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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC CURSO DE PSICOLOGIA KELLY DAIANE SAVARIZ BÔLLA SAÚDE INTEGRAL SOB O ENFOQUE DO PARADIGMA TRANSDISCIP...
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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC CURSO DE PSICOLOGIA

KELLY DAIANE SAVARIZ BÔLLA

SAÚDE INTEGRAL SOB O ENFOQUE DO PARADIGMA TRANSDISCIPLINAR HOLÍSTICO: UMA VISÃO EMERGENTE

CRICIÚMA, JUNHO DE 2009

KELLY DAIANE SAVARIZ BÔLLA

SAÚDE INTEGRAL SOB O ENFOQUE DO PARADIGMA TRANSDISCIPLINAR HOLÍSTICO: UMA VISÃO EMERGENTE

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado para obtenção do grau de Bacharel no curso de Psicologia da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC. Orientador(a): Prof. MSc. Jeverson Rogério Costa Reichow

CRICIÚMA, JUNHO DE 2009.

2 KELLY DAIANE SAVARIZ BÔLLA

SAÚDE INTEGRAL SOB O ENFOQUE DO PARADIGMA TRANSDISCIPLINAR HOLÍSTICO: UMA VISÃO EMERGENTE

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado pela Banca Examinadora para obtenção do Grau de Bacharel, no Curso de Psicologia da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC, com Linha de Pesquisa em Saúde e Qualidade de Vida.

Criciúma, 22 de Junho de 2009.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Jeverson Rogério Costa Reichow - Mestre - (UNESC) - Orientador

Profa. Elenice de Freitas Sais - Especialista - (UNESC)

Prof. Geraldo Milioli – Doutor - (UNESC)

3

Dedico este trabalho a tudo o que existe. À todas as pessoas, à Natureza, ao Universo inteiro, com toda sua Consciência, que, de uma forma ou de outra, possibilitaram a realização deste.

4 AGRADECIMENTOS

À Jah, Deus, Energia Superior, Inteligência Cósmica ou qualquer que seja a denominação da Força Suprema e à vida, que me instigaram e me possibilitaram desenvolver esta pesquisa; À minha amada família, pois, cada qual da sua maneira, colaborou para que essa caminhada pudesse ser a melhor possível; Ao meu ilustre professor orientador, Jeverson, por todo o seu conhecimento e sabedoria, com os quais, tornou ainda mais instigante esse aprendizado; Aos meus amigos que ajudaram a aliviar as tensões ao me acompanhar e fazerem alegres os nossos encontros;

Muito Obrigada!

5

“Não nos esqueçamos: o ser jamais será redutível ao conhecimento. Somos sempre mais do que sabemos. A representação do mundo é infinitamente mais pobre do que a concretude de sua presença real”. Hélio Pellegrino

6 RESUMO

O presente Trabalho de Conclusão de Curso consiste em uma pesquisa bibliográfica quali-quantitativa exploratória, com objetivo de buscar uma visão integral e, portanto, complexa do ser humano, na área da Saúde, considerando a visão e o tratamento fragmentados da saúde, em vigor atualmente. De maneira específica, procurou-se: entender como o paradigma vigente na ciência entende o ser humano e a saúde, e a maneira como os aborda; compreender sistemas teóricos que sustentem uma visão integrada de saúde; verificar métodos terapêuticos que tenham uma percepção complexa e integral do ser humano. Encontraram-se: a visão sistêmica, a holística e a transdisciplinar como abordagens que contemplam uma percepção complexa e integral de saúde, por entenderem-na como uma unidade formada pela dinâmica das esferas física, psíquica, emocional, espiritual, social e ambiental do ser humano. Pesquisando essas abordagens, foi possível deparar-se com práticas integrais de saúde como a medicina tradicional chinesa, a medicina ayurvédica e a psicoterapia corporal. Nota-se, dessa forma, a importância de um novo paradigma científico que aborde a saúde como um fenômeno integral e complexo, para que assim, ela seja tratada em toda sua multidimensionalidade, onde os diversos campos do saber estejam envolvidos na promoção da saúde. Palavras-chave: Paradigma. Saúde integral. Visão holística. Transdisciplinaridade. Práticas integrais em saúde.

7 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

FAO - Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação INCA - Instituto Nacional de Câncer OMS - Organização Mundial da Saúde ONU - Organização das Nações Unidas OPAS - Organização Pan-Americana da Saúde PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância

8 SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 9 2 METODOLOGIA.................................................................................................... 12 2.1 Introdução ......................................................................................................... 12 2.2 Organização dos dados ................................................................................... 12 2.3 Limitações do trabalho e da abordagem utilizada ......................................... 14 3 O PARADIGMA CARTESIANO-NEWTONIANO ................................................. 15 3.1 Indícios globais da necessidade de mudança ............................................... 23 3.2 A visão disciplinar nas práticas de Saúde ..................................................... 35 4 A EMERGÊNCIA DO PARADIGMA TRANSDISCIPLINAR HOLÍSTICO ............. 46 4.1 Visão sistêmica em saúde ............................................................................... 49 4.2 O paradigma holístico em saúde..................................................................... 53 4.3 Transdisciplinaridade e saúde ........................................................................ 70 5 PRÁTICAS INTEGRAIS EM SAÚDE .................................................................... 82 5.1 Medicina tradicional chinesa ........................................................................... 82 5.2 Medicina ayurvédica......................................................................................... 89 5.3 Psicoterapia corporal ....................................................................................... 98 6 CONCLUSÃO...................................................................................................... 104 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 108 APÊNDICE ............................................................................................................. 120

9 1 INTRODUÇÃO

A ciência, ao longo da sua evolução, a fim de desvendar todo conhecimento sobre o homem e o mundo, dividiu-se em múltiplas disciplinas, e, com isso, acabou criando um saber fragmentado que parece carecer de integridade. Percebe-se que cada disciplina da ciência da saúde arrematou para si uma dessas fragmentações do ser humano para um estudo mais profundo, mas, apesar disso, pouco se fala da relação substancial entre elas e do que as transpõe, numa visão transdisciplinar de saúde.

As dimensões física, psíquica, social, ambiental e

espiritual ganharam caminhos e cuidados diferentes, no entanto, não podem ser entendidas isoladamente, pois estão interligadas na formação da unidade chamada ser humano. Separado, a priori, em corpo e mente, o ser humano passou a ser objeto de estudo de disciplinas isoladas que construíram uma axiomática incomum acerca da mesma unidade. A Psicologia clássica tomou como seu objeto de estudo a mente - ou a psique - humana, enquanto que a Medicina, o corpo, e sabe-se, porém, que nem uma delas consegue, sozinha, compreender o homem na sua totalidade. A saúde precisa ser entendida não apenas como ausência de doenças, mas como bem-estar do indivíduo resultante da harmônica integração entre suas dimensões, em que uma disfunção em uma delas implicará alterações em todo o conjunto. Nessa perspectiva, não é apropriado olhar o surgimento de doenças orgânicas somente pelo ângulo físico e tratado apenas com remédios, como vem ocorrendo. Assim também as doenças psicológicas, pois ainda que exista uma disfunção física intrínseca, não se pode dizer, sem a devida investigação, que ela é a causadora da doença ou a única desarmonia do organismo concomitante com ela. Sendo assim, o problema que guiou esta pesquisa foi: existem abordagens teóricas e práticas que concebam a saúde como um fenômeno integral e complexo? Para tal, delineou-se como objetivo geral da pesquisa: buscar uma visão integral e, portanto, complexa do ser humano na área da Saúde. Enquanto que especificamente, procurou-se: entender como o paradigma vigente na ciência entende o ser humano e a saúde, e a maneira como os aborda; compreender

10 sistemas teóricos que sustentem uma visão integrada de saúde; verificar métodos terapêuticos que tenham uma percepção complexa e integral do ser humano. Acredita-se que este problema é de visível relevância à Psicologia, pois esta se insere entre as inúmeras disciplinas comprometidas com a saúde dos seres humanos. Além disso, o trabalho enfatiza a importância da esfera psicológica na construção e na cura das doenças. Nesse sentido, frente à medicalização de quase todo problema humano, enfatizado por Moreira & Callou (2006), percebe-se a necessidade de se passar a compreender a saúde como um fenômeno integral, multidimensional e multifatorial, o que implica um novo paradigma científico que possibilite uma prática transdisciplinar e holística em saúde. De acordo com Kuhn (1997), paradigma é a teoria das teorias, sendo o modelo que rege as pesquisas em busca da compreensão da realidade, definindo aquilo que deve ser investigado pela ciência. Buscar um novo paradigma, que seja transdisciplinar e holístico se faz necessário frente a algumas falhas cruciais do paradigma cartesiano-newtoniano vigente, mas não tem a pretensão de anulá-lo, pois reconhece seus méritos. O que o novo paradigma pretende é transpôlo, agregando novos olhares, a fim de uma compreensão complexa da realidade. A visão holística, segundo Weil (1990), percebe o ser humano como um todo formado pela dinâmica entre suas partes e também como uma parte integrada ao todo, ou seja, ao mundo. Na visão holística, a saúde é vista como o resultado da harmonia entre suas esferas física, psicológica, espiritual e emocional, sempre relacionadas ao seu ambiente sócio-físico. A transdisciplinaridade, conforme Nicolescu (2001), aparece com o intuito de unificar o saber através da percepção de que a ciência precisa enxergar aquilo que

está

entre,

através

e

além

das

disciplinas.

Nessa

perspectiva,

a

transdisciplinaridade compreende a saúde como um fenômeno complexo que exige a visão integrada de vários profissionais, sem a saliência de uma única profissão. Este Trabalho de Conclusão de Curso está organizado em cinco capítulos, nos quais se acredita responder ao problema de pesquisa e alcançar os objetivos propostos. É importante salientar que, devido ao tema ser saúde integral e aos objetivos denotarem um resgate reflexivo sobre ele, não foi possível aprofundar a explanação sobre cada assunto relevante à compreensão do mesmo, o que é

11 justificado pela complexidade e vastidão do tema saúde, em todos os sentidos abordados. O primeiro capítulo introduz o assunto e faz as considerações iniciais acerca da pesquisa. O segundo capítulo traz a metodologia utilizada para o desenvolvimento deste trabalho. O terceiro capítulo traz uma visão geral do paradigma cartesiano-newtoniano que norteia a ciência e sua percepção de homem e de mundo, cita algumas conseqüências da cosmovisão fragmentada, determinista, mecanicista, materialista e reducionista proposta por este paradigma, que atingem diversas esferas da vida do homem, afetando sua saúde. Comenta também sobre suas implicações teóricas e práticas, especificamente na área da Saúde. O capítulo seguinte destaca as abordagens sistêmica, holística e transdisciplinar surgidas no século XX que formam o que está sendo chamado de paradigma emergente, comprometido com uma percepção de realidade integral e complexa e, portanto, com uma nova abordagem de saúde. O quinto e último capítulo expõe, sucintamente, três modelos de práticas integrais em saúde: medicina tradicional chinesa, medicina ayurvédica e psicoterapia corporal, colocando-as como práticas holísticas com visão transdisciplinar, no sentido de que percebem que os saberes acerca do corpo não são suficientes para entender as doenças e incorporam os conhecimentos oriundos da investigação da mente, da esfera espiritual e da influência do meio ambiente, tanto físico quanto social, por entenderem que a saúde é um estado de equilíbrio dinâmico entre as múltiplas dimensões do ser humano. Após o último capítulo, encontra-se a conclusão da pesquisa.

12 2 METODOLOGIA

2.1 Introdução

O presente trabalho constitui-se em uma pesquisa teórica, bibliográfica quali-quantitativa e exploratória. De acordo com Gil (1996), a pesquisa bibliográfica é uma modalidade de pesquisa desenvolvida através de trabalhos já publicados, como livros e artigos. A abordagem quali-quantitativa de pesquisa, conforme Leopardi (2001), refere-se àquela que se utiliza de dados qualitativos e quantitativos, no entanto, com predomínio da primeira modalidade. Enquanto que a classificação como pesquisa exploratória demonstra, para Gil (1996, p. 45), que ela tem: “[...] como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a tornálo mais explícito ou a construir hipóteses. Pode-se dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de idéias [...]”. Para a realização desse trabalho, foram utilizados, como referência, artigos e dissertações de mestrado disponíveis nos bancos de dados on-line nacionais e internacionais Scielo e Google acadêmico, dados estatísticos encontrados nos sites da ONU, do UNICEF, do PNUD, do PNUMA, da FAO e do INCA, artigos localizados no site da Associação Brasileira de Ayurveda, bem como, livros da biblioteca universitária da UNESC, da biblioteca particular do professor orientador e da própria autora.

2.2 Organização dos dados

Os dados encontrados foram organizados em três capítulos teóricos; 1. O paradigma cartesiano-newtoniano; 2. O paradigma transdisciplinar holístico. 3. Práticas integrais em saúde.

13 Para a realização do primeiro capítulo, buscou-se entender o paradigma atual da ciência, expor suas idéias principais e as conseqüências, oriundas da cosmovisão procedente dele, para o mundo em geral no que diz respeito à saúde e para as práticas em saúde. Por isso, foi dividido em dois subcapítulos: 1. Indícios da necessidade de mudança e 2. Visão disciplinar nas práticas de Saúde. O primeiro subcapítulo mostra dados quantitativos encontrados nos sites da ONU, do UNICEF, do PNUD, do PNUMA, da FAO e do INCA para expor as condições de saúde do planeta e dos seres humanos. O segundo subcapítulo é formado pelos dados encontrados sobre as práticas de Saúde propostas pelo modelo biomédico, o que abrange a percepção de saúde dos profissionais da área e a maneira como promovem a saúde de seus pacientes. O terceiro capítulo resgata a construção de um novo paradigma científico formado por três visões desenvolvidas em momentos históricos diferentes, por pensadores de formação diferentes, com conceitos diferentes, mas que têm em comum a essência. As três visões percebem tanto o ser humano como o mundo como um todo, em que as somas de suas partes não podem traduzir a unidade total e buscam a união dos saberes para melhor compreensão a cerca das duas instâncias. Este capítulo se estrutura através de três subcapítulos: 1. Visão sistêmica em saúde, 2. O paradigma holístico em saúde e 3. Transdisciplinaridade e saúde. O quadro a seguir mostra os principais conceitos de cada uma das visões, expostas em cada subcapítulo, que formam o novo paradigma transdisciplinar holístico: SUBCAPÍTULO

PALAVRAS-CHAVE

1. Visão sistêmica em saúde

sistemas; sistema aberto; sistema fechado; autoorganização; entropia; neguentropia; informação; dinâmica todo e partes; transcendência; união dos saberes; saúde integral (corpo-mente-espírito).

2. O paradigma holístico em totalidade; unidade; unidiversidade; dinâmica todo saúde

e partes, holopropragmática; holorradiação; nãoseparatividade entre corpo, mente e espírito; nãolocalidade;

inter-relação

homem

e

universo;

espiritualidade; união dos saberes; saúde integral (corpo-mente-espírito).

14 3.

Transdisciplinaridade

saúde

e complexidade; níveis de realidade; lógica do terceiro incluído; não-separabilidade; abertura; ética; respeito; espiritualidade; união dos saberes; saúde integral (corpo-mente-espírito).

No terceiro capítulo utilizado para a inserção dos dados, correspondente ao quinto capítulo do trabalho, inserem-se três práticas de saúde consideradas integrais, que tratam o ser humano como uma unidade. Dividiu-se, para tal, em três subcapítulos: 1. Medicina tradicional chinesa, 2. Medicina ayurvédica e 3. Psicoterapia corporal.

2.3 Limitações do trabalho e da abordagem utilizada

Como limitação encontrada no desenvolvimento desse trabalho, pode-se destacar a complexidade do tema saúde, sobre o qual se propôs fazer uma reflexão ampla, envolvendo tanto a percepção de saúde pelos profissionais da área e pela sociedade ocidental em geral, quanto novas visões de ser humano, de mundo e, logo, de saúde e também modelos terapêuticos existentes e suas diferenças em teoria e prática. Outro ponto a ser destacado como limitação foi o fato do irrisório número de publicações científicas em língua portuguesa sobre medicina ayurvédica.

15 3 O PARADIGMA CARTESIANO-NEWTONIANO

Ainda que com significado desconhecido por grande parte da sociedade, o paradigma está diretamente relacionado ao modo de vida das pessoas enquanto estiver em vigor no meio científico. Paradigma, na sua acepção grega original, seria o mesmo que modelo ou padrão a ser seguido. Chibeni & Moreira-Almeida (2007, p.9) atestam que: “um paradigma fornece os fundamentos sobre os quais a comunidade científica desenvolve suas atividades. Representa como um “mapa” a ser usado pelos cientistas na exploração da Natureza”. Para eles, um paradigma seria uma combinação de princípios teóricos, regras e valores que guiam a pesquisa científica. Kuhn (1997, p.60) afirma que a ciência “[...] ao adquirir um paradigma, adquire igualmente um critério para a escolha de problemas que, enquanto o paradigma for aceito, poderemos considerar como dotados de uma solução possível”. Dessa maneira, ele entende que um paradigma desenvolvido para determinados tipos de fenômeno não será o mais eficiente a todos os outros, mesmo que sejam semelhantes ou relacionados. Assim, conforme o autor, a ciência pode afastar problemas relevantes por não serem passíveis de investigação pelo paradigma vigente. Para Crema (1989), enquanto modelo ou padrão que guia a descrição, a explicação e a compreensão da realidade, um paradigma é muito além de uma teoria, pois é dele que advêm as teorias. Capra (2006) não se restringe apenas à faceta correspondente à ciência e amplia a abrangência de paradigma para designá-lo como uma cosmovisão, um modo de se ver o mundo compartilhado por uma comunidade, que abrange um conjunto de pensamentos e valores a respeito da realidade. Crema (1989, p.17) introduz que: Cosmovisão, além de significar uma visão ou concepção de mundo, expressa também uma atitude frente ao mesmo. Portanto, não é uma mera abstração, já que a imagem que o homem forma do mundo possuiu um fator de orientação e uma qualidade modeladora e transformadora da própria conduta humana. Implícito em toda cosmovisão há um caminho de ação e realização.

Nesse sentido, Wilber (2004) aponta que diferentes cosmovisões não são apenas o mesmo mundo visto de forma diferente, mas, de fato, cada cosmovisão

16 cria um mundo diferente. A visão de mundo e o sistema de valores que estão na base da cultura ocidental, de acordo com Capra (2006), e que estão demandando reavaliação, têm nos séculos XVI e XVII as raízes de sua construção. Segundo ele, antes do ano de 1500, a visão de mundo prevalecente na grande parte das civilizações medievais era orgânica, vivia-se em pequenas comunidades, onde as necessidades coletivas suplantavam o valor das individuais, entendia-se a natureza de modo natural, orgânico e se acreditava na interdependência dos fenômenos espirituais e materiais. Quanto à ciência medieval, Capra (2006, p.49) salienta que era muito diferente da ciência contemporânea: Baseava-se na razão e na fé, e sua principal finalidade era compreender o significado das coisas e não exercer a predição ou o controle. Os cientistas medievais, investigando os desígnios subjacentes nos vários fenômenos naturais, consideravam do mais alto significado as questões referentes a Deus, à alma humana e à ética.

Weil (1993, p.16) pontua que, nessa época, “não havia distinção entre arte, conhecimento filosófico, científico ou religioso [...]”. Porém, de acordo com Capra (2006), no período entre 1500 e 1700, uma grande mudança ocorreu no âmbito da percepção do mundo, revelando uma nova cosmovisão, pautada na metáfora dominante da era moderna de que “o mundo é uma máquina”. Conforme Capra (2006), oriunda das transformações que estavam ocorrendo na física e na astronomia com descobertas de Newton, Galileu e Copérnico, essa nova cosmovisão deixou para trás as características antigas de mundo orgânico, vivo e espiritual que interessavam à ciência. Desse modo, segundo ele, os cientistas modernos passaram a utilizar-se de um método de investigação do universo baseado na descrição matemática da natureza e no método analítico de raciocínio proposto por Descartes, o que caracteriza a Idade da Revolução Científica. No sentido de que essa revolução se desenvolveu através de uma disseminação de novas idéias, Capra (2006) considera Galileu Galilei o pai da ciência moderna, pelo fato de ter sido o pioneiro na utilização da abordagem empírica e do uso de uma descrição matemática da natureza, pilares fundamentais do modelo de ciência ainda em voga. Segundo esse mesmo autor, para que essa abordagem fosse bem sucedida, Galileu propôs que os cientistas deveriam se

17 ocupar somente das propriedades que ele considerava essenciais dos corpos materiais e que podiam ser mensuradas, como a forma, a quantidade e o movimento, enquanto que as outras qualidades, a dizer: cor, sabor, cheiro ou som eram ignoradas pela ciência, por serem tidas como meras projeções mentais subjetivas. Laing (apud CAPRA, 2006) informa que por causa desta postura, obcecada por medir e quantificar, a ciência deixou de lado a sensibilidade, a estética, a ética, os sentimentos, os valores, a alma, a consciência e o espírito. Capra (2006, p.51) reconhece, como outro grande precursor desse novo modelo de ciência, o filósofo inglês Francis Bacon: “Bacon foi o primeiro a formular uma teoria clara do procedimento indutivo – realizar experimentos e extrair deles conclusões gerais, a serem testadas por novos experimentos [...]”. Bacon, segundo o autor, considerava que a natureza deveria ser obrigada a servir, reduzida à obediência e que os cientistas deveriam extrair dela, sob tortura, todos os seus segredos, transferindo a ela muitos aspectos ligados ao feminino, sobre os quais, na visão de Bacon, os homens também deveriam ter domínio. Sendo assim, Capra (2006, p.51) afirma que: O “espírito baconiano” mudou profundamente a natureza e o objetivo da investigação científica. Desde a antiguidade, os objetivos da ciência tinham sido a sabedoria, a compreensão da ordem natural e a vida em harmonia com ela. [...] a atitude básica dos cientistas era ecológica [...]. A partir de Bacon, o objetivo da ciência passou a ser aquele conhecimento que pode ser usado para dominar e controlar a natureza e, hoje, ciência e tecnologia buscam, sobretudo, fins profundamente antiecológicos.

Juntando-se às novas idéias e métodos científicos de Galileu, Bacon e tantos outros que fizeram emergir um novo modo de pensar as coisas do mundo, de acordo com o autor, ninguém teve maior importância para a criação do paradigma moderno do que René Descartes (1596-1650) e Isaac Newton (1642-1727). Para Capra (2006), Descartes foi quem deu ao pensamento científico sua estrutura geral, ao conceber a natureza como uma máquina perfeita, governada por leis matemáticas exatas.

Segundo ele, além de ser considerado o fundador da

filosofia moderna, Descartes era um brilhante matemático, o que influenciou sua filosofia, tanto quanto “as novas” física e astronomia. Ele acreditava, conforme o autor, que sua vocação na vida era de distinguir a verdade do erro em todas as esferas do saber. Para tal, Descartes (apud CAPRA, 2006, p.53) afirmou que “toda a

18 ciência é conhecimento certo e evidente” e que “rejeitamos todo o conhecimento que é meramente provável e consideramos que só se deve acreditar naquelas coisas que são perfeitamente conhecidas e sobre as quais não pode haver dúvidas”. Nesse sentido, Capra (2006, p.54) observa que Descartes mostrou, através de sua máxima “Cogito, ergo sum”, ou seja, “Penso, logo existo”, sua supervalorização da mente em detrimento do corpo, ou da matéria, e passou a acreditar somente naquilo que pudesse ser intuído por meio de pensamento claro e distinto e, depois, deduzido matematicamente. Conforme Araújo (1999), Descartes desenvolveu um sistema de pensamento racionalista, calcado no princípio de que somente a razão possibilita o conhecimento da verdade clara e distinta sobre as coisas, através do método analítico. Este, segundo o autor, consiste em decompor pensamentos e problemas em suas partes componentes e em dispô-las em sua ordem lógica. De

acordo

com

Capra

(2006),

Descartes

considerava

que

o

funcionamento da natureza ocorria conforme leis mecânicas, e que tudo no mundo material poderia ser explicado em função da organização e do movimento de suas partes. Capra (2006, p.56) atesta que “esse quadro mecânico da natureza tornou-se o paradigma dominante da ciência no período que se seguiu a Descartes”, e foi através desse método científico que tantos avanços teóricos e tecnológicos ocorreram. Segundo o autor, Descartes baseou toda a sua concepção da natureza na divisão fundamental entre mente - res cogitans ou “coisa pensante” – e matéria – res extensa ou “coisa externa”, tidas por ele como dois domínios separados e independentes. Em sua obra Meditações Metafísicas, Descartes (2005, p.71) ressalta, além de sua concepção fragmentária do eu, a valorização da mente em detrimento do corpo, ao afirmar, de modo autobiográfico, que: No que tange às outras qualidades de que são compostas as idéias das coisas corporais, a saber, a extensão, a figura, a situação e o movimento de lugar, é verdade que elas não estão formalmente em mim, porquanto sou apenas uma coisa que pensa; mas, porque são somente certos modos da substância, e como que as vestes sob as quais a substância corporal nos aparece, e eu mesmo também sou uma substância, parece que elas podem estar contidas em mim eminentemente.

Araújo (1999, p.161-162) menciona que, para Descartes, o corpo não era

19 nada mais do que “uma máquina que veicula de forma mecânica o pensamento racional portador da verdade”. Desta forma, conforme o autor, ele estabeleceu uma cisão entre corpo e mente, sentir e agir. Para Capra (2006, p.56), Descartes acreditava que: “[...] o universo material era uma máquina, nada além de uma máquina. Não havia propósito, vida ou espiritualidade na matéria.” Nessa perspectiva, segundo ele, Descartes considerou que o corpo humano, assim como os animais e as plantas eram máquinas, e a única coisa que distinguia o homem do resto na natureza era sua alma, a qual ele julgava estar ligada ao corpo através da glândula pineal, no cérebro. Por assim pensar, Schultz & Schultz (1999, p.41) mostram que Descartes fazia uma analogia do corpo humano com os autômatos vistos nos jardins de Paris: “ele

comparava os nervos do corpo com os canos pelos quais a água passava, e os

músculos e tendões com motores e molas”. De acordo com eles, o filósofo julgava o fato de muitos movimentos corporais serem involuntários, como uma prova de que sua tese estava correta, pois a máquina é também movimentada por objetos externos, não por uma ação voluntária de sua parte. Sendo assim, os autores colocam que Descartes considerava que os animais não tinham sentimentos, pelo fato de entendê-los como não possuidores de alma, então, dissecava-os vivos, sem anestesia e ainda denotava satisfação ao vêlos gritar de dor, o que para ele, segundo Jaynes (apud SCHULTZ & SCHULTZ, 1999, p.42), “não eram senão assobios hidráulicos e vibrações de máquinas”. Além da dualidade mente-corpo, em que a mente era considerada suprema, Wilber (2004, p.8) afirma que o paradigma cartesiano também é dualístico no sentido sujeito-objeto, explicando com a metáfora: [...] o sujeito que fazia o mapeamento não era propriamente uma parte do mundo que estava sendo mapeado – ou assim se pensava. O cartógrafo alienígena simplesmente ficava atrás em relação ao mundo predefinido e o mapeava, como se as duas entidades não tivessem nada em comum.

De acordo com Boff (2007), esse pensamento dual, no qual se percebe a realidade como um emaranhado de objetos e sujeitos independentes uns dos outros, advém do realismo materialista do paradigma vigente. O realismo, para Boff (2007, p.24), exclui do que considera realidade tudo aquilo que remete à subjetividade, à consciência, à vida e à espiritualidade, o que “[...] encurtou a realidade ao tamanho dos cinco sentidos, organizados pela razão analítica”. E o materialismo, segundo ele,

20 considera que a matéria constitui a única realidade consistente, sendo os demais fenômenos apenas suas derivações secundárias. Capra (2006) coloca que Descartes criou a estrutura conceitual do modelo de ciência que se seguiu a ele e que permanece em funcionamento até hoje, porém foi Newton quem a colocou em prática. Segundo o autor, Newton nasceu no mesmo ano da morte de Galileu, um dos grandes pensadores, cujas obras, junto com as de Descartes, Kepler, Bacon e Copérnico, foram por ele sintetizadas em sua completa formulação matemática da concepção mecanicista da natureza. Capra (2006, p.58) afirma que Newton: “criou um método completamente novo – hoje conhecido como cálculo diferencial – para descrever o movimento de corpos sólidos, um método que foi muito além das técnicas matemáticas de Galileu e Descartes”. Di Biase & Rocha (2005) alegam que, devido à lógica, à harmonia e por ser matematicamente tão bem estruturada, a física de Newton é considerada, ainda hoje, como o maior feito científico criado pela mente de um único sujeito. De acordo com Capra (2006), ao descobrir a força gravitacional e ao empregar seu método matemático em estudos, Newton desenvolveu leis exatas do movimento para todos os corpos. Conforme o autor, as leis formuladas por Newton são utilizadas em todo o planeta, e, dessa maneira, se pode comprovar que sua validade se estende a todo o sistema solar. Capra (2006, p.59) narra que: “[...] assim, pareciam confirmar a visão cartesiana da natureza. O universo newtoniano era, de fato, um gigantesco sistema mecânico que funcionava de acordo com leis matematicamente exatas”. Segundo ele, Newton expôs detalhadamente sua teoria do mundo nos Princípios matemáticos de filosofia natural - ou Os Principia, como é chamado – nos quais existe uma gama de conceituações, proposições e provas da sua descrição da natureza e também a apresentação de seu método experimental. Este, conforme Capra (2006), é uma junção dos métodos empírico e indutivo de Bacon e racional e dedutivo de Descartes, entre os quais Newton argumenta que deve haver união para a formulação de um conhecimento confiável. Dentro dos seus Principia, Newton (apud CAPRA, 2006, p.59) trata de seu método experimental salientando que: “tudo o que não é deduzido dos fenômenos será chamado de hipótese; e as hipóteses, sejam elas metafísicas ou físicas, sejam elas dotadas de qualidades ocultas ou mecânicas, não têm lugar na filosofia

21 experimental”. Assim, refutando as hipóteses, a ciência aboliu de sua investigação muitos problemas relevantes à compreensão do mundo. Capra (2006) observa que a mecânica newtoniana concebeu um modelo de matéria atomístico, e que a considerava homogênea, sendo todos os fenômenos físicos reduzidos ao movimento de partículas materiais, causados pela força da gravidade. Nessa perspectiva, vale dizer, nas palavras de Capra (2006, p.62), que: Os séculos XVIII e XIX serviram-se da mecânica newtoniana com enorme sucesso. A teoria newtoniana foi capaz de explicar o movimento dos planetas, luas e cometas nos mínimos detalhes, assim como o fluxo das marés e vários outros fenômenos relacionados com a gravidade. O sistema matemático do mundo elaborado por Newton estabeleceu-se rapidamente como a teoria correta da realidade e gerou enorme entusiasmo entre cientistas e o público leigo. A imagem do mundo como uma máquina perfeita, que tinha sido introduzida por Descartes, era então considerada um fato comprovado, e Newton tornou-se o seu símbolo.

Conforme Zohar (1990), na física de Newton, o átomo era a menor partícula encontrada na matéria, sendo básica, indivisível, sólida e cada qual ocupando um lugar próprio e definido no espaço e no tempo. Segundo ela, nesse modelo, as ondas eram consideradas como vibrações apenas, não sendo fundamentais por si mesmas. Desse modo, Zohar (1990, p.25) percebe que: “tanto ondas como partículas tinham seu papel dentro da física newtoniana, mas as partículas eram consideradas mais básicas, e delas é que a matéria se formava”. Tudo isso, passou a ser conhecimento ultrapassado, a partir do século XX, pelas descobertas da física quântica. Di Biase & Rocha (2005), ao se referirem aos principais aspectos do paradigma cartesiano-newtoniano, asseguram que ele é dualista, no sentido de que propôs a divisão entre corpo e mente e afastou homem e universo; mecanicista por entender o universo como uma máquina; materialista devido ao fato de eliminar a idéia de espiritualidade, e enfim, reducionista, por reduzir o funcionamento dos organismos vivos, assim como do universo, em interações atômico-moleculares. Afirma Nicolescu (2001, p.21) que todo conhecimento que fugia à objetividade e aos pressupostos dessa visão de mundo foram abolidos da ciência, sendo que “a própria palavra ‘espiritualidade’ tornou-se suspeita e seu uso foi praticamente abandonado”. Desse modo, para Nicolescu (2001, p.21), o preço que o homem pagou ao uso da objetividade como critério imprescindível na busca da verdade foi fazer-se objeto: “da exploração do homem pelo homem, objeto de

22 experiências de ideologias que se anunciam científicas, objeto de estudos científicos para ser dissecado, formalizado e manipulado”. Araújo (1999, p.163) assegura que, aliados ao paradigma cartesianonewtoniano, estão “os valores do progresso que é proporcionado pela ciência e pela técnica, como estandartes que conduzirão a humanidade à verdadeira felicidade, através da luminosidade fulgurante da supremacia da razão analítica”. Nesse sentido e de acordo com este autor, a arte, a religião e o mito passaram a ser entendidos como fontes de ilusão e, portanto, a serem vistos como desnecessários. Concorda com isso Capra (2006, p.28), ao informar que se originou, assim, uma visão de mundo pautada em: [...] valores que estiveram associados a várias correntes da cultura ocidental, entre elas a revolução científica, o Iluminismo e a Revolução Industrial. Incluem a crença de que o método científico é a única abordagem válida do conhecimento; a concepção do universo como um sistema mecânico composto de unidades materiais elementares; a concepção da vida em sociedade como uma luta competitiva pela existência; e a crença do progresso material ilimitado, a ser alcançado através do crescimento econômico e tecnológico.

Intrínseca a essa visão de mundo, conforme Boff (2007), está a idéia, oriunda do processo industrialista, de que o trabalho já não é mais ligado à natureza, mas sim ao capital. Para ele, o trabalho passou a ter objetivos de conquista e domínio, tanto dos outros quanto do mundo, tendo como características fundamentais a objetividade, a racionalidade, a produtividade e a despersonalização, devido ao uso indispensável da lógica. Para Boff (2007, p.98): “a ditadura do modode-ser-trabalho-dominação masculinizou as relações, abriu espaço para o antropocentrismo, o androcentrismo, o patriarcado e o machismo”. Para ele, a supremacia da lógica deixou de lado o cuidado, remetido então, com desdém, às mulheres e considerado como obstáculo à objetividade na compreensão e como empecilho à eficácia das práticas humanas. Decorrentes

desse

paradigma,

que

se

tornou

uma

abrangente

cosmovisão, Capra (2006) percebe que a ciência fez grandes descobertas e ganhou um poder incondicional sobre qualquer outra forma de conhecimento. Na visão de Araújo (1999, p.163), o conhecimento científico ficou instaurado como “modelo uniforme, onisciente e onipotente de descoberta e entendimento da realidade, dos fenômenos do mundo, mediante ao determinismo e à suposta infalibilidade de suas leis”.

23 De acordo com Capra (2006), por desintegrar as partes do todo, a ciência conseguiu especializar-se e aprofundar seus conhecimentos sobre quase tudo. Nesse sentido, conforme Morin (2005), a ciência, através de seus métodos, pôde concentrar uma gama de conhecimentos acerca de como quase tudo o que existe, contendo também números sobre tudo o que mediu e quantificou. Para Morin (2005, p.15), através das descobertas científicas: “hoje, podemos medir, pesar, analisar o Sol, avaliar o número de partículas que constituem nosso universo, decifrar a linguagem genética que informa e programa toda a organização viva”. Além disso, segundo ele, pode-se conduzir naves espaciais para o espaço, tem-se os conhecimentos necessários para a domesticação da energia nuclear. Porém, afirma o autor que a ciência não é somente elucidativa, enriquecedora e triunfante, como se mostra por conta de seus feitos, mas ambivalente, devido ao fato de seu vasto conhecimento também estar produzindo ameaça à permanência da humanidade na Terra. Surge então, em meio a todo deslumbre para com a ciência que trouxe inúmeros progressos e inovações, profundas reflexões sobre as conseqüências, nem sempre positivas, oriundas de seus feitos e de seus valores pautados no paradigma cartesiano-newtoniano.

3.1 Indícios globais da necessidade de mudança

Um paradigma indica que precisa ser ajustado, de acordo com Kuhn (1997), quando surgem acontecimentos que a ciência não pode, com seus atuais instrumentos, compreender. Para Crema (1989, p.20): “um paradigma somente é invalidado quando um outro alternativo e mais satisfatório torna-se disponível, absorvendo e convertendo o anômalo no esperado”. A necessidade de uma nova cosmovisão é um assunto tratado já há algum tempo por grandes pensadores, dentre eles Fritjof Capra, que a enfatiza devido, entre outros fatores, às várias questões que estão surgindo no mundo, para as quais os cientistas, moldados pela visão cartesiana-newtoniana, não estão conseguindo encontrar respostas. Algumas delas formam o que Capra (2006) situa como uma crise que está interferindo

24 negativa e profundamente no planeta, e ameaçando a humanidade se nada for modificado no modo de vida da população mundial. Então, Capra (2006) explica que, além de serem indícios de mudança por estarem se alastrando sem que a ciência esteja conseguindo resolver, a ocorrência desses problemas tem ligação direta com o modo de se pensar o mundo defendido pelo paradigma científico moderno.

Conforme Weil (1991), é a “fantasia da

separatividade”, advinda do paradigma newtoniano-cartesiano, que concebe todas as coisas como fragmentadas, separadas, que está levando a humanidade a uma grande crise. Capra (2006, p.19) salienta que: É uma crise complexa, multidimensional, cujas facetas afetam todos os aspectos de nossa vida – a saúde e o modo de vida, a qualidade do meio ambiente e das relações sociais, da economia, tecnologia e política. É uma crise de dimensões intelectuais, morais e espirituais; uma crise de escala e premência sem precedentes em toda a história da humanidade. Pela primeira vez, temos que nos defrontar com a real ameaça de extinção da raça humana e de toda a vida no planeta.

Dados recentes e idéias de vários outros autores vão ao encontro do pensamento de Capra (2006) de que uma crise multifacetada está ocorrendo em nível mundial. Boff (2007, p.17) afirma que: “por toda a parte apontam sintomas que sinalizam grandes devastações no planeta Terra e na humanidade”. Para o autor, a busca mundial por crescimento material ilimitado, está expondo a humanidade a risco de vida, exaurindo recursos naturais e comprometendo o futuro das próximas gerações. Conforme o Projeto Milênio das Nações Unidas (ONU, 2005), cujos representantes são especialistas de todo o mundo, incluindo parlamentares, pesquisadores e cientistas, formuladores de políticas públicas, representantes da sociedade civil, agências da ONU (Organização das Nações Unidas), o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e o setor privado, são necessárias ações urgentes sobre a crise que afeta o mundo. Nicolescu (2001, 14) considera que “esta destruição em potencial de nossa espécie tem uma tripla dimensão: material, biológica e espiritual”. De acordo com o autor, as armas nucleares produzidas e armazenadas pelos homens têm poder de destruir a Terra várias vezes; pela primeira vez na história, o ser humano é capaz de modificar a estrutura genética da própria espécie e hoje, a consciência

25 humana está sendo passível de manipulação como nunca. Assim, para Nicolescu (2001, p.14): “na era triunfante da razão, o irracional é mais atuante que nunca”. Crema (1989, p.23) expõe que “a cosmovisão moderna, caracterizada pelo racionalismo científico, enfatizou o ideal da eficiência e do progresso tecnológico”. E Capra (2006) percebe que o paradigma cartesiano-newtoniano fez com que se criasse a idéia de que o saber científico, guiado pela razão, seria a única fonte verdadeira de conhecimento e que a técnica advinda desse conhecimento resolveria todos os problemas da humanidade. Segundo ele, o desenvolvimento tecnológico está, hoje, inextricavelmente ligado ao crescimento econômico. Desse modo, conforme o autor, o desenvolvimento da ciência aperfeiçoou a técnica e, assim, a tecnociência pode possibilitar a geração de lucro e de poder, valorizando cada vez mais a razão, a objetividade, o ter, o poder, a competição. Conforme Capra (2006, p.205), o crescimento econômico ilimitado relacionado com as noções newtonianas de tempo e espaço absolutos e infinitos, aliado ao crescimento tecnológico, ao serem pautados numa visão unilateral e reducionista da realidade “dilaceram o tecido social e arruínam o meio ambiente natural”. Crema (1989, p.25) afirma que: [...] a busca desenfreada do crescimento e a compulsão cega do progresso têm envenenado nossos rios, empestado nossa atmosfera, destruído nossas reservas florestais, exterminado brutalmente dezenas de espécies e pervertido nossas mentes. Se nos beneficia com o ambicionado conforto, tal progresso unilateral, obtido através de uma agressão sistemática à Natureza, manipulação descontrolada de elementos químicos e irracional exploração ambiental, tem nos cobrado um catastrófico preço, simbolizado pela devastação irreversível e suicida do ecossistema planetário.

Além disso, de acordo com Boff (2007), muitos valores advindos do pensamento mecanicista também estão prejudicando a qualidade de vida das pessoas, e, consequentemente, a saúde, em toda sua amplitude. Entre eles, conforme o autor, destacam-se a supervalorização do ter, do consumismo que além de ajudarem na destruição da natureza, fazem com que o ser humano busque cada vez mais bens materiais, não se preocupando com o outro, afastando a importância do ser, da subjetividade, do sentimento e da solidariedade, ou seja, afastando-se da sua própria humanidade. Provas de que uma crise assola o mundo encontram-se nos indicadores mundiais do descaso humano, para com a própria espécie e para com a natureza, enquanto que a busca ilimitada de dinheiro, status e poder gera cada vez mais

26 desigualdade entre as pessoas. Dados da ONU (2005) comprovam que mais de 1 bilhão de pessoas no mundo precisam sobreviver com menos de 1 dólar por dia. Indicadores de pobreza em muitos países demonstram que pessoas têm de caminhar mais de 1,5 quilômetro todos os dias, apenas para ir buscar água e lenha; outras sofrem de doenças que nos países ricos, foram erradicadas há décadas. O Projeto Milênio aponta que todos os anos, mais de 6 milhões de crianças, a maioria com menos de cinco anos de idade, morrem devido a causas evitáveis como a malária, a diarréia e a pneumonia. E ainda que mais de 800 milhões de pessoas vão se deitar todas as noites com fome; dentre elas, 300 milhões são crianças e a cada 3,6 segundos, uma pessoa morre por falta de alimentação. A fome, conforme Capra (2006), não é desencadeada pela quantidade de alimentos insuficiente no mundo para toda a população. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF, 2008) divulgou em seu site, segundo o relatório de Monitoramento do Abastecimento de Água e Saneamento apresentado em julho de 2008 pelo Programa Conjunto entre OMS (Organização Mundial da Saúde) e UNICEF, que, diariamente, mais de 2,5 bilhões de pessoas sofrem com a falta de acesso ao saneamento melhorado – ou seja, qualquer instalação sanitária que, de maneira higiênica, separe os dejetos humanos do meio ambiente - e quase 1,2 bilhão de pessoas defeca ao ar livre. Conforme o UNICEF (2008), atualmente, 13% da população mundial não tem acesso a fontes melhoradas de água potável, o que significa fontes de água própria para consumo protegidas da contaminação fecal e química. Os dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, 2007) mostram que a cada dia, 3800 crianças no mundo morrem de doenças associadas com a falta de sanidade e a falta de acesso à água potável. Conforme os índices divulgados, o consumo de água cresceu durante o último século a um ritmo duas vezes superior ao da população mundial e que a escassez já afeta por volta de 40% dos habitantes do planeta. Os números que retratam as condições mundiais da humanidade indicam ainda que a educação também carece de atenção. Segundo o Projeto Milênio da Organização das Nações Unidas (ONU, 2005), no mundo inteiro, aproximadamente 114 milhões de crianças não recebem instrução sequer em nível básico, e 584 milhões de mulheres são analfabetas. A educação está intrinsecamente relacionada à saúde: se uma menina receber instrução durante seis anos ou mais, na idade

27 adulta a sua utilização dos cuidados pré e pós-natais e a taxa de sobrevivência ao parto aumentam significativamente. Além disso, conforme a ONU (2005), as mães que possuem instrução vacinam os filhos com uma freqüência 50% superior à das mães não-instruídas. Enquanto tudo isso acontece com a humanidade, Di Biase & Rocha (2005, p.35) lembram que: [...] somente os gastos militares anuais dos Estados Unidos, o maior exemplo de economia baseada no paradigma cartesiano-newtoniano, alcançaram a ordem dos 400 bilhões de dólares ao ano, ou seja, mais de 1 bilhão de dólares por dia, empregados na indústria da guerra, do terror e da morte, valor que seria mais do que suficiente para erradicar em poucos anos a tragédia da miséria, da fome e das doenças em todo o mundo e fornecer educação para toda a humanidade!

Ao passo que pessoas morrem de fome, sofrem por falta de saneamento básico, com escassez de água, a ciência não está preconizando o que deveria se fundamental: a busca da preservação e da qualidade da vida, tanto humana quanto planetária. Pitassi & Leitão (2002, p.83) enfatizam que é preciso “colocar o bemestar humano e a saúde de nosso planeta como temas centrais da pesquisa acadêmica a serviço de uma prática social transformadora”. Na visão de Morin (2005), está ocorrendo um conflito entre produzir conhecimento pelo imperativo do conhecimento, defendido pela ciência, frente à necessidade de salvaguardar a vida e a dignidade da humanidade e de tudo o que vive. Nessa perspectiva, Boff (2007, p.21) afirma que o homem: “através do projeto da tecnociência pensou que tudo podia, que não haveria limites à sua pretensão de tudo conhecer, de tudo dominar e de tudo projetar. Essa pretensão colocou exigências exorbitantes a si mesmo”. De acordo com Cruz, Campos Junior & Pessini (2008), as decorrências do uso de tecnologias não-sustentáveis utilizadas em prol da ilimitada busca pela aquisição material e crescimento econômico estão realmente pondo em risco a sobrevivência planetária. Sustentabilidade, segundo Ehlers (1998, p.83) é um conceito que “procura transmitir a idéia de que o desenvolvimento deve conciliar, por longos períodos, o crescimento econômico e a conservação dos recursos naturais”. E não é isso que está acontecendo. A FAO (2007) aponta que em torno de 70% da água doce do planeta é utilizada na produção de alimentos, números que podem subir a 95% em países em desenvolvimento.

Os dados divulgados mostram que apesar de uma pessoa

precisar ingerir de 2 a 4 litros de água ao dia, ela é responsável pela utilização de

28 2000 a 5000 litros de água, que são requeridos para produzir os alimentos consumidos diariamente por ela, seja no seu cultivo, na operacionalização das indústrias ou na geração da energia. Em notícias divulgadas pela FAO (2009), para a produção de um sanduíche tipo hambúrguer, por exemplo, são gastos 2400 litros de água. O desmatamento, a poluição, e o aquecimento global são outros aspectos da degradação do planeta causados pela atividade humana guiada pela “fantasia da separatividade” alertada por Weil (1991). O Comitê Brasileiro do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA, 2006) divulgou que metade das florestas do mundo já desapareceu. O PNUMA (2006) coloca ainda que aproximadamente 20% dos manguezais do mundo - considerados berçários naturais pela sua diversidade e fundamentais na natureza por protegerem a vida marinha, impedirem a erosão da costa, e protegerem a terra do vento e das ondas, inclusive de tsunami - desapareceram desde 1980. Seus dados apontam que isso de deve, em parte, devido ao cultivo de camarão que é responsável por 38% da sua destruição e por terem sido usados como depósitos de lixo. Os índices do PNUMA (s.d.) mostram que, além do desmatamento, as altas emissões de gás carbônico – em torno de 7 bilhões de toneladas de carbono emitidos todo ano na atmosfera - têm aumentado em aproximadamente 0,6° C a temperatura do planeta. E ainda, que mais de 75% das geleiras do Monte Quênia, localizadas numa região considerada patrimônio mundial, no Quênia, já derreteu. Apesar de todas essas atrocidades que os homens estão causando à vida, em todos os seus significados, muitos cientistas, conforme Capra (2006), ainda visam o desenvolvimento tecnológico a qualquer custo, ao invés do bem-estar das pessoas e do equilíbrio natural. Nessa perspectiva, Odum (1988, p.5) explica que: “a tecnologia é, contudo, uma faca de dois gumes: pode ser um meio de se compreender a inteireza do homem com a natureza e também um meio de destruí-la”. Sendo assim, Wilber (2004, p.92) afirma que: De certa forma, a racionalidade e a indústria, deixadas à vontade, se tornaram um câncer no corpo político, crescimentos desgovernados com efeitos maléficos. Elas ultrapassaram os seus limites, excederam-se em suas funções, e partiram para vários tipos de hierarquias dominadoras.

Morin (2003, p.14) reforça essas idéias dizendo que “as ameaças mais

29 graves em que a Humanidade incorre estão ligadas ao progresso cego e descontrolado do conhecimento (armas termonucleares, manipulações de todas as espécies, desequilíbrio ecológico, etc.)”. De acordo com Cruz, Campos Junior & Pessini (2008), a ecologia, enquanto ciência que estuda interação entre os organismos vivos e o meio, compreende que o homem faz parte da natureza, não podendo ser desvinculado dela. E, conforme os autores, foi a não percepção dessa inter-relação entre homem e natureza, advinda da idéia cartesiana-newtoniana de que a natureza é mecânica, separada do homem e que deve servir aos seus interesses, que fez com que a humanidade passasse a explorá-la sem medir as conseqüências, sem pensar que sua saúde seria influenciada pelos danos a ela causados. Capra (2006, p.21) afirma que “[...] as ameaças à nossa saúde através da poluição do ar, da água e dos alimentos constituem meros efeitos diretos e óbvios da tecnologia humana sobre o meio ambiente natural”. Nesse sentido, Odum (1988, p.1) comenta que: O grande paradoxo é que as nações industrializadas conseguiram o sucesso desvinculando temporariamente a humanidade da natureza, através da exploração de combustíveis fósseis, produzidos pela natureza e finitos, que estão sendo esgotados com rapidez. Contudo, a civilização ainda depende do ambiente natural, não apenas para energia e materiais, mas também para os processos vitais para a manutenção da vida, tais como os ciclos do ar e da água. As leis básicas da natureza não foram revogadas, apenas suas feições e relações quantitativas mudaram, à medida que a população humana mundial e seu prodigioso consumo de energia aumentaram nossa capacidade de alterar o ambiente. Em conseqüência disso, a nossa sobrevivência depende do conhecimento e da ação inteligente para preservar e melhorar a qualidade ambiental por meio de uma tecnologia harmoniosa e não prejudicial.

Conforme Capra (2006), a visão de mundo da Idade Média ia ao encontro da ecologia, o que favorecia atitudes de preservação, pois havia uma noção de interdependência entre homem e natureza. Carolyn Merchant (apud CAPRA, 2006, p.56) afirma que: “a imagem da terra como organismo vivo e mãe nutriente serviu como restrição cultural, limitando as ações dos seres humanos. Não se mata facilmente uma mãe, perfurando suas entranhas em busca de ouro ou mutilando seu corpo”. Para ela, o fato de se considerar a terra como viva e sensível, fazia com que qualquer ato contra ela fosse tido como antiético. Ao encontro da opinião de Capra e de Merchant, D’ Ambrósio (1997, p.52) afirma que: “os avanços científicos do mundo atual mostram que a visão puramente

30 mecanicista do Universo é insustentável” e sustenta a importância de uma nova percepção da realidade. Para Capra (2006), ao passo que o meio ambiente natural está sendo degradado, violentado, o que muito se deve à visão de Bacon de que a natureza deveria servir a humanidade a qualquer custo, está havendo um correspondente significativo na saúde humana: um aumento de doenças, tanto orgânicas quanto psicológicas. Capra (2006, p.22) expõe que: Enquanto as doenças nutricionais e infecciosas são as maiores responsáveis pela morte no Terceiro Mundo, os países industrializados são flagelados pelas doenças crônicas e degenerativas apropriadamente chamadas “doenças da civilização”, sobretudo as enfermidades cardíacas, o câncer e o derrame. Quanto ao aspecto psicológico, a depressão grave, a esquizofrenia e outros distúrbios de comportamento parecem brotar de uma deteriorização paralela de nosso meio ambiente social. Existem numerosos sinais de desintegração social, incluindo o recrudescimento de crimes violentos, acidentes e suicídios; aumento do alcoolismo e do consumo de drogas; e um número crescente de crianças com deficiência de aprendizagem e distúrbios de comportamento.

Di Biase & Rocha (2005, p.35) compartilham do mesmo pensamento do autor e acrescentam ainda, como problemas oriundos dessa mesma crise, o fanatismo religioso, a dedicação excessiva ao trabalho, “além da falta de compromisso, respeito e valorização do ser humano e o aumento da solidão decorrente da falta de interação social”. Wannmacher (2004) estima que, em determinados momentos, cerca de 13 à 20% da população apresenta algum sintoma depressivo. Moreira & Callou (2006) atentam para o fato de que a contemporaneidade, apesar de presenciar os grandes avanços tecnocientíficos e a vasta difusão dos meios de comunicação, tem acarretado, cada vez mais, solidão na vida das pessoas, pois o modo individualista e consumista causa um crescente afastamento entre elas. Logo, as autoras observam que a depressão, cujos fatores englobam também a questão da solidão, é uma doença altamente relacionada ao modo de vida contemporâneo, que propicia às pessoas sentirem-se sozinhas, vazias e a buscarem, várias vezes, nos bens de consumo, aquilo que lhes falta. Indicadores mundiais apontam também para o fato do sono e do relacionamento social das pessoas estarem se destacando pela expressividade de suas disfunções. Conforme o DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) de 2002, pesquisas indicam que aproximadamente 30 a 45%

31 dos adultos queixam-se de insônia, destes, de 50 a 75% continuam com seus sintomas por mais de um ano. Segundo ele, a fobia social - transtorno de ansiedade social caracterizado por medo acentuado e persistente de situações sociais em que o sujeito possa sentir vergonha – acomete de 3 a 13% das pessoas em algum momento das suas vidas. A vida, para muitos, também não está mais valendo a pena, é o que mostram as estatísticas mundiais de suicídio. De acordo com a ONU (2008b), a taxa de suicídio aumentou 60% nos últimos 45 anos, e atualmente, cerca de 3000 pessoas cometem o ato por dia, sendo o suicídio uma das três principais causas de morte na faixa etária de 25 a 44 anos. Os números confirmam que outra fonte de autodestruição é o álcool. A ONU (2008a) declara que o álcool é responsável por 2,3 milhões de mortes prematuras, por ano, em todo o mundo. Entre os vinte fatores de risco para a saúde determinados pela ONU, em escala mundial, o álcool fica em primeiro lugar por morte e incapacidade. Segundo a ONU (2008a), o álcool tem como consequências o suicídio, acidentes de trânsito, casos de violência, além dos riscos de males causados particularmente ao próprio sujeito que o consome com frequência: cirrose hepática, doenças cardiovasculares, transtornos neuropsiquiátricos e vários tipos de câncer. Para o Instituto Nacional de Câncer (BRASIL, 2007, p.4), “variações notáveis foram identificadas nos padrões de câncer no mundo”. Segundo o instituto, estudos mostraram de modo consistente que a incidência de câncer aumenta ao passo que os países se tornam progressivamente urbanizados e industrializados. O Ministério da Saúde (BRASIL, 2005) afirma que a ocorrência de câncer no País, na década de 1960, matava menos de 5% da população, subindo para 10% na década de 1970. Fornece ainda a informação de que no ano de 2003, 48,3% dos brasileiros morreram de câncer, diabetes ou doenças cardiovasculares. Segundo a OMS (2005), pressão sanguínea elevada é causa de morte para 7,1 milhões de pessoas por ano no mundo e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS, 2003), aponta que cerca de 12 milhões de pessoas morrem todos os anos devido a infarto ou derrames no planeta. E tanto o câncer, quanto as doenças cardiovasculares e a hipertensão arterial, tidas como doenças modernas, conforme o Ministério da Saúde (BRASIL, 2005), têm relação direta com hábitos alimentares e padrões de vida inadequados. Para ele, além da alimentação industrializada, rica em

32 sal, gordura e açúcares e a falta de exercícios físicos, são fatores de risco para essas doenças também o ritmo cotidiano muito acelerado e o isolamento do homem nas cidades. Outra faceta da crise mundial é a alta criminalidade encontrada de forma quase generalizada. Segundo relatórios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2008), morrem por ano, em média, 750 mil pessoas vítimas da violência; destes, quase dois terços em países onde não há guerra, sendo 60% provocadas por armas de fogo. A grande questão, na visão de Capra (2006), é que, quer se fale em desequilíbrio ambiental, em doenças, em criminalidade, ou em problemas socioeconômicos que assolam a sociedade, o que está por traz disso tudo é a mesma coisa: indícios de um período de transição em que se discute a atual percepção da realidade. Para o autor, tantos desequilíbrios estão ocorrendo devido à visão mecanicista de mundo. Capra (2006, p.28) indica que essa transição inclui a mudança de paradigma, “uma mudança profunda no pensamento, percepção e valores que formam uma determinada visão da realidade”. D’ Ambrósio (1997) infere que essa ciência pautada no paradigma cartesiano-newtoniano, ao separar o homem do objeto, fez com que o homem se percebesse desintegrado do mundo, não percebendo as ligações substanciais entre ele e os outros, a natureza e o cosmos, o que gera falta de solidariedade para com o outro, desrespeito pelo diferente e descuido com a preservação da natureza. De acordo com este autor, a visão de homem e de mundo adotada pela sociedade moderna fez com que se privilegiasse o ter em detrimento do ser. Segundo ele, a idéia de homem como uma engrenagem da grande máquina – Terra – permitiu que houvesse não valorização dos valores humanos em detrimento da aquisição material ilimitada. Para Gonçalves (2002), obter lucro e vantagens pessoais formam o maior objetivo da maioria das pessoas. Assim, Capra (2006, p. 371) afirma que os sujeitos modernos: Concentram-se na manipulação do mundo externo e medem seu padrão de vida pela quantidade de bens materiais, ao passo que se tornam cada vez mais alienados de seu mundo interior e incapazes de apreciar o processo da vida. Para as pessoas cuja existência é dominada por esse tipo de experiência, nenhum nível de riqueza, poder ou fama trará satisfação genuína; são, por isso, invadidas por um sentimento de insignificância, futilidade e até absurdo, que nenhum tipo de êxito externo poderá dissipar.

33 Nesse sentido, para essa visão de mundo, ser feliz não tem tanta representatividade quanto o acúmulo de bens materiais, quando muito, está associado a ele. Boff (2007) diz que a supervalorização do trabalho, procedente de valores iluministas agregados ao paradigma newtoniano-cartesiano, em que a razão e a objetividade reinam sobre a dimensão emocional, faz com que as pessoas esqueçam o ser humano, e conseqüentemente, o cuidado por ele e por tudo o que existe. Assim, conforme o autor, a lógica fria da razão, que se preocupa mais com o crescimento econômico, com o acúmulo de bens materiais e menos com o ser humano, esvazia a vida de subjetividade, sentimento, cuidado, o que trará reflexos em sua saúde. Gonçalves (2002) argumenta que embora a tecnociência possibilite o combate a inúmeras doenças e o prolongamento da vida, o acesso a isso é restrito à minoria da população, enquanto que o mundo sofre as conseqüências do estresse e das doenças proporcionadas pela vida moderna. Conforme Capra (2006), a face mais visível dessa crise se apresenta no fato de que os especialistas não estão mais dando conta de suas especialidades: o psiquiatra não consegue desvendar os mistérios da esquizofrenia, os oncologistas, do câncer, a polícia está ineficaz frente à crescente criminalidade, por exemplo. Isso, de acordo com ele, é mais um dos sinais de que a ciência está tendo e disseminando percepções estreitas da realidade, inadequadas para enfrentar os problemas atuais. Nessa situação, compete articular, de acordo com Capra (2006, p.53), que: A crença na certeza do conhecimento científico está na própria base da filosofia cartesiana e na visão de mundo dela derivada, e foi aí, nessa premissa essencial, que Descartes errou. A física do século XX mostrou-nos de maneira convincente que não existe verdade absoluta em ciência, que todos os conceitos e teorias são limitados e aproximados. A crença cartesiana na verdade científica é, ainda hoje, muito difundida e reflete-se no cientificismo que se tornou típico de nossa cultura ocidental. Muitas pessoas em nossa sociedade, tanto cientistas como não-cientistas, estão convencidas de que o método científico é o único meio válido de compreensão do universo. O método de pensamento de Descartes e sua concepção da natureza influenciaram todos os ramos da ciência moderna e podem ser ainda hoje muito úteis. Mas só o serão se suas limitações forem reconhecidas. A aceitação do ponto de vista cartesiano como verdade absoluta e do método de Descartes como o único meio válido para se chegar ao conhecimento desempenhou um importante papel na instauração de nosso atual desequilíbrio cultural.

34 O autor pontua de modo contundente que o paradigma cartesianonewtoniano já não está mais dando conta de explicar cientificamente todas as coisas como presumia. Tampouco está apto a dar diretrizes para a solução dos problemas atuais, muitos deles provenientes da visão de mundo por ele proposta, mostrando que existe a necessidade real de um novo paradigma, indo ao encontro do pensamento de Cruz, Campos Junior & Pessini (2008). Boff (2007, p.18) salienta que “precisamos de um novo paradigma de convivência que funde uma relação mais benfazeja para com a Terra e inaugure um novo pacto social entre os povos no sentido de respeito e de preservação de tudo o que existe e vive”. Segundo ele, precisa-se suplantar a idéia de homem como um animal racional cujas necessidades devem ser supridas, através do consumismo imoderado, a qualquer custo. Gonçalves (2002, p.30) afirma, nessa perspectiva, que: “enquanto as sociedades tradicionais equacionavam a produção conforme as necessidades do consumo, a sociedade moderna faz exatamente o oposto, subordinando o consumo à produção”. Segundo ela, além do consumismo desenfreado arrasar os recursos naturais da Terra e provocar destruição à saúde, ele afasta o sujeito de experiências sensoriais imediatas com o mundo que o cerca, ou seja, os prazeres do homem passam a ser da conquista de novas tecnologias, confortos, tranqüilidade. Cruz, Campos Junior & Pessini (2008, p.380-381) defendem que: Os aspectos tecnológicos e educacionais neste novo milênio devem ter como meta “bio-ética” realmente real, comprometida com a saúde e qualidade de vida tanto humana quanto planetária, uma vez que mesmo que metaforicamente, se Gaia adoecer ou morrer, seus componentes adoecerão e morrerão com ela e nós somos muitas vezes não apenas um de seus componentes, mas os próprios “patógenos planetários”, quando poderíamos e deveríamos utilizar nossos conhecimentos tecnológicos para o uso racional dos recursos disponíveis, sua reutilização e a manutenção de seu equilíbrio dinâmico.

Bioética, conforme Pessini & Barchifontaine (2000), foi definida por Potter, um dos pioneiros do emprego da palavra, como sendo “a ciência da sobrevivência humana”, abrangendo não somente a dignidade e qualidade de vida humana, como também a planetária. Capra (2006) afirma que a necessidade de mudança não se trata de uma substituição total do cartesianismo, que muito serviu e ainda poderá servir à ciência na busca de conhecimentos, mas sim da incorporação de um novo paradigma capaz de ampliar o olhar e a prática da ciência sobre o mundo. Pois para ele, todas as

35 teorias científicas são aproximações da verdadeira natureza da realidade e todas são válidas em relação a certo número de fenômenos. Nesse sentido, Boff (2007) argumenta que apesar da ciência ter acumulado um grande conhecimento de praticamente tudo, seus conceitos abstratos e frios não podem traduzir toda a realidade. Ele assegura que é preciso deixar de supervalorizar os conceitos abstratos, extraídos de um paradigma que privilegiava a física e a mecânica e passar a combinar inteligência instrumental e analítica, que remete ao

rigor científico, com a inteligência emocional. Nessa linha de

pensamento, Capra (2006, p.55) indica que o método cartesiano analítico que possibilitou à ciência moderna grandes descobertas e realizações, também é responsável pela: [...] fragmentação característica do nosso pensamento em geral e das nossas disciplinas acadêmicas, e levou à atitude generalizada de reducionismo na ciência – a crença em que todos os aspectos dos fenômenos complexos podem ser compreendidos se reduzidos às suas partes constituintes.

D’ Ambrósio (1993, p. 82) demonstra que essa divisão do saber “[...] conduziu a inúmeras distorções no pensar atual, particularmente a distorção disciplinar nas ciências, ao conflito homem e natureza, ao divórcio mente e corpo [...]”. Explica D’ Ambrósio (1991) que a disciplinaridade, sendo talvez a característica mais importante da ciência moderna, é a grande responsável pelo fato dos conhecimentos fragmentados atentarem a alguns poucos aspectos da realidade, afastando-se da visão global do real, ignorando-a, quando não a desprezando. É a fragmentação da realidade e do saber que está por traz da crise mundial comentada por inúmeros pensadores atuais e é ela que as novas concepções de mundo e de homem estão tentando transcender.

3.2 A visão disciplinar nas práticas de Saúde

Com o avanço da tecnociência, percebe-se que, em todas as áreas, os profissionais estão cada vez mais especializados em partes cada vez menores do seu campo de conhecimento. Apesar da fragmentação proporcionar inovações para toda a humanidade e maior precisão do conhecimento do mínimo, ela vem

36 acompanhada da visão estreita que perde a compreensão do todo. De acordo com Capra (2006), esse fenômeno está intrinsecamente ligado ao paradigma cartesiano-newtoniano que, a partir da assimilação do método analítico de Descartes, introduziu na ciência o processo de fragmentação da realidade em partes menores com o intuito de conhecê-las verdadeiramente. De acordo com Gonçalves (2002), esse procedimento de separar, desintegrar em partes, fez com que se criassem inúmeras disciplinas científicas, cada qual responsável por uma gama de conhecimentos concernentes à sua especialidade. Para Gonçalves (2002, p.140) “a existência de especialistas nessas áreas permite o aprofundamento e a ampliação do conhecimento”, já que é impossível dominar todos os setores do saber. No entanto, sendo a ciência cada vez mais hiperespecializada, Crema (1993, p.132) menciona que o especialista passou a ser “navegante do minúsculo, vidente do mínimo, o que sabe tudo de quase nada [...]”. Assim, Capra (2006, p.132) observa que o ser humano passou a ser visto de uma maneira fragmentada, em que mente e corpo estão dissociados, sendo este último considerado apenas em seus aspectos mecânicos, ou seja, acreditou-se que “o corpo é uma máquina que pode ser completamente entendido em termos da organização e do funcionamento de suas peças”. Nesse sentido mecanicista, reducionista e materialista, a partir do qual passou a ser entendido o homem, Capra (2006, p.135) afirma que: “os mecanismos biológicos são vistos como a base da vida, os eventos mentais, como fenômenos secundários”. E dessa maneira, conforme o autor acima, a saúde passou a ser entendida como um bom funcionamento mecânico do organismo biológico. De acordo com Capra (2006, p.132), nessa perspectiva, a saúde é vista como ausência de doença e, pautados na idéia do corpo como máquina, “a ciência médica limitouse à tentativa de compreender os mecanismos biológicos envolvidos numa lesão em alguma parte do corpo”, concebendo, assim, a noção de que a doença se restringe a fenômenos puramente físicos. Assim, cada especialista, nas palavras de Crema (1993, p.134), “aperta, ad infinitum, o parafuso que lhe cabe” da máquina corpórea. Capra (2006) norteia que a visão mecanicista da vida influenciou a ciência de tal forma que resultou no modelo de saúde biomédico, ainda hoje em uso, termo utilizado pelo autor para diferir este tipo medicina dos outros encontrados pelo mundo, principalmente dos modelos orientais. Para Capra (2006, p.116), no modelo biomédico:

37 O corpo humano é considerado uma máquina que pode ser analisada em termos de suas peças; a doença é vista como um mau funcionamento dos mecanismos biológicos, que são estudados do ponto de vista da biologia celular e molecular; o papel dos médicos é intervir, física ou quimicamente, para consertar o defeito no funcionamento de um específico mecanismo enguiçado.

Sendo assim, partindo dessa idéia de saúde, Cruz, Campos Junior & Pessini (2008, p.379) argumentam que tanto a prática quanto a investigação do conhecimento acerca dela têm, em geral, como foco a doença, “em que o agente é o principal personagem, enquanto desencadeador do processo”. Capra (2006, p.143) justifica que esse modelo biomédico faz com que: “em vez de perguntarem por que ocorre uma doença e tentarem eliminar as condições que levaram a ela, os pesquisadores médicos tentam entender os mecanismos biológicos através dos quais a doença age, para poderem interferir neles”. Assim, a busca da saúde global como objetivo das ciências da saúde dá lugar à pura eliminação dos sintomas causados pela doença. Conforme Capra (2006), a idéia de doença unilateral, em que existe apenas um fator desencadeador ou uma dimensão envolvida, vai ao encontro do pressuposto cartesiano que trata os organismos vivos como máquinas cujo desequilíbrio pode advir da disfunção de um único mecanismo. Desta maneira, Leite & Strong (2006) mostram que as noções de saúde e de doença orgânica desenvolvidas pelos cientistas seguiram o paradigma cartesiano-newtoniano e foram entendidas, de modo reducionista, referentes somente ao corpo, sem que o ser humano fosse visto como um ser biopsicossocial, desconsiderando-se os aspectos ambientais, sociais e emocionais. Capra (2006, p.55) afirma que a origem dessa visão, que guia a grande parte das práticas de saúde, está inserida no paradigma em que a ciência se baseia, através de Descartes, que ao separar mente e matéria, alegou que “não há nada no conceito de corpo que pertença à mente, e nada na idéia de mente que pertença ao corpo”. De acordo com o autor, essa divisão cartesiana repercutiu na prática da assistência à saúde em diversos aspectos. Ele afirma que essa dicotomia levou à divisão do cuidado à saúde em duas grandes esferas: a do corpo e a da mente. Capra (2006, p.134) menciona que o resultado foi: “os médicos ocupam-se do tratamento do corpo, os psiquiatras e psicólogos, da cura da mente”. O grande problema, como expõe o autor, é que esses campos pouco se comunicam entre si, o

38 que gera defasagem na compreensão da maioria das doenças, ao fazer, por exemplo, com que os médicos se afastem do estudo dos papéis do estresse e dos estados emocionais no desenvolvimento das doenças. Assim sendo, a dicotomia corpo-mente ao ser integrada ao modelo biomédico, segundo o autor, conduziu os médicos à atentarem somente para o corpo do paciente, que é concreto e, portanto, vai ao encontro da idéia materialista da ciência, porém, tratando-o de maneira mecanicista. Segundo Capra (2006, p.123), ao investigar as perturbações mentais pelo olhar organicista, os cientistas biomédicos criaram a psiquiatria, na qual: “em vez de tentarem compreender as dimensões psicológicas da doença mental, os psiquiatras concentraram seus esforços na descoberta de causas orgânicas – infecções, deficiências alimentares, lesões cerebrais [...]”. Desta maneira, Fernandes (2007) afirma que: No final dos anos 80 o interesse pelo biológico e pelo químico teve resultados que mudaram a visão das doenças mentais. O advento do Prozac em 1988 desencadeou maior interesse e respeito sobre os psicofármacos e os bons resultados em seu uso no tratamento das doenças mentais. Como uma das principais conseqüências, a depressão passou a ser considerada, por muitos, como um distúrbio exclusivamente bioquímico. O fato é que o uso dos inibidores seletivos da recaptação da serotonina – ISRS, e o aumento de sua disponibilidade na fenda sináptica, trouxeram grande alívio aos sintomas depressivos. Desenvolveu-se então a psiquiatria biológica e o raciocínio puramente organicista.

Conforme Di Biase & Rocha (2005), a mente e a consciência foram consideradas consequências de processos neuroquímicos cerebrais. Assim, na visão de Capra (2006, p.137), os psiquiatras passaram a “compreender a doença mental em termos de uma perturbação nos mecanismos físicos subjacentes ao cérebro”. O modelo biomédico, então, admitiu a existência de uma ligação entre corpo e mente, mas continuou usando do reducionismo e do materialismo cartesiano ao subordinar processos mentais como produtos de interações orgânicas. Nesse sentido, Soares & Saeki (2006) pontuam que a perceptível influência da visão organicista – que compreende qualquer doença, assim como os transtornos mentais, como produtos de disfunções orgânicas – fez com que o médico fosse o profissional da saúde mais valorizado e procurado, juntamente com o tratamento medicamentoso. Cecarelli (2005) esclarece que a psicopatologia clássica ocupou-se de conhecer o sofrimento psíquico para classificá-lo, conceituá-lo, descrevê-lo,

39 deixando de lado a subjetividade intrínseca a ele e dando lugar à psicofarmacologia. O autor alerta para o fato de que, tendo os avanços da neurociência confirmado alterações biológicas em indivíduos com transtornos psíquicos, em breve o tratamento dos conflitos internos pessoais serão resumidos à administração de moléculas químicas caso não se perceba a complexidade do psicopatológico. Isso porque, de acordo com Fernandes (2007) o entendimento de sofrimento psíquico e de doença mental passou a ser, em geral, mais relacionado ao corpo, mais bioquímico, portanto, tratado cada vez mais com medicações, afim de somente suprimir os sintomas, desvalorizando-se o aspecto subjetivo. Cecarelli (2005) afirma que “na atualidade [...] observa-se um movimento cada vez maior no sentido de eliminar a dor - de evitar contato consigo mesmo - do que para transformá-la em experiência”. Transformar a dor em experiência, para o autor significa usá-la em próprio benefício, afim de que, através dela, se possam alargar as percepções, refazerem-se os caminhos e as escolhas na vida. Fernandes (2007) situa que, mesmo a ciência sabendo “que o distúrbio bioquímico não é o único, nem mesmo o principal causador dos transtornos de ansiedade ou depressivos”, essas e outras patologias psíquicas são muito medicadas, como principal ou única forma de tratamento. Ao encontro desse pensamento, vale dizer, nas palavras de Moreira & Callou (2006, p.68) que: “a depressão

tem

sido,

nos

últimos

anos,

a

grande

vedete

do

mercado

psicofarmacológico que, nos dias atuais, "medica" quase todo e qualquer tipo de problema humano”. Corroborando com isso, Fernandes (2007) afirma que “nunca foram receitados tantos benzodiazepínicos e antidepressivos como atualmente”. Segundo o informativo sobre o uso racional de psicofármacos publicado pela Prefeitura do Rio de Janeiro (2006), estima-se que cerca de 50 milhões de pessoas no mundo utilizem psicofármacos do tipo benzodiazepínicos, e que um em cada dez adultos receba prescrições desse medicamento por médicos generalistas. Conforme o informativo, este tipo de psicofármaco, embora tenha múltiplos efeitos colaterais, é prescrito indiscriminadamente e irresponsavelmente por clínicos gerais a outras patologias e sem esclarecimentos e orientações ao paciente. De acordo com Fernandes (2007), não existe eficácia verdadeira de um tratamento apenas psicofarmacológico sobre as psicopatologias, pois não basta apenas eliminar os sintomas, é preciso ir além, entendendo que o problema não é unilateral. Fernandes (2007) afirma que,

40 Dessa forma, se nos comportarmos de modo exclusivamente psicologista, negligenciando a dimensão biológica da experiência ou biologicamente obcecados, recusando a compreensão psicológica, seremos em ambos os casos, culpados de reducionismo e visão estreita.

A fragmentação proposta pela visão cartesiana, além de favorecer a criação de disciplinas que tratam isoladamente corpo e mente, como coloca Capra (2006), propiciou também a divisão do cuidado do corpo em múltiplas especialidades. Encontram-se atualmente especialistas em inúmeras partes: em mãos, em coração, em cérebro, em genes, etc. e a visão de eu integral se perdeu na maioria das práticas em saúde. Nessa perspectiva, Capra (2006, p.149) menciona que, devido ao reducionismo científico que levou à superespecialização, os profissionais de saúde tratam exclusivamente do órgão ou do tecido doente, geralmente “sem levar em conta o resto do corpo e muito menos considerar os aspectos psicológicos e sociais da enfermidade do paciente”. Além da fragmentação do sujeito, Paul (2000) aponta que o modelo disciplinar de saúde também separa o sujeito do seu contexto, do todo do qual participa. Dessa forma, de acordo com o autor, quanto mais as patologias foram sendo localizadas, diagnosticadas e classificadas, o que foi suscitando a especialização, gradualmente a atenção dos médicos se voltou mais para a doença do paciente, afastando-se do sujeito doente. Conforme Paul (2005, p.77): A abordagem pelas especialidades multiplica as competências fragmentárias, mas apaga toda compreensão global, com a complexidade ontológica do humano se reduzindo a um monismo materialista no qual a realidade objetiva torna-se um corpo dissecado em órgãos e recortado em funções, com toda a organização do conjunto sendo, mesmo por princípio, ignorada.

Nesse sentido, Medina (1986) expõe que ao visitar clínicas especializadas se poderá ver como a fragmentação do conhecimento sobre o homem forma os profissionais da saúde e, respectivamente, sua práxis. Segundo Medina (1986, p.41), ao chegar a sua vez de fazer uma radiografia do estômago, numa dessas clínicas, pode-se ver um paciente ser chamado, por exemplo: “OK, mande entrar o próximo estômago”. Ou então, os pacientes são referidos, como cita Fernandes (apud FERNANDES, 2007), pelas expressões: “a úlcera gastroduodenal do leito 12, aquela reto-colite ulcerativa, o Ca de Próstata etc”. Percebe-se que a doença ganhou maior representatividade do que o sujeito doente.

41 Reich (2003) mostra, como outro grande erro na ciência, o determinismo genético, que atrela à genética o motivo pelo qual uma pessoa é como é, seja em nível físico ou psicológico, concebendo o homem de maneira reducionista. Para ele, compreender o comportamento de um alcoólatra, por exemplo, pelo viés do determinismo genético, exclui o valor imprescindível de sua história de vida, que poderá tê-lo levado ao vício. Capra (2006) discorre sobre isso dizendo que esse reducionismo em genética, defensor de que os traços de caráter de um organismo são determinados unicamente pela genética, ignora o fato de que os organismos são sistemas de múltiplos níveis, onde os genes, apesar de importantes, são apenas parte de um sistema complexo. A visão disciplinar em saúde aliada à supremacia do modelo biomédico acarreta uma valorização maior de certas disciplinas em detrimento de outras. Conforme Gallian (2000), à medida que, em saúde, foi crescendo o prestígio das ciências experimentais, como a física, a química e a biologia, juntamente com a tecnologia, menos valorizadas se tornaram as ciências humanas. Assim, a Psicologia, em suas abordagens não organicistas, de acordo com Capra (2006), ainda é pouco ouvida quando fala da relação substancial entre mente e corpo nos processos de saúde e doença por essa ciência ainda fortemente influenciada pela visão dicotômica, reducionista, organicista. Nessa perspectiva, Capra (2006, p.55) afirma que: A divisão cartesiana entre matéria e mente teve um efeito profundo sobre o pensamento ocidental. Ela nos ensinou a conhecermos a nós mesmos como egos isolados existentes “dentro” dos nossos corpos; levou-nos a atribuir ao trabalho mental um valor superior ao do trabalho manual; habilitou indústrias gigantescas a venderem produtos – especialmente para as mulheres – que nos proporcionassem o “corpo ideal”; impediu os médicos de considerarem seriamente a dimensão psicológica das doenças e os psicoterapeutas de lidarem com o corpo de seus pacientes.

No sentido de que, ainda hoje, o médico é o profissional mais ouvido em questões de saúde, e que esse ainda é influenciado pela visão organicista, Capra (2006, p.154) afirma que: “hoje em dia, o modelo biomédico é muito mais do que um modelo. Na profissão médica, adquiriu o status de um dogma, e para o grande público está inextricavelmente vinculado ao sistema de crenças culturais”. Segundo o autor, mesmo quando alguns médicos compreendem a complexidade do processo saúde-doença e tentam explicar para os pacientes, falando da relação entre sua

42 doença e seus hábitos de vida, grande parte deles não aceita sair do consultório sem uma prescrição medicamentosa em receita. Capra (2006, p.154) argumenta que grande parte “dos pacientes não entende muito bem a complexidade de seu organismo, pois foram condicionados a acreditar que só o médico sabe o que os deixou doentes e que a intervenção tecnológica é a única coisa que os deixará bons de novo”. Conforme o autor, essa noção de que a cura das doenças só pode vir de alguma intervenção externa é procedente da concepção mecanicista, em que a máquina é concertada por forças externas a ela. De acordo com Gallian (2000), outra face oriunda da superespecialização, atrelada à supervalorização das ciências biológicas e dos meios tecnológicos é a visível “desumanização” dos tratamentos de saúde. Segundo Backes, Lunardi Filho & Lunardi (2005), a alta tecnologia disponível atualmente para tratamentos de saúde não vieram acompanhadas da humanização do atendimento. Pessini (2004, p.194) informa que o uso da tecnologia é imprescindível na medicina moderna, porém, afirma que: “à medida que as prestações de serviço de saúde tornam-se sempre mais dependentes da tecnologia, são deixadas de lado práticas humanistas, tais como manifestação de apreço, preocupação e presença solidária com os doentes”. Nesse sentido, Gallian (2000) explica que o médico passa a ser: Um sujeito que foi se transformando cada vez mais em um técnico, um especialista, profundo conhecedor de exames complexos, precisos e especializados, porém, em muitos casos, ignorante dos aspectos humanos presentes no paciente que assiste. E isso, não apenas por força das exigências de uma formação cada vez mais especializada, mas também em função das transformações nas condições sociais de trabalho que tenderam a proletarizar o médico, restringindo barbaramente a disponibilidade deste para o contato com o paciente, assim como para a reflexão e a formação mais abrangente.

Sendo assim, Gallian (2000) percebe que: “sem dúvida há uma grande necessidade de se “reumanizar” a medicina. De se desenvolver e fornecer recursos humanísticos para o processo de formação e de atuação do médico e dos cientistas da saúde em geral”. Humanização na saúde, de acordo com Backes, Lunardi Filho & Lunardi (2005), é tratar do paciente com sensibilidade, cuidado, acolhida, respeito, enxergando um ser humano, com todas as suas particularidades, e não apenas a sua doença. Dentro de tudo isso, segundo os autores, está o diálogo entre paciente e profissional, que denota o cuidado do esclarecimento ao paciente sobre sua

43 condição, para que ele não fique numa posição de submissão ao profissional. Assim, de acordo com eles, a prática humanizada é formada por um conjunto de detalhes acerca de como atender, em que o cuidado, o respeito, o diálogo, a segurança no tratamento passam a ser mais significativos do que a tecnologia propiciada. Corroborando com isso, Gallian (2000) defende a necessidade de se perceber que a ciência e a tecnologia não podem resolver todos os problemas da humanidade, atentando para a importância da dimensão subjetiva no cuidado da saúde. De acordo com Fernandes (2007), é preciso que se combata a idéia prevalecente em Medicina de que mente e corpo são entidades separadas e que apenas aspectos concretos são importantes; também que se exclua a sobreposição da doença em detrimento do sujeito, onde ele é caracterizado apenas pela doença pela qual está passando. Além disso, o autor defende a necessidade de não rotular os pacientes como vem ocorrendo, sendo importante ainda, discriminar a prescrição de diagnósticos e de medicamentos. Nessa perspectiva, Souza & Oliveira (1998, p.5) afirmam que esse modelo clínico curativo dominante, baseado numa visão mecanicista e reducionista de saúde e de vida está obsoleto, argumentando que: A falência deste modelo, que se expressa no agravamento dos problemas de saúde da população e na incapacidade da ciência, das instituições e da sociedade de responderem de forma eficiente aos mesmos, tem levado à busca de elaborações que alcancem a complexidade do processo saúdedoença, quanto ao seu conceito e quanto à possibilidade de uma intervenção/interação mais saudável, no sentido da prevenção e da promoção da saúde, recuperando o sentido de vida, implícito e explícito no processo saúde-doença.

Capra (2006) comenta que mesmo o comum resfriado não pode ser explicado por modelo médico simplificador, que atrela uma única causa, sempre em nível orgânico, à patologia. O autor esclarece que esse modelo concebe que o resfriado ocorre somente quando o sujeito ficou exposto a certo vírus, no entanto, nem todos que tem contato com esse vírus são contaminados. No seu entendimento, Capra (2006, p.143) argumenta que: “a exposição resulta em doença somente quando o indivíduo exposto se encontra num estado receptivo, e isso depende das condições climáticas, da fadiga, do estresse e de uma série de outras circunstâncias”. Por isso, ressalta a importância de se entender a saúde como um

44 fenômeno integral. O problema da disciplinaridade como estudo do homem, de acordo com Medina (1986, p.40) é que: “essa tendência metodológica das ciências nos leva a perder mais e mais o contato com o geral, com o universal, com a unidade do todo, com uma visão mais ampla do ser humano em seu mundo”. Além disso, Gonçalves (2002) aponta que, devido ao fato de cada disciplina trazer apenas um conhecimento parcial, em que, na maioria das vezes, se perde a noção de totalidade/unidade, há um comprometimento na práxis dos especialistas por não verem a conexão entre as ciências. Nesse sentido, Leite & Strong (2006) alertam para a consequência fragmentadora que a especialização pode causar, caso não venha acompanhada de uma visão holística do ser humano. De acordo com isso, Crema (1989, p.92) cita que a fragmentação do conhecimento “caracterizada pela exclusividade de ênfase na parte e pela alienante unilateralidade de visão” acabou fazendo com que se perdesse a noção do todo, do Holos, atitude que está diretamente ligada à crise de desagregação e desvinculação mundialmente observável. Nesse sentido, Morin (2005) pontua que ao passo que os princípios da redução-disjunção esclareceram a investigação na ciência, eles abolem a idéia de natureza humana ao mesmo tempo física, biológica, cultural, social, histórica e psicológica e espiritual. Morin (2005, p.129) afirma que: “a idéia de homem foi desintegrada. Do mesmo modo, as especializações biológicas eliminam a idéia de vida em benefício das moléculas, dos genes, de comportamentos, etc”. O autor observa ainda que a tendência à separação do saber científico em categorias, ao passo em que é deixado de ser refletido, discutido, agregado na busca individual de conhecimento e sabedoria, se destina cada vez mais à acumulação em bancos de dados. E o emprego desses saberes, segundo ele, é definido, atualmente, pelas potências políticas e econômicas. Sendo assim, conforme Morin (2005), existe uma irresponsabilidade generalizada causada pela hiperespecialização do trabalho aliada à administração tecnoburocrática dos conhecimentos científicos, em que os cientistas não podem verificar e controlar todos os conhecimentos produzidos. Nesse sentido, Morin (2003, p.14) assegura que todos os erros e cegueiras da ciência que estão culminando em perigos à humanidade resultam de “um modo mutilador de organização do conhecimento, incapaz de reconhecer e

45 apreender a complexidade do real”. Cabe salientar, nas palavras de Capra (2006, p.14), que: “vivemos hoje num mundo globalmente interligado, no qual os fenômenos

biológicos,

psicológicos,

sociais

e

ambientais

são

todos

interdependentes”. De acordo com o autor, para que se possa descrever o mundo, e dentro deste a saúde, congruentemente, necessita-se de uma perspectiva ecológica, sistêmica, holística que a visão de mundo cartesiana não oferece. Sendo assim, investigar essas novas visões de realidade se apresenta como fundamental para a construção de uma nova percepção da realidade.

46 4 A EMERGÊNCIA DO PARADIGMA TRANSDISCIPLINAR HOLÍSTICO

Embora reconhecidamente eficaz em diversos aspectos, o paradigma cartesiano-newtoniano que norteia a ciência recebe, há mais de um século, críticas de inúmeros autores a respeito de sua maneira de perceber e abordar o ser humano e o mundo. Capra (2006) defende que se os cientistas querem realmente entender a essência dos sistemas vivos, precisam abandonar a crença reducionista de que os organismos complexos podem ser completamente descritos como máquinas, em função das propriedades e do comportamento de suas partes. Nesse sentido, o autor acredita que o estudo e as práticas de saúde também não podem ser reducionistas, mas integrais, em que se percebam todas as dimensões do ser humano. Di Biase (2002, p.12) afirma que “pessoas são um todo biopsiocossocial dinâmico, integrado com a natureza e o cosmo, e não somente células e órgãos trabalhando juntos”. Assim como os referidos autores, diversos outros pensadores estão concebendo uma “nova” visão de homem e de mundo, criando então uma forma de compreender a saúde diferente daquela proposta pelo paradigma newtoniano-cartesiano. Nesta direção, encontram-se Souza & Oliveira (1998, p.5) quando citam que: A saúde, portanto, é uma experiência de bem estar resultante do equilíbrio dinâmico que envolve os aspectos físico e psicológico do organismo, assim como suas interações com o meio ambiente natural e social. Tal conceituação pretende incluir as várias dimensões - individual, social, econômica e cultural - que permeia o processo saúde-doença, aproximando-o do conceito de vida. As exigências desta compreensão transcendem as atuais fronteiras disciplinares e rompem com a visão mecanicista da vida, predominante nos atuais modelos explicativos da realidade.

Cruz, Campos Junior & Pessini (2008) corroboram com uma visão global de saúde, dizendo que se faz urgente resgatar a idéia de homem como um ser interligado com o universo, haja vista os indicadores mundiais e nacionais que asseguram também a relação entre ambiente e estilo de vida à saúde ou à doença. Argumentam Spagnuolo & Guerrini (2004, p.192) que a promoção da saúde deve ocorrer sob um olhar complexo e dinâmico, que inclua a esfera

47 “subjetiva, a social, a política, a econômica e a cultural, colocando, portanto, a serviço da saúde, os saberes produzidos nos mais diferentes campos do conhecimento”. Eles afirmam que, para isso, é necessário olhar além da condição individual e biológica do sujeito e atentar para aspectos como a pobreza, o desemprego, a falta de infra-estrutura no lugar onde habita, incluindo a carência de água potável, de saneamento básico, de destino adequado ao lixo, escassez de alimentos e de educação de qualidade. Assim, Capra (2006, p.226) sustenta que “a experiência de nos sentirmos saudáveis (healthy) envolve a sensação de integridade física, psicológica e espiritual, um sentimento de equilíbrio entre os vários componentes do organismo e entre o organismo e seu meio ambiente”. Quanto às questões ambientais que afetam a saúde, Gasperi, Raduns & Ghiorzi (2008, p.505) confirmam que: “cada pessoa é parte integrante dessa natureza. Aquilo que ela faz com essa natureza, repercute nela própria e no outro”. Matos (2004, p.459) afirma que é preciso suplantar o modelo biomédico de saúde, que atribui poder exclusivo ao médico, bem como a grandes grupos econômicos, como, por exemplo, as indústrias farmacêuticas, salientando a importância de uma visão que busque a promoção da saúde em nível populacional: A promoção da saúde é um processo que visa dar às pessoas informações e conhecimentos das suas capacidades pessoais (genéticas, físicas e psíquicas) que lhes permitam rentabilizar o seu capital próprio numa perspectiva de aumentar o seu controle sobre os determinantes da sua saúde e assim melhorar a sua saúde e a sua qualidade de vida. A qualidade de vida é, neste contexto, a percepção por parte dos indivíduos de que (1) participam na gestão das suas vidas e da sua saúde, (2) as suas necessidades estão a ser satisfeitas e (3) não lhes estão a ser negadas oportunidades de alcançar felicidade e satisfação, não obstante o estado físico de saúde, ou condições sociais e econômicas.

Azambuja (2000, p.396) defende que para se chegar à saúde, é imprescindível partir do estudo sobre ela, e não partir da doença: “este é o paradoxo da medicina: querer chegar à saúde pelo estudo da doença em vez de descobrir, primeiro, o que a natureza faz para o corpo ser saudável; e quanto mais eficiente procura se tornar mais se afasta da natureza humana”. De acordo com Maia (2002), atualmente, com a ajuda da disciplina científica Psiconeuroimunologia – que investiga as ligações entre o sistema imunológico, o sistema nervoso cerebral e o comportamento, bem como as

48 implicações que estas ligações têm para a saúde física e a doença - está comprovado que a condição psicológica está intrinsecamente relacionada à saúde e à doença. Em Maia (2002, p.208) encontra-se que: Assim, face a uma ameaça biológica com uma determinada potência, a imunocompetência, ou seja, a capacidade do sistema imunológico proteger o corpo num determinado momento estará relacionada com os factores psicossociais que afectam o sistema imunológico. Entre estes factores contam-se os estados emocionais; o tipo e a intensidade de stress que a pessoa está a enfrentar, as características de personalidade e a qualidade das relações sociais.

A autora exibe resultados de estudos realizados que comprovaram diminuição da função imunológica em sujeitos que passavam por períodos estressantes, devido à diminuição de linfócitos, entre outras alterações. As situações estressantes estudadas, segundo ela, foram períodos de provas escolares para universitários,

desemprego,

catástrofes naturais,

problemas conjugais, guerra,

entre outros. Maia (2002) refere-se também a estudos que mostram que o humor tem influência sobre o sistema imunológico. Segundo ela, constatou-se que mulheres tornadas recentemente viúvas tinham seu sistema imunológico afetado, bem como, pessoas depressivas, tristes, desanimadas, pessimistas e aquelas que reprimiam suas emoções. De acordo com a autora, comprovou-se que relações interpessoais positivas diminuem o estresse e garantem melhor funcionamento do sistema imunológico e, portanto, menor risco de contrair doenças. Maia (2002) traz ainda comprovações de que sujeitos que perceberam o sentido de terem tido ataque cardíaco diminuíram as chances de ter novamente o problema. Nesse cenário onde surgem concepções de saúde que percebem a interrelação entre as diversas dimensões do ser humano, superando os preceitos cartesiano-newtonianos, se faz necessário a explanação das “novas” visões de homem e de mundo, que sustentem estas idéias que ampliam a compreensão do ser humano sobre a saúde, indo ao encontro da formação de um novo paradigma. Capra (1998, p.11) comenta que “o novo paradigma pode ser chamado de holístico, de ecológico ou de sistêmico, mas nenhum destes adjetivos o caracteriza completamente”. Atualmente, soma-se à construção do novo paradigma, também a Transdisciplinaridade.

49 4.1 Visão sistêmica em saúde

A visão sistêmica em saúde é uma maneira, distinta da visão biomédica, de compreender os processos de saúde e doença, e vem sendo discutida por diversos pensadores contemporâneos, dentre os quais Fritjof Capra recebe lugar de destaque devido suas diversas publicações enfatizando sua relevância. Capra (1998) observa que a teoria sistêmica tem suas raízes principais na cibernética e na filosofia sistêmica.

De acordo com Morin (2003), a teoria dos

sistemas surgiu através de Ludwig Von Bertalanffy, quando este fazia reflexões sobre a biologia, e espalhou-se para diversas áreas a partir de 1950. Conforme Vicente & Perez Filho (2003), foi Bertalanffy quem apresentou para discussão uma primeira tentativa de sistematização filosófica do conceito de sistemas, em um seminário de filosofia na cidade de Chicago, em 1937. Bertalanffy (1975, p.7) afirma que a teoria dos sistemas “é uma reorientação que se tornou necessária na ciência em geral e na gama de disciplinas que vão da física e da biologia às ciências sociais e do comportamento e à filosofia”. Para o autor, a teoria dos sistemas supera a cibernética, pois esta “é uma teoria dos sistemas de controle, baseada na comunicação (transferência de informação) entre o sistema e o meio e dentro do sistema, e do controle (retroação) da função dos sistemas com respeito ao ambiente”, enquanto que considera a teoria geral dos sistemas muito mais abrangente. Capra (1998) situa que a partir da cibernética, surgiram duas escolas de pensamento sistêmico: uma delas associada a John Von Neumann – gênio matemático, inventor do computador, escreveu sobre física quântica e outros assuntos – e a outra, a Norbert Wiener. A primeira escola de pensamento, segundo o autor, lida com sistemas de entrada-saída, e traz uma teoria sistêmica mecanicista, criando o modelo de organismos vivos como máquinas de processamento de informações. De acordo com ele, a escola de Norbert Wiener partia do conceito de auto-organização, compreendendo que os sistemas vivos são auto-organizadores. Capra (1998) informa que a escola de Neumann teve predominância entre as décadas de 1940 e 1960, devido ao grande sucesso da cibernética no desenvolvimento de computadores e outros sistemas de entrada-saída. A partir do início da década de 1960, conforme o autor, as teorias propostas por Wiener

50 passaram a ressurgir e o conceito de auto-organização foi empregado em nível celular, familiar – criando a terapia familiar sistêmica, e em nível de sociedade, entendendo que os sistemas estão por toda a parte. Para Morin (2003, p.28), sistema é “uma associação combinatória de elementos diferentes”. Capra (2006, p.40), exemplifica a noção de sistema: [...] as moléculas combinam-se para formar as organelas, as quais, por seu turno, se combinam para formar as células. As células formam tecidos e órgãos, os quais formam sistemas maiores, como o aparelho digestivo ou o sistema nervoso. Estes, finalmente, combinam-se para formar a mulher ou o homem vivos; e a “ordem estratificada” não termina aí. As pessoas formam famílias, tribos, sociedades, nações. Todas essas entidades – das moléculas aos seres humanos e destes aos sistemas sociais – podem ser considerados “todos” no sentido de serem estruturas integradas, e também “partes” de “todos” maiores, em níveis superiores de complexidade.

Segundo Bertalanffy (1975), os sistemas podem ser descritos como abertos ou fechados. Sistemas fechados são aqueles, conforme Morin (2003), que não mantêm trocas de energia e matéria com o meio e, portanto, estão em constante estado de equilíbrio, como uma pedra, por exemplo. O autor observa como sistemas abertos todos os organismos vivos e caracteriza-os como sistemas em permanentes flutuações de equilíbrio e desequilíbrio, porque, através de seu mecanismo de entrada e saída, estão em constante troca energética com o meio. De acordo com ele, é esse estado de aparente desequilíbrio – entropia - que mantém o sistema equilibrado e estável, pois ele está constantemente se reorganizando, fenômeno chamado neguentropia. Essa auto-organização, de acordo com Di Biase, Schweitzer & Rocha (2004), é possibilitada pelas suas trocas de informações com o meio e revela a inteligência e a dinâmica do sistema. Os autores percebem que quanto maior a complexidade do sistema, mais informação ele necessita para manter suas interconexões, o que gera maior instalibilidade interna, e isto, por sua vez, proporciona maior potencial de reorganização, ou seja, mais auto-organização. Nesse sentido, Di Biase, Schweitzer & Rocha (2004, p.251) descrevem informação, conceito fundamental da visão sistêmica, como: “uma propriedade nãolocal, intrínseca e irredutível do universo capaz de gerar ordem, auto-organização e complexidade, e deve ser considerada mais básica do que o princípio da conservação da matéria e energia”. Capra (1998) pontua que o maior sistema considerado vivo pelos

51 cientistas é a Terra, ou a Hipótese Gaia. Sendo assim, o autor afirma que cada sistema vivo é um todo integrado, possuindo sua própria individualidade, e, enquanto encaixados em um sistema vivo maior, precisam integrar-se nesse todo maior. Assim, de acordo com ele, o ser humano precisa de um equilíbrio entre tendências tidas como opostas: auto-afirmar sua individualidade e integrar-se ao todo. Desse modo, Capra (1998, p.75) salienta: “precisamos de um equilíbrio dinâmico entre eles, e isso é essencial para a saúde física e mental. [...] Para levar uma vida saudável, você precisa se auto-afirmar e você precisa se integrar”. Morin (2003) menciona que a auto-organização intrínseca aos sistemas vivos assegura uma autonomia ao sistema, ao mesmo tempo em que mantém dependência para com o meio, pois, para ele, o sistema aberto não pode ser entendido isoladamente. Capra (2006, p.40) mostra que a teoria sistêmica: [...] considera o mundo em função da inter-relação e interdependência de todos os fenômenos; nessa estrutura, chama-se sistema a um todo integrado cujas propriedades não podem ser reduzidas às de suas partes. Organismos vivos, sociedade e ecossistemas são sistemas.

Para o autor, um sistema vivo tem vários níveis, que se organizam formando subsistemas, em que cada subsistema é um todo perante suas partes, ao mesmo tempo em que é uma parte diante do sistema maior. De acordo com Bertalanffy (1975), a teoria dos sistemas visa superar a hiperespecialização científica, buscando a unidade da ciência, na qual possa existir integração entre as várias ciências e, portanto, entre os vários saberes. Morin (2003) ressalta que a teoria sistêmica não trata da unidade como algo elementar e discreto, mas sim, como algo complexo, em que a soma das partes não constitui o todo e mostra que ela sinaliza para uma visão transdisciplinar. Percebendo a fragmentação do saber oriundo dessa hiperespecialização também na área da saúde, Capra (2006, p.117) afirma que “o amplo conceito de saúde necessário à nossa transformação cultural – um conceito que inclui dimensões individuais, sociais e ecológicas – exige uma visão sistêmica dos organismos vivos e, correspondentemente, uma visão sistêmica de saúde”. Uma visão sistêmica de saúde, conforme Capra (2006), compreende o indivíduo como um todo e acredita que a saúde é um processo contínuo, não estático, que depende da inter-relação e interdependência das dimensões física,

52 psicológica, emocional, social, ambiental e espiritual. Nesse sentido, Capra (2006, p. 315) ressalta: Essas múltiplas dimensões da saúde afetam-se mutuamente, de um modo geral; a sensação de estar saudável ocorre quando tais dimensões estão bem equilibradas e integradas. A experiência de doença, do ponto de vista sistêmico, resulta de modelos de desordem que podem se manifestar em vários níveis do organismo, assim como nas várias interações entre o organismo e os sistemas mais vastos em que ele está inserido.

Percebe Capra (2006) que a idéia de saúde como equilíbrio dinâmico é compatível com muitos modelos tradicionais de cura, tanto com a medicina hipocrática quanto com modelos orientais. Para ele, essa visão de saúde confere poder de cura ao próprio sujeito, como uma competência inata do organismo ao reequilíbrio, renovação e até autotransformação ou autotranscendência a partir de uma doença. Nesse caso, o autor menciona a possibilidade de surgimento de novos tipos de equilíbrio a partir de uma enfermidade, quando indivíduos transformam sua vida e alcançam um nível superior de saúde, diferente daquele em que estavam antes de sua doença os acometer. Capra (2006) esclarece que a perspectiva sistêmica compreende a doença a partir do pressuposto da união entre corpo e mente, entendendo que “adoecer e curar-se são partes integrantes da auto-organização de um organismo, e, como a mente representa a dinâmica dessa auto-organização, os processos de adoecer e curar-se são essencialmente fenômenos mentais”. Essa noção se explica, de acordo com o autor, pelo fato da doença ser considerada como um indício de que o organismo como um todo está desequilibrado, seja por razões internas ou por ordem social, coletiva, ambiental. Segundo ele, o modo de vida acelerado é causador de alto grau de estresse, e está relacionado às inúmeras doenças que acometem a humanidade, tanto as doenças físicas e mentais, quanto as doenças sociais: violência, criminalidade, suicídio, abuso de tóxicos. Sendo a saúde um fenômeno de inter-relação de múltiplos fatores, Capra (2006) norteia que as terapêuticas que visam somente a destruição da doença, não necessariamente, tornarão o sujeito saudável. Para ele, se as diversas variáveis não forem incorporadas na promoção da saúde, o desequilíbrio se manifestará novamente de algum outro modo. Nessa perspectiva, o autor percebe que as práticas de saúde não podem descuidar da interdependência entre corpo e mente.

53 Spagnuolo & Guerrini (2004, p. 193) defendem que a integração da visão sistêmica à saúde pode proporcionar a união dos “saberes na busca de soluções mais adequadas às questões atuais de saúde”. Isso se deve a sua visão de interdependência entre os sistemas que formam o todo, percebendo o sujeito como um sistema auto-organizador e complexo cujas

partes não podem revelar a

totalidade, e também que está inserido em sistemas maiores, mantendo trocas de informação constantes com seu meio. Sendo assim, a saúde de uma pessoa além de não depender somente da sua esfera física, como compreende o modelo biomédico, depende do equilíbrio entre suas muitas dimensões e também da sua relação com outros sistemas, expandindo esse tema complexo para além do âmbito do indivíduo doente. De acordo com Weinzierl & Sasieta (2007), a visão sistêmica em saúde defende a importância da humanização nas práticas de saúde, envolvendo, sobretudo, o comprometimento das tecnociências com a vida, com a individualidade de cada pessoa, com a dignidade e com valores humanos, em que a felicidade e o bem comum sejam respeitados e promovidos. Essa visão enfatiza que a saúde é multidimensional e, sendo assim, muitos fatores devem ser analisados para que se possa compreendê-la e promovê-la como tal, revelando a importância da união dos saberes para a prática integrada em saúde.

4.2 O paradigma holístico em saúde

Surgido anteriormente à visão sistêmica, mas a tendo englobado em sua teoria, o pensamento holístico retrata também uma nova cosmovisão, ampliando o olhar sobre o ser humano e o mundo de modo a transcender o paradigma cartesiano-newtoniano. As palavras holístico e holismo, de acordo com Weil (1990), surgem a partir do termo grego holos, que significa todo, inteiro. Segundo o autor, o termo holismo foi utilizado pela primeira vez pelo filósofo sul-africano Ian Christian Smuts em seu livro Holism and evolution, editado em Londres, no ano de 1926. Conforme Araújo (1999), Smuts usou a palavra holismo para designar uma visão de universo onde seres e coisas são partes integrantes e interligadas desse todo, num processo

54 evolutivo. De acordo com Weil (1991, p.21), Smuts definiu holismo como uma força, tendência ou princípio único responsável por todas as coisas e por seus movimentos, unindo-as ao todo e afirma que “toda a obra de Smuts tende a restabelecer a unidade fundamental subjacente à matéria, à vida e à mente”. Atualmente, conforme Araújo (1999), os autores que discorrem sobre o tema preferem o emprego do termo holístico ou holística em lugar de holismo, devido ao fato desse último conter o sufixo ismo que pode dar a conotação de ênfase no todo, sem que as partes recebam o devido valor e importância e sem que se perceba a interação dinâmica entre elas e o todo, primordial a este pensamento. O pensamento holístico, de acordo Araújo (1999), pode ser encontrado em algumas culturas indígenas antigas, em tradições espirituais milenares como o Budismo, o Taoísmo e o Hinduísmo e em reflexões de pensadores pré-socráticos e de outros nomes como Giordano Bruno, Baruch Spinoza, H.L. Bergson, Heidegger, W. Heisenberg, Teilhard de Chardin, entre outros. Para ele, o pensamento holístico ganhou respaldo científico através das recentes descobertas da física quântica. Tabone (2008) salienta que além dessa visão de mundo estar impregnada no Oriente há milênios, ela somente é nova no Ocidente em termos de conhecimento oficial, pois já era conhecida e desenvolvida pelas: alquimia, cabala, astrologia, entre outras escolas de tradição ocultistas, além de ser comum também ao Sufismo e a integrantes do Cristianismo, como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. Nesse sentido, Tabone (2008, p.149) expõe que “todas essas tradições têm em comum a visão integradora do homem, do universo e da própria relação homem/universo”. Atualmente, para Araújo (1999, p. 164), as descobertas da ciência, da filosofia e da arte contemporâneas estão traçando um paralelo com essa sabedoria milenar e elaborando “o que está sendo chamado de paradigma holístico, caracterizado por uma abordagem ampla e aberta que implica novos olhares e percepções em nossas relações com o universo em sua unidiversidade”, e que entende que os elementos e seres do mundo estão interligados. Tabone (2008, p.12) evidencia que o emergente paradigma holístico “trata-se de uma concepção sistêmica da vida e do mundo, baseada na consciência do estado de inter-relação e interdependência essencial de todos os fenômenos – físicos, biológicos, sociais, culturais e espirituais”. De acordo com Weil (1991, p.19), o movimento holístico tem se

55 engendrado com mais representatividade frente ao “sentimento de mal-estar generalizado diante dos problemas da atualidade, tais como a violência interindividual, a violência política e internacional sob forma de guerras, o perigo de proliferação nuclear, o desequilíbrio ecológico, entre outros”. Em síntese, Crema (1989, p.59) afirma que o paradigma holístico “representa uma revolução científica e epistemológica que emerge como resposta à perigosa e alienante tendência fragmentária e reducionista do antigo paradigma”, responsável por muitos dos grandes fenômenos destrutivos que estão afetando o mundo. Conforme o autor, o paradigma holístico surge para construir pontes entre as fronteiras que fragmentam o conhecimento e o coração humano. Weil (1993) esclarece, no entanto, que a Holística não é um dogma científico ou religioso, mas uma nova visão e abordagem do real . Para melhor compreensão da construção do paradigma holístico, se faz importante um breve resgate de algumas idéias que lhe serviram de referência. Segundo Araújo (1999), as tradições indígenas de vários continentes, de antigos povos orientais e africanos, assim como de outros povos antigos ocidentais, entendem que tudo no universo está inter-relacionado, havendo uma dinâmica universal de relações que torna tudo interdependente. Segundo ele, nessa perspectiva, os seres humanos e a natureza mantêm uma relação de complementaridade, e consideram que a perda do vínculo produz desequilíbrio e destrutividade a todos. Os pensadores pré-socráticos do início da civilização ocidental, conforme Araújo (1999), também concebiam uma relação entre homem e natureza baseada no respeito, na admiração e complementaridade. Eles acreditavam, de acordo com o autor, que a natureza era portadora de uma energia criadora e vivaz, como um princípio primordial, donde tudo se origina, o que favorecia uma relação harmônica entre ela e o ser humano. Dentre as contribuições individuais, Araújo (1999, p. 166) situa que o filósofo, astrônomo e matemático italiano Giordano Bruno (1548-1600) defendeu que o universo é um todo dinâmico, onde a matéria e o espírito são interligados, coexistindo de forma entrelaçada, sendo a matéria animada e portadora de energia. Segundo o autor, a contribuição do filósofo Spinoza à visão holística está em sua idéia de que tudo é um, tudo está relacionado na ordem do universo.

56 O filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) afirmou que “a totalidade do todo estrutural não pode ser alcançada fenomenalmente mediante uma montagem de elementos” (HEIDEGGER, 2002, p.244). O autor defendia que assim como o mundo, o homem também não pode ser entendido como a soma de suas partes, pois para sua compreensão verdadeira se necessita da idéia de totalidade do ser. Ele concebe ainda o conceito de “ser-no-mundo”, revelando a unidade entre o ser humano e o mundo, não se podendo entendê-los de modo fragmentado. Ao encontro desse pensamento, o cientista e teólogo francês Teilhard de Chardin (1881-1955) entendia o universo como uma unidade dinâmica e complexa em evolução, dotado de uma consciência unificadora. Dessa maneira, Chardin (1980, p.39) postulou que o homem deve se ver integrado ao Universo, pois ele “não é um elemento perdido nas solitudes cósmicas”. Sendo assim, Chardin (1980, p.36) faz uma crítica à consequente separatividade do sujeito e objeto, intrínseca ao modo de pensar fragmentado, dizendo: “foi ingenuidade, provavelmente necessária, da Ciência nascente, imaginar que podia observar os fenômenos em si, como se eles se desenrolassem independente de nós”. Nesse sucinto resgate de alguns dos grandes nomes que contribuíram com suas idéias à formação de uma abordagem holística, Crema (1991, p.86) cita também Wilhelm Dilthey (1833-1911), que, dentre outras coisas, defendia a existência de uma relação primordial entre homem e mundo, sendo que os cientistas deveriam buscar “a compreensão da vida através do relacionamento do todo com suas partes: o significado da parte encontra-se no todo e o todo se forma a partir da compreensão das partes”. Dilthey também assegurava, segundo o autor, a existência da alma como irredutível, sendo ela a origem de todos os eventos humanos. As grandes tradições espirituais como o Budismo, o Hinduísmo e o Taoísmo, segundo Araújo (1999, p.166), compreendem que tudo o que existe está inter-relacionado, dentro de um ritmo dinâmico dos ciclos cósmicos; sendo que, para elas: Todas as coisas estão essencialmente interligadas e incluídas nesse movimento permanente que se desdobra em mudanças qualitativas, na interdependência primordial criadora entre luz e sombra, yin e yang, entre nosso dentro e nosso fora, nosso corpo e nossa mente.

Conforme Capra (2006), a filosofia chinesa do I Ching, que forma a base

57 do pensamento chinês, e, portanto, do Taoísmo, concebe yin e yang como dois pólos opostos e fundamentais que, através de um ritmo cíclico de interação dinâmica, formam o tao – a realidade, o universo. Yang, segundo o autor, está associado ao masculino e corresponde ao céu, ao sol, à superfície, à atividade agressiva, expansiva e competitiva, ao pensamento racional, que é linear, analítico, aos domínios intelectuais de discriminar, medir e classificar. Já o yin, de acordo com ele, associa-se ao feminino, à terra, à lua, ao interior, à atividade receptiva, consolidadora, cooperativa, ao conhecimento intuitivo que baseia-se na experiência direta e não-intelectual da realidade, devido a um estado ampliado de percepção consciente, e portanto, está relacionado à síntese, à não-linearidade, ao holístico. Capra (2006, p.33) afirma que: “o que é bom não é yin ou yang, mas o equilíbrio dinâmico entre ambos, o que é mau ou nocivo é o desequilíbrio entre os dois”. O autor salienta que, na concepção chinesa, todos os fenômenos naturais são manifestações da interação dinâmica entre esses dois opostos complementares. Outra influência importante no surgimento do paradigma holístico foi a física quântica, que fornece sustentação científica para seus fundamentos. De acordo com Zohar (1990), a física quântica tem seu nome originário do latim quanta, que no nível da física se refere a pacotes individuais de energia. Segundo Rocha Filho (2004, p.26), “física quântica é uma disciplina científica que estuda as propriedades das moléculas, dos átomos e das partículas subatômicas, e também as interações entre esses corpos e ondas eletromagnéticas”. Conforme o autor, essa disciplina originou-se a partir dos estudos de Max Planck apresentados em 1900 à Sociedade Alemã de Física, que lhe conferiu prêmio Nobel no ano de 1918. Esta nova física, explica Araújo (1999), foi além da física clássica e sustentou que o universo é dinâmico e não-linear, regido pelo movimento ondulante de partículas e ondas. Segundo ele, a física quântica defende a não separação homem e objeto, afirmando que sua relação é interativa, interdependente e, portanto, o universo é um todo indivisível. Desse modo, Capra (2006, p.72) afirma: Em contraste com a concepção mecanicista cartesiana, a visão de mundo que está surgindo a partir da física moderna pode caracterizar-se por palavras como orgânica, holística e ecológica. Pode ser também denominada visão sistemática, no sentido da teoria geral dos sistemas. O universo deixa de ser visto como uma máquina, composta de uma infinidade de objetos, para ser descrito como um todo dinâmico, indivisível, cujas partes estão essencialmente inter-relacionadas e só podem ser entendidas como modelos de um processo cósmico.

58 Dessa maneira, de acordo com Crema (1989), a mesma disciplina científica que teve peso descomunal na visão de mundo moderna – a física transpôs o seu feito, desmaterializando e subjetivando o mundo, ao mesmo tempo em que demonstra a correlação entre mente e matéria. Segundo Crema (1989, p.52), essa nova física mostra que “penetrando a matéria ela se revela energia e penetrando a energia ela se traduz por consciência”. Di Biase & Rocha (2005, p.3738) argumentam que: Com o advento da teoria quântica, criada por Max Planck em 1900, e comprovada pela mecânica quântica na década de 30, com os trabalhos de Bohr, Schrodinger, Heinsenberg, Einstein, Pauli, Dirac, De Broglie, Oppenheimer e Born, entre outros, e seus desenvolvimentos posteriores, mudamos de uma concepção dualista, reducionista e mecanicista da natureza para um retorno de uma “nova” cosmovisão holística, em que mente e corpo, homem e Universo, enfim, a Vida e o Cosmo são concebidos como uma vasta unidade psicofísica, inter-relacionando-se por meio de conexões quânticas não-locais, que permitem comunicação e influência instantânea entre os vários processos do universo.

De acordo com Capra (2006), Einstein inaugurou um novo pensamento na física ao criar a Teoria da Relatividade, que introduziu radicais mudanças nos conceitos de espaço e tempo. Segundo Tabone (2008, p.35), a partir da Teoria da Relatividade, o espaço e o tempo deixaram de ser duas entidades independentes, “ambos apresentam-se intimamente conectados sob a forma de um Continuum espaço/tempo quadrimensional, e que não são grandezas absolutas, mas relativas, dependendo de um sistema referencial”. Conforme Crema (1989, p.41), também foi comprovado que “as unidades subatômicas são sutilmente abstratas e têm um aspecto dual: de acordo com a observação apresentam-se ora como partículas, ora como ondas”. Isso, esclarece o autor, faz cair por terra o princípio da não-contradição da Lógica formal, onde A é A e A é não-A. Di Biase (2002) cita que Heisenberg engendrou uma transformação no pensamento cartesiano-newtoniano ao postular o Princípio da Incerteza. Zohar, (1990) apresenta a descoberta demonstrada por este princípio: embora onda e partícula sejam faces diferentes de um mesmo todo, só se pode descrever uma delas por vez. Segundo a autora, num experimento, ou se mede a velocidade da onda ou a exata posição da partícula, não se podendo saber a respeito das duas ao mesmo tempo.

59 Informa Rocha Filho (2004) que o Princípio da Incerteza de Heisenberg prova que há apenas probabilidades no conhecimento das partículas, não precisão real e determinismo. Zohar (1990) expõe que o observador terá aquilo que está com o intuito de ter: poderá ter a posição da partícula ou a velocidade da onda, sabendo que enquanto obtém um dado, perderá o outro. Capra (apud Di Biase, 2002), diz que este princípio comprova que observador e observado, sujeito e objeto, mente e matéria não podem ser separados, pois a consciência do observador interfere no fenômeno observado. Conforme Araújo (1999), Bohm postulava que o mundo é um complexo de relações em que cada parte contém o todo, existindo uma ordem que liga todas as coisas e seres. Weil (1991, p.33) mostra que Bohm considerava que “matéria e mente são inseparáveis, e apenas aspectos diferentes do mesmo conjunto. [...] nada pode ser inteiramente separado ou fragmentado”. De acordo com Crema (1989, p.42), ao buscar desvendar o paradoxo onda-partícula, Niels Bohr formulou o conceito de complementaridade, no qual “a noção de partícula e de onda representa referências complementares à mesma realidade, cada uma correta parcialmente e com limitado potencial de aplicação”. Segundo o autor, experimentos mostraram outras características das ondas e partículas: elas apresentam interconexões e correlações, sua existência independe do

espaço

e

do

complementaridade

tempo, de

Bohr

entre ao

outras. antigo

Capra

(2006)

pensamento

chinês

correlaciona dos

a

opostos

complementares yin/yang e menciona que Bohr considerava que as propriedades das partículas só podem ser definíveis e observáveis quando elas estão em interação com outros sistemas. Portanto, Capra (2006, p.75) afirma que: [...] as partículas subatômicas não são “coisas”, mas interconexões entre “coisas”, e essas “coisas”, por sua vez, são interconexões entre outras “coisas”, e assim por diante. [...] É assim que a física moderna revela a unicidade do universo. Mostra-nos que não podemos decompor o mundo em unidades ínfimas com existência independente. Quando penetramos na matéria, a natureza não nos mostra quaisquer elementos básicos isolados, mas apresenta-se como uma teia complicada de relações entre as várias partes do todo unificado.

Segundo Crema (1989), essa nova física admite que as conexões no universo, que o tornam um todo unificado, podem ser locais ou não-locais, instantâneas e imprevisíveis. Rocha Filho (2004, p.23) explica que “localidade é a qualidade de um evento cujas causas são identificáveis e a ele relacionadas pelas

60 leis de ação da Física Clássica”. Através do Teorema de Bell, a localidade - que é a lei da causa e efeito - deixou de ser entendida como a lei que rege a natureza e deu lugar à não-localidade, que diz que “pontos distantes do espaço-tempo estão conectados por intermédio de uma ligação instantânea que independe da distância ou da quantidade de matéria” (ROCHA FILHO, 2004, p.69). Sendo assim, conexões não-locais são aquelas que transcendem as leis da física clássica, descobertas, segundo Di Biase & Rocha (2005), por Einstein e confirmadas pelo chamado Efeito Einstein-Podolsky-Rosen. Segundo o autor, este experimento demonstrou que após a emissão de duas partículas de spin opostos no espaço tempo, mesmo que as duas estejam separadas por uma grande distância, se uma delas sofrer alteração, a outra também se modificará instantaneamente, revelando uma conexão informacional não-local. Weil (1993, p.59) concorda que a física quântica também pôde confirmar a antiga idéia de que as partes também contêm o todo através do holograma, que “é uma chapa fotográfica que, por meio de um sistema de laser, reproduz um objeto ou pessoa em três dimensões, no espaço. Se cortarmos essa chapa em duas ou em quatro, obteremos duas ou quatro reproduções do conjunto”, mostrando que a informação do todo se encontra em todas as partes. Crema (1989, p.44) evidencia que: “cada partícula representa um padrão interligado de energia num dinâmico e contínuo processo, consistindo, num certo sentido, em todas as outras partículas”. Assim, Crema (1989, p.53) argumenta que as descobertas da nova física vão ao encontro das idéias que há muito tempo várias Tradições espirituais milenares defendem: As sábias intuições dos velhos rishis da Índia, os Hierofantes dos Mistérios do Antigo Egito e de Elêusis, na Grécia antiga, a profunda e paradoxal sabedoria Taoísta da velha China e também os mestres Zen do Budismo, os Sufis do Islamismo, os Profetas do Judaísmo, os Hesicastes do Cristianismo, os Yogues do Hinduísmo, enfim, todos os autênticos místicos de todos os tempos anteviram e apontaram para esse mesmo Universo holístico, agora penetrado pela Física dos confins do átomo.

Dessa maneira, o autor afirma que esse novo paradigma holístico concebe a integração entre Ocidente - analítico e marcado pela ciência e tecnologia - com o Oriente – sintético, no qual sobressaem a mística e a sabedoria tradicional. Conforme Capra (2006, p.45), “a física moderna pode mostrar às outras ciências que o pensamento científico não tem que ser necessariamente reducionista e

61 mecanicista, que as concepções holísticas e ecológicas também são cientificamente válidas". Segundo o autor, em uma cultura em que a ciência tem tamanha respeitabilidade e confiabilidade, argumentos científicos são muito importantes para que uma nova cosmovisão instale-se na sociedade promovendo mudanças fundamentais nos valores e nas atitudes humanas. Assim, Boff (2007, p.24) ressalta que: “a física quântica demonstrou a profunda interconexão de tudo com tudo e a ligação indestrutível entre realidade e observador; não há realidade em si, desconectada da mente que a pensa; ambas são dimensões de uma mesma realidade complexa”. Conforme o autor, o universo é consciente. Araújo (1999) aponta que os princípios fundamentais da abordagem holística

são:

a

busca

de

inteireza,

a

noção

de

diversidade,

de

interdependência/complementaridade, de movimento e de espiritualidade. Segundo ele, intrínseca à busca da inteireza está a ligação fundamental, interativa e simbiótica entre todo e parte e vice-versa. A noção de diversidade compreende o mundo em sua unidiversidade, como sendo constituído, conforme Araújo (1999, p. 169), “de uma multiplicidade de seres em que cada um, com seus traços singulares e a magnitude de suas qualidades, tem sua nobre tarefa de colaborar na composição

da

sinfonia

cósmica”.

O

pressuposto

de

interdependência/

complementaridade, segundo o autor, discorre que, de maneira mais ou menos direta, mais ou menos visível, todos os seres existentes no universo são interdependentes e se complementam através de relações interativas de trocas mútuas. O princípio do movimento, para Araújo (1999, p.169), entende que: “tudo está em permanente movimento na ordem/desordem do universo através de seus constantes ciclos, no entendimento de que tudo muda, e o que permanece é o próprio movimento”. Por último, Araújo (1999, p.169) mostra a espiritualidade como conceito de base dessa abordagem, e afirma que “existe uma dimensão sutil de conexão energética/sinergética que interpenetra e move os seres humanos com os outros seres”. Capra (2008, p.81) explica que “a espiritualidade, ou a vida espiritual, é geralmente compreendida como um modo de ser decorrente de uma profunda experiência da realidade, chamada de experiência “mística”, “religiosa” ou “espiritual””. Durante esses momentos espirituais, Capra (2008, p.81) afirma que

62 ocorre “um reconhecimento profundo da nossa unidade com todas as coisas, uma percepção de que pertencemos ao universo como um todo”. Desse modo, de acordo com esse mesmo autor, a espiritualidade possibilita o sentimento de unidade entre corpo e mente, sujeito e universo. Weil (1993) traz também como princípios do novo paradigma holístico: a não-dualidade entre sujeito e objeto; a não-separatividade entre matéria, vida e informação, ao considerar que estas são manifestações da mesma energia universal; a holopropragmática que considera que assim como as partes estão no todo, o todo também está nas partes. Di Biase & Rocha (2005, p.104) ressaltam que “a informação pode ser definida então como a propriedade intrínseca e irredutível do universo capaz de gerar ordem, auto-organização e complexidade”. Weil (1993, p.47) aponta ainda como princípios: a integração do sujeito, na qual “o conhecimento é produto de uma relação indissociável da mente do sujeito observador, do objeto observado e do processo de observação” e o relativismo consciencial que diz que a vivência da realidade é função do estado de consciência em que o indivíduo se encontra. Conforme Weil (1993, p.54) , também faz parte do paradigma holístico o princípio não fragmentado de energia, ou holorradiação, que compreende: [...] a idéia de que tudo no universo é constituído ou é a expressão da mesma força ou energia. Essa energia era conhecida por diferentes nomes segundo as tradições espirituais: prana, em sânscrito, rlung em tibetano, ruach, em hebraico, pneuma, em grego, espiritus, em latim. Autores contemporâneos também a designam com nomes diversos: libido, de Freud e Jung, élan vital, de Bergson, orgone, de Wilhelm Reich.

Segundo Weil (1993), a física quântica, por meio de sua descoberta de que uma partícula subatômica também é energia, forneceu embasamento científico para o princípio da holorradiação, que afirma que matéria, vida e consciência são indissociáveis e formadas da mesma energia. Para ele, a teoria geral dos sistemas e a teoria da complexidade de Edgar Morin vão ao encontro deste mesmo pensamento. Di Biase (2002) expõe que, a partir das descobertas do neurocientista Karl Pribam e do físico David Bohn, demonstrou-se que cérebro e universo estão inter-relacionados dentro de um mesmo sistema informacional. Portanto, segundo Di Biase (2002, p.34), nessa visão holística, “consciência, informação e inteligência se confundem e podemos afirmar que a consciência sempre esteve presente nos diversos níveis de organização da natureza”. Nesse sentido, Weil (2008, p.16)

63 evidencia que: “a mente é uma espécie de campo que ultrapassa de longe o cérebro e se encontra tão integrada na mente universal quanto o são as ondas e o mar”. Crema (1989, p.71) menciona como outros importantes princípios do paradigma holístico os quatro preceitos propostos por Stanley Krippner: 1) a consciência ordinária compreende apenas uma parte pequena da atividade total do espírito humano; 2) a mente humana estende-se no tempo e espaço, existindo em unidade com o mundo que ela observa; 3) o potencial da criatividade e intuição são mais vastos do que ordinariamente se assume; 4) a transcendência é valiosa e importante na experiência humana e precisa ser abrangida na comunidade orientada pelo conhecimento.

Transcendência pode ser entendida, de acordo com Tabone (2008), como um processo de ir além do que se é no momento, é ultrapassar os limites do ego, da consciência de vigília usual, do tempo e do espaço. Para Araújo (1999), a visão holística resgata o encantamento para com o mundo, valoriza o ser em função do ter, defende a ecologia, a flexibilidade, a religação entre as partes, a humildade e a harmonia entre o que a ciência clássica tem como opostos: feminino e masculino, ordem e desordem, razão e emoção, interior e exterior. Já que, conforme o autor, cada ser que existe no mundo depende dos outros seres em graus variados, haja vista a totalidade e complexidade do universo. Assim, Araújo (1999, p.165) atesta: “somos fios entrelaçados da mesma teia cósmica”. A visão holística, portanto, enxergará o homem como um todo unificado, visto que ele é um microcosmo pertencente ao macrocosmo.

Nesse sentido,

Conforme Capra (2006), a saúde será vista como um fenômeno multilateral, pois o sujeito tem múltiplas dimensões: física, psíquica, social, espiritual que se interrelacionam e influenciando-se mutuamente. Capra (2006, p.299) declara que “a abordagem holística da saúde e dos métodos de cura estará, portanto, em harmonia com muitas concepções tradicionais, assim como será compatível com as modernas teorias científicas”. Segundo o autor, além da visão holística de saúde estar muito próxima de modelos médicos de diferentes culturas, nas quais a espiritualidade está envolvida nos processos de cura, ela vai ao encontro da nova física e da concepção sistêmica dos organismos vivos. De acordo com Capra (2006), a abordagem holística em saúde tem suas raízes no xamanismo, na medicina hipocrática e na medicina tradicional chinesa.

64 Segundo

ele,

as

tradições

xamanísticas,

embora

apresentem

diferenças

dependendo da cultura inserida, têm como figura de liderança religiosa e médica o xamã, e em algumas este também desempenha papéis políticos. Para Capra (2006, p.300), “o xamã é um homem ou uma mulher capaz de ingressar, à vontade, num estado incomum de consciência a fim de estabelecer contato com o mundo dos espíritos no interesse e em benefício dos membros de sua comunidade”. Nesse caso, assegura Capra (2006, p.300), o papel do xamã “é o de presidir a rituais religiosos e comunicar-se com os espíritos para fazer adivinhações, diagnósticos de doenças e realizar curas”. Encontra-se em Capra (2006) que essas sociedades entendem que os seres humanos são partes integrantes de um sistema ordenado, sendo assim, percebem a doença como um desequilíbrio entre o sujeito e a ordem universal ou também como um castigo por algum comportamento indevido, tendo sempre a conotação de manifestação de uma ordem cósmica. Ele acredita que a contribuição do xamanismo à abordagem holística da saúde está na sua essência, que vê as coisas e seres do mundo como interligados e que concebe a doença como um processo oriundo da desarmonia do sujeito em nível psicológico ou de relação entre ele e o ambiente, incluindo a dimensão social. Segundo o autor, a medicina hipocrática também fornece subsídios à construção da abordagem holística em saúde. Para Capra (2006, p.305), ela defendia que “o bem-estar dos indivíduos é influenciado pelos fatores ambientais – a qualidade do ar, da água e dos alimentos, a topografia da terra, os hábitos gerais de vida”. Nesse sentido, Capra (2006, p.305) discorre: A saúde, de acordo com os escritos hipocráticos, requer um estado de equilíbrio entre as influências ambientais, modos de vida e os vários componentes da natureza humana. Esses componentes são descritos em termos de “humores” e “paixões”, que têm de estar em equilíbrio. A doutrina hipocrática dos humores pode ser reenunciada em termos de equilíbrio químico e hormonal, referindo-se a importância das paixões à interdependência da mente e do corpo, fortemente enfatizada nos textos.

Gordon (1998) acrescenta que “além de descrever vários tipos de doenças, Hipócrates analisava o contexto social e ecológico em que a doença ocorre e o modo como as suas manifestações físicas são condicionadas por forças psicológicas e espirituais”.

Em Capra (2006) lê-se que a medicina hipocrática

acreditava na existência de forças curativas inerente aos organismos vivos, e assim

65 o médico atuaria na criação de condições favoráveis à manifestação dessas forças que os levariam à cura. Conforme o autor, ao passo que esses preceitos fundamentais da medicina hipocrática se desenvolviam na Grécia, surgiam também na China antiga, em outro contexto cultural. Segundo o autor, a medicina chinesa clássica tem suas raízes no xamanismo, tendo forte influência do taoísmo e do confucismo. De acordo com ele, assim como em todas as outras tradições teóricas desenvolvidas na China antiga, também na medicina os conceitos yin e yang são essenciais. Capra (2006, p.306) explica que se aos fenômenos do universo é atribuído uma ordem dinâmica entre yan e yang, também ocorre com o ser humano, que é um “microcosmo do universo”. De acordo com o autor, esse modelo compreende o ser humano como um todo, em que há inter-relação entre as partes do corpo através de uma energia chamada ch’i. Para a medicina tradicional chinesa, segundo ele, toda disfunção na saúde tem relação com o desequilíbrio dessa energia, e consequentemente, o tratamento vai atuar sobre ela. Capra (2006) cita que o desequilíbrio energético é entendido como um processo multifatorial, oriundo tanto de fatores internos do sujeito, como físicos e psicológicos, como fatores externos, como os ambientais, sociais. A medicina tradicional chinesa receberá maiores explanações no capítulo 3 deste trabalho. Portanto, conforme Araújo (1999), a visão holística que lança pontes entre o ser humano e as coisas que o cercam, também concebe um homem complexo e integrado em suas esferas psíquica, física, mental e espiritual, e atenta para o cultivo de valores primordiais, essenciais à humanidade. De acordo com Pietroni (1988), a dimensão espiritual do ser humano pode ser sentida em experiências em que ele consegue sentir a si e ao mundo de maneira diferente da forma puramente física ou psicológica. Para ele, é uma sensação de ligação com o todo, de unidade com tudo o que existe. Nesse sentido, o autor afirma que numa situação de doença, por exemplo, o sujeito espiritualizado entende que a enfermidade que o comete pode ter um sentido, um significado na sua vida, e, assim, pode identificar que algo precisa ser melhorado. Ao reconhecer que mente e corpo se influenciam mutuamente, a visão holística em saúde compreende que tanto as disfunções corporais têm relação com a mente, como as psíquicas têm relação com o corpo; existe uma ligação de interdependência entre corpo e mente. Sendo assim, nenhuma patologia pode ser

66 tratada unilateralmente, como postula o modelo de saúde cartesiano-newtoniano por meio do modelo biomédico. A medicina holística, enquanto visão que se estende a todo campo da saúde, conforme Bontempo (1995), compreende o ser humano de modo integral, global, não se manifestando contrária às especializações em saúde, mas a favor de uma prática que supere as limitações do modelo biomédico, agregando a ele a medicina natural, a medicina antiga e o conhecimento universal. De acordo com o autor, a abordagem holística em saúde defende que ela ocorre devido a um equilíbrio ou harmonia do organismo, em todas as suas dimensões. Bontempo (1995, p. 22) percebe que até mesmo as doenças cujas causas estão remetidas a um patógeno externo, como vírus e bactérias, são vistas pela medicina holística como um desequilíbrio do organismo, pois acredita-se que o ““terreno” é mais importante que o germe”. Nesse sentido, seu paradoxo – a doença – precisa ser evitado, prevenido, segundo o autor, e não somente combatido depois de instalado, como faz o modelo biomédico vigente no Ocidente. Bontempo (1995) mostra que a visão holística percebe que o combate à doença de modo unilateral, dentro de uma perspectiva organicista, elimina os sintomas, mas não atinge a essência da disfunção. Em outras palavras, suprimemse as consequências, mas ignora-se a (s) causa (s). Nesta direção, Gordon (1998, p. 63) afirma: “isso quer dizer que a cura vem através da inteireza, da recuperação e da reintegração de todas aquelas partes de nós mesmos que têm sido negadas, ignoradas ou reprimidas”. As práticas holísticas, de acordo com o autor, visam restaurar o equilíbrio do sujeito e seu potencial de cura e, para tal, usam em primeiro lugar terapias não invasivas e não prejudiciais, considerando que os métodos biomédicos poderão ser utilizados futuramente, caso não haja melhoras com os métodos mais brandos. Capra (2006, p.311) evidencia que uma medicina holística entende o ser humano como um sistema cujos componentes estão todos interligados e interdependentes e que esse sistema vivo e dinâmico está dentro de outros sistemas maiores, “o que subentende que o organismo individual está em interação contínua com seu meio ambiente físico e social, sendo constantemente afetado por ele, mas podendo também agir sobre ele e modificá-lo”. Di Biase (2002) comenta que a visão holística em saúde percebe que os organismos vivos reagem às influencias ambientais por meio de adaptações

67 organísmicas e sociais. Ou seja, de alguma forma, aquilo que ele experimentou externamente, no meio ambiente em que vive, pode repercutir em seu corpo ou sua mente. Nesse caso, se aceita que condições ambientais, sócio-econômicas, psicológicas afetam o organismo biológico do sujeito. Dessa maneira, segundo Matos (2004, p.454), numa perspectiva holística de saúde é preciso compreender que: [...] novos desafios multifacetados se colocam para a saúde/bem estar, incluindo entre outros: (1) aspectos de pressão social relacionados com o estilo de vida (somos pressionados a “ter”, a “parecer”, a esconder sentimentos; o pós-modernismo é sem dúvida um tempo de excesso, de abundância e de desperdício, em simultâneo com a privação noutras zonas do planeta), (2) as condições de vida (pobreza, ignorância, desigualdade de acesso aos serviços de educação, saúde e justiça, habitação, trabalho, stresse laboral, familiar e ambiental, migração, isolamento, exclusão social, qualidade do ar, oferta em nível de lazer, agentes infecciosos), (3) os estilos de vida relacionados com a saúde (alimentação ou bebida em excesso, consumo de drogas, alimentação pouco cuidada, excessiva ou fome, sedentarismo, lazer, stresse no dia-a-dia, violência doméstica, social, sobre menores ou nacional/internacional), (4) as redes sociais de apoio sociocultural (família, vizinhos, amigos, grupos na escola ou emprego, capital social, igreja, clubes, serviços de saúde, estado de saúde, vacinação, competências pessoais e sociais).

Nessa perspectiva, diferente do que defende a visão organicista de saúde/doença, sabe-se que a saúde e o bem-estar são diretamente afetados negativamente por diversas questões que não meramente mecanismos biológicos disfuncionais e germes. São elas: realidade social de pobreza, educação de má qualidade que não favorece o pensamento crítico e a busca da efetiva cidadania, ritmo do dia-a-dia agitado, estressante,

valores da sociedade que nem sempre

prezam pelo ser, pela felicidade genuína, mas sim pelo ter, pelo acúmulo de bens materiais, enquanto deixam de lado os sentimentos, entre outros inúmeros fatores que agridem a dimensão psicológica e emocional do sujeito, e, consequentemente, o seu eu total. Isso remete à Sawaia (1995), que trata a saúde como uma condição muito mais ampla do que simplesmente não ter doença, entendendo que as dimensões ética, psicológica, emocional/afetiva, sócio-histórica, estão todas envolvidas nesse processo. Sawaia (1995, p.162-163) parte das contribuições de Agnes Heller para afirmar que: As necessidades fundamentais ao desenvolvimento do homem no sentido de alcançar a plenitude da condição humana são: o pensar, o agir, o

68 imaginar e o amar. [...] Desta forma, o direito à saúde é o direito à satisfação de todas essas necessidades sem sobreposição de uma sobre a outra e ao bem-estar. Bem-estar psicossocial é a liberdade que é deixada ao desejo de cada um na organização de sua vida individual [...].

Ao encontro dessa visão, Capra (2006) afirma que uma mudança nas práticas de saúde a fim de buscar a saúde integral, holística, precisa ser acompanhada também de profundas alterações na tecnologia e nas estruturas socioeconômicas. Matos (2004) defende que a promoção da saúde através da prevenção deve ser primordial e esta última está totalmente ligada ao poder político das nações que devem possibilitá-la por meio de políticas públicas para a saúde.

A autora

ressalta a necessidade de uma educação voltada à saúde, que vá além do esclarecimento das doenças e que ensine as pessoas a manterem hábitos de vida saudáveis, incluindo a felicidade como condição a uma boa saúde. Conforme Ayres (2005), a felicidade é condição fundamental dentro de uma compreensão de saúde humanizada, que compreende a dimensão subjetiva da saúde e da doença.

Ainda que ela seja algo de difícil conceituação e não

quantificável por métodos científicos, Ayres (2005, p.551) cita que “a felicidade nunca deixa de fazer notar sua falta e, pela sua ausência, algo que nos está faltando”. Desta forma, de acordo com o autor, a felicidade pode ser considerada um índice que mostra se a forma como o sujeito está vivendo está satisfazendo-o, em toda sua multidimensionalidade. A abordagem holística em saúde, segundo Capra (2006), julga necessário que os profissionais da saúde contextualizem a doença ao paciente, mostrem os múltiplos fatores que levaram à disfunção e o ensinem sobre a natureza e significado da sua doença e como pode mudar o estilo de vida que o conduziu à enfermidade. Isso porque, assegura Bontempo (1995), o objetivo da abordagem holística em saúde é restaurar a saúde integral e não puramente combater a doença, eliminando seus sinais e sintomas. Conforme Capra (2006), é preciso que os profissionais de saúde atuem em equipe efetiva e integrada, salientando a importância da educação nas escolas de medicina ser orientada para o trabalho em equipe. Entende que essa equipe terá membros especialistas em diversas áreas, com a finalidade de restituir o equilíbrio integral do sujeito, tendo cada um deles, então, a mesma concepção holística de

69 saúde. Nesse sentido, Weil (1989) afirma que, apesar da emergência de um novo paradigma a ser assimilado, jamais se pode negar o antigo, que tem seu valor. O autor coloca que ainda há muita resistência ao paradigma holístico pelo fato dos sujeitos que formam o setor conservador da ciência pensarem, equivocadamente, que esta nova visão rechaça as especializações. Weil (1989, p.12) pontua, de modo enfático, que o paradigma holístico pretende a “abertura de espírito dos especialistas”

aos

conhecimentos

das

outras

áreas,

à

visão

integral

e,

principalmente, a uma ética comprometida com a preservação da vida no planeta. Para a superação da crise multifacetada pela qual passa a humanidade, na visão de Di Biase & Rocha (2005, p.35): é preciso “manter os benefícios do paradigma cartesiano-newtoniano, excluir seus exageros e malefícios e introduzir uma visão holística integradora do homem consigo mesmo, com seu semelhante e com a natureza”. Segundo os autores, a Holística como princípio de compreensão do ser humano no mundo, ao utilizar-se, além dos saberes milenares de múltiplas tradições, também de conhecimentos contemporâneos de diferentes áreas, salienta a importância da relação dialógica entre ciência, arte, filosofia e tradições espirituais. Pois, para Di Biase (2002, p.21), “a ciência é somente uma pequenina janela através da qual olhamos a vastidão do universo sempre de uma perspectiva limitada e incompleta”. Crema (1989, p.77) compreende que “as aplicações da abordagem holística estendem-se a todas as esferas do saber e do atuar humano, desde a teoria do conhecimento, à educação, saúde (dimensão corpo-mente-espírito), economia, administração, ecologia, política” entre outros. Araújo (1999, p.165) argumenta que: Nesse rumo, a cosmovisão holística concebe que todas as formas e conteúdos de conhecimento humano, com seus matizes pluridimensionais, devem ser entrecruzados nas encruzilhadas da cultura humana, de forma transdisciplinar em que as contribuições de cada área singular enriquecem, ampliam e aprimoram a compreensão do ser humano sobre a vida, as coisas, os fenômenos do mundo na complexidade de sua totalidade.

Para Leite & Strong (2006): “a visão holística pode ser definida como a visão de um determinado fenômeno como um todo, ou seja, que leve em consideração todos os fatores que podem influenciar o fenômeno observado”.

70 Di Biase (2002) aponta que uma nova medicina científica, que seja holística e apoiada também na visão sistêmica, é capaz de integrar o modelo biomédico aos modelos holísticos antigos encontrados pelo mundo, formando um complexo de conhecimento e sabedoria capaz de tratar o ser humano como um todo. Nessa direção, Crema (1989) destaca que a mais importante conseqüência prática do paradigma holístico é a abordagem transdisciplinar. Di Biase & Rocha (2005, p.39) defendem que: Essa nova interação transdisciplinar e holística das ciências modernas e da sabedoria antiga revela uma conexão cósmica entre o ser humano e o universo que nos conduz a uma Ética de Reverência pela Vida e a uma Consciência Planetária, capaz de gerar uma atitude natural de preservação da vida e de construção de uma Cultura de Paz.

Visto isto, percebe-se a importância de um novo paradigma que resgate a valorização da vida, tanto dos seres humanos quanto de tudo o que existe no mundo, entendendo que todos formam uma unidade que se desestrutura quando uma de suas partes está em desequilíbrio. Ao perceber a saúde como um fenômeno multidimensional, sob o enfoque holístico, se faz necessária uma abordagem transdisciplinar que possibilite a interação entre os vários olhares, a fim de se buscar uma prática mais integrada.

4.3 Transdisciplinaridade e saúde

Embora um assunto que está cada dia mais em evidência, a transdisciplinaridade e seus objetivos nem sempre são percebidos de maneira correta. Atualmente, ela se coloca como uma alternativa à crise da fragmentação do conhecimento que está trazendo consequências em diversos campos da vida humana. Nas palavras de Crema (1993, p.131): “transdisciplinaridade, na sua acepção literal, significa transcender a disciplinaridade”. Segundo Nicolescu (2001), o termo transdisciplinaridade surgiu nos anos 1970, de forma quase concomitante, nas obras de Jean Piaget, Edgar Morin, Eric Jantsch, entre outros, para manifestar a necessidade de se transpor as fronteiras das disciplinas, indo além da pluri e da

71 interdisciplinaridade. D’Ambrósio (1993) ressalta que o agrupamento do conhecimento em disciplinas, apesar de ter acarretado um grande acúmulo de informações, ocasiona restrição à entrada de determinados conhecimentos, pois delimita, de antemão, aquilo que é concernente a ela, fazendo com que somente alguns aspectos da realidade sejam abrangidos.

Almeida Filho (2005) menciona ainda que a

disciplinaridade, enquanto estratégia de organização da ciência, é marcada pela fragmentação de seu objeto de estudo, esta que cresce conforme a especialização do sujeito científico, afastando-se cada vez mais da noção integral daquilo que se estuda. Nicolescu (2001, p.50) escreve que: “a pluridisciplinaridade diz respeito ao estudo de um objeto de uma mesma e única disciplina por várias disciplinas ao mesmo tempo”. Segundo ele, numa interação pluridisciplinar, a compreensão de um objeto restrito à somente uma disciplina sai enriquecida após as contribuições de várias outras disciplinas. Deste modo, conforme o autor, a abordagem pluridisciplinar ultrapassa a disciplinaridade, mas seu objetivo continua sendo uma pesquisa disciplinar. A multidisciplinaridade, esclarece Almeida Filho (2005, p.38), “é um sistema que funciona através da justaposição de disciplinas em um único nível, ausente uma cooperação sistemática entre os diversos campos disciplinares”. De acordo com o autor, a multidisciplinaridade opera na prática como uma atuação de um grupo de profissionais de diferentes disciplinas tratando de um mesmo objeto, porém, sem que esses profissionais estabeleçam relações entre si. Nesse caso, segundo ele, a multidisciplinaridade seria uma tentativa de superar a fragmentação, através da somatória de vários campos do saber. A interdisciplinaridade, de acordo com Nicolescu (2001), é a interação de diferentes profissionais com objetivo de deslocar conhecimentos de uma disciplina para outra. Esse deslocamento, conforme o autor, pode fazer com que métodos de uma disciplina sejam aplicados noutra, com intuito de aperfeiçoar sua práxis, bem como, pode gerar novas disciplinas como, por exemplo, o surgimento da física matemática, depois que métodos da física foram agregados à matemática. Weil (1993, p.29) enfoca que “a interdisciplinaridade manifesta-se por um esforço de correlacionar disciplinas”. Nesse sentido, Nicolescu (2001, p.51) observa que a

72 interdisciplinaridade, assim como a pluridisciplinaridade, vai além da disciplinaridade, “mas sua finalidade também permanece inscrita na pesquisa disciplinar”. A transdisciplinaridade, conforme Piaget (apud Weil, 1993, p.30), seria um estágio superior à interdisciplinaridade, sendo um estágio “que não se contentaria em atingir as interações ou reciprocidades entre pesquisas especializadas, mas situaria essas ligações no interior de um sistema total sem fronteiras estáveis entre as disciplinas”. Conforme Porto & Almeida (2002), a transdisciplinaridade é uma radicalização da interdisciplinaridade, pois ela exige uma axiomática comum entre as disciplinas. Sendo assim, os autores assinalam que as teorias e conceitos desenvolvidos por uma equipe transdisciplinar servem de base teórica e prática para todas as disciplinas envolvidas. Segundo Morin (2005), a transdisciplinaridade se faz importante porque na interdisciplinaridade ainda existe a tendência de cada disciplina se julgar mais importante que as outras, o que reforça as fronteiras entre elas. O autor ressalta que o objetivo de derrubar as fronteiras disciplinares não significa que as disciplinas devam perder sua identidade, mas que passem a ser abertas umas às outras. A transdisciplinaridade, ensina Weil (1993), implica uma axiomática comum entre as disciplinas, considerando axiomas como proposições óbvias por si mesmas. Sendo assim, a abordagem transdisciplinar, de acordo com Almeida Filho (2005), implica uma síntese paradigmática entre todas as disciplinas envolvidas no estudo de determinado fenômeno, ou seja, as disciplinas precisam ter uma concordância comum acerca daquilo que estão tratando. Randon (2000, p.10) explica que o primeiro princípio transdisciplinar “é a troca, a abertura, a comunicação, a generosidade da inteligência e do coração” que favorece o compartilhamento dos saberes entre as pessoas. Nesse sentido, Nicolescu (2001, p.51) direciona que: A transdisciplinaridade, como o prefixo ‘trans’ indica, diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. Seu objetivo é a compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento.

O autor defende que embora pareça absurdo para o pensamento clássico esse querer ocupar-se do que está entre as disciplinas, através e além delas, por considerar que não há nada que não esteja envolvido pelas inúmeras disciplinas, a transdisciplinaridade, partindo da idéia da existência de vários níveis de realidade, concebe que estes espaços estão repletos de objeto de estudo. Sendo assim,

73 Nicolescu (2001, p.52) afirma que a pesquisa transdisciplinar abrange não somente um nível de realidade ou fragmentos de um único nível como faz a pesquisa disciplinar, mas diversos níveis, interessando-se, sobretudo, “pela dinâmica gerada pela ação de vários níveis de Realidade ao mesmo tempo”. De acordo com o autor, a existência de mais de um nível de realidade, que também são complexos como toda a Realidade, traz conteúdos que vão além do saber produzido pelas disciplinas e faz com que o Todo se abra para a não-resistência ao sagrado. Isso porque, para Nicolescu (2001, p.80): “a Realidade engloba o Sujeito, o Objeto e o sagrado, que são as três facetas de uma única e mesma Realidade”. Sendo assim, Nicolescu (2001) afirma que a transdisciplinaridade sustenta-se sobre três pilares que determinam a metodologia da sua pesquisa: os Níveis de Realidade, a lógica do Terceiro Incluído e a Complexidade. Nicolescu (2001, p. 28) expõe que entende por Realidade “aquilo que resiste

às

nossas

experiências,

representações,

descrições,

imagens

ou

formalizações matemáticas”. O axioma Níveis de Realidade, entrelaçado à física quântica, de acordo com o autor, assegura que a realidade é multidimensional e multireferencial, sendo formada por mais de um nível ao mesmo tempo. Nicolescu (2001, p. 29) sugere que “deve-se entender por nível de Realidade um conjunto de sistemas invariantes sob a ação de um número de leis gerais”. Nesse sentido, o autor coloca que se pode dizer que dois níveis de realidade são diferentes porque divergem quanto a leis e conceitos fundamentais. Para o autor, a física quântica pôde demonstrar a existência de um mundo microfísico - quântico - cujas leis divergem das leis do mundo macrofísico, no qual a humanidade se encontra. No entanto, Nicolescu (2001) pontua que ambos coexistem, pois ao mesmo tempo em que o corpo humano é uma estrutura macrofísica, ele também é uma estrutura quântica. O nível de realidade quântico, conforme o autor, é regido por leis como a não separabilidade (mesmo após uma interação entre duas entidades quânticas, continua existindo uma ligação entre elas, o que assegura a existência de uma lei unificadora), a causalidade não-local e o indeterminismo (conforme o princípio da incerteza de Heisenberg), antagônicas às leis do modelo clássico de física, consideradas aceitas para a realidade macrofísica, propostos pela física clássica. A lógica do Terceiro Incluído, na descrição de Nicolescu (2001), também relacionada à física quântica, mostra que pares tidos como contraditórios (A e não-A)

74 dentro de um mesmo nível de realidade, como por exemplo, onda e corpúsculo num nível de realidade X, podem ser vistos unidos num terceiro (T) que é ao mesmo tempo A e não-A, dentro de outro nível de realidade, Y. Sendo assim, conforme Crema (1989), onda (A) e partícula (não-A), opostas em nível atômico (um nível de realidade), são duas facetas de uma mesma unidade subatômica (T), em nível quântico (outro nível de realidade). Ainda de acordo com Nicolescu (2001, p. 39), a lógica do terceiro incluído vai ao encontro da sabedoria popular que fala que “um bastão sempre tem duas extremidades”. Sendo assim, esse princípio da transdisciplinaridade aponta para o fato que nem

tudo é o

que parece a priori,

portanto, não

descarta,

preconceituosamente, nenhum tipo de conhecimento. O outro pilar da transdisciplinaridade – a complexidade – segundo Nicolescu (2001), mostra que as coisas, os fenômenos e o mundo não podem ser entendidos por uma visão simplista que nega sua multidimensionalidade. Morin (2003) defende que a complexidade não pode ser conceituada, pois isso seria uma forma de simplificá-la. Para o autor, ela não pretende dominar e controlar o real, mas propor um pensamento capaz de dialogar com ele, não negando o pensamento simplificador, mas atuando onde este apresenta suas falhas. Nicolescu (2001) argumenta que a complexidade não se trata de um modo de entender as coisas como uma mistura desordenada de elementos, mas atesta a existência de uma coerência entre tudo o que existe.

Nesse sentido, Almeida Filho (2005, p. 38)

expõe: Conceitualmente, o objeto complexo é sintético, não-linear, múltiplo, plural e emergente. Como um objeto-modelo sistêmico, faz parte de um sistema de totalidades parciais e pode ser compreendido ele mesmo como um sistema, também incorporando totalidades parciais de nível hierárquico inferior. [...] Sabemos também que metodologicamente o objeto complexo é aquele que pode ser apreendido em múltiplos estados de existência, dado que opera em distintos níveis da realidade. O objeto complexo é multifacetado, alvo de diversas miradas, fonte de múltiplos discursos, extravasando os recortes disciplinares da ciência.

Sendo assim, conforme Morin (2003), ainda que a complexidade aspire ao conhecimento multidimensional, ela reconhece a impossibilidade do conhecimento completo, ou seja, parte de um princípio de incompletude e de incerteza. Nesse sentido, Morin (2003, p.9-10) enfatiza que “o pensamento complexo é animado por uma tensão permanente entre a aspiração a um saber não parcelar, não fechado,

75 não redutor e o conhecimento do inacabamento, da incompletude de todo conhecimento”. Isso porque, esclarece Morin (2004, p.195), a complexidade “não explica as coisas, mas sim aquilo que deve ser explicado”. Almeida Filho (2005, p. 42) defende que, para se por a complexidade em prática, a fim de se alcançar a desejada “síntese da complexidade”, o que demanda a união dos conhecimentos disciplinares para se ver o objeto como multifacetado, é indispensável a produção de discursos, entre as disciplinas, capazes de atravessar suas fronteiras. O autor mostra que para isso acontecer é necessário um compartilhamento de linguagem e de estruturas lógicas e simbólicas entre as disciplinas. Conforme Brito (s.d, p.2), é preciso se conscientizar de que “algo vai mal no processo da compreensão do mundo que nos rodeia e do nosso mundo interior”. Somente assim se buscarão novas percepções da realidade que contemplem a complexidade do universo e dos fenômenos. Paul (2005, p.79) afirma que a abordagem transdisciplinar “aparece quando o reducionismo necessário para colocar os limites de cada disciplina, depois dos numerosos sucessos que se conhece, manifesta seus limites”. A transdisciplinaridade surge então, ensina D’ Ambrósio (1997), a fim de que uma consciência de unidade seja implantada no mundo, unidade de conhecimentos frente à fragmentação das disciplinas, que está levando a humanidade a uma crise em diversos aspectos; e unidade entre os seres, na qual possa ocorrer uma ética da diversidade, em que as diferenças não sejam vistas como excludentes, mas como complementares. Nesse sentido, D’ Ambrósio (1997, p.9) menciona que: “na sua essência, a transdisciplinaridade é transcultural”, pois suas reflexões perpassam por conhecimentos oriundos de diversas culturas diferentes, de diferentes localizações mundiais, bem como por conhecimentos de profissionais das mais variadas áreas do saber. Para D’ Ambrósio (1997, p.12): “eliminar a arrogância, a inveja e a prepotência, adotando em seu lugar o respeito, a solidariedade, a cooperação, é o objetivo maior da transdisciplinaridade”. O autor defende que havendo também o respeito pelo diferente e a colaboração para a preservação do patrimônio comum, o ser humano evidenciará a idéia de unidade com o todo e com ele mesmo. Nesse sentido, Carvalho (2008, p.22) aponta que “a ética deve ser assumida como valor universal”. Conforme o autor, a ética envolve o preceito kantiano de não se fazer aos outros aquilo que não se quer para si e admite como seus valores a felicidade e a

76 solidariedade. Ao discutir a razão de ser da transdisciplinaridade, Freitas (2000, p.146) alega: [...] será preciso pensar, mais cedo ou mais tarde, que não se trata apenas de despedaçar ainda mais a imagem criando disciplinas suplementares, sem dúvida indispensáveis, de maneira que não conseguiremos chegar a outro plano do pensamento, a outro nível do ser. Em outras palavras, devemos almejar um conjunto unificado do ser e do saber, que possa juntar o que está separado e possa simultaneamente conjugar e casar o espírito, o conhecimento, a intuição, a emoção, inclusive o inconsciente profundo que é o espaço de nosso imaginário, de nossos sonhos reais e de nossa essência supra-humana.

Enfatiza Morin (2005, p.10) que uma abordagem transdisciplinar “não significa que as distinções, as especialidades, as competências devam dissolver-se. Isso significa que um princípio federador e organizador do saber deve impor-se.[...] O pensamento deve tornar-se complexo”. Não negar as especializações se justifica, de acordo com Nicolescu (2001), porque a própria pesquisa transdisciplinar se sustenta da pesquisa disciplinar. Crema (1989) observa que a abordagem transdisciplinar não pretende que cada ser humano seja conhecedor de tudo o que existe, o que seria infinitamente improvável. Conforme o artigo 3 da Carta da Transdisciplinaridade (em anexo), ela “não busca o domínio de várias disciplinas, mas a abertura de todas elas àquilo que as atravessa e as ultrapassa”. Crema (1993) enfatiza que a transdisciplinaridade é altamente necessária para que a vida na Terra possa continuar a existir. O autor percebe que ela não deseja que as disciplinas se acabem, porque reconhece sua importância, mas que se abram aos outros conhecimentos que complementarão seu o trabalho e farão com que ele seja mais integrado. Crema (1993, p.140) pontua que para a transdisciplinaridade passar do âmbito do pensamento para a ação são necessárias equipes transdisciplinares que conjuguem profissionais especializados, porém pontifex, ou seja, que comporte aquele profissional aberto, “construtor de pontes, consciente da dinâmica todo-e-aspartes, que seja capaz, também, além de fracionar, de vincular e restaurar”. De acordo com Carvalho (2008), a transdisciplinaridade não é um método, mas uma estratégia, um caminho que ultrapassa as fronteiras do saber. Conforme o autor, a abordagem transdisciplinar requer que o pesquisador tenha uma forte base teórica e metodológica da sua área, mas exige que este vá além delas, para que

77 possa conhecer melhor o seu problema, que é reconhecidamente complexo. Paul (2005) esclarece que o objetivo de rearticulação e de reencantamento com o mundo, propostos pela transdisciplinaridade, não são novos como se parece, mas podem ser vistos de forma similar nos pensamentos de Empédocles e de Platão. Randon (2000) ressalta que a noção da existência de uma total unidade cósmica entre as partes e o todo demonstrada pela física quântica, através do princípio da não-separabilidade, integrada a um dos pilares da transdisciplinaridade, já era conhecida há milênios por grandes tradições do planeta. Na Carta da Transdisciplinaridade (em anexo) encontra-se que esta é aberta aos diversos saberes, não se atrelando somente às ciências exatas, mas travando diálogo com a arte, a literatura, a poesia e a experiência interior. Segundo a Carta, a transdisciplinaridade é aberta também aos mitos e religiões, assim como às várias culturas. A

trandisciplinaridade,

conforme

Nicolescu

(2001),

concebe

a

transcendência como um dos direitos do homem, sendo ela um autoconhecimento de

seu

destino

espiritual,

uma

abertura

ao

seu

próprio

caminho

e

à

autotransformação, o que permite o surgimento de uma evolução individual e coletiva ligada à cultura, à ciência, à consciência e às relações. D’ Ambrósio (1997, p.171) menciona seu entendimento de transcendência como ir além da materialidade da realidade presente, indo ao encontro da espiritualidade, concluindo que “assim o homem atinge a plenitude, alcança a humanidade, apodera-se de seu self”. No entanto, vale dizer, nas palavras de D’ Ambrósio (1997, p.9), que: A transdisciplinaridade não constitui uma nova filosofia. Nem uma nova metafísica. Nem uma ciência das ciências e muito menos, como alguns dizem, uma postura religiosa. Nem é, como insistem em mostrá-la, um modismo. O essencial na transdisciplinaridade reside numa postura de reconhecimento onde não há espaço e tempo culturais privilegiados que permitam julgar e hierarquizar – como mais corretos ou mais verdadeiros – complexos de explicação e convivência com a realidade que nos cerca.

Na visão de Randon (2000, p.141): “a transdisciplinaridade é uma consciência da realidade”. Sendo assim, o pensamento trandisciplinar pode existir independente do contexto em que está inserido, pois ocorre anteriormente à prática transdisciplinar. Para o pensamento transdisciplinar, de acordo com Brito (s.d.), é necessário abertura para enxergar as coisas de um modo diferente, olhá-las por um outro ângulo, que faz necessária a revisão crítica das verdades absolutas e das

78 idéias pré-concebidas. Brito (s.d.) argumenta que a sabedoria, enquanto diálogo entre o senso comum e a ciência, é transdisciplinar, pois, para ele, não se pode rechaçar a senso comum como se ele não tivesse nenhum valor e considerar válido somente o conhecimento científico. Camus (2000) afirma que o pensamento transdisciplinar é a primeira abertura à introdução de um novo agir, que leve em conta todos os aspectos da realidade. O autor acredita que este pensamento religa sujeito e objeto, homem e natureza, e prima pelo ser e pelos valores humanos. Camus (2000, p. 19) argumenta que o “real apresenta-se em sua unidade e sua globalidade, em sua total unidade entre as partes e o Todo, como uma dinâmica do próprio Todo, determinando constantemente a ordem das partes”. Para ele, a unidade do real é um Todo-Consciência, o que permite a ligação entre todas as suas partes. Sendo assim, mesmo enquanto pensamento, seu valor é indiscutível, pois o sujeito pensante terá a consciência do todo, da complexidade do mundo e das coisas, da existência de mais de um nível de realidade, da lógica do terceiro incluído que mostra a possibilidade de algo ser mais do que se percebe em um único nível da realidade. Além disso, aceitará também o princípio da nãolocalidade, abrindo-se à aceitação da existência de comunicações instantâneas no espaço-tempo.

Desta maneira, um profissional da área da saúde com essa

consciência visará uma prática mais integrada, porque sabe que, geralmente, mesmo podendo prestar somente um serviço fragmentado, ele não é o único, nem o mais importante e tampouco, o bastante. Morin (2005) enfatiza que a ciência precisa estar atrelada à consciência, enquanto sentido de consciência moral, política, ética e intelectual, pois, para ele, a ciência sem consciência leva a humanidade à destruição. Ao encontro dessa visão, Nicolescu (2001, p.82) propõe: “a ciência sem consciência é a ruína do ser”. Basta ver, segundo Morin (2005), o controle que a atividade científica adquiriu, através das tecnociências, de manipular e destruir, por meio de um modo fragmentado de se conceber a realidade.

De acordo com o autor, a ciência precisa reatar com a

reflexão filosófica, para que assim, seja auto-reflexiva quanto ao seu papel e seu poder no mundo. Dessa maneira, segundo ele, o primeiro passo é perceber o mundo e os seres que nele habitam como complexos, o que os torna irredutíveis ao conhecimento fragmentado. Nesse sentido, D’ Ambrósio (1997, p.11) mostra que:

79 A única alternativa que nos resta é nos integrarmos nessa totalidade cósmica por etapas, a começar pela nossa integração pessoal, como indivíduos. Mente e corpo, consciente e inconsciente, material e espiritual, nosso saber e fazer constituem um repertório de dicotomias com as quais nos habituamos e aceitamos como normalidade.

Nicolescu (2001) alega que a transdisciplinaridade visa uma revolução da inteligência, que perceba a necessidade de se reintegrar a afetividade à efetividade, mostrando que a negação do afeto, ao fazer do homem uma máquina, acarretou a valorização apenas da eficácia, sem que fosse dado valor àquilo que é realmente humano. Esse problema, como aponta o autor, está por trás de toda essa crise já comentada anteriormente. Segundo ele, a transdisciplinaridade valoriza o ser e não o ter, a união entre o masculino e o feminino e entre outros diversos opostos. Em uma perspectiva transdisciplinar, conforme Spagnuolo & Guerrini (2004), o ser humano é visto como um todo, em que a soma das suas partes não pode traduzir seu eu total. Sendo assim, conforme os autores, a saúde de um ser complexo é compreendida como um processo dinâmico, oriundo da inter-relação e interdependência entre as diversas dimensões do ser. Paul (2005, p. 77) diz que: “a nova complexidade pede para tecer os laços entre a genética, o biológico, o psicológico, a sociedade, com a parte espiritual ou o sagrado devendo também ser reconhecidos”. Bonilla (s.d., p.2) argumenta que a: Dimensão espiritual implica aquele nível energético que transcende as necessidades e ações físicas, os pensamentos e os sentimentos. É a dimensão mais profunda do ser humano, que tem relação com a procura de sentido e significado para a vida.

Nesse sentido, de acordo com o autor, a dimensão espiritual é um componente do ser humano que transcende as outras dimensões em busca de sentido da vida, do trabalho e de tudo o que realiza, de modo que tenha uma motivação interna que lhe garanta paixão por aquilo que faz, vivendo em harmonia com Energias Superiores. Nicolescu (2001) menciona que o reconhecimento do sagrado não implica crença em religião institucionalizada, mas de que existe algo que liga todos os seres e coisas, um sentimento ‘religioso’ no sentido etimológico do termo, que significa religar. Esse sentimento, assegura Nicolescu (2001, p. 135), “induz, nas profundezas do ser humano, o absoluto respeito pelas diferentes alteridades unidas pela vida comum numa única e mesma Terra”. Em um enfoque transdisciplinar, segundo Spagnuolo & Guerrini (2004),

80 saberes produzidos nos mais diferentes campos do conhecimento são relevantes para o entendimento da saúde.

Os autores defendem, desse modo, que a

responsabilidade pela promoção da saúde vai além dos profissionais da área, abrangendo o nível político, compreendendo que a saúde é influenciada por múltiplos fatores externos: sócio-econômicos, ambientais e valores sociais. Ao tratar da formação dos profissionais da área da saúde, Falcon, Erdmann & Meirelles (2006, p.350) afirmam que: Em saúde, devido à sua realidade, devemos pensar numa educação para a complexidade, para a religação dos saberes. Os saberes e experiências devem ser compartilhados de maneira que não exista o domínio de nenhuma disciplina sobre as outras para, assim, proporcionar um cuidado adequado, segundo as necessidades dos usuários, respeitando e aceitando as diferenças dos outros (entre os profissionais da saúde, e, entre estes e os usuários).

Nesse sentido, Paul (2005, p. 73) pontua que “a valorização de uma abordagem, tanto teórica quanto prática, ligada a uma visão ao mesmo tempo integrativa e respeitosa das diferenças, permitiria a melhora da qualidade da realização e eficácia das intervenções”. O autor retrata a importância de uma prática em saúde convergente com a noção de homem integrado, singular, que enxerga um ser, além das fragmentações. Para o autor, isso só será possível se os profissionais de saúde afastarem a pura idéia de saúde negativa, que atrela fundamental importância à doença, e a supervalorização da objetividade, que garante à matéria, ao corpo, a única amostra de falta de saúde, e passarem a atentar para o sujeito como um todo, incluindo o olhar à subjetividade intrínseca ao sujeito e, consequentemente, inerentes ao seu processo de saúde ou doença. Paul (2000) mostra que um modelo de saúde transdisciplinar implica comunicações entre o modelo de saúde biomédico – fragmentador, organicista, reducionista – com os modelos holísticos, como as medicinas tradicionais, a fim de buscar uma abordagem mais integrativa do cuidado em saúde e que leve em conta a individualidade do sujeito doente. Luz (2005) afirma que as medicinas tradicionais de outras culturas, como a chinesa, a ayurveda, e também a psicoterapia corporal bioenergética, além de serem menos onerosas, vêem o sujeito como um todo, visam a cura, estabelecem uma relação entre terapeuta e paciente mais humana, incentivam o paciente a ser mais autônomo para que possa construir sua própria saúde. Além disso, o autor

81 coloca que essas terapêuticas tendem a levar o paciente a maior autoconhecimento, tanto de seu corpo, quanto de seu psiquismo. Isso porque, conforme Luz (2005, p.163), para esses modelos terapêuticos, mais importante do que combater as doenças e seus sintomas, é necessário “incentivar a existência de cidadãos saudáveis, capazes de interagir em harmonia com outros cidadãos, e de criar para si e para os que lhe são mais próximos um ambiente harmônico, gerador de saúde”. Desse modo, de acordo com o autor, esses modelos de saúde são vitalistas, ou seja, visam a harmonia, o equilíbrio, a vida, a saúde, não se atendo na investigação precisa das doenças. Paul (2005) observa que o modelo biomédico, apesar de seus reconhecidos avanços no tratamento de tantas patologias, não consegue dar conta de tantas outras e dos fatores que influenciam a saúde que fogem de seu reducionismo organicista. Segundo ele, questões de ordem ambiental e aquelas referentes aos modos de vida, por exemplo: estresse, poluição, violência, pobreza, sexualidade, apesar de suas relações com a saúde, não são realmente englobadas pelo modelo biomédico de saúde. Tampouco, evidencia Luz (2005), o modelo biomédico atenta para a importância dos sentimentos e emoções envolvidos nos processos de adoecimento e cura. Nesse sentido, Falcon, Erdmann & Meirelles (2006, p.350) argumentam: Nenhuma abordagem isolada pode dar conta da complexidade, mais ainda na área da saúde. Recomenda-se a importância do trabalho da equipe heterogênea (interdisciplinar e transdisciplinar) porque, nesta, mais do que em pessoas isoladas, o efeito complexo do conhecimento é mais perceptível: não apenas se soma, mas se potencializa.

Paul (2005) aponta para o fato de que a transdisciplinaridade não quer anular o paradigma reducionista, mas transpô-lo. Morin (2005, p.30) refere que a ciência clássica buscou o conhecimento através de um método que fragmentou o conhecimento e “hoje, há que insistir fortemente na utilidade de um conhecimento que possa servir à reflexão, meditação, discussão, incorporação por todos, cada um no seu saber, na sua experiência, na sua vida...”. Portanto, incorporar a transdisciplinaridade na ciência é abri-la a outras formas de conhecimento e ampliar seu olhar sobre os fenômenos complexos, dentre eles, a saúde, percebendo-a como um evento multidimensional e multifatorial cuja compreensão necessita da integração entre diversos campos do saber.

82 5 PRÁTICAS INTEGRAIS EM SAÚDE

5.1 Medicina tradicional chinesa

Considerada um modelo de medicina natural, a medicina tradicional chinesa é, argumenta Fróio (2006), “uma das mais antigas artes médicas da humanidade ainda em uso e que vem conquistando o mundo com suas técnicas terapêuticas milenares”. A medicina tradicional chinesa, segundo Capra (2006), tem suas origens no xamanismo, tendo influências também do taoísmo e do confucismo. Fróio (2006) coloca que, como tem suas raízes pré-históricas no xamanismo, era ligada à princípios religiosos e mágicos, assim como as outras medicinas primitivas encontradas pelo mundo. A medicina tradicional chinesa, de acordo com Di Biase (2002), é um modelo centrado na pessoa e não na doença. O autor informa que o ideal de saúde da medicina chinesa é um sentimento de harmonia e bem-estar. Conforme o autor, na medicina chinesa, que parte de uma perspectiva holística, a doença é manifestação particular do sujeito num determinado momento, em que todas as suas dimensões estão envolvidas dinamicamente. Di Biase (2002, p.130-131) explica que a medicina chinesa “encara o homem como um continuum psicossomático. As oscilações entre os pólos psíquico e somático seriam somente diferentes nuances do conjunto, e não diferenças absolutas de natureza”. Nesse sentido, de acordo com ele, as doenças físicas, mentais e emocionais não são vistas como de natureza diferente. Como anteriormente visto, Capra (2006) mostra que a medicina tradicional chinesa, assim como a maioria das produções teóricas chinesas tradicionais, baseia-se nos conceitos de yin e yang. Jacques (2003) destaca que a doutrina yin e yang, o conceito de ch’i e a “teoria das cinco fases” são os três pilares da medicina tradicional chinesa. Relembrando, de acordo com Capra (2006), yin e yang são dois opostos complementares que juntos, numa relação dinâmica, formam o Tao, a realidade, o universo, e como este conceito se estende a tudo, também a saúde é uma unidade

83 dinâmica formada por fatores yin e yang. Tao, para Jacques (2003), seria a denominação para a totalidade, que atua como efeito regulador de todos os fenômenos. Segundo a autora, yin e yang não são substâncias ou forças, mas algo como aspectos simbólicos utilizados para se caracterizar coisas e fenômenos. Nesse sentido, Gordon (1998, p.171) observa que: Tudo no nosso planeta, nosso universo inteiro, inclusive os órgãos de nosso corpo, as patogenias que nos afligem, e os estados de espírito que experimentamos, podem ser descritos tanto como yin quanto como yang. As doenças yang em geral são agudas e se caracterizam por febre, suor, prisão de ventre, boca seca, urina escura, [...], pulso rápido e irritabilidade. As pessoas que sofrem de doenças yin sentem calafrios, têm diarréia, [...], pulso lento e uma sensação de letargia. Essas doenças são geralmente crônicas.

Isso porque, segundo o autor, yin está associado ao úmido, ao escuro, ao profundo, ao passivo, ao lento, a terra, à matéria , enquanto que o yang, ao seco, ao luminoso, ao superficial, ao ativo, ao rápido, ao céu, ao espírito. Nesse sentido, Gordon (1998, p.172) afirma que: “os chineses e a medicina que eles conceberam vêem o homem como um caldeirão em que espírito e matéria, aspiração e limitação, se misturam”. De acordo com ele, cada um destes opostos está dentro do outro, em um movimento constante. Di Biase (2002) constata que: “no taoísmo, o Bem é a harmonia, o equilíbrio, a união dos opostos, e não um dos opostos isolados, enquanto que o Mal é o desequilíbrio”. Conforme Jacques (2003), os processos patológicos mostram que há desequilíbrio entre yin e yang, onde há predominância de um sobre o outro. Para a autora, o tratamento, então, se dará a fim de reequilibrar as tendências, sedando aquele que está em excesso e tonificando aquele que está diminuído. Conforme Capra (2006), o Wu Hsing ou “cinco elementos” ou ainda “cinco fases evolutivas”, é um sistema que compreende que os cinco elementos: água, terra, fogo, metal e madeira representam qualidades que se sucedem e se influenciam numa ordem cíclica e é usado para classificar fenômenos, dentre eles, a saúde e a doença.

Di Biase (2003, p.133) menciona que “os cinco elementos são

as cinco propriedades inerentes a todas as coisas”, entendendo-se propriedades no sentido de tendências dos fenômenos. Desse modo, explica Gordon (1998), as doenças, assim como as emoções, as estações, as cores, os gostos, podem ser caracterizados como um desses elementos. Jacques (2003) exemplifica as cinco fases evolutivas - à madeira

84 (Ma), fogo (F), terra (T), metal (Me) e água (A) – como: • o processo das estações: primavera (Ma), verão (F), canícula (verão forte) (T), outono (Me) e inverno (A), • os processos naturais como: germinar (Ma), crescer (F), transformar (T), contrair (Me) e eliminar (A), • atitudes: planejamento (Ma), comunicação (F), reflexão (T), ordenação (Me) e vontade (A), • emoções: ira (Ma), alegria (F), preocupação (T), tristeza (Me) e medo (A). De acordo com a autora, a patologia se instala quando o movimento cíclico entre esses cinco elementos está desequilibrado, ou seja, quando há excesso de energia em uma das fases, o que atrapalha as outras. Segundo ela, cada elemento está associado um órgão, uma víscera e dois meridianos. Jacques (2003) afirma que dentro de cada fase precisa existir equilíbrio entre yin e yang, sendo que o primeiro tem correspondência, em cada fase, com um órgão e o segundo, com uma víscera. Segundo Capra (2006), os chineses compreendem que o corpo é um sistema indivisível de componentes inter-relacionados, por onde perpassa ch’i. Esse termo chinês, de acordo com ele, não pode ser explicado adequadamente pelas expressões ocidentais, mas seria algo como uma energia sutil e vital cujo fluxo percorre todo corpo, este que também mantém trocas de ch’i com o meio ambiente. Bontempo (1995) informa que o ch’i é o “prana” dos yogues e hinduístas, a “energia orgone” de Reich, o “Vi” dos ocultistas, entre outras denominações. Desse modo, Capra (2006, p.308) pontua que: Na concepção chinesa de saúde, o equilíbrio é um conceito fundamental. Os clássicos afirmam que as doenças tornam-se manifestas quando o corpo perde o equilíbrio e o ch’i não circula apropriadamente. São múltiplas as causas para tais desequilíbrios. Através de uma dieta sofrível, da falta de sono, de exercício, ou por se encontrar num estado de desarmonia com a família ou a sociedade, o corpo pode perder seu equilíbrio, e é em momentos como esse que ocorre a doença. Entre as causas externas, as mudanças sazonais recebem especial atenção, e suas influências sobre o corpo são descritas minuciosamente. As causas internas são atribuídas a desequilíbrios no estado emocional da pessoa, classificados e associados a órgãos internos específicos, de acordo com o sistema de correspondência.

De acordo com Gordon (1998), a medicina tradicional chinesa entende que o ser humano possui três tesouros: o shen, que diz respeito à mente ou espírito, o ch’i ou qi que é energia e o jing, a essência. Para o autor, o espírito depende de que os outros dois estejam saudáveis para poder florescer. E mostra que os chineses consideram o sangue como uma forma densa do ch’i, que alimenta todas as partes do corpo de energia. Desse modo, conforme Bratman (1998), a medicina

85 tradicional chinesa compreende o ser humano como um todo indivisível de corpo, mente e espírito. Capra (2006) afirma que “a idéia chinesa do corpo sempre foi predominantemente funcional e preocupada mais com as inter-relações de suas partes do que com a exatidão anatômica”. De acordo com Di Biase (2002), nesse modelo, basta saber as funções dos órgãos. Fróio (2006, p. 18) complementa dizendo: “para a medicina chinesa, o fundamental não é saber do que o corpo humano é constituído, nem de que forma seus órgãos se dispõem, mas sim observar o modo como o corpo funciona de forma geral”. Capra (2006) refere que o restabelecimento da saúde na medicina chinesa é feito por uma terapia a mais sutil possível, podendo ser por fitoterapia, que, em geral é acompanhada por outra terapia, como massagem, moxibustão e acupuntura. Para Capra (2006, p.310): “os medicamentos herbáceos são classificados de acordo com o sistema yin/yang e associados a cinco aromas básicos que, segundo a teoria das cinco fases, afetarão os correspondentes órgãos internos”, já as outras terapias mencionadas atuarão sob “os pontos de pressão ao longo dos meridianos para influenciar o fluxo do ch’i”. A fitoterapia chinesa, assegura Bratman (1998), organiza as ervas de acordo com seus efeitos: acalmar ou ativar, aquecer ou resfriar, secar ou umedecer, fortalecer ou drenar, tratar interior ou exterior do corpo, fazer a energia descer ou subir, atuar em determinado órgão ou camada energética. Além de ervas, de com o autor, são utilizados também pele de cobra, chifre de antílope, gafanhotos e minhocas secas, entre outros produtos animais. Segundo ele, assim como as outras técnicas da medicina tradicional chinesa, a fitoterapia percebe o sujeito como um todo e receita seus ingredientes de cura de acordo com o paciente e não com sua enfermidade. Di Biase (2002) esclarece que a teoria dos meridianos foi desenvolvida através da descoberta, pelos antigos médicos chineses, de que a estimulação em determinados pontos da superfície do corpo podiam tratar doenças, tanto superficiais quanto dos órgãos internos”. Assim, conforme o autor, chegou-se a noção de que todas as partes do corpo estão inter-relacionadas através de meridianos e canais por onde passa ch’i. Jacques (2003, p.32) mostra que:

86 O sistema de meridianos tal como se estuda hoje é constituído por um conjunto de estruturas com funções específicas: doze meridianos principais, oito meridianos extraordinários, doze meridianos distintos, quinze meridianos colaterais, doze meridianos tendinomusculares e doze zonas cutâneas. A função genérica do sistema é promover a relação entre as substâncias vitais (ch’i, xue, jing ye, Jing e Shen) e os órgãos e vísceras (zang fu).

Jaques (2003) cita que o ch’i é divido em dois tipos: ying-ch’i, que advém da essência dos alimentos consumidos, e wei ch’i, que protege o organismos de agentes patogênicos; o xue refere-se ao sangue; o jing ye, aos líquidos orgânicos que formam o sangue, umedecem tecidos, órgãos e vísceras. Já o Jing, segundo ela, diz respeito à essência, compreendendo aspectos hereditários e adquiridos através dos alimentos ingeridos e está localizado no rim, impulsionando o desenvolvimento do sujeito; e Shen, entendido como mente ou espírito, localizado no coração, sintetiza as funções vitais do organismo, inclusive a qualidade da sua atividade mental. Zang fu, conforme Jacques (2003), são os principais órgãos e vísceras relacionados funcionalmente. Zang são os órgãos, estes por sua vez, de natureza yin, responsáveis por processos vitais: coração, fígado, pulmão, rim e baço-pâncreas. Fu são vísceras, portanto de natureza yang: vesícula biliar, estômago, intestinos grosso e delgado, bexiga e triplo aquecedor. A autora informa que existem ainda partes do corpo que são zang fu, e, então, possuem as qualidades dos dois, como o cérebro, o útero, a medula espinhal, os ossos e os vasos sanguíneos. Gordon (1998, p.175) observa que, enquanto a mais usada técnica terapêutica chinesa pelo ocidente, “a acupuntura redistribui o fluxo do qi e altera o funcionamento de todas as substâncias e órgãos vitais”. Bontempo (1995) explica que através da implantação de agulhas nos pontos especiais dos meridianos localizados na pele, se faz fluir equilibradamente a energia estagnada ou em excesso nesses pontos, que serão correspondentes com determinadas partes do corpo. Fróio (2006) ensina que essas agulhas, que são de aço e muito finas, são introduzidas na pele a uma profundidade de décimos de milímetro, a fim de atingir componentes corporais específicos. De acordo com Jacques (2003), a acupuntura foi reconhecida por diversas profissões no Brasil; citam-se: Conselho Federal de Fisioterapia (Resolução COFITO-60, 1985), Conselho Federal de Biomedicina (Resolução n°02, 1986), Federação Nacional de Profissionais de Acupuntura, Moxibustão, Do-In e

87 Quiroprática (registro no Ministério do Trabalho n° 24000.000345, 1991), Conselho Federal de Medicina (Resolução CFM 1455/95); Conselho Federal de Enfermagem (Parecer CTA n° 004, 1995), Conselho Federal de Farmácia (Resolução CFF n° 353/00, 2000), Conselho Federal de Fonoaudiologia (Resolução CFFa n° 272, 2001) e pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP 005, 2002). Gordon (1998, p.176) pontua que a estimulação dos pontos de acupuntura “altera a condução de fibras nervosas e produz liberação de peptídeos calmantes da dor e estimulantes – endorfinas, encefalinas e serotonina – em várias áreas do cérebro e por todo o corpo”. O autor comenta que a acupuntura é responsável por efeitos anestésicos, alívio de enxaquecas, de dores nas costas, de problemas menstruais, desintoxicação de dependentes químicos, estimulação do funcionamento dos rins, aprimoramento do sistema imunológico, entre outros inúmeros benefícios. Bratman (1998) cita a eficácia da acupuntura na grande redução dos sintomas da asma, na melhora da depressão e da ansiedade, na diminuição da pressão arterial, no alívio de problemas muscoloesqueléticos, dor nevrálgica e outros tipos de dores, etc. O autor deixa claro, no entanto, que nem sempre há sucesso com todas essas disfunções e que a pura intervenção médica da acupuntura ou de qualquer outra forma de medicina não é mais importante na prevenção das doenças do que o estilo de vida saudável. De acordo com ele, quando a acupuntura é bem sucedida, seus efeitos, que podem não ser imediatos, duram por semanas, meses ou até mesmo por anos, após o término do tratamento. A moxibustão, outra técnica terapêutica oriental, utiliza-se também dos conhecimentos dos meridianos, mas não faz uso de agulhas. Para Capra (2006, p.310), “a moxibustão consiste em queimar pequenos cones da erva moxa pulverizada sobre o corpo nos pontos de pressão”. Em Fróio (2006), encontra-se que a moxibustão é considerada menos energética do que as agulhas e mais indicada para crianças, idosos e pacientes mais fracos. Segundo Bontempo (1995), outros métodos terapêuticos da medicina tradicional chinesa são o shiatsu e o do-in. Conforme o autor, o shiatsu é um método de massagem nos pontos de acupuntura, enquanto que o do-in utiliza-se, além da massagem, de fricções e pressões sobre os pontos acupunturais. Capra (2006, p.310) afirma que: “o que todas essas terapias têm em comum é que não visam tratar os sintomas da doença do paciente. Elas funcionam

88 em nível mais fundamental para contra-atacar os desequilíbrios que são considerados a fonte da enfermidade”. De acordo com Gordon (1998), os métodos da medicina tradicional chinesa devem ser substituídos por métodos da medicina ocidental em situações de alto risco e emergência, como a pressão arterial altíssima, ameaçando um derrame cerebral, ou forte infecção bacteriana, entre outros casos. No entanto, sua aplicação é eficaz em condições não urgentes, ajudando também a prevenir episódios agudos. Na visão de Capra (2006), essa medicina preconiza a prevenção da saúde, sendo esta uma responsabilidade de cada um. Para Capra (2006, p.309), o médico ideal na medicina chinesa não é o especialista, valorizado no Ocidente, mas “um sábio, que entende que todos os modelos do universo funcionam em conjunto; que trata dos pacientes individualmente; cujo diagnóstico não classifica o paciente como portador de uma doença específica”, mas que busca compreender a relação mente e corpo do sujeito, sem perder de vista sua correlação com o meio ambiente natural e social. Fróio (2006, p.44) entende que: “o médico chinês avalia, além do corpo do paciente, o ambiente externo em que ele vive, sua esfera emocional, sua alimentação, seu estilo de vida, etc”.

Sendo o restabelecimento do equilíbrio o

objetivo terapêutico da medicina tradicional chinesa, Bratman (1998) comenta que o tratamento será personalizado, pois ela parte do sujeito doente e não da doença. Deste modo, conforme o autor, mesmo dois pacientes com uma mesma patologia poderão ter tratamentos muito diferentes, já que cada pessoa demanda uma intervenção única para levá-la ao equilíbrio. Jacques (2003) menciona que a educação e o treinamento em medicina tradicional chinesa extravasaram o oriente e hoje se consolidaram no ocidente. No Brasil, segundo a autora, existem diversos institutos que ministram cursos técnicos profissionalizantes ou de extensão na área, tanto para médicos como para outros profissionais da área da saúde. Fróio (2006) mostra que o crescente interesse do mundo pela medicina tradicional chinesa evidencia o descontentamento da população frente ao modelo biomédico ocidental: alto custo, relação médico-paciente distante, técnicas mecanicistas, terapêuticas medicamentosas de sérios efeitos maléficos ao organismo, não percepção do ser de modo integrado e que ignora a importância do contexto em que ele está inserido; aspectos contrários à atuação do primeiro

89 modelo. Conforme a autora, a introdução da medicina tradicional chinesa e seu sucesso em meio aos pacientes estão impulsionando um movimento rumo a mudanças na medicina ocidental, implicando novas racionalidades médicas e novas posturas e valores nas sociedades onde se instala. Segundo ela, é importante manter um equilíbrio entre os modelos orientais e ocidentais de saúde, a fim de que se encontrem padrões de similaridade que possam unir e adaptar os dois modelos. Visto sua conhecida sabedoria milenar, a medicina tradicional chinesa muito precisa ser estudada pelos ocidentais a fim de se criar uma prática integral em saúde, em que a noção de equilíbrio seja fundamental.

5.2 Medicina ayurvédica

De origem sânscrita, a palavra ayurveda, conforme Di Biase (2002), significa “ciência da vida”. Formada pela combinação dos termos ayur (vida) e veda (conhecimento), De Luca & Barros (2007) situam que a Ayurveda compreende um sistema de bem-viver, originário da Índia, de existência comprovada de aproximadamente 8 mil anos. Frawley (2007, p.14) menciona que “a Ayurveda é o aspecto médico do vasto sistema espiritual do yoga” e, assim como este último, prioriza a consciência como condição para se alcançar a saúde e a felicidade. Schulz (2007) pontua que, por meio de lendas, sabe-se que a Ayurveda surgiu quando os Homens Santos, denominados Rishis, foram aos Bosques Sagrados de Badari Vana solicitar aos elevados Seres uma maneira de curar as doenças humanas. O autor mostra que, obtendo o conhecimento, eles escreveram quatro livros, chamados Vedas, que contêm os textos originais que ditam os princípios da Ayurveda. De Luca & Barros (2007, p.63) colocam que, para a Ayurveda, “o ser humano reflete o universo – somos o microcosmo do macrocosmo e, como uma holografia, contemos o todo nesta parte que somos”. Sendo parte do universo e tendo ele dentro de si, o ser humano, conforme as autoras, possui poder de alterar a realidade, tanto o mundo externo quanto ele mesmo. Isso porque, segundo elas, a realidade não é somente aquilo que se pode observar, mas energia e informação organizadas de diferentes formas. De Luca & Barros (2007, p.67) afirmam que o

90 universo é consciente, portador de inteligência, o que o possibilita estar em constante transformação e que “a consciência é que permite a experiência”. Nessa perspectiva, segundo elas, o ser humano tem a capacidade de modificar seu corpo e sua vida através de suas escolhas. De Gasperi, Raduns & Ghiorzi (2008, p.496) observam que a medicina ayurvédica propõe autoajuda, autocura, autoconhecimento e constatam que “a ayurveda ajuda a pessoa a descobrir o seu potencial interior e manter sua harmonia emocional, espiritual e psicológica”. Segundo Frawley (2007), esse sistema holístico de cura engloba preceitos para se criar um estilo de vida que proporcione uma vida mais longa, mais saudável e com maior vitalidade e entusiasmo. De acordo com De Luca & Barros (2007), a Ayurveda entende o ser humano como um todo, corpo-mente-espírito, em que a saúde somente pode ser resultante do equilíbrio entre estes três aspectos. Di Biase (2002) aponta que a interrelação entre mente, corpo e espírito é concebida como a trindade da vida. Para esse sistema de cura, observam De Luca & Barros (2007, p.21), a saúde não se caracteriza somente por ausência de doenças, mas também por bem-estar físico, mental e emocional e afirmam que “a saúde, ou a falta dela, é vista como o resultado das nossas ações diárias. Mais: é o espelho de nossos sentimentos, pensamentos e relacionamentos no cotidiano”. De acordo com elas, a medicina tradicional indiana, que trata corpo e alma, não pode ser vista como esotérica, pois estudos de Deepak Chopra, autoridade em Ayurveda, mostram as correlações entre a ciência da vida e a física quântica, esclarecendo a possibilidade real de inter-relação entre matéria e energia e, logo, entre corpo, mente e espírito. Conforme Rocha (2009), são oito as principais especialidades do Ayurveda que são estudadas nas faculdades de Medicina Ayurvédica: Salya ou Cirurgia Geral; Salakya ou Doenças da Cabeça e Pescoço, incluindo Oftalmologia e Otorrinolaringologia; Kayacikitsa ou Medicina Interna ou Clínica Médica; Bhutavidya ou Psiquiatria e Doenças de Causas Sobrenaturais; Kaumarabhrtya ou Ginecologia, Obstetrícia e Pediatria; Agadatantra ou Toxicologia e Envenenamento por Animais Peçonhentos; Rasayana Tantra ou Terapia de Rejuvenescimento e Vajikaranatantra ou

Terapia dos Afrodisíacos. Di Biase (2002) cita que cada ramo da medicina

ayurvédica é baseado na teoria dos cinco elementos, nos três humores (biotipos) corporais ou doshas, nos sete dhatus, nos três malas e na trindade da vida.

91 Explicam De Luca & Barros (2007) que existem cinco elementos formadores do universo e tudo o que nele existe: fogo (tejas); o espaço ou éter (akasha); o ar (vayu); a água (jala) e a terra (prithivi). Fornari (2008) observa que além de constituírem a matéria física, esses elementos “também têm um rico e complexo simbolismo, representando qualidades universais que atuam em todos os níveis da nossa existência”. Di Biase (2002, p.145) comenta: Os cinco elementos estão presentes em toda a natureza e em todo indivíduo, não significando especificamente o que o seu nome designa, mas o princípio que anima cada um deles. Assim, por exemplo, “Tejas não é exatamente o fogo comum, mas o alento vital, sutil, fluido, instável, quente e forte – a matriz cósmica imaterial que dá origem ao fogo físico”.

De acordo com Fornari (2008), o fogo, quando equilibrado no organismo, remete à capacidade de construir, de processar e digerir, tanto alimentos como emoções, de fazer da sombra, luz, e trata-se também de ego equilibrado e saudável poder pessoal. Entretanto, conforme o autor, quando desequilibrado, o elemento fogo revela raiva destruidora, indigestão e ego inflado e tirânico. Narra que os indianos consideram o fogo físico como representante do Absoluto ou Ser Eterno. Di Biase (2002) mostra que o elemento fogo opera no corpo todo do ser humano por meio do metabolismo e dos sistemas enzimáticos, manifestando-se no sistema digestivo, na retina, no controle da temperatura corpórea e no cérebro revelando-se como inteligência e, ao revelar-se como luz, calor e cor, relaciona-se à visão. De Luca & Barros (2007) citam como significado do éter ou espaço o campo sutil, não físico, onde tudo acontece, do qual tudo se origina e para onde tudo retornará. Para as autoras, o éter no universo diz respeito ao espaço vazio, ao vácuo e no corpo humano, ao vazio existente entre os órgãos, bem como dentro e entre as células. Segundo De Luca & Barros (2007), o ar preenche todo o vazio cósmico e também os pulmões humanos. O ar, para Fornari (2008): [...] no seu sentido mais equilibrado, fala da leveza, do frescor, da rapidez, da respiração, das idéias e reflexos rápidos, da capacidade de mudar rapidamente e de sacudir a poeira da energia estagnada. No seu sentido mais desequilibrado, o Ar fala da dispersão, da secura, da ansiedade, dos medos, da inconstância, da “cabeça à mil”, da frieza afetiva e da dificuldade de expressar as emoções e os sentimentos. Falta de aterramento e de raiz.

Conforme Fornari (2008), quando equilibrado, o elemento água revela

92 livre fluir das emoções, alegria, flexibilidade e “jogo de cintura”, além de estar relacionado à limpeza, nos seus vários sentidos, ao feminino e à juventude. Contudo, quando desequilibrada no corpo humano, o autor coloca que a água demonstra desequilíbrio emocional e passividade ao ir “se deixando levar pela correnteza”. De Luca & Barros (2007) expõem que o elemento água está presente em mais de 70% da superfície do planeta e representa cerca de 70% da constituição do corpo humano, responsabilizando-se pela circulação e lubrificação do mesmo. Terra, salienta Fornari (2008), quando equilibrada, “expressa estrutura, aterramento, enraizamento, objetividade, determinação, memória, saúde física, prudência, capacidade de lidar bem com as questões materiais”. Quando desequilibrado, o elemento terra denota peso, imobilidade, dificuldade de mudar, preguiça, apego, avareza, egoísmo, medo, tristeza, baixa auto-estima e depressão. Segundo De Luca & Barros (2007), o elemento terra no universo revela-se como o solo e no corpo humano diz respeito aos órgãos, músculos, ligamentos e tendões. Di Biase (2002, p.147) menciona que “os cinco elementos se manifestam no corpo humano por meio de três princípios ou humores, conhecidos como doshas”. Os doshas, constata Frawley (2007), são uma tipologia utilizada para classificação das pessoas, conforme suas características, sendo as três categorias principais: Vata, Pitta e Kapha, evidenciando que cada pessoa é diferente uma da outra. De acordo com o autor, desses três tipos principais, podem-se derivar até dez outros modelos diferentes, devido às possíveis combinações. Frawley (2007, p.15) coloca que: O tamanho, a forma, o peso do corpo, os padrões de digestão, a circulação e a respiração, os hábitos de exercício, o trabalho e a expressão conferem a cada um de nós um padrão único de energia, que precisamos aprender a harmonizar e equilibrar de um modo particular e em conformidade com nosso ambiente e nossa atividade. Nossa mente também é diferente em interesses e inclinações, em poder de inteligência e flutuações emocionais, exigindo abordagem igualmente individualizada para que possa desabrochar completamente.

Sendo os doshas categorias formadas por características físicas, psicológicas e energéticas, Di Biase (2002, p.147) afirma que eles “são o fundamento da existência psicossomática do homem”. Conforme De Gasperi, Raduns & Ghiorzi (2008), cada pessoa tem um dosha predominante que define seu corpo e sua mente, determinando gostos,

93 personalidade e comportamentos, no entanto, os outros dois doshas também estão presentes na formação da unidade individual. Vata, de acordo com Di Biase (2002) e De Luca & Barros (2007), originase da união dos elementos ar e éter. De Luca & Barros (2007, p.119) compreendem que Vata “ “regula todos os movimentos do corpo e da mente”. Tudo o que se move, da molécula ao pensamento – o faz por conta de Vata. Em sânscrito, significa literalmente “aquilo que movimenta as coisas” ”. Segundo Fornari (2008), “no nosso corpo, Vata gerencia a mente, o sistema nervoso, a respiração, os ossos e articulações, os braços e as mãos, a dor, os movimentos peristáltico, cardíaco e pulmonar”. Conforme o autor, do desequilíbrio de Vata advém estresse, ansiedade, medo, má memória, insônia, problemas reumáticos, prisão de ventre, anorexia alimentar. De Gasperi, Raduns & Ghiorzi (2008) argumentam que, devido sua origem, o biótipo de Vata é seco, frio, leve e agitado. As autoras explicam que pessoas desse dosha apresentam como características físicas: pele e cabelo secos, são altos, magros e leves, possuem voz rouca, baixa e fraca, ossos, veias e tendões musculares visíveis, estrutura franzina, olhos pequenos, secos, opacos, unhas ásperas e quebradiças. De Gasperi, Raduns & Ghiorzi (2008, p.499) afirmam que: Emocionalmente, os Vatas são excitáveis, indecisos e inconstantes nos relacionamentos e nas emoções. Mudam de idéia de uma hora para outra, o que deixa confusas as pessoas à sua volta. Aprendem muito facilmente, pois são bastante curiosos e se adaptam rapidamente às novas situações. São muito sensíveis, apreciam a arte e a natureza. Costumam ser ansiosos e tendem ao medo. Agitados, gostam de estar fazendo algo o tempo todo, principalmente se forem atividades mentais ou intelectuais.

Outras características de pessoas com essa estrutura, conforme as autoras, são: fraca resistência, tendência a dores nas articulações, criatividade, conseguem aprender rapidamente, mas esquecem na mesma velocidade, possuem pouca tolerância e gostam de paladares doces, ácidos e salgados, bebidas quentes e têm apetite variado. De Luca & Barros (2007, p.125) acrescentam ainda como qualidades de pessoas com esse dosha: “como o vento, pensam, falam, andam e movem-se depressa, geralmente sem parar. Gostam de movimento e de novidades. Mudam de idéia e de humor o tempo todo. Amam a liberdade”. Entretanto, segundo elas, quando em desequilíbrio, aparecem disfunções no intestino grosso, pélvis, juntas - sacro-ilíaca e lombar. A estrutura Pitta, apresentada por Fornari (2008), revela-se no ser

94 humano como “o fogo digestivo que trabalha os alimentos, é o fogo que mantém nossa temperatura a 36,5º, é o fogo que digere as emoções, é a sensualidade e a energia sexual, é a alegria e a coragem, é o poder de construir, de ser inteligente, objetivo e vitorioso”. De Luca & Barros (2007) colocam que Pitta em sânscrito quer dizer “aquilo que digere as coisas”, e, é o resultado de muito fogo com pouca água. Para elas, a função deste dosha é a geração de energia ao organismo, sendo responsável pela regulação da fome, da sede, da temperatura e está relacionado ao brilho nos olhos e ao sangue (dhatu). De acordo com as autoras, o elemento fogo confere à Pitta qualidades como: calor, leveza, perspicácia, intensidade e impetuosidade. Para De Gasperi, Raduns & Ghiorzi (2008), o biótipo Pitta caracteriza pessoas coradas e calorentas, de pele oleosa, juntas flexíveis, irritadas e que facilmente expressam raiva, podendo ser explosivas. As autoras observam que as pessoas de Pitta têm ótima memória, resistência moderada, são inteligentes, críticas, argumentativas, inventivas, determinadas, líderes, ciumentas e ambiciosas. O corpo desses sujeitos, segundo elas, pode ter estatura média à alta, estrutura delicada, desenvolvimento muscular moderado, saliência média de veias e tendões e a pele é quente, macia e oleosa, e apresenta sardas e verrugas. De Gasperi, Raduns & Ghiorzi (2008) mostram que esses sujeitos têm sono moderado, gostam de doces, amargos, comidas austeras e bebidas frias e comem e bebem muito. De Luca & Barros (2007) afirmam que pessoas desse dosha são muito inteligentes, tem raciocínio rápido, são concentradas e organizadas, corajosas, independentes, ruborizam facilmente e possuem muita raiva. De acordo com as autoras, as primeiras partes do corpo que adoecem quando esse dosha está em desequilíbrio são o intestino delgado, o fígado e a parte baixa do estômago. O dosha Kapha, conforme De Luca & Barros (2007, p.120), é o resultado da união entre terra e água e “é a influência estabilizadora que lubrifica, mantém e contém. É o dosha responsável pelo acúmulo de gordura no corpo e retenção de líquidos. Em sânscrito, kapha é “aquilo que mantém as coisas juntas” ”. De acordo com as autoras, Kapha tem como características: peso, frieza, solidez, estabilidade, suavidade e lentidão. Hill (19--) menciona que Kapha é responsável por secreções do crânio, sucos salivares, fluído cardíaco, sucos gástricos e pelo fluído existente nas articulações. Nesse sentido, De Luca & Barros (2007) concordam que este

95 dosha está intrinsecamente relacionado a cinco dos sete tecidos (dhatus) do corpo humano, a saber: músculo, plasma, gordura, tecido nervoso e reprodutivo. De acordo com De Gasperi, Raduns & Ghiorzi (2008), pessoas de Kapha tendem a ser obesas ou a sentirem o corpo pesado, mesmo sendo magras, e a ser pálidas e sentirem muito frio. Conforme as autoras, essas pessoas têm voz suave, sedosa e profunda, são lentas, resistentes, com sono exacerbado, memória lenta, mas não esquecem facilmente. Além disso, segundo elas, indivíduos de Kapha são afetuosos, amorosos e dificilmente demonstram raiva, são tolerantes, calmos, compreensivos, tendem a ter inveja, cobiça, possessividade, gostam de alimentos amargos, austeros e comem moderada e constantemente. Segundo Fornari (2008), esse dosha refere-se a tudo o que há de material no ser humano e quando “em desequilíbrio leva à preguiça, desânimo, tristeza, depressão, avareza, excesso de apego, excesso de sono, bulimia, obesidade (retenção de gordura e líquido) e diabetes”. De Gasperi, Raduns & Ghiorzi (2008) mencionam que pessoas de Kapha são excelentes como amigos e pais, têm bom senso, não se preocupam, não se irritam com facilidade e têm temperamento constante. Quando em desequilíbrio, conforme as autoras, pessoas desse dosha apresentam problemas no alto do estômago, pulmões e vias respiratórias. De Luca & Barros (2007) mencionam que desses três tipos básicos, podem-se originar outras combinações, que pode ser bidosha, quando dois doshas são predominantes, mas ainda assim um deles se sobressai, ou tridoshas, o que é raro e caracteriza o equilíbrio dos três doshas em um mesmo indivíduo. As autoras citadas explicam que o prakriti - a natureza de cada um, da qual o dosha faz parte - é determinado logo na concepção do feto. Segundo elas, para que a natureza da pessoa seja boa, não é necessário que se tenha a mesma quantidade de cada um dos três doshas, mas que o pakriti, com suas características específicas, seja equilibrado. De Luca & Barros (2007, p.121) observam que: Quando os doshas se desequilibram em nossa constituição, ou seja, quando passamos a viver em vikriti, geramos doenças. O processo tem início com o acúmulo de toxinas – ama – em nosso corpo. Essas toxinas impedem o fluxo natural e espontâneo da energia, gerando um primeiro desequilíbrio, que se manifesta como fadiga, cansaço, mal-estar. Esta é a primeira fase das doenças [...]. Mas, com o aumento natural da ingestão de toxinas – que nos rodeiam em todos os momentos da vida - o desequilíbrio se alastra e vai se acumular em um órgão específico, gerando uma doença também específica.

96 Como já visto, conforme as autoras, cada dosha tem relação com determinadas partes do corpo e quando ele se desequilibra, certamente é nessa região que a doença se manifestará.

Segundo

elas,

o

prakriti

pode

se

desequilibrar por fatores como: idade, alimentação, estações do ano, clima e emoções. Os sete dhatus, conforme Di Biase (2002, p.143), são os elementos de constituição ou tecidos vitais básicos: “rase (plasma), rakla (sangue), mansa (músculos), meda (gordura), asthi (osso), shukra e artav (sêmem, tecidos reprodutivos), que são responsáveis pela estrutura do corpo, e por parte do sistema biológico protetor auto-imune”. Os três “malas”, segundo Hill (19--), dizem respeito às excretas: urina, suor e fezes. De acordo com Schulz (2007), a medicina ayurvédica não utiliza medicamentos alopáticos, e o diagnóstico dispensa radiografias, microscópios ou quaisquer ferramentas que não sejam os sentidos do Vaidya - médico ayurveda -, mas podem ser usados para maior precisão diagnóstica. O autor explica que o método diagnóstico tradicional desse modelo de medicina inclui observação da língua, dos olhos, das unhas, dos lábios e do pulso do indivíduo. De Luca & Barros (2007) acrescentam ainda o exame das fezes e da urina, dos sons do coração, pulmão, ruídos abdominais e outros, e o exame pela palpação, que revela temperatura corpórea, textura da pele, tônus muscular, etc. Conforme as autoras, o diagnóstico também é realizado por meio da observação dos sete tecidos ou Sara, da estrutura corporal ou Samhanana, medidas e proporções corporais ou Pramana, a adaptabilidade ou Satmya, a constituição mental ou Trigunas, a capacidade de digestão ou Ahara Shakti, a capacidade de se exercitar ou Vyayam Shakti e a idade ou Vaya. Schulz (2007) esclarece que a partir de um diagnóstico profundo de todos esses elementos, o Vaidya identifica qual é o dosha predominante do indivíduo, desvendando seu prakriti, e se há desarmonia no organismo – vikriti - o médico ayurvédico formula um projeto terapêutico personalizado.

Nesse

sentido,

a

medicina ayurvédica compreende o homem como um ser integrado em todas as suas dimensões e intrinsecamente relacionado ao ambiente em que vive, tanto físico quanto social, recebendo influências dele e o influenciando. Nesta direção, Rocha (2009) argumenta que:

97 O Ayurveda é uma medicina complexa e completa e utiliza diversas ferramentas terapêuticas para equilibrar os doshas: massagem ayurvédica, óleos medicinais, dieta, rotina diária de hábitos saudáveis, oleação e sudação (purvakarma), fitoterapia (uso terapêutico das plantas medicinais), terapias purificadoras (panchakarma), medicamentos com metais, minerais e pedras preciosas (rasa shastra), recomendação de atividade física, prática de yoga e meditação.

A meditação, para De Luca & Barros (2007), é uma ferramenta que, ao ser praticada diariamente, purifica o organismo, equilibra corpo, mente e espírito, traz saúde, diminuindo estresse e outros fatores negativos, aumenta a capacidade imunológica e de memória, permite o acesso do indivíduo às suas potencialidades e torna-o mais feliz, entre outros inúmeros benefícios comprovados também cientificamente. Di Biase (2002) mostra que pesquisas científicas apontam para o efeito rejuvenescedor, de aumento da longevidade, de diminuição de risco de câncer e de necessidade de cuidados médicos, redutor da pressão arterial que a meditação pode proporcionar à saúde. Conforme De Luca & Barros (2007), a alimentação ganha lugar de destaque na medicina ayurvédica, sendo capaz de prevenir doenças, conservar e restituir a saúde. De Gasperi, Raduns & Ghiorzi (2008) salientam que a alimentação adequada a cada prakriti é condição essencial para a eficácia do tratamento ayurvédico. De acordo com as autoras, a dieta alimentar deve ir ao encontro da natureza de cada indivíduo, respeitando seu dosha e também seu gosto. Chopra (1998, p.15) menciona que a alimentação é o método de cura que vai além daquele de responsabilidade médica, sendo indispensável para o restabelecimento da saúde, afirmando que, para a Ayurveda, a digestão é “uma maneira de extrair inteligência dos alimentos e depois processá-la para fornecer apoio à inteligência inerente a toda a fisiologia”. Chopra (1998) refere que existe inteligência em cada parte do corpo humano, em cada órgão e em cada célula. Conforme o autor, essa inteligência se manifesta, por exemplo, na adaptabilidade do corpo às diversas situações às quais é submetido, visando sempre o equilíbrio. Segundo ele, portanto, a cura, que simboliza o reequilíbrio, é função essencial do corpo. Percebendo que a essência desse método terapêutico milenar transpõe o modelo biomédico e percebe a saúde como um fenômeno integral, as profissionais de enfermagem De Gasperi, Raduns & Ghiorzi (2008) apontam para o uso da alimentação conforme a Ayurveda ser passível de incorporação nos hospitais

98 ocidentais, sendo uma ferramenta importante de restituição da saúde dos enfermos. E é o equilíbrio do indivíduo como um todo que as terapêuticas da medicina ayurvédica buscam resgatar, quando existe disfunção ou doença e não somente a eliminação dos sintomas, ou ensinar a mantê-lo, quando o organismo está equilibrado.

5.3 Psicoterapia corporal

Psicoterapia corporal é um nome genérico que abrange diversas abordagens surgidas a partir do trabalho de Wilhelm Reich (1897-1957), médico austríaco que, ao ficar descontente com a psicanálise e com a visão mecanicista da ciência, desenvolveu um modelo terapêutico que integra corpo, mente e energia, compreendendo

que

o

sujeito

é

altamente

influenciado

pelas

condições

socioeconômicas do seu contexto. Conforme Volpi & Volpi (2003b), interessado em desvendar a origem das neuroses e compreender melhor a importância da sexualidade à saúde, Reich criou a Análise de Caráter, a Vegetoterapia Caracteroanalítica e a Orgonoterapia, uma sequência evolutiva dos seus modelos terapêuticos que foram rechaçados pela comunidade científica da época. De acordo com Pucci Jr (2004), Reich teve o pensamento funcional como base de suas pesquisas, teorias e métodos, e compreendia que corpo e mente são produtos de mesma substância. Conforme o autor, o pensamento funcional diz respeito ao entendimento de que mente e corpo se inter-relacionam, não através uma relação de causa e efeito, mas por meio de um princípio bioenergético, ou seja, através da energia vital ou energia orgone. Raknes (1988), aluno e amigo de Reich, explica que o médico austríaco, fortemente instigado pela natureza e pelo estudo da energia, descobriu, por meio de experimentos científicos, a existência de uma energia vital intrínseca a todas as coisas – vivas e não vivas – e que habita todo o Universo, a qual ele denominou energia vital ou energia orgone. Para o autor, a energia orgone não obedece às leis que regem energias anteriormente conhecidas, e sua quantidade e disposição nos seres humanos variam, conforme a vitalidade espontânea natural e os traços

99 neuróticos. Trotta (1993, p.9) evidencia que a energia vital descoberta por Reich “corresponde de certa forma aos conceitos Freudianos de libido e energia psíquica e também aos conceitos orientais e esotéricos de energia vital”. Trotta (2000) afirma que Reich descobriu a energia orgone durante a década de 1930 e suas pesquisas estão descritas no seu livro Biopatia do Câncer. O método terapêutico de Reich passou a se chamar Orgonomia, segundo Volpi & Volpi (2003b), quando ele criou o acumulador de orgônio – um aparato construído por camadas de material orgânico e inorgânico feito para atrair energia vital cósmica - e passou a estudar sua aplicação no tratamento das doenças. De acordo com Pierrakos (1989), Reich compreendia, através de suas observações clínicas, que tudo o que acontece na mente acontece no corpo simultaneamente e vice-versa. Trotta (2000, p.107) refere que na psicoterapia corporal: [...] o termo psicossomática é entendido como designação para mecanismos psicoemocionais e corporais simultâneos e interatuantes. Na visão de Reich, soma e psiquismo funcionam de forma dinâmica e integrada; e adoecem em conjunto, sem relação de causa e efeito.

Para Reich (2001), cada indivíduo tem uma estrutura de caráter, entendoa como um conjunto de características físicas, psicológicas e bioenergéticas. Segundo Volpi & Volpi (2003a), as estruturas de caráter são: Esquizóide, Oral, Masoquista, Psicopática, Fálico-narcisista, Passivo-feminino, Histérica e Agressivomasculina, lembrando que cada pessoa tem um caráter predominante e traços dos outros caráteres, dependendo da fase do desenvolvimento libidinal em que se fixou por ter passado por experiências traumáticas. Vale dizer que as denominações dadas a cada estrutura de caráter podem sofrer mudanças de acordo com os teóricos dessa abordagem. Reich (2001) coloca que além dos caráteres neuróticos, citados acima, existe o caráter genital, correspondente ao caráter dos indivíduos saudáveis, cuja sexualidade é caracterizada pela satisfação orgástica genital. De acordo com Volpi & Volpi (2003a), Reich descobriu que indivíduos capazes de ter orgasmo, este entendido como prazer advindo da total entrega emocional e corporal ao outro com descarga

energética

plena,

consequentemente, maior saúde.

possui

um

fluxo

energético

equilibrado

e,

100 Raknes (1988, p.25) observa que a total descarga orgástica é imprescindível à saúde, pois, “a energia residual bloqueada será um obstáculo para o funcionamento normal do organismo humano, em nível do pensamento, das suas emoções e das suas ações, e poderá até pervertê-lo para propósitos contrários à vida”. Para Reich (2003), pessoas com caráter genital funcionam conforme as leis naturais, são capazes de amar plenamente e verdadeiramente, respeitam seus desejos, expressam suas emoções, são flexíveis e seu fluxo energético é livre e circula por todo o corpo, dentre inúmeras outras qualidades que o diferem dos caráteres neuróticos. Raknes (1988) constata que cada estrutura de caráter traz mecanismos próprios de defesa contra as emoções tidas como ameaçadoras, em algum momento da vida. Trotta (2000) coloca que esse mecanismo de defesa psíquico será concomitante com o aparecimento da couraça muscular, num fenômeno chamado encouraçamento, que significa que se interrompeu o fluxo harmonioso da energia vital e se instalou uma contenção energética em alguma parte do corpo, que está relacionada a um trauma. Para Volpi & Volpi (2003b, p.8-9): “a couraça muscular é formada por tensões crônicas decorrentes de experiências traumáticas ao longo da vida, cuja função é proteger o indivíduo”. Trotta (2000) justifica que a contenção do fluxo de energia, ao mesmo tempo em que há contenção das emoções e contração muscular, altera também o processo respiratório e predispõe o organismo ao desenvolvimento de doenças. De acordo com o Mann (1989), Reich, ao trabalhar sobre as couraças musculares e caracteriais a fim de restabelecer o fluxo energético do corpo e possibilitar a potência orgástica, percebeu que os pacientes passavam a exibir movimentos espontâneos, diferentes dos anteriores. Raknes (1988, p.28) definiu que: “os novos movimentos apareciam leves, harmoniosos e cheios de graça, e quando se deixavam desenvolver livremente apresentavam também uma tendência para o ritmo natural de unificação de todo o corpo”. Segundo ele, esse ritmo era o da respiração, que pode servir de indicador da fluidez da energia vital. E em Volpi & Volpi (2003a, p.15) encontra-se que: [...] a melhor formar que o corpo encontra para reprimir as “emoções proibidas” é contendo a respiração. Fisiologicamente, conter a respiração diminui todo o metabolismo do organismo, que, com isso, também tem sua sensibilidade diminuída. A diminuição da oxigenação nos tecidos, por sua vez, leva à estase energética, mantenedora da tensão que mais tarde torna-

101 se inconsciente e perpetua a neurose. Estase – termo muito utilizado por Reich e adotado por seus seguidores – implica numa redução da circulação sanguínea que altera a oxigenação nos tecidos, enrijecendo-os e gerando bloqueios. É o processo inicial do que Reich chamou de encouraçamento.

Nessa perspectiva, Kurtz & Prestera (1984, p.83) afirmam que a respiração age como uma ponte entre o corpo e mente, entre o consciente e o inconsciente e “à medida que a respiração flui para dentro, as emoções contidas fluem para fora”. Por isso, o trabalho da psicoterapia corporal dará ênfase no processo respiratório do paciente. Pucci Jr (2004) observa ainda que o pensamento funcional de Reich está em sintonia com as descobertas da neurologia, destacando o pensamento do neurocientista Antônio Damásio, que considera a mente como um produto da interação do organismo com o meio ambiente. Reich (2001) atrelava especial atenção às condições socioeconômicas desde questões ligadas às necessidades básicas como à ideologia social - e à educação familiar na produção de neurose. Para ele, os valores repressivos da sexualidade e da expressão das emoções são altamente responsáveis pelos problemas psicológicos que tem seu correspondente somático, ou seja, a disfunção orgânica. Essas considerações fazem parte da estrutura da Vegetoterapia Caracteroanalítica sistematizada por Federico Navarro, que, segundo Volpi & Paula (2004), compreende que o corpo está dividido em sete segmentos, em que cada um relaciona-se com períodos do desenvolvimento libidinal e com emoções e recordações. De acordo com Trotta (1993), cada segmento do corpo corresponde a um conjunto de estruturas orgânicas regidas por uma relação de vizinhança cujo funcionamento integrado está relacionado aos sentimentos e às expressões emocionais. A saber, conforme o autor: 1º Ocular, 2º Oral, 3º Cervical, 4º Toráxico, 5º Diafragmático, 6º Abdominal e 7º Pélvico. Sendo assim, o autor observa que cada estrutura de caráter neurótico, citadas acima, se desenvolve a partir dos bloqueios energéticos em determinados segmentos causados por traumas no passado e revela a maneira como a pessoa age na vida e sua predisposição às doenças.

Nessa

perspectiva, Goleman (1984, p.17) fala que o corpo revela: [...] os meandros e as curvas da história pessoal: os segredos, traumas e triunfos de dias passados. Eles estão corporificados em ligamentos e

102 músculos; expressos na postura. O corpo é a personalidade tornada manifesta e pode ser analisado com tanta segurança quanto a psique, por aqueles que sabem como fazê-lo.

Deste modo, vale dizer, nas palavras de Kurtz & Prestera (1984, p.24) que: O corpo de uma pessoa, seu comportamento, sua personalidade, a maneira como ela se movimenta, a respeito do que fala, suas atitudes, sonhos, percepções, posturas, são parte de um todo unitário. Todas são expressões do seu íntimo. São inter-relacionadas; você não pode modificar uma sem influenciar outra. Embora às vezes possam parecer independentes, um tema definido percorre todas elas.

Sendo assim, Volpi & Volpi (2003b) observam que o trabalho do psicoterapeuta corporal envolve análise do caráter, técnicas corporais e trabalho verbal, tudo isso seguindo um projeto terapêutico dinâmico. Através das técnicas, segundo os autores, se pode chegar às profundezas do inconsciente, indo além das psicoterapias puramente verbais. Para eles, o trabalho de desencouraçamento abrange a esfera emocional, física e energética e visa levar a pessoa a aproximar-se do caráter genital e ter uma vida mais saudável. Na visão de Volpi & Volpi (2003b, p.94), Reich entendia a saúde não como ausência de doenças, mas como “habilidade do organismo para ultrapassá-las e sair delas sem danos”. Testa (2008) menciona que Reich defendia que as doenças não podem ser tratadas de modo unilateral, somente no âmbito físico ou somente no psíquico, de modo fragmentado, mas que o sujeito deve ser compreendido e tratado como um todo. Embora Reich (2003) tivesse uma visão holística de saúde ao considerar as dimensões física, mental, social e ambiental, ele não considerava a dimensão espiritual dos seres humanos como sinônimo de saúde. No entanto, conforme Volpi & Volpi (2003a), seus contemporâneos Alexander Lowen e John Pierrakos desenvolveram novas abordagens a partir do trabalho de Reich que englobam a dimensão espiritual do ser. Volpi & Volpi (2003a) narram que Lowen, em co-autoria de Pierrakos, criou a Bioenergética que, embora seja afim aos métodos reichianos, é chamada

103 neo-reichiana devido às suas modificações, e, também, por superá-la no sentido de que considera a transcendência com fator importante à plenitude humana. Outra abordagem neo-reichiana surgida após a morte de Reich foi o Core Energetics, criada por John Pierrakos. Borine (2006) esclarece que essa abordagem associa o trabalho reichiano, a Bioenergética, os conhecimentos de Jung e de pathwork, dentre outras influências. Conforme a autora, o Core Energetics visa alcançar a essência do Ser, destruindo todas as suas couraças e focalizando o trabalho no desenvolvimento da criatividade, do amor e da espiritualidade, ajudando o indivíduo a viver plenamente. A psicoterapia corporal, atualmente, pode ser vista como um modelo integrado de saúde que compreende a inter-relação das várias dimensões humanas e trabalha de modo a englobá-las para que o indivíduo se torne mais equilibrado e saudável, visando o desenvolvimento de suas potencialidades.

104 6 CONCLUSÃO

Está cada dia mais evidente a necessidade de uma nova concepção de saúde, o que envolve mudança de paradigma e, consequentemente, uma nova percepção de realidade. Os índices mundiais retratam que a situação da saúde está precária: milhões de pessoas morrem de fome todos os dias, vivem se saneamento básico, com acesso restrito à água potável, não recebem instrução que lhes conferem maiores condições de ter boa saúde. Além disso, a natureza está sendo explorada e destruída, mesmo sabendo-se de que sem ela não existe vida humana. Assim também, ao passo que os seres humanos foram deixando de lado o lazer, o contato verdadeiro, os sentimentos, em prol das exigências e valores da vida moderna, pautados no consumismo, na supervalorização dos bens materiais, surgiram, concomitantemente, os altos índices de disfunções orgânicas, psicológicas e sociais. Como exemplo: câncer, problemas cardíacos, estresse, infelicidade, insônia, comprometimento dos relacionamentos, violência, abuso de drogas, o que põe em risco a saúde e a sobrevivência, visto o alto índice mundial de suicídio. Os indicadores de doenças mostram aumentos em todo o planeta, mesmo frente ao acúmulo de descobertas científicas. Algo, como mostra Capra (2006), está incorreto. Esse autor e tantos outros citados nesse trabalho apontam para uma crise de percepção, em que o ser humano, condicionado pela visão mecanicista, materialista, reducionista e fragmentária da realidade, se vê separado do mundo e distinto entre corpo e mente. Ao ser guiada pelo paradigma newtoniano-cartesiano e acreditar na “fantasia da separatividade”, citada por Weil (1991), a investigação da ciência passou a ocorrer de modo fragmentado e descomprometido com a vida humana, sem consciência do seu poder, como bem coloca Morin (2005), fazendo com que milhares de pessoas sejam impossibilitadas de possuir boa saúde, no seu sentido mais amplo. Cientistas se atêm no estudo das partes ínfimas dos fenômenos, no desenvolvimento de muitas tecnologias supérfluas e, várias vezes, custosas à natureza, e deixam de lado aquilo que realmente é fundamental à vida humana: a saúde. A

ciência

precisa

transcender

a

busca

de

conhecimento

pelo

conhecimento, sem medir as consequências, e passar a conhecer para melhorar a

105 vida dos sujeitos, o que implica preservar o mundo, com tudo aquilo que lhe pertence, ou seja, necessita resgatar aquilo que é essencial a ela: a busca da preservação e da qualidade da vida, tanto humana quanto planetária. Nota-se que a percepção reducionista instalada pelo paradigma cartesiano-newtoniano, que percebe o mundo e o ser humano como máquinas, a natureza como algo a ser explorado e subjugado e que valoriza a objetividade, a razão e o ter em detrimento da subjetividade, dos sentimentos e do ser, acabou gerando uma crise no mundo. Esta crise se evidencia sob a perda de comprometimento com tudo o que vive, seja da mesma espécie ou não, fazendo com que se explore a natureza sem medir as conseqüências, além de não mais existir interesse no bem-estar das outras pessoas. Capra (2006) mostra que outra faceta desta crise é a incapacidade atual da ciência dar conta dos problemas de saúde, visto sua percepção simplificadora, que não reconhece a complexidade do tema e tudo aquilo que nele perpassa. Grandes pensadores estão propondo que a saúde não está relacionada somente ao indivíduo, tampouco somente à sua estrutura física, aos germes, bactérias, vírus ou quaisquer fatores puramente materiais que o possam afetar. A saúde é influenciada por múltiplas variáveis que extrapolam a visão organicista, abrangendo desde questões que envolvem higiene, alimentação, água potável, sono, até questões como estresse, isolamento social, infelicidade, educação, padrão de pensamento, bem-estar social e ambiental. Sendo assim, a saúde, como objeto de estudo, está na intersecção de várias disciplinas do conhecimento e, dessa maneira, não pode ser compreendida em sua totalidade por uma somente. Não apenas a saúde precisa ser vista de forma ampla, como a maneira como é tratada carece mudanças. O ser humano doente perdeu o lugar de centro das atenções nos cuidados em Saúde para a doença. Esta sim passou a ser o alvo dos profissionais da área. Isso evidencia que é de suma importância que se implante a visão de saúde como uma resultante das diversas esferas do ser humano como um todo, em que ele seja tratado, na ausência de saúde, e não puramente sua enfermidade. Sendo assim, adquirindo uma outra percepção de saúde e de doença, os profissionais da área poderão atuar na promoção da saúde e não somente no seu restabelecimento. É nessa perspectiva que se insere a importância da visão holística, que abrange a visão sistêmica, juntamente com a transdisciplinaridade. Um paradigma

106 transdisciplinar holístico, defendido enfaticamente por Pierre Weil, Roberto Crema, Fritjof Capra e outros, traz à luz da ciência a importância de se buscar uma nova cosmovisão, que compreenda que tudo no mundo está interligado, e que as dimensões física, psíquica, emocional, espiritual, social e ambiental também estão interligadas na construção do ser humano integral. O pensamento transdisciplinar instala na ciência a percepção de que, em Saúde, a educação precisa ser orientada para a religação dos saberes, na qual nenhuma disciplina exerça domínio sobre a outra. Desta maneira, o paradigma emergente que surge frente à fragmentação do saber propõe a união dos conhecimentos, que envolve a incorporação de novas fontes como a filosofia, a arte, a cultura, abrangendo a sabedoria milenar oriental, destruindo-se a idéia de que a ciência é a única forma de se buscar conhecimentos verdadeiros. A saúde, nessa perspectiva, é um fenômeno integral, complexo e transdisciplinar estudado e promovido por profissionais e estudiosos das mais variadas áreas, destruindo-se a idéia organicista de que ela é apenas ausência de doenças e, estas, por sua vez, deixam de ser vistas somente pelo viés biológico. Encontrou-se, a partir da visão transdisciplinar holística, métodos terapêuticos integrais, como a medicina tradicional chinesa, a medicina ayurvédica ou tradicional indiana e a psicoterapia corporal. Estes três exemplos de práticas integrais em saúde partem do pressuposto de que a saúde é um estado de equilíbrio dinâmico entre corpo e mente, abrangendo todas as questões psicológicas, emocionais, espirituais, sociais e ambientais. Para esses modelos terapêuticos, o profissional de saúde precisa restabelecer a saúde como um todo, e não apenas suprimir a doença e seus sintomas. Sendo assim, é necessário que a ciência se abra para novas percepções de saúde, incentivando a criação de equipes transdisciplinares que possam tratar o ser humano integralmente e promover a saúde, com vistas à prevenção de doenças, tanto físicas, quanto psicológicas e sociais. Este trabalho parece ter cumprido com os objetivos propostos e, assim, pode trazer contribuições acerca de um assunto complexo como a saúde, mas muito se precisa discutir a respeito da temática para que se consiga vê-la a partir dos mais variados ângulos. Acredita-se na imprescindibilidade da discussão sobre uma mudança de paradigma adentrar com mais impetuosidade na academia, mobilizando

107 reflexões sobre a atual formação e práxis dos profissionais da saúde, bem como sobre a construção de uma nova realidade, na qual todos estejam empenhados na construção de um modo de vida que assegure a saúde, tanto física, mental, social e ambiental quanto espiritual, e que englobe a felicidade como fundamental condição. É de suma validade investigar com maior profundidade as práticas integrais de saúde discutidas nesse trabalho, bem como de outras que assim se intitulam, e verificar possíveis maneiras de integrá-las à realidade ocidental, com o intuito de que o ser humano seja tratado realmente como um todo. Compreendida, então, como bem-estar subjacente ao equilíbrio entre as várias esferas da vida, a saúde do ser humano é de responsabilidade de todas as profissões e de todas as pessoas, pois cada atitude individual repercute na dinâmica universal proporcionadora ou não de saúde.

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APÊNDICE

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Carta da Transdisciplinaridade Preâmbulo Considerando que a proliferação atual das disciplinas acadêmicas e nãoacadêmicas conduz a um crescimento exponencial do saber, o que torna impossível uma visão global do ser humano, Considerando que somente uma inteligência capaz de abarcar a dimensão planetária dos conflitos atuais poderá enfrentar a complexidade do nosso mundo e o desafio contemporâneo da autodestruição material e espiritual de nossa espécie, Considerando que a vida está fortemente ameaçada por uma tecnociência triunfante, que só obedece à lógica assustadora da eficácia pela eficácia, Considerando que a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais cumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido leva a uma ascensão de um novo obscurantismo, cujas conseqüências no plano individual e social são incalculáveis, Considerando que o crescimento dos saberes, sem precedente na história, aumenta a desigualdade entre os que os possuem e os que deles estão desprovidos, gerando assim uma desigualdade crescente no seio dos povos e entre as nações do nosso planeta, Considerando ao mesmo tempo, que todos os desafios enunciados têm sua contrapartida de esperança e que o crescimento extraordinário dos saberes pode conduzir, a longo prazo, a uma mutação comparável à passagem dos hominídeos à espécie humana, Considerando o que precede, os participantes do Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade (Convento da Arrábida, Portugal, 2 a 7 de novembro de 1994) adotaram a presente Carta, que contém um conjunto de princípios fundamentais da comunidade dos espíritos transdisciplinares, constituindo um contrato moral que todo signatário dessa Carta faz consigo mesmo, sem qualquer pressão jurídica ou institucional. Artigo 1: Qualquer tentativa de reduzir o ser humano a uma definição e de dissolvê-lo no meio de estruturas formais, quaisquer que sejam, é incompatível com a visão transdisciplinar. Artigo 2: O reconhecimento da existência de diferentes níveis de realidade, regidos por lógicas diferentes, é inerente à atitude transdisciplinar. Toda tentativa de reduzir a realidade a um só nível, regido por uma lógica única, não se situa no campo da transdisciplinaridade.

122 Artigo 3: A transdisciplinaridade é complementar à abordagem disciplinar; ela faz emergir do confronto das disciplinas novos dados que as articulam entre si; e ela nos oferece uma nova visão da Natureza da Realidade. A transdisciplinaridade não procura o domínio de várias disciplinas, mas a abertura de todas as disciplinas àquilo que as atravessa e as ultrapassa. Artigo 4: O ponto de sustentação da transdisciplinaridade reside na unificação semântica e operativa das acepções através e além das disciplinas. Ela pressupõe uma racionalidade aberta, mediante um novo olhar sobre a relatividade das noções de ‘definição’ e de ‘objetividade’. O formalismo excessivo, a rigidez das definições e o exagero da objetividade, incluindo a exclusão do sujeito, levam ao empobrecimento. Artigo 5: A visão transdisciplinar é resolutamente aberta na medida que ultrapassa o campo das ciências exatas ao seu diálogo e sua reconciliação, não apenas com as ciências humanas, mas também com a arte, a literatura, a poesia e a experiência interior. Artigo 6: Com relação à interdisciplinaridade e à multidisciplinaridade, a transdisciplinaridade é multireferencial e multidimensional. Embora levando em conta os conceitos de tempo e de História, a transdisciplinaridade não exclui a existência de um horizonte trans-histórico. Artigo 7: A transdisciplinaridade não constitui nem uma nova religião, nem uma nova filosofia, nem uma nova metafísica, nem uma ciência das ciências. Artigo 8: A dignidade do ser humano é também de ordem cósmica e planetária. O aparecimento do ser humano sobre a Terra é uma das etapas da história do universo. O reconhecimento da Terra como pátria é um dos imperativos da transdisciplinaridade. Todo ser humano tem direito a uma nacionalidade, mas, a título de habitante da Terra, ele é ao mesmo tempo um ser transnacional. O reconhecimento pelo direito internacional da dupla cidadania - referente a uma nação e a Terra - constitui um dos objetivos da pesquisa transdisciplinar. Artigo 9: A transdisciplinaridade conduz a uma atitude aberta em relação aos mitos e religiões e àqueles que os respeitam num espírito transdisciplinar. Artigo 10: Não existe um lugar cultural privilegiado de onde se possa julgar as outras culturas. A abordagem transdisciplinar é ela própria transcultural. Artigo 11: Uma educação autêntica não pode privilegiar a abstração no conhecimento. Ela deve ensinar a contextualizar, concretizar e globalizar. A educação transdisciplinar reavalia o papel da intuição, do imaginário, da sensibilidade e do corpo na transmissão dos conhecimentos. Artigo 12: A elaboração de uma economia transdisciplinar está baseada no postulado segundo o qual a economia deve estar a serviço do ser humano e não o inverso.

123 Artigo 13: A ética transdisciplinar recusa toda e qualquer atitude que se negue ao diálogo e à discussão, qualquer que seja a sua origem - de ordem ideológica, cientificista, religiosa, econômica, política, filosófica. O saber compartilhado deveria levar a uma compreensão compartilhada, baseada no respeito absoluto das alteridades unidas pela vida comum numa única e mesma Terra. Artigo 14: Rigor, abertura e tolerância são as características fundamentais da atitude transdisciplinar. O rigor da argumentação que leva em conta todos os dados é a melhor barreira em relação aos possíveis desvios. A abertura comporta a aceitação do desconhecido, do inesperado e do imprevisível. A tolerância é o reconhecimento do direito às idéias e verdades contrárias às nossas. Artigo final: A presente Carta da Transdisciplinaridade foi adotada pelos participantes do Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade e não reivindica nenhuma outra autoridade além de sua obra e da sua atividade. Segundo os procedimentos que serão definidos de acordo com as mentes transdisciplinares de todos os países, a Carta está aberta à assinatura de qualquer ser humano interessado em promover nacional, internacional e transnacionalmente as medidas progressivas para a aplicação destes artigos na vida cotidiana. Convento da Arrábida, 6 de novembro de 1994 Comitê de Redação: Lima de Freitas, Edgar Morin e Basarab Nicolescu