Poesia chinesa para o Brasil ler - Unesp

1 setembro2011 Jornal Unesp Lançamento Poesia chinesa para o Brasil ler Edição bilíngue traz a inovadora Yu Xuanji, que já no século IX expunha o...
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1

setembro2011

Jornal Unesp

Lançamento

Poesia chinesa para o Brasil ler Edição bilíngue traz a inovadora Yu Xuanji, que já no século IX expunha os sentimentos femininos

O

s versos da poeta chinesa Yu Xuanji (844-869) ganham sua primeira tradução para a língua portuguesa, graças à iniciativa conjunta da Editora Unesp e do Instituto Confúcio na Unesp. Em edição bilíngue, Poesia completa de Yu Xuanji (144 páginas, R$ 24, ) reúne 48 poemas e cinco fragmentos da artista. Importante marco na literatura do país, a autora viveu em um momento de efervescência cultural, durante a dinastia Tang (618-905 d.C.). Contestando a posição sub-

missa das mulheres, ela se destaca pela ousadia de seus textos, expressando angústias e sentimentos femininos, muitas vezes a partir de experiências biográficas. Um poema importante nesse aspecto é “Visitando o pavilhão sul do Templo Chongzhen – onde são divulgados os resultados dos exames para o serviço público”. Em quatro versos (“Nuvens nos picos, a primavera do olhar/ Prata entre os dedos, a clara caligrafia/Pena: os robes em seda me cobrem a poesia/Elevo a fronte: seus nomes, resta-me honrar”), Yu Xuanji descreve o anúncio dos aprovados nos exames imperiais e ela, poeta e calígrafa, lamenta não ter prestado o concurso por ser mulher.

Outro aspecto é a sensualidade, também surpreendente para a época. Um exemplo são os dois últimos versos do poema “A um mestre alquimista”, em que “Primavera: deitar-se, o teto é alto/só acordar à chuva, ao final da tarde”, segundo estudiosos, aludem ao ato sexual. Para apresentar Yu Xuanji, o livro traz notas realizadas a quatro mãos. Os responsáveis são Ricardo Primo Portugal, poeta, diplomata e co-organizador de uma antologia de Mario Quintana que foi o primeiro livro de um poeta brasileiro traduzido para o chinês, e Tan Xiao, que já trabalhou como intérprete e tradutora na Embaixada do Brasil em Pequim. Chamam a atenção no livro alguns símbolos, como os salgueiros, metáfora recorrente da despedida e tristeza da separação, na poesia chinesa clássica. Em “Para os salgueiros junto ao rio”, por exemplo, eles aparecem atrasando o movimento dos barcos, emaranhando-se nos remos. Também é possível aprender que pássaros, especialmente gansos, e peixes, animais que migram por grandes distâncias, são utilizados como símbolos de mensageiros. Os patos-mandarins, por sua vez, conhecidos por acasalarem de maneira estável pela vida toda, indicam o amor conjugal e a fidelidade. E as referências não param por aí. Uma sala de jade, na poesia chinesa, aponta para um local finamente decorado, interno ou íntimo, que ocupava um andar superior nas casas abastadas. Outra alusão importante é ao vinho verde, associado à juventude e à exuberância juvenil. Galo e milho, por exemplo, indicam a existência de um banquete. Essas informações são essenciais para mergulhar com mais profundidade no conteúdo e nas referências de diversos poemas. Dessa maneira, os textos unem literatura, cultura e tradições. A edição concretiza, portanto, o esforço dos tradutores de manter em língua portuguesa o efeito poético Detalhe de prato do final do século XVIII

Poemas Para os salgueiros junto ao rio Vultos em jade às margens devolutas à névoa assombram pavilhões distantes Reflexos deitam-se no rio do outono e flores descem sobre os pescadores Peixes ocultam-se às raízes densas enlaçam os ramos barcos visitantes Respiração da noite, a chuva e o vento Ecoam tristes sonhos revolutos

Vendendo peônias murchas O rosto ao vento, a suspirar, pétalas caem e vai-se outra primavera em seus odores Hoje ninguém as quer comprar, dizem-nas caras Intenso, afasta as borboletas, seu aroma Pétalas rubras, só crescessem em palácios Folhas de jade, vão tingir-se ao pó da estrada? Antes se transplantarem a imperiais vergeis e as colheriam belos jovens em cortejo

À espera de um amigo que não veio por causa da chuva Gansos e peixes informaram de tua ausência O galo e o milho desperdiçam-se a este tempo Tranquei-me a casa, uma gaiola sob a lua Caem fios de seda e à cortina se diluem Tão perto a fonte, vem das pedras seu rumor mas longe o rio, soam às margens suas ondas Só em viagem, vem-me o outono, chega, acerca-se e este poema é o que me resta, cada verso

dos originais e de reconstituir a informação presente nos textos, num processo que demandou pesquisas junto a estudiosos chineses e também em língua inglesa, idioma para o qual poemas de Yu Xuanji já foram traduzidos. Oscar D’Ambrosio