações Pró Terra e Cerrados. Também integram a entidade 12 empresas de processamento de grãos, tradings e sementeiras, entre elas a Caramuru, a TMG e a Amaggi. O produtor e presidente da Aprosoja-MT, Endrigo Dalcin, será o presidente da entidade até o final de 2018. “Ficamos mais independentes com esta estrutura organizacional que vai auxiliar na interlocução no Brasil e também no exterior”, diz ele. O Instituto Soja Livre nasceu para ser uma extensão do Programa Soja Livre, criado em 2010 e coordenado pela Embrapa. A pesquisa tem sido o seu foco, principalmente sobre variedades de sementes. Hoje, a Embrapa tem 32 produtos no mercado. “O programa Soja Livre vinha com resultados positivos, mas precisávamos organizar melhor a cadeia e dar mais clareza e agilidade nas decisões”, afirma Dalcin. O coordenador do programa Rodrigo Brogin, técnico da Embrapa e que também está na diretoria do instituto, diz que o projeto foi criado em função de uma demanda dos produtores, que naquele ano viram agravar um cenário já desfavorável à soja convencional. Vale registrar que na safra 21

Agroeconomia 2009/2010, pela primeira vez o plantio de soja transgênica chegou a 55% da produção. Na época, a safra rendeu 68,5 milhões de toneladas, quase a metade da atual colheita. Agora, com a criação do Instituto Soja Livre a história se repete. No campo, a transgenia ganhou força por uma questão simples: ficou fácil para o produtor controlar as pragas da lavoura através de um único defensivo, o glifosato. “O que nós buscamos é aumentar a quantidade de variedades de soja convencional com qualidade para que sejam competitivas”, diz Brogin. “Nós queremos que o produtor analise o negócio, porque ele pode ser rentável.” Hoje, um batalhão de consumidores está de olho nesse tipo de produto, principalmente nos países desenvolvidos. Somente a Europa importa cerca de 40 milhões toneladas por ano, cultivadas em aproximadamente 16 milhões de hectares em todo o mundo. A produção do continente é de cerca de 9,2 milhões de toneladas e deve chegar a 15 milhões de toneladas nos próximos dez anos. Ou seja, a Europa, um mercado com 730 milhões de consumidores, ainda vai depender muito das compras externas e está sinalizando o tipo de produto que deseja. Desde janeiro de 2015, com a permissão do Parlamento Europeu, qualquer país do bloco pode banir o cultivo de transgênicos. Na Escócia eles foram totalmente proibidos, outros países estão indo por etapas. A França, por exemplo, já proibiu o cultivo de milho transgênico. Um estudo publicado no início deste ano pela Technavio, empresa global de pesquisa, prevê um aumento da demanda mundial por produtos non-GMO da ordem de 16,2% no período de 2017 a 2021. E a indústria está indo em busca desses consumidores. Somente nos Estados Unidos, dois mil produtos, de biscoito a cápsulas de café, são lançados todos os anos. Segundo o agrônomo Wininton Mendes, coordenador técnico do programa Soja Livre, a

foco no campo:

para os agricultores Europa tem uma demanda Para ele, é importante o que cultivam o grão atual de 2,7 milhões de toneprodutor se cercar de cuiconvencional, um dos ladas anuais de soja não dados, como por exemplo desafios é segregar a lavoura em toda a transgênica e na China ela é comprar apenas sementes cadeia, do campo até de cinco milhões de toneladas. certificadas. De acordo o embarque para exportação “Nós podemos abastecer esse com o executivo César mercado de cerca de oito Borges, vice-presidente milhões de toneladas”, afirma da Caramuru Alimentos, Mendes. Está aí a oportunidade de negógrupo, que no ano passado faturou R$ 4 cio. Na China, por exemplo, que é um dos bilhões, o controle contra a contaminação maiores compradores da soja brasileira, o é o grande gargalo desse mercado. “Não é crescimento por produtos non-GMO nos fácil, mas, para os clientes que querem próximos quatro anos é estimado em soja não transgênica, o processo tem que 21%, de acordo com Technavio. ser rigoroso”, diz. A Caramuru é uma das Outra pesquisa, mas dessa vez da maiores esmagadoras desse tipo soja no Euromonitor International, consultoria País. Neste ano, a previsão são de 2,2 que analisa mercados consumidores, milhões de toneladas em quatro unidades, mostra que em 2016 a receita com a vendas quais três se dedicam à soja convendas de óleo de soja em supermercados cional: em Sorriso (MT), a capacidade é de chineses foi de US$ 5,2 bilhões, 1% abai1,2 mil toneladas processadas por dia; em xo do ano anterior, enquanto os óleos São Simão (GO) são mais 1,8 mil tonelaalternativos cresceram até 6%. O produdas e em Itumbiara, também em Goiás, tor que tem se dedicado à soja convencioonde está a sede da empresa, são mais 1,7 nal está de olho exatamente nesse desejo mil toneladas por dia. Segundo Mendes, o de compra, o que de fato abre a possibilibônus pago na safra 2016/2017 foi de R$ 3 dade de bônus pago pela indústria. por saca de 60 quilos em Goiás, mas em Mas então, qual o motivo da baixa adeoutros Estados o valor foi superior. “As são dos agricultores? O produtor Gianezini tradings, como a Caramuru, Amaggi e tem uma explicação que vai além da logísImcopa, as maiores compradoras em tica e de políticas: falta gestão na fazenda. Mato Grosso, regulam o preço do bônus “Quem se aventura nesse mercado pode se pago, que bateu nos R$ 12”, diz Mendes. dar mal por causa da oscilação do prêmio Borges afirma que em Sorriso, a pago pela indústria ou por deixar que o Caramuru tem mantido o bônus em grão se contamine”, diz ele. “Caso ocorra 20%. No final do mês passado, a saca na lavoura, nos armazéns ou no transporconvencional no município era vendida a te, todo o trabalho investido é perdido.” R$ 61, ante R$ 51 da transgênica. No ano passado, a trading faturou US$ 522,4 milhões, principalmente com a venda de proteína concentrada de soja para a Europa, usada como ingrediente em uma larga variedade de produtos alimentares, como massas, biscoitos e Endrigo Dalcin, presidente da Aprosojaaté nas carnes processadas. MT e do recém-criado Instituto Soja Livre

foto: divulgação

Precisávamos organizar melhor a cadeia e dar mais clareza e agilidade nas decisões

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