REFLEXOS DA NOVA LEI DA GUARDA COMPARTILHADA E SEU DIÁLOGO COM A LEI DA ALIENAÇÃO PARENTAL1 Douglas Phillips Freitas2 Em dezembro de 2014 tudo mudou! Numa campanha movida em especial nas redes sociais, a nova lei da guarda compartilhada teve sua aprovação no Congresso Nacional e sanção Presidencial pouco tempo depois, trazendo à legislação nacional uma norma pungente e impactante nas relações familistas, alterando profundamente o Código Civil nos artigos que tutelavam sobre o instituto Guarda Compartilhada (anteriormente alterados pela tímida Lei da Guarda Compartilhada de 2008 (lei 11.698/08). São três momentos jurídicos que merecem destaque: 2008, quando foi institucionalizada a Guarda Compartilhada na legislação brasileira, 2010, quando entrou em vigor a lei de combate à Alienacao Parental e, agora, recentemente, em 2014 com a nova lei da Guarda Compartilhada. A Nova Lei da Guarda Compartilhada (lei n. 13058/14) finalmente comunica com a Lei da Alienação Parental (lei n. 12.318/10), tornando-as complementares e dando reciprocidade de efetivação uma à outra, já que a antiga redação do instituto em 2008 deixava muito à desejar. A lei da Guarda Compartilhada de 2008, embora sugerisse sua aplicação, não a impunha como faz a nova lei de 2014. Sua aplicação geralmente ocorria em casos de acordo, dificilmente se vislumbrando decisões judiciais que fixasse a Guarda Compartilhada em casos de litígio, embora fosse possível: Mesmo não havendo um bom relacionamento entre os pais, há possibilidade da guarda compartilhada, quando estes servem de âncora social ao menor. A guarda compartilhada é apropriada a todos os casos,
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Conteúdo completo no livro: A NOVA GUARDA COMPARTILHADA, publicada pela Voxlegem (
[email protected]) 2 Douglas Phillips Freitas é advogado, ex-presidente do IBDFAM/SC e professor pela Escola Superior da Advocacia – ESA/SC e RS, AASP – Associacao dos Advogados de São Paulo e Escola da Magistratura de São Paulo. Conferencista e autor de livros pela Forense, Voxlegem, Del Rey, entre outras. Entre o livros destaca-se: “Usucapião Conjugal”, “Alimentos Gravídico”, “Alienação Parental”, “A Nova Guarda Compartilhada” e “Direito de Empresa nas Questões Empresariais”, entre outros. Contato: www.facebook.com/douglasfreitasadvocacia e www.douglasfreitas.adv.br.
devendo ser analisados os benefícios que trará para os pais e, principalmente, aos filhos.3 A lei da Alienação Parental previa a alteração da Guarda Unilateral em Compartilhada (ou vice-versa) como um das alternativas para combater à alienação parental como visto no texto da lei: Art. 6o. [...] V – determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão. A regra até a entrada em vigor da lei 13.058/14 na fixação da guarda, era que fosse privilegiada ao genitor que além de dar melhor condições sócio-afetivas ao menor (já que financeira não era a condição determinante, uma vez que a pensão alimentícia resolveria possíveis diferenças econômicas entre os pais), fosse o genitor que melhor viabilizasse o contato com o outro, ou seja, que não praticasse a alienação parental. Art. 7o. A atribuição ou alteração da guarda dar-se-á por preferência ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada. 1. UM NOVO CONCEITO DE GUARDA A definição da guarda, entretanto, na prática, era dada àquele que ja exercia antes da fixação judicial e, dificilmente se vislumbrava modificação, mesmo em casos de alienação parental, havendo muita resistência do judiciário neste sentido. O problema é que embora não haja real diferença prática entre a guarda unilateral e a compartilhada,4 sua aplicação sempre teve vinculação com o efeito psicológico do instituto, uma vez que a guarda unilateral pressupões posse,
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FREITAS, Douglas Phillips. Guarda Compartilhada e as regras da perícia social, psicológica e interdisciplinar. Florianópolis: Conceito, 2008. p. 72. 4 Na seara prática não há diferença entre guarda compartilhada ou unilateral, já que as limitações e concessões que a lei dá são vinculadas ao poder familiar e não à guarda, com exceção de tratamento psicológico, onde por regra ética do conselho de psicologia, em que somente o guardião pode autorizar tal tratamento (ou se não houver guardião declarado, ou guara compartilhada, ambos necessitam autorizar – pai e mãe).
propriedade do menor, enquanto a compartilhada não, o que torna-a mais libertária e combatente à alienação parental. A lei sempre conferiu ambos pais o direito de fiscalização, auxílio e decisão sobre o filho independentemente da guarda, através do instituto do Poder Familiar. Na prática, contudo, o poder-dever do pai ou mãe que não recebeu a guarda física da criança, geralmente se sente impedido de auxiliar o guardião na educação, orientação, restando-lhe tão somente o auxílio do sustento do filho através da pensão alimentícia,5o que juridicamente sempre foi um erro mas na prática era reiterado. A Guarda Compartilhada no Brasil, na atualidade, é vista de certa forma como o é em Portugal, onde não há discussão de guarda, pois ambos pais são responsáveis parentais por seus filhos, exercendo e regra, de forma conjunta, restringindo a discussão apenas as questões de convívio e pensão. 6 Por isto, diz-se que a Guarda Compartilhada traz um efeito muito mais moral que prática e combate à Alienação Parental que está ligado como o sentimento de propriedade, de exclusividade, o que não existe na Guarda Compartilhada. Fato reconhecido e praticado já em 2008 pela lei de Portugal que excluiu a expessão Guarda em relação aos pais, mantendo só o instituto da responsabilidade parental (análogo ao instituto poder familiar brasileiro)
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RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. O poder familiar e a guarda compartilhada sob o enfoque dos novos paradigmas do direito de família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 68. 6 Art. 1906 do Código Civil Portugues (Exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento) - 1 - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível. 2 - Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores. 3 - O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente. 4 - O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício. 5 - O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro. 6 - Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho. 7 - O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles14?utm_medium=facebook&utm_source=jusbrasil&utm_campaign=socialsharer&utm_content=artigo
Entre alguns outros destaques, a principal alteração trazida pela nova Lei da Guarda Compartilhada (Lei n. 13.058/14) foi a sua aplicação compulsória,7 pondo fim na discussão litigiosa de qual instituto deve ser aplicado, restando a discussão apenas a residência base, período de convivência e pensão alimentícia. O novo conceito de Guarda consiste na condição de direito de uma ou mais pessoas, por determinação legal ou judicial em manter um menor de 18 (dezoito) anos sob sua dependência sócio-jurídica, devendo ser, de regra, compartilhada quando houver ambos pais, mesmo que separados.8 Com advento da nova lei da guarda compartilhada, o sistema brasileiro atual é o da “joint legal custody” (compartilhamento na tomada das decisões), podendo, quando possível, ser aplicada a “joint physical custody” (compartilhamento da guarda física e tomada as decisões e responsabilidades diárias). Embora o litígio familista não mais discutirá a modalidade de guarda, deverá o judiciário se valendo da equipe interdisciplinar, discutir o domicílio predominante da criança e o período de convivência do menor com ambos genitores. 2. GUARDA COMPARTILHADA COM OU SEM RESIDÊNCIA ALTERANA Há muita opinião equivocada sobre a nova lei da guarda compartilhada, onde muitos arguem que o período de convivência deverá ser dividido igualmente. A lei não informa isto, ela sugere como algo interessante à ser fixado, mas seu texto é muito claro quanto a necessidade de fixação de residência base e período de convivência equilibrado, não divido igualitariamente. Art. 1.583 (CC) ... § 2o. Na guarda compartilhada, o tempo de custodia física dos filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos § 3o Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos. 7
Art. 1584. ... § 2o. Quando não houver acordo entre mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor. 8 FREITAS, Douglas Phillips. A Nova Guarda Compartilhada. Florianópolis: Voxlegem, 2014. p. 41.
Entende-se
por
equilibrado
como
aquilo
“que
se
equilibrou”,
“contrabalanceado”, “harmonizado”, nos termos do dicionário da língua portuguesa. Não há harmonia num sistema de convivência onde um genitor passa apenas o sábado e domingo quinzenalmente com seu filho, são 4 dias para 26 dias em relação ao outro genitor. Salvo situações concretas, para haver o equilíbrio exigido na lei, deverá o menor conviver com um dos pais, pelo menos, 8 dias por mês, o que corresponde a finais de semana alternados a partir de sexta (até domingo) e pelo menos uma vez na semana nos finais de semana que não passa com este genitor. Quando o período de convivência passa a ter, além dos finais de semana alternados, iniciando na sexta, mais, um ou dois dias por semana, o período passa para pelo menos, 10 a 14 dias para um genitor, dependendo do sistema de convivência fixado, enquanto ao outro ficará de 20 a 16 dias, cria-se um momento ulterior ao sistema mínimo exigido pela lei. É claro que se houver 15 dias para cada, hipoteticamente e sem prejuízo para a criança ou adolescente, o sistema é guarda compartilhada é com residência alternada, mas, por vezes não será possível por conta da distancia ou da orientação da equipe interdisciplinar no caso concreto. Em suma, a redação da atual Lei da Guarda Compartilhada (13.058/14), ao trazer a expressão “equilíbrio” para a fixação do sistema de convivência, pode-se afirmar que a mesma sugere que não haja para um dos genitores, período menor que 8 dias no mês de convivência com o filho.
E,
para
fins
técnico-doutrinário, entende-se que menos do que 10 dias por mês com um dos genitores, a Guarda Compartilhada será considerada sem residência alternada e, com 10 ou mais dias com um dos genitores, a Guarda Compartilhada será considerada com residência alternada. 9 Estudo em diversos países que experimentam o modelo de guarda compartilhada, os estudos psicológicos demonstram que o maior contato com ambos 9
FREITAS, Douglas Phillips. A Nova Guarda Compartilhada. Florianópolis: Voxlegem, 2014. p. 41.
pais são proporcionalmente mais benéficos aos filhos, do àqueles que possuem pouco contato com um dos genitores.10 Para a maioria dos casos de alto grau de conflito, na busca pela guarda exclusiva dos filhos, a guarda compartilhada com a divisão equilibrada da convivência é medida preventiva da violência. 11 3. DOS REFLEXOS DO NOVO MODELO: PENSÃO, ALIENAÇÃO PARENTAL E EM FACE DE TERCEIROS A guarda compartilhada possui grande poder em sua nomenclatura. Na prática, ela exige, da mesma forma que a guarda unilateral, a fixação do período de convivência mínimo com cada um dos pais e, a princípio, a decretação do domicílio do menor, até para fins processuais. A redação da nova lei da guarda compartilhada, de 2014, por sua vez, sugere que a convivência seja, quando possível, igualitária, porém, a fixacao de domicílio e a administração da pensão é ainda importante mesmo nesta modalidade de guarda, para que possa se saber quem paga o quê das despesas do menor, a permissão de que o menor tenha vida financeira compatível independentemente de quando estiver com pai ou mãe e, possa se saber e, para casos de litígio saber qual foro competente, pois nem sempre – mesmo na guarda compartilhada à luz da nova regra – pai e mão residirão na mesma cidade ou comarca. É claro que a Guarda Compartilhada, em reflexos práticos, não precisaria existir, salvo algumas exceções em que o guardião tem certa preferência, pois, como dito, o conceito da Guarda Compartilha nada mais é do que um resgate do conceito clássico de poder familiar, afinal os pais, quando separados, não perdem em nada o direito de gerência e fiscalização sobre seus filhos, ou seja, o compartilhamento tanto de seus direitos como de suas obrigações, inclusive a de prestar alimentos. Art. 1.632 do CC. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto 10
BAUSERMAN, R. Adaptação da criança em guarda conjunta contra arranjos mono-parental: uma revisão meta-analítica. Departamento de Saúde e Higiene mental no Journal of Family Psychology. Mar; 16 (1); 91-102; Maryland, 2002. 11 http://rooseveltcarlos.jusbrasil.com.br/artigos/166802782/guarda-compartilhada-com-alternancia-de-residenciaso-superior-interesse-da-crianca-lei-n-1305814?utm_medium=facebook&utm_source=jusbrasil&utm_campaign=socialsharer&utm_content=artigo
ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos, É dispositivo que impõe ao “guardião” o custeio, também, dos alimentos: Art. 1.703 do CC. Para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos Em teoria, somente nos casos em que o menor conviva igual período com pai e mãe, e cada um ganhando o mesmo rendimento, que não haveria pagamento de pensão, cada um pagaria 50% das despesas do menor e custearia suas necessidades quando estivesse consigo, salvo tal casuísmo, sempre haverá pensão. Além da ampliação do período de convivência, como forma primeira de combate aos efeitos e prática da alienação parental, outros institutos trazidos pela nova redação da lei n. 13.058/14, coadunam com regras e princípios norteadores da lei da alienação parental, como em art. 1.584: “§ 6o. Qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar informações a qualquer dos genitores sobre os filhos destes, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia pelo não atendimento da solicitação”. A redação ampliou à outros setores e deu maior efetividade ao que já havia nas escolas da lei n. 12.013/09, que havia dado nova redação ao art. 12 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB (9.394/96), onde em seu inc. VII aduzia que: “VII - informar pai e mãe, conviventes ou não com seus filhos, e, se for o caso, os responsáveis legais, sobre a frequência e rendimento dos alunos, bem como sobre a execução da proposta pedagógica da escola”. Por estas razões é adequado que a Lei da Alienação Parental incentive a realização da Guarda Compartilhada e, a Lei n. 13.058/14 dê um passo além, tornando-a compulsória e incentivando a convivência de forma equilibrada, pois permite a aproximação dos filhos sem a conotação de posse que advém do antigo modelo da guarda unilateral. Há um futuro à desbravar com base na nova lei e, com certeza vejo com muito otimismo seus reflexos, o que me faz parafrasear a música cantada por Raul Seixas: Um sonho que se sonha só, é só um sonho... um sonho que se sonha junto é realidade. Tornemos realidade tudo isto!