Todo mundo vai para a universidade THE ECONOMIST, 26 de Março de 2015

É cada vez maior o volume de recursos investido no ensino superior. Se esse dinheiro está sendo bem gasto, é outra história

O valor que os americanos dão ao ensino superior desde os primórdios da colonização fez com que os Estados Unidos criassem o melhor e mais afluente sistema universitário do mundo. Não é de surpreender, portanto, que outros países reproduzam seu modelo, possibilitando que um número cada vez maior de jovens chegue à faculdade. No entanto, à medida que o padrão americano se difunde, muitos se indagam se realmente vale a pena investir tanto dinheiro assim nesse tipo de sistema universitário. O jeito americano. A moderna instituição superior de pesquisa, resultado do casamento entre o modelo de ensino adotado em Oxford e Cambridge e o instituto de pesquisas alemão, foi inventada pelos americanos e se tornou um exemplo a ser seguido no mundo inteiro. A massificação do ensino superior teve início nos Estados Unidos, no século 19, propagou-se pela Europa e pelo Leste Asiático no século 20 e, exceção feita à África subsaariana, hoje ocorre em quase toda parte. A taxa global de matrículas no ensino de 3º grau — percentual da população em idade escolar regularmente matriculado em alguma instituição universitária — passou de 14%, em 1992, para 32%, em 2012; nesse mesmo período, o número de países com taxas de matrícula superiores a 50%, aumentou de cinco para 54. O ritmo de crescimento das matrículas universitárias é superior até que a demanda por este que é bem de consumo por excelência: o automóvel. A fome por diplomas é compreensível: nos dias que correm, os canudos são pré-requisito para que a pessoa consiga um emprego razoável, e é a senha de acesso para a classe média. Há, grosso modo, duas maneiras de atender essa demanda gigantesca. Uma delas é o modelo adotado pelos países da Europa continental, com financiamento público, em que a maioria das instituições têm recursos e status iguais. A outra é o modelo dos EUA, em que atuam alguns mecanismos de mercado e o financiamento é misto — público e privado —, com instituições maravilhosas, nadando em dinheiro, no topo, e instituições mais pobres na base. O mundo segue os passos dos americanos. Cada vez mais universidades em um número cada vez maior de países cobra mensalidades de seus alunos. E, à medida em que os políticos se dão conta de que a “economia do conhecimento” depende de pesquisas de primeira linha, os recursos públicos começam a ser canalizados para um número reduzido de instituições privilegiadas, ao mesmo tempo em que se intensifica a corrida pela criação de universidades em condições de concorrer com as melhores instituições do mundo.

De certo modo, isso é excelente. As melhores universidades são responsáveis por muitas das descobertas que tornaram o mundo um lugar mais seguro, mais rico e mais interessante. Acontece que os custos vêm aumentando. O investimento em ensino superior dos países da OCDE atualmente é de 1,6% do PIB; em 2000, era de 1,3%. Se o modelo americano continuar a se difundir, esse percentual tende a aumentar. Os Estados Unidos consomem 2,7% de seu PIB com suas instituições universitárias.

Se a qualidade do sistema universitário dos EUA correspondesse ao volume de recursos que os americanos investem nele, não haveria problema. Na área de pesquisa, isso provavelmente acontece. São americanas 19 das 20 universidades do mundo que produziram os artigos científicos mais citados ao longo de 2014. Mas na área do ensino, as coisas não são tão claras. Os americanos recém-formados não vão bem nas avaliações internacionais de competências em matemática, leitura e escrita, e a posição do país nesse tipo de ranking vem piorando. Em estudo recente sobre desempenho acadêmico 45% dos universitários americanos não registravam aquisição significativa de conhecimentos em seus dois primeiros anos de faculdade. Por outro lado, nos últimos 20 anos, o valor das mensalidades escolares cobradas pelas universidades praticamente dobrou em termos reais. O estoque de crédito estudantil, hoje em quase US$ 1,2 trilhão, já é superior às quantias que os americanos devem em seus cartões de crédito e financiamentos automotivos.

Isso não significa que fazer uma faculdade seja um mau negócio. Nos EUA, o diploma universitário ainda proporciona, em média, retornos de 15%. O que não está tão claro é se esse investimento crescente na educação de 3º grau faz sentido para a sociedade como um todo. Se os salários pagos às pessoas com ensino superior são mais altos porque seus anos a mais de estudo as tornam mais produtivas, então a sociedade faz bem em investir nas universidades. Mas não é bem isso que sugere o fraco desempenho acadêmico dos estudantes americanos. E a desconfiança é reforçada por relatos de

empregadores. Estudo recente realizado junto a empresas que costumam contratar jovens formados por universidades prestigiosas mostra que o importante para elas não é o que esses jovens potencialmente aprenderam em seus cursos, mas o fato de terem se submetido aos exigentes processos seletivos dessas instituições. Ou seja, talvez os estudantes estejam pagando mensalidades escolares elevadas apenas para passar por mecanismos seletivos extremamente rigorosos. Mas se as universidades americanas de fato não oferecem retornos que justifiquem os altos investimentos que recebem, qual seria a razão disso? Um dos principais motivos é que o mercado de ensino superior, como o de saúde, não funciona bem. Os recursos governamentais são alocados levando-se em conta o desempenho das instituições na área de pesquisa, e é nisso que seus corpos docentes se concentram. Por sua vez, os estudantes buscam um diploma que impressione na hora de fazer uma entrevista de emprego; e os empregadores estão mais interessados na seletividade da instituição pela qual o candidato se formou. Como o valor de um diploma emitido por uma universidade prestigiosa depende de sua escassez, não é do interesse da instituição ampliar o número de formados. Na ausência de critérios claros que permitam avaliar o desempenho acadêmico dos estudantes, o preço das mensalidades faz as vezes da qualidade do ensino. Cobrando mais caro, as boas universidades abocanham mais recursos e mais prestígio.

Excelência versus equidade Modelo de ensino superior americano está se difundindo; credenciais para produzir excelência são inegáveis, mas é preciso melhorar condições de acesso

O modelo de ensino superior americano está se difundindo. Suas credenciais para produzir excelência são inegáveis, mas é preciso oferecer melhores condições de acesso a uma educação de boa qualidade a custos razoáveis. Descobrir que os principais atores de determinado mercado são os mesmos que o dominavam 100 anos antes costuma levar à conclusão de que o setor em questão deve ter passado por um século de estagnação. No caso do ensino superior, que desde o início do século 20 é dominado pelas universidades americanas, trata-se de uma conclusão completamente equivocada.

Harvard, assim como Yale, Princetown, Caltech e outras, grupo de universidades de primeira linha emergiu nos EUA como motor da vida intelectual e científica mundial

Essas universidades foram crescendo aos poucos entre 1900 e 1925, começaram a ganhar mais impulso em meados do século e embalaram de vez em seu último quartel. Disso talvez se deduza que as principais universidades dos Estados Unidos são instituições verdadeiramente excepcionais, ou que esse mercado se comporta de modo bastante estranho. No caso do ensino superior, ambas as conclusões estão corretas. Os Estados Unidos deram ao mundo a moderna instituição universitária. No século 17, sua elite importou o modelo desenvolvido nas faculdades de Oxford e Cambridge a fim de conferir algum requinte intelectual a seus filhos rústicos. Em 1876, os administradores da herança do banqueiro e magnata das ferrovias John Hopkins resolveram usar o que até então era o maior espólio da história para combinar a ideia da faculdade inglesa com a do instituto de pesquisas, instituição que os alemães haviam criado no início daquele século. O modelo foi adotado por universidades públicas e privadas. Assim, em pouco tempo, Harvard, Yale, Princeton, Caltech (California Institute of Technology) e outras instituições que compõem o grupo de universidades de primeira linha nos Estados Unidos emergiram como os motores da vida intelectual e científica mundial. Dessas instituições saiu um número impressionante de invenções que fizeram do mundo um lugar mais seguro, mais confortável e mais interessante. "Imaginem como seria viver sem vacina contra a pólio, sem marca-passos (...), ou sem sistemas municipais de tratamento de água. Ou satélites meteorológicos. Ou modernas terapias de combate ao câncer. Ou aviões a jato", escreveu em 1995 um grupo de lideranças empresariais em documento enviado ao Congresso, solicitando que o governo não reduzisse o financiamento à pesquisa das universidades do país. De lá para cá, essas instituições

também nos deram a revolução digital, que melhorou a vida das pessoas em todos os cantos do planeta.

Estudantes no patio da Universidade de Yale, em New Haven, Connecticut

Os Estados Unidos também foram pioneiros na massificação do ensino superior, uma transformação impulsionada, em parte, pela necessidade de qualificação da mão de obra do país e, em parte, pelo desejo que a sociedade americana tinha de oferecer uma oportunidade de aprimoramento pessoal aos homens que haviam lutado na Segunda Guerra Mundial. Assim, os Estados Unidos se tornaram o primeiro lugar do mundo em que os filhos da classe média chegaram à universidade e em que o diploma universitário se tornou um passaporte para a prosperidade. Dado o sucesso desse modelo, não é de admirar que ele esteja se disseminando por todo o mundo. A massificação do ensino universitário vem acontecendo em toda parte. A universidade de estilo americano tornou-se o padrão a ser seguido, e entre os demais países é cada vez mais intensa a competição por criar instituições universitárias tão boas quanto as americanas. Os gastos com ensino superior têm aumentado: na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), passaram de 1,3% para 1,6% do PIB em 2011. No mundo inteiro, mecanismos de financiamento e gestão inspirados no modelo europeu, onde tudo é feito pelo Estado, têm sido abandonados em favor do modelo americano, onde grande parcela do ensino universitário fica a cargo do setor privado e os estudantes pagam a maior parte de seus estudos. Mas, no mesmo momento em que o modelo americano é adotado mundo afora, dificuldades internas começam a aparecer. As melhores universidades dos Estados

Unidos ainda conduzem mais pesquisas de ponta do que as de qualquer outro país; o problema é fazer com que os investimentos que elas recebem deem retorno também na sala de aula. Avaliações indicam que atualmente há muitos alunos que não aprendem tanto quanto deviam e que eles se aplicam menos nos estudos do que costumavam se aplicar. Comparado com o de outros países, o desempenho médio dos recém-formados americanos é ruim e vem piorando. Em vez de aumentar a mobilidade social, o ensino superior tem reforçado barreiras existentes. Ao mesmo tempo, nos últimos 20 anos, os custos quase dobraram em termos reais. A taxa de matrículas vem caindo. Há tecnologias que prometem tornar a educação mais barata e mais eficaz, mas as universidades resistem em adotá-las. Pode-se argumentar que os problemas decorrem, em parte, de tensões existentes no cerne do sistema universitário americano, onde a pesquisa se contrapõe ao ensino, e a excelência à equidade. E pode-se igualmente argumentar que, com recursos tecnológicos e informações mais precisas, é possível tornar mais eficiente o departamento de ensino desse negócio. Tendo exportado seu modelo para o restante do mundo, os americanos têm lições a aprender com outros países sobre como aprimorar o próprio sistema universitário. Quando é que o muito vira demais? "Tem tanta gente fazendo faculdade neste país que daqui a pouco não vai sobrar ninguém pra pegar o lixo. (...). Hoje em dia, você para pra cuspir na rua e corre o risco de acertar alguém de beca e capelo", diz Keller, personagem da peça All My Sons, de Henry Miller, escrita em 1946. Nos Estados Unidos, os setores menos privilegiados da sociedade começaram a ter acesso ao ensino superior com a criação de universidades financiadas com a venda de terras públicas, mas a verdadeira massificação teve início com uma lei aprovada em 1944, garantindo bolsas de estudos integrais para todos os veteranos de guerra que desejassem fazer um curso universitário. O fenômeno observado nos Estados Unidos se reproduziu na Europa e no Japão ao longo das décadas de 60 e 70, e na Coreia do Sul nos anos 80. Agora está acontecendo em todo o mundo. O número de estudantes universitários vem crescendo em ritmo mais acelerado que o Produto Interno Bruto (PIB) global. A demanda por um diploma universitário é tamanha que as matrículas registram crescimento maior do que o da venda daquele que é o bem de consumo por excelência: o automóvel. A taxa global de matrículas no ensino de 3.º grau - o porcentual da população mundial em idade escolar regularmente matriculado em alguma instituição universitária - passou de 14%, em 1992, para 32%, em 2012; e, nesse mesmo período, o número de países com taxas de matrícula superiores a 50%, aumentou de 5 para 54. A África Subsaariana é a única região onde ainda não há evidências de uma "massificação".

Na China, entre 1998 e 2010, o número de estudantes universitários passou de 1 milhão para 7 milhões e vai avançar mais

Em alguns países, como na Coreia do Sul, onde quase todas as pessoas fazem uma faculdade, provavelmente se chegou a um ponto de saturação. Em outros, a expansão do ensino superior ainda é fenomenal. Na China, entre 1998 e 2010, o número de estudantes universitários passou de 1 milhão para 7 milhões. De 2000 a 2009, as universidades chinesas contrataram quase 900 mil novos professores em regime de dedicação integral. Atualmente, o país forma mais gente do que os Estados Unidos e a Índia juntos, e pretende ter 40% de seus jovens matriculados em algum curso superior até 2020. Em todo o mundo, as transformações no mercado de trabalho, a urbanização e as tendências demográficas alimentaram essa expansão. A "economia do conhecimento" fez aumentar a demanda por trabalhadores com boa formação intelectual. Por outro lado, quando as pessoas se mudam do campo para a cidade, as universidades se tornam mais acessíveis. O aumento no número de jovens também impulsionou o crescimento das matrículas, e - sobretudo em países árabes - a política do petróleo fez aumentar a necessidade de oferecer oportunidades aos adolescentes. Na maioria dos países, o número de pessoas na faixa de 18 a 24 anos deve diminuir ao longo dos próximos 50 anos, mas tudo indica que a demanda por ensino superior mais do que contrabalançará esse efeito demográfico. Simon Margison, do Instituto de Educação da University College London, diz que "parece não haver limites naturais à tendência de aumento na taxa de matrículas no ensino superior" a partir do momento em que o PIB per capita de um país passa dos US$ 3 mil.

As leis da oferta e da procura sugerem que esse aumento fantástico no número de pessoas formadas tende a reduzir o retorno do investimento feito na obtenção de um diploma e, em certa medida, isso parece ter acontecido. De maneira geral, os retornos gerados por um diploma universitário são maiores em países pobres do que em países ricos, a não ser no Oriente Médio, onde a alta taxa de matrículas, combinada com o baixo crescimento econômico, gerou um desemprego elevado entre indivíduos com formação superior. Harry Patrinos, principal economista especializado em educação do Banco Mundial, observa que, nos países pobres, a globalização fez aumentar as chances de uma pessoa bem qualificada conseguir um bom emprego. No mundo desenvolvido, ainda que metade dos jovens em idade adulta tenha cursado uma universidade - e embora esse número continue crescendo -, o prêmio pago pelo diploma (a diferença salarial entre indivíduos com e sem formação universitária) ainda é alto o bastante para fazer valer a pena passar alguns anos estudando numa universidade. Parte da explicação para isso pode estar na valorização excessiva, que se observa em alguns países, das qualificações formais de um indivíduo. Quanto maior é o número de pessoas com formação universitária, maior a tendência das empresas em contratar pessoas com formação universitária. Em muitos países, profissões como as de professor e enfermeiro, que há 30 anos podiam ser exercidas sem um diploma universitário, hoje são reservadas a quem tenha passado por uma instituição de nível superior. Quando apenas uma pequena elite frequentava a universidade, havia uma quantidade razoável de bons empregos para aqueles que interrompiam os estudos depois de concluir o ensino médio. Isso não acontece mais. Com os diplomas universitários se disseminando, cada vez mais pessoas fazem cursos de pós-graduação, buscando se sobressair no meio da multidão. Tanto nos EUA como no Reino Unido 14% da força de trabalho tem um título de pós-graduação; e, apesar desse aumento na oferta, o prêmio pago pela pós-graduação aumentou nos dois países, principalmente a partir do ano de 2000. Houve um tempo, observa Stephen Machin, professor de economia da University College London, em que os títulos de pósgraduação eram um fator de redução salarial; mas isso era quando a maioria das pessoas que se doutoravam em matemática permanecia na academia; agora elas se transferem para o setor financeiro. Ainda que os indivíduos recebam bons retornos pelo investimento que fazem no ensino superior, não é tão claro que isso também se aplique à sociedade como um todo. A grande questão é saber se o prêmio pago pelo diploma é consequência de uma produtividade mais elevada ou do estabelecimento de uma diplomacracia. Se as universidades contribuem para aumentar a produtividade das pessoas, então a sociedade faz bem em investir no sistema universitário, mas quando os diplomas passam a funcionar apenas como um mecanismo para indicar às empresas que pessoas formadas são mais inteligentes que as não formadas, então esse investimento perde a razão de ser. E, como até o momento são muito limitadas as tentativas de avaliar até que

ponto as universidades realmente educam as pessoas, não se sabe se vale ou não a pena fazer todo esse investimento no ensino superior. Mesmo que sejam reduzidos os retornos sociais do investimento em sistemas universitários, há um ótimo argumento de ordem política para que o Estado se preocupe em garantir o acesso a esse nível de ensino. Se as pessoas precisam de um diploma para prosperar economicamente, então é obrigação de qualquer governo democrático oferecer a todos os indivíduos com alguma inteligência a oportunidade de obter um título desses. As instituições financeiras do setor privado relutam em conceder empréstimos a taxas de juros razoáveis a estudantes que não têm como oferecer garantias, de modo que mesmo onde o financiamento privado tem papel preponderante, os governos tendem a abrir linhas de crédito aos estudantes. Mas o acesso ao ensino superior não é uma questão binária. Alguns mecanismos de financiamento são bons, outros não. E os retornos oferecidos por um ensino ruim sempre serão baixos. Portanto, a ambição manifestada por autoridades governamentais de quase todo o mundo, de ampliar o acesso ao ensino superior de qualidade, entra em conflito com outra força global: a competição para criar as melhores universidades.

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