A Evolução Recente da Dívida Bruta no Brasil e em Países Selecionados
O agravamento da crise financeira nos mercados internacionais exerceu – em cenário de retração da arrecadação, decorrente da desaceleração da atividade e da introdução de programas temporários calcados em incentivos fiscais, e de crescimento atípico de despesas relacionadas a demandas sociais e a medidas de assistência ao sistema financeiro – desdobramentos restritivos sobre as contas fiscais das principais economias maduras e emergentes. O objetivo deste boxe consiste em examinar a evolução recente da dívida bruta no Brasil e identificar a distinção entre sua trajetória e as observadas em um grupo de países selecionados.
Tabela 1 – Dívida bruta do Governo Geral Países selecionados % PIB 1/
Diferença
57.9
62.9
5.0
62.5
Coréia
26.8
33.2
6.4
36.8
Alemanha
68.8
77.4
8.6
82.0
Portugal
75.2
83.8
8.6
90.9
França
75.7
84.5
8.8
92.5
114.4
123.6
9.2
127.0
Países
2008
Brasil
Itália Espanha Grécia
2009
2/
2010
47.0
59.3
12.3
67.5
102.6
114.9
12.3
123.3
Canadá
69.7
82.8
13.1
85.7
Estados Unidos
70.0
83.9
13.9
92.4
Reino Unido Japão
56.8
71.0
14.2
83.1
172.1
189.3
17.2
197.2
Área do Euro
73.2
81.8
8.6
88.3
OCDE
78.4
90.0
11.6
97.4
Fontes: OCDE (2009), Banco Central do Brasil. 1/ Estimativas, com exceção do Brasil que apresenta dados efetivos. 2/ Estimativas da OCDE. A projeção do Brasíl é feita pelo Banco Central.
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A dívida bruta incorpora, segundo a metodologia adotada no Brasil, o passivo financeiro do Governo Geral (dívida bruta do Governo Geral – DBGG), que abrange os governos federal, estaduais e municipais, e as operações compromissadas realizadas pelo Banco Central para controle de liquidez, desconsiderando as empresas estatais dos três níveis de governo e as demais operações do Banco Central. Vale ressaltar que as metodologias adotadas para mensuração da DBGG nos países analisados no âmbito deste boxe, embora possam apresentar distinções em função do arranjo institucional vigente, apresentam similaridades quanto à abrangência e composição, permitindo, portanto, comparações representativas. A evolução da DBGG nos países selecionados registrou, conforme evidenciado na tabela 1, aumento generalizado em 2009, atingindo, em média, 8,6 p.p. do Produto Interno Bruto (PIB) na Área do Euro, 11,6 p.p. do PIB nos países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e 12,1 p.p. do PIB nos países do G-7, com ênfase
nas elevações assinaladas no Japão, Reino Unido e Estados Unidos da América (EUA). O aumento de 5 p.p. do PIB observado na DBGG do Brasil se constituiu no menor entre os países considerados. A distinção entre o patamar dos aumentos da relação DBGG/PIB nas economias mais desenvolvidas e no Brasil evidenciou, em parte, o impacto mais acentuado da crise mundial sobre o nível da atividade naqueles países, exercendo, naturalmente, maior influência sobre os respectivos níveis de arrecadação e sobre a mobilização de recursos destinados ao estímulo da retomada da atividade e ao atendimento de demandas sociais crescentes, com destaque para o seguro-desemprego. Outro fator determinante para o aumento acentuado da relação DBGG/PIB nas economias maduras se constituiu na maior exposição de seus sistemas bancários em um momento de estresse acentuado experimentado pelos mercados financeiros. Nesse cenário, os programas de fortalecimento do setor, mediante capitalização de bancos e aquisição de ativos de instituições financeiras, se traduziram em gastos acentuados dos governos das economias mencionadas.
Tabela 2 – Estímulo fiscal e amparo ao Sistema Financeiro Países do G-7 % PIB Países
Estímulo fiscal Amparo ao sist. financeiro
1/
Itália
1/
França
1/
Alemanha 2/
Japão
2/
Canadá
2/
Reino Unido
2/
Estados Unidos
Total
0,3
3,3
3,6
1,5
19,1
20,6
3,6
22,2
25,8
4,7
22,3
27,0
4,1
24,8
28,9
1,9
81,7
83,6
5,5
81,1
86,6
Fonte: UNCTAD (2009). 1/ 2 anos para efetuar os gastos do estímulo fiscal.
A trajetória relativamente mais contida do aumento na relação DBGG/PIB brasileira refletiu os impactos da coexistência de um conjunto de aspectos favoráveis na economia do país, na época do acirramento da crise mundial. Nesse sentido, enfatizem-se os efeitos associados ao fortalecimento da demanda interna, à situação favorável das contas externas, ao gerenciamento da política fiscal e monetária e à postura conservadora, em relação aos parâmetros de capital acordados em Basileia, adotada pelo Banco Central para a fixação do nível de regulação prudencial do sistema financeiro. Nesse cenário, enquanto o dispêndio médio dos governos dos países do G-7 para atender os gastos de ordem fiscal e de assistência aos respectivos sistemas financeiros, entre o início do agravamento da crise e o final de 2009, está estimado em 39,4% do PIB, conforme registrado na tabela 2, os gastos correspondentes no Brasil representaram 4,5 p.p. do PIB, elevando-se a 7,7 p.p. do PIB, se incluída a liberação de depósitos compulsórios.
2/ 3 anos para efetuar os gastos do estímulo fiscal.
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Tabela 3 – Brasil: estímulo fiscal em 2009 Medidas adotadas
R$ bilhões
% PIB
Financiamentos ao BNDES
102
3,3
Liberação de compulsórios
100
3,2
Desonerações tributárias
25
0,8
Programa Minha Casa Minha Vida
10
0,3
5
0,2
242
7,7
Financiamentos à CEF Total
Tabela 4 – Evolução da dívida bruta do Governo Geral Fatores condicionantes Discriminação
2008
3/
2009
2010
R$
%
R$
%
R$
%
milhões
PIB
milhões
PIB
milhões
PIB
Dívida bruta Saldo
1 740 888
57,9 1 973 424
62,9 2 162 602
62,5
Fluxos acumulados no ano
Var. DBGG
198 036
Fatores
0,0
232 536
5,0
189 179
-0,4
198 036
6,6
232 536
7,4
189 179
5,5
158 976
5,3
265 777
8,5
178 451
5,2
Emissões líq.
-41 963
-1,4
74 329
2,4
-29 301
-0,8
Juros
200 938
6,7
191 448
6,1
207 753
6,0
Ajuste cambial
38 473
1,3
-41 212
-1,3
4 352
0,1
Dív. interna
1/
3 180
0,1
-3 414
-0,1
349
0,0
Dív. externa
35 293
1,2
-37 798
-1,2
4 003
0,1
2/
-2 662
-0,1
6 070
0,2
327
0,0
3 250
0,1
1 902
0,1
6 049
0,2
0
0,0
0
0,0
0
0,0
Necessid. fin.
Outros
Reconhecimento de dívidas Privatizações
Efeito crescimento PIB
-6,6
-2,4
1/ Dívida mobiliária interna indexada ao dólar. 2/ Paridade da cesta de moedas que compõem a dívida externa. 3/ Dados estimados.
-5,9
Deve ser enfatizada, adicionalmente, a característica distinta dos gastos efetivados pelos governos do G-7 e do Brasil, na medida em que, enquanto os primeiros contemplaram injeções expressivas de capital para bloquear riscos de insolvência e/ou garantir ativos “tóxicos”, os aportes efetuados na economia brasileira, discriminados na tabela 3, objetivavam, em especial, estimular a retomada da atividade econômica. A análise detalhada dos determinantes da elevação de 5 p.p. registrada na relação DBGG/PIB brasileira em 2009 revela que a contribuição da apropriação de juros nominais atingiu 6,1 p.p., seguindo-se as relativas às emissões líquidas de dívida, 2,4 p.p.; à variação de paridade da cesta de moedas que compõem a dívida externa, 0,2 p.p.; e aos reconhecimentos de dívidas, 0,1 p.p. Em sentido oposto, o crescimento do PIB e o impacto da apreciação cambial sobre as dívidas interna e externa atreladas ao dólar exerceram contribuições anuais respectivas de 2,4 p.p. e 1,3 p.p., conforme registrado na tabela 4. É importante enfatizar que as emissões líquidas de DBGG foram influenciadas, em especial, pelo impacto de 3,4 p.p. do PIB exercido pelos repasses de R$107 bilhões para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Caixa Econômica Federal (CEF), destinados ao financiamento de programas de estímulo à atividade produtiva. Vale mencionar que o impacto dessas operações sobre a dívida líquida do setor público (DLSP) foi neutro, tendo em vista que o aumento da dívida mobiliária foi contrabalançado pelo aumento de ativos financeiros do setor público não financeiro junto às respectivas instituições. Em oposição, Há que ressaltar, por outro lado, a contribuição favorável do superávit primário de 2,06% do PIB em 2009, contrabalançando parcialmente essa expansão. A relação DBGG/PIB deverá assinalar recuo anual de 0,4 p.p. do PIB em 2010, desempenho que incorpora as perspectivas de cumprimento integral da meta de superávit primário estipulada para o ano; os parâmetros de mercado para a taxa de juros básica, câmbio e inflação;1 e a estimativa de 5,8%
1/ Pesquisa Bacen/Focus, de 5.3.2010.
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de crescimento do PIB real. Em sentido oposto, evidenciando a maior lentidão dos processos de ajuste fiscal e monetário e de retomada da atividade econômica, as relações DBGG/PIB relativas aos países da OCDE e da Área do Euro deverão experimentar aumentos anuais respectivos de 7,4 p.p. e 6,5 p.p., em 2010. É interessante ressaltar que a trajetória da relação DBGG/PIB brasileira vem se mostrando mais favorável do que as assinaladas nos demais países considerados neste boxe, mesmo sob o efeito de parâmetros menos confortáveis. Nesse sentido, enquanto a taxa de juros implícita2 da dívida bruta brasileira atingiu 10,77% em 2009, registrando recuo anual de 2,4 p.p., as relativas às dívidas britânica, norte-americana e japonesa situaram-se, na ordem, em 3,34%,3 3,29%4 e 1,40%.5 Adicionalmente, os prazos de vencimento da dívida mobiliária brasileira – embora aumentassem de trinta meses, ao final de 2000, para 40,4 meses, em 2009 – são, em geral, de menor duração do que aqueles observados em países com desempenho recente da relação DBGG/PIB menos favorável.6
Referências The Budget and Economic Outlook: An Uptad. EUA: Washington DC. Financial Bureau – Japan (2009). Debt Management Report 2009. Japão: Tóquio. OCDE (2009). Economic Outlook n°86. França: Paris. UK Debt Magement Office (2009). Quaterly Review Octobter-December 2009. Reino Unido: Londres. UNCTAD (2009). Trade and Development Report. EUA: Nova York; Suiça: Geneva. U.S. Treasury (2009). Debt Position and Activity Report (December 2009). EUA: Washington DC. 2/ 3/ 4/ 5/ 6/
Corresponde à taxa de juros média incidente sobre a totalidade da DBGG. Custo médio de títulos e notas do Tesouro britânico. UK Debt Management Office (2009). U.S. Treasury (2009). Financial Bureau – Japan (2009). Nos EUA, o prazo médio de maturação da dívida do Tesouro atingiu 53 meses em 2009; no Reino Unido, a dívida de títulos públicos e notas do Tesouro apresentou prazo médio de 162 meses; e, no Japão, a maturação da dívida mobiliária alcançou 75 meses.
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