PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL PARA SABER MAIS
IPHAN/ MinC
CRÉDITOS PRESIDENTA DA REPÚBLICA Dilma Rousseff MINISTRA DE ESTADO Ana de Hollanda
DA
DO
BRASIL
CULTURA
PRESIDENTE DO IPHAN Luiz Fernando de Almeida DEPARTAMENTO DO PATRIMÔNIO IMATERIAL Célia Maria Corsino COORDENAÇÃO-GERAL DE IDENTIFICAÇÃO REGISTRO Ana Gita de Oliveira
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COORDENAÇÃO-GERAL DE SALVAGUARDA Teresa Maria Cotrim de Paiva-Chaves CENTRO NACIONAL DE FOLCLORE CULTURA POPULAR Cláudia Márcia Ferreira
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FICHA TÉCNICA TEXTO E REDAÇÃO FINAL Natália Guerra Brayner REVISÃO DE CONTEÚDO Maria Cecília Londres Fonseca
CAPA Detalhe das fotos: Liga Independente de bonecos de Olinda, de Passarinho; Roda do jongo de Tamandaré, de Francisco Costa; Oficinas Maramara, de Denise Grupione e Porta-lápis - Setor Coraci. Acervo Etnográfico do Programa de Artesanato do Instituto de Desenvolvimento Sustentável MamirauáIDSM. Desenhos iconográficos: Hector Julio Paride Bernabó (Carybé). PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Raruti Comunicação e Design/ Cristiane Dias
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Departamento do Patrimônio Imaterial SEPS Quadra 713/913 Sul/Bloco D 4º Andar. Brasília-DF. CEP 70390 135 Telefones: (61) 2024 5401 / 2024 5402 www.iphan.gov.br
3ª Edição revista e atualizada Brasília, março de 2012.
REVISÃO E ATUALIZAÇÃO DE CONTEÚDO PARA 3ª EDIÇÃO Natália Guerra Brayner Rívia Ryker Bandeira de Alencar
I59p
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Patrimônio Cultural Imaterial : para saber mais / Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ; texto e revisão de, Natália Guerra Brayner. -- 3. ed. -- Brasília, DF : Iphan, 2012. 36 p. : il. ; 21 cm. ISBN: 978-85-7334-210-9
1. Patrimônio Cultural. 2. Patrimônio Imaterial. I.Brayner, Natália Guerra. II. Título. CDD 363.69
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO INTRODUÇÃO
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PATRIMÔNIO DE QUEM E PARA QUÊ CUIDANDO DO QUE É NOSSO
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O INVENTÁRIO NACIONAL DE REFERÊNCIAS CULTURAIS – INRC O REGISTRO DOS BENS CULTURAIS DE NATUREZA IMATERIAL
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O INVENTÁRIO NACIONAL DA DIVERSIDADE LINGUÍSTICA - INDL O PROGRAMA NACIONAL DO PATRIMÔNIO IMATERIAL – PNPI A SALVAGUARDA DE BENS CULTURAIS REGISTRADOS
O IPHAN CUIDA E NÓS...TAMBÉM! APOIO E FOMENTO
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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APRESENTAÇÃO
“Patrimônio é tudo o que criamos, valorizamos e queremos preservar: são os monumentos e obras de arte, e também as festas, músicas e danças, os folguedos e as comidas, os saberes, fazeres e falares. Tudo enfim que produzimos com as mãos, as idéias e a fantasia”. Cecília Londres
Ao propor práticas e estratégias para a salvaguarda de bens culturais de natureza imaterial, o Iphan enfrenta o desafio de trabalhar na perspectiva de reconhecimento e valorização das diversificadas e dinâmicas referências culturais de diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. A presente publicação se propõe a divulgar as diretrizes e instrumentos que norteiam e tornam possíveis as atividades de identificação, registro e salvaguarda do patrimônio imaterial. Desse modo, o Iphan pretende também promover uma reflexão crítica sobre essa política, de forma que todos os leitores percebam a importância da contribuição de cada um de nós, por meio da criatividade e do diálogo permanente, para o aperfeiçoamento dessas estratégias e instrumentos de salvaguarda e sua adequação aos contextos específicos de cada bem cultural. Artesanato produzido por herdeiros de Mestre Vitalino. Feira de Caruaru, Caruaru-PE. Aurélio Fabian, 2005. Acervo Iphan.
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INTRODUÇÃO Entende-se por cultura todas as ações por meio das quais os povos expressam suas “formas de criar, fazer e viver” (Constituição Federal de 1988, art. 216). A cultura engloba tanto a linguagem com que as pessoas se comunicam, contam suas histórias, fazem seus poemas, quanto a forma como constroem suas casas, preparam seus alimentos, rezam, fazem festas. Enfim, suas crenças, suas visões de mundo, seus saberes e fazeres. Trata-se, portanto, de um processo dinâmico de transmissão, de geração a geração, de práticas, sentidos e valores, que se criam e recriam (ou são criados e recriados) no presente, na busca de soluções para os pequenos e grandes problemas que cada sociedade ou indivíduo enfrentam ao longo da existência. As pessoas fazem parte de diferentes grupos sociais, cujo alcance pode ou não ser local: o grupo da igreja, o grupo de fundadores da cidade, o grupo dos comerciantes, o grupo das mulheres, o grupo dos seringueiros, entre outros. Assim, durante sua vida, as pessoas constroem suas identidades ao se relacionarem umas com as outras em diferentes contextos e situações. A identidade de uma pessoa é formada com base em muitos fatores: sua história de vida, a história de sua família, o lugar de onde veio e onde mora, o jeito como cria seus filhos, fala e se expressa, enfim, tudo aquilo que a torna única e diferente das demais. Algo semelhante acontece com um grupo social. As pessoas de cada grupo social compartilham histórias e memórias coletivas, visões de mundo e modos de organização social próprios. Ou seja, as pessoas estão ligadas por um passado comum e por uma mesma língua, por costumes, crenças e saberes comuns, coletivamente partilhados. A cultura e a memória são elementos que fazem com que Ao lado: Baiana de Acarajé na Festa de Santa Bárbara. Largo do Pelourinho, Salvador-BA. Francisco Moreira da Costa, 2004. Acervo Iphan. Nesta página: Peixes. Yrowaite Wajãpi, 2000. Espinha de anaconda e sapos. Kumai Wajãpi, 1983. Espinha de anaconda. Waivisi Wajãpi, 1983. Arte gráfica kusiwa do povo indígena Wajãpi do Amapá.
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À esquerda: Feira de Flandres na Feira de Caruaru. Aurélio Fabian, 2003. À direita: Rua José Paulino, bairro do Bom Retiro, São Paulo-SP. João Bacellar, 2005. Acervo Iphan.
as pessoas se identifiquem umas com as outras, ou seja, reconheçam que têm e partilham vários traços em comum. Nesse sentido, pode-se falar da identidade cultural de um grupo social. Quando alguém é identificado como wajãpi, por exemplo, apresenta uma série de características deste povo indígena como o jeito de falar, o uso de adereços ou pinturas no corpo, o modo de construir casas, as formas de celebrar, de narrar os mitos que são contados pelos mais velhos aos jovens. No Brasil, existem cerca de 220 povos indígenas diferentes, com costumes, tradições, línguas e histórias também diferentes. Quanto mais se conhece e aprende sobre esses povos, mais se aprende a identificar e valorizar as diferenças entre eles. Nem sempre, porém, as pessoas “falam” tão claramente para as outras sobre a sua identidade. Não porque tenham vergonha ou não se sintam identificadas com os aspectos da sua cultura. É que para elas tudo é vivido de forma tão natural, no dia-a-dia, que, a não ser que precisem se defender contra o preconceito, ou se afirmar entre pessoas que ainda não as conhecem, não sentem necessidade de anunciar suas características particulares, suas marcas de distinção, o que as diferencia de outros grupos sociais, de outras comunidades. O que torna uns diferentes dos outros, às vezes, pode ser reconhecido nas coisas mais simples, como as várias maneiras de fazer farinha, os diferentes modos de construir barcos, de tecer redes, de fazer renda, de contar uma história. O modo de ser das pessoas, sua cultura, vai muito além das aparências que reconhecemos à primeira vista, ou seja, de seu
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modo de vestir, dos lugares que freqüentam, de seus costumes e crenças. Por exemplo, tomemos os motoboys, que percorrem as ruas das cidades com seus capacetes e suas roupas de couro. Quando tiram essa sua roupa, no seu tempo livre, provavelmente vão se dedicar às mais variadas atividades: uns vão freqüentar um culto religioso, outros vão a bares, outros a bailes funk ou forrós, etc. Provavelmente, a grande maioria vai frequentar algumas dessas e muitas outras atividades. Tomemos outro exemplo: uma pessoa que migrou do sertão nordestino para uma cidade grande do sudeste certamente vai assimilar novos hábitos e costumes, talvez até mude algumas de suas crenças e valores, mas é muito provável que conserve traços e apego à sua cultura de origem, o que a tornará ao mesmo tempo próxima mas, por outro lado, diferente das pessoas que permaneceram em sua terra natal. Do mesmo modo, reconhecer que todos os povos produzem cultura e que cada um tem uma forma diferente de se expressar é aceitar a diversidade cultural. Ou seja, é reconhecer que não existem culturas mais importantes, ou melhores que outras, e sim culturas diferentes! O Brasil é um país de grande diversidade cultural. Isso porque, na nossa história, vários grupos étnicos e sociais participaram da formação do país e ofereceram diferentes contribuições culturais: povos indígenas, portugueses, holandeses, italianos, africanos, árabes, japoneses, judeus, ciganos, entre outros. As culturas que essas pessoas trouxeram nos seus modos de ser, nas suas visões de mundo, nas suas memórias, foram transformadas no contato com outras culturas já aqui presentes e também causaram transformações nessas culturas. Dessa forma, participaram da formação da cultura brasileira, tão plural e ricamente diversa. Liga Independente de Bonecos, Olinda-PE. Acervo Iphan.
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Mário de Andrade (1893-1945) estudou literatura, música, artes plásticas, folclore, arquitetura e foi também um grande escritor brasileiro. Ele viajou pelo país filmando, fotografando e escrevendo sobre danças, canções, “causos”, lendas, etc. A obra deixada por Mário de Andrade evidencia que ele procurava associar conhecimento e reflexão com ações de reconhecimento e valorização da cultura enquanto elemento essencial da identidade de nosso povo. Mário de Andrade foi autor do anteprojeto de criação Serviço do Patrimônio Artístico Nacional e participou das primeiras ações realizadas por essa instituição. Entre 1941 e 1945, foi diretor da regional do Iphan em São Paulo. Ainda na primeira metade do século XX, outros importantes pesquisadores da cultura popular, como Câmara Cascudo (1898-1986), Gilberto Freyre (1900-1987), Sílvio Romero (1851-1914) e Édison Carneiro (1912-1972), também produziram conhecimento e documentação de festas, costumes, técnicas de produção de barcos, tecidos, rendas, enfim, de saberes e fazeres enraizados no cotidiano das comunidades pelo Brasil afora.
Durante um longo período, essa diversidade cultural do Brasil não foi valorizada. Afirmava-se, quando muito, uma identidade nacional formada a partir da contribuição de três raças: a indígena, a portuguesa e a africana. Isso começou a mudar quando, na década de 1920 do século XX, um grupo de artistas e intelectuais se reuniu no que veio a se chamar de Movimento Modernista, que passou a buscar e a valorizar as diferentes raízes da cultura brasileira. Integrantes desse movimento também participaram, em 1937, da criação do então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN, entre os quais merece destaque o escritor e pesquisador Mário de Andrade. Hoje, com o nome de Instituto Histórico e Artístico Nacional, o Iphan desenvolve ações de preservação do patrimônio cultural em todo o território nacional. Ao longo destes mais de 70 anos de existência, o Iphan tem trabalhado no sentido de reformular e aperfeiçoar suas estratégias de atuação para atender aos novos desafios e demandas que surgem, na
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Tambor de Crioula no Maranhão. Edgard Rocha, 2005. Acervo Iphan.
medida em que as noções de cultura, povo, identidade, nação e patrimônio são reinterpretadas e ampliadas. Isso significa dizer que o entendimento do que é patrimônio cultural é construído ao longo do tempo, a partir de reflexões sobre as experiências de preservação e pesquisas realizadas pelo próprio Iphan e também por outras instituições, nacionais e internacionais, que atuam nesse campo, assim como a partir da observação e incorporação de iniciativas dos diferentes setores da sociedade.
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A N O Ç Ã O D E PAT R I M Ô N I O AO LONGO DO TEMPO A palavra patrimônio vem de pater, que significa pai. Tem origem no latim, uma língua hoje morta que deu origem à língua portuguesa. Patrimônio é o que o pai deixa para o seu filho. Assim, a palavra patrimônio passou a ser usada quando nos referimos aos bens ou riquezas de uma pessoa, de uma família, de uma empresa. Essa idéia começou a adquirir o sentido de propriedade coletiva com a Revolução Francesa no século XVIII. Naquele momento, muitos revolucionários queriam destruir todas as obras de arte, castelos, prédios e objetos pertencentes à nobreza, assim como os templos que lembravam o poder do clero. Alguns intelectuais manifestaramse contra esta atitude, argumentando que, além do valor econômico e artístico, aqueles monumentos e objetos também contavam a história do povo da França, dos camponeses, dos comerciantes, dos pobres. Ou seja, o valor histórico daqueles bens ia além da história dos reis, do clero, dos nobres e de toda a corte francesa. Assim, esses bens deveriam ser preservados no interesse de um conjunto maior de pessoas: para a população que compunha a nação francesa. A noção de patrimônio histórico surge, portanto, vinculada à noção de cidadania. A idéia de um patrimônio cultural que fosse reconhecido como de interesse da humanidade começou a ser pensada pouco depois da II Guerra Mundial (1939-1945), durante a qual vários monumentos preciosos, situados em quase todos os países envolvidos no conflito, foram destruídos, o que significou uma perda sem retorno para o conhecimento de culturas antigas e da história dessas nações. Mas essa idéia só se tornou efetiva quando foi anunciado que ia ser
PATRIMÔNIO DE QUEM E PARA QUÊ O patrimônio cultural de um povo é formado pelo conjunto dos saberes, fazeres, expressões, práticas e seus produtos, que remetem à história, à memória e à identidade desse povo. A preservação do patrimônio cultural significa, principalmente, cuidar dos bens aos quais esses valores são associados, ou seja, cuidar de bens representativos da história e da cultura de um lugar, da história e da cultura de um grupo social, que pode, (ou, mais raramente não), ocupar um determinado território. Trata-se de cuidar da conservação de edifícios, monumentos, objetos e obras de arte (esculturas, quadros), e de cuidar também dos usos, costumes e manifestações culturais que fazem parte da vida das pessoas e que se transformam ao longo do tempo. O objetivo principal da preservação do patrimônio cultural é fortalecer a noção de pertencimento de indivíduos a uma sociedade, a um grupo, ou a um lugar, contribuindo para a ampliação do exercício da cidadania e para a melhoria da qualidade de vida. A idéia de patrimônio não está limitada apenas ao conjunto de bens materiais de uma comunidade ou população, mas também se estende a tudo aquilo que é considerado valioso pelas pessoas,
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mesmo que isso não tenha valor para outros grupos sociais ou valor de mercado. Mas como é possível saber o que é o patrimônio cultural de um grupo social, de vários grupos, de uma comunidade, de uma sociedade inteira, de uma nação? Será que tudo é patrimônio? Como é possível saber o que é tão valioso para uma sociedade que ela queira conservar para as futuras gerações? Como será que acontece essa escolha? Vamos pensar um pouco na casa de uma pessoa: existem objetos que são considerados importantes pela família e colocados na sala de visitas de forma que todos aqueles que visitem a casa possam ver esses objetos. Um vaso é colocado sobre a mesa seja porque é considerado bonito, seja porque pertenceu aos pais ou avós do dono da casa, ou por alguma outra razão que só os moradores da casa conhecem. Às vezes, também estão expostas, em local visível, fotos de família ou de viagens realizadas pelos donos da casa, imagens que contam um pouco da vida daquelas pessoas. Muitas vezes objetos sagrados ganham destaque, como a imagem de um santo, por exemplo. Tudo o que se escolhe mostrar para os amigos que serão recebidos é selecionado a partir de uma história que se
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construída, no sul do Egito, a grande barragem de Assuam, cujas águas, que iam tornar férteis terras desérticas nas margens do rio Nilo, iam também inundar belos e antiqüíssimos templos e túmulos de faraós. Como o governo egípcio não tinha condições de financiar, sozinho, a transposição desses bens históricos para outro local próximo, o então Ministro da Cultura da França, o escritor André Malraux, lançou um apelo para a comunidade internacional, dizendo que aqueles bens culturais não pertenciam apenas ao Egito, mas faziam parte da história e da cultura da humanidade, e que, portanto, era responsabilidade de todos os países contribuírem para sua salvaguarda. Esse apelo foi acolhido pela UNESCO, órgão da Organização das Nações Unidas, que coordenou os esforços para essa ação. A partir daí, foi elaborada a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural (1972), e criada a Lista do Patrimônio Mundial. Hoje há mais de quase 1.000 bens inscritos nessa Lista. No entanto, com o passar dos anos, foi ficando evidente que só estavam sendo inscritos na Lista do Patrimônio Mundial bens considerados de valor excepcional selecionados conforme os critérios de valoração das culturas européias, como palácios, igrejas, conjuntos urbanos, enfim, edificações feitas nos estilos documentados pelos historiadores das culturas do Ocidente. Ficavam de fora, assim, manifestações que indígenas das Américas, e tribos da África e da Oceania, por exemplo, consideravam sua maior riqueza, como rituais, narrativas sobre sua origem, lugares da natureza usados como templos, formas de fabricar objetos, etc. Foi, portanto, a partir de uma análise crítica dos limites da Lista do Patrimônio Mundial que a UNESCO começou a desenvolver uma série de programas que levaram à elaboração da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (2003).
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Círio de Nazaré, Belém-PA. Francisco Costa. Acervo Iphan.
quer contar, da vontade de compartilhar a beleza de algum objeto, do desejo de mostrar o quão importante são determinadas crenças para as pessoas daquela casa. Dessa forma, todos os que a visitam podem conhecer um pouco melhor as pessoas que ali vivem: descobrem alguns de seus gostos, um pouco de seu passado, sobre o que acreditam. O patrimônio cultural de uma sociedade é também fruto de uma escolha, que, no caso das políticas públicas, tem a participação do Estado por meio de leis, instituições e políticas específicas. Essa escolha é feita a partir daquilo que as pessoas consideram ser mais importante, mais representativo da sua identidade, da sua história, da sua cultura. Ou seja, são os valores, os significados atribuídos pelas pessoas a objetos, lugares ou práticas culturais que os tornam patrimônio de uma coletividade (ou patrimônio coletivo). Detalhe da peça “Conjunto de Jongo”. Idalina da Costa Barros, Taubaté. Acervo do Museu Edison Carneiro.
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Paneleiras de Goiabeiras, Vitória-ES. Acervo Iphan.
Por exemplo, as famosas panelas de barro do Espírito Santo são valiosas porque, além de proporcionarem um modo de ganhar a vida para muitas artesãs do bairro de Goiabeiras, em Vitória, no Espírito Santo, são produto de uma atividade tradicional, de origem indígena, repassada de mãe para filha ao longo de séculos. Isso a torna elemento fundamental para a memória e a identidade cultural desse grupo e desse lugar. Os significados atribuídos aos bens culturais, assim como às práticas a eles associadas, podem se transformar ao longo do tempo e também podem variar de uma pessoa para outra, de uma família para outra, de um bairro para outro. Temos assim, por exemplo, os diversos grupos que brincam o boi não apenas no Maranhão, mas também no Piauí e em vários outros estados brasileiros. Podemos citar também as festas de São João e as tradicionais brincadeiras de roda e de pião que ocorrem por todo o país e apresentam variações de forma e significado de um lugar para outro. Independentemente dos mais diversos significados que possam ser atribuídos a uma manifestação ou bem cultural, considera-se patrimônio aquele que é reconhecido pelo grupo
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Ritual xamanístico Maraká dos Asuriní do Xingu. Renato Delarole, 1978. Acervo Iphan.
social como referência de sua cultura, de sua história, algo que está presente na memória das pessoas do lugar e que faz parte do seu cotidiano.
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Produção da viola-de-cocho. Francisco Moreira da Costa, 2004. Acervo Iphan.
Nem sempre toda a comunidade está de acordo com a escolha feita sobre aquilo que será declarado patrimônio. Como já foi dito, para algumas pessoas, ou coletividades, algumas coisas são mais importantes do que para outras. Também há de se considerar que, muitas vezes, a preservação de um bem cultural pode ser interpretada como algo que atrapalha os interesses de alguém, de algum grupo ou da coletividade como um todo. Isso implica numa busca contínua por soluções negociadas que permitam a preservação e a valorização dos bens e práticas culturais, em meio a conflitos e disputas de interesses e de valores: qual história deve ser lembrada e contada, quais belezas devem ser valorizadas e preservadas, quais costumes são mais significativos para as pessoas do lugar. Nessas disputas também estão em jogo projetos para o futuro: manter as árvores da cidade ou ampliar as ruas para o fluxo do trânsito, aceitar que atores profissionais desempenhem papéis na representação do bumba-meu-boi ou manter apenas brincantes locais?
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CUIDANDO DO QUE É NOSSO Somente quando se sente parte integrante de uma cidade ou de uma comunidade é que o cidadão dá valor às suas referências culturais. Essas referências são chamadas de bens culturais e podem ser de natureza material ou imaterial. Os bens culturais materiais (também chamados de tangíveis) são paisagens naturais, objetos, edifícios, monumentos e documentos. Os bens culturais imateriais estão relacionados aos saberes, às habilidades, às crenças, às práticas, aos modos de ser das pessoas. Assim, o Iphan trata de preservar o patrimônio cultural tanto de natureza material quanto imaterial. Dentro do Iphan, o Departamento do Patrimônio Imaterial, como já diz seu próprio nome, cuida da preservação dos bens culturais de natureza imaterial. Na preservação deste tipo de bem cultural importa cuidar dos processos e práticas, importa valorizar os saberes e os conhecimentos das pessoas. São os ofícios e saberes artesanais, as maneiras de pescar, caçar, plantar, cultivar e colher, de utilizar plantas como alimentos e remédios, de construir moradias, as danças e as músicas, os modos de vestir e falar, os rituais e festas religiosas e populares, as relações sociais e familiares que revelam os múltiplos aspectos da cultura cotidiana de uma comunidade. A Constituição Federal de 1988, artigos 215 e 216, ampliou a noção de patrimônio cultural ao reconhecer a existência de bens culturais de natureza material e imaterial, e, também ao estabelecer outras formas de preservação – como o registro e o inventário – além do tombamento, instituído pelo Decreto-lei no. 25, de 30 de novembro de 1937, e que é adequado principalmente à proteção de edificações, paisagens e conjuntos históricos urbanos. Nesses artigos da Constituição, reconhece-se também a necessidade de se incluir, no patrimônio a ser preservado pelo Estado em parceria com a sociedade, bens culturais que sejam referências dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. Detalhe da peça “Casa de Farinha”de Sólon, Museu do Mamulengo, PE. Luis Santos/Reflexo. Acervo Iphan.
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Com o objetivo de criar instrumentos adequados ao reconhecimento e à preservação de bens culturais imaterias, que são de natureza processual e dinâmica, tais como as “formas de expressão”, e “os modos de criar, fazer e viver”, citados no Art. 216 da Constituição Federal de 1988, o Iphan coordenou os estudos que resultaram na edição do Decreto 3.551, de 04 de agosto de 2000, que “institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial”. Nesse mesmo ano, o Iphan também consolidou o Inventário Nacional de Referências Culturais. Em 2010, um novo instrumento passou a ser utilizado para o reconhecimento e a valorização das línguas portadoras de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira: o Inventário Nacional da Diversidade Linguística – INDL (Decreto nº 7.387, de 09 de dezembro de 2010). Art. 215. Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. • § 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. • § 2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais. • § 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à: I - defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II - produção, promoção e difusão de bens culturais; III - formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; IV - democratização do acesso aos bens de cultura; V - valorização da diversidade étnica e regional. Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. • § 1º O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. • § 2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem. • § 3º A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais. • § 4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei. • § 5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos. • § 6º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, para o financiamento de programas e projetos culturais, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de: I - despesas com pessoal e encargos sociais; II - serviço da dívida; III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados.
Artesanato produzido por herdeiros de Vitalino. Arquivo Raruti.
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O Inventário Nacional de Referências Culturais-INRC Qual o significado dessas leis e decretos? De que forma o Iphan está trabalhando hoje? E nós, cidadãos, como podemos participar? “Referências são as edificações e são paisagens naturais. São também as artes, os ofícios, as formas de expressão e os modos de fazer. São as festas e os lugares a que a memória e a vida social atribuem sentido diferenciado: são as consideradas mais belas, são as mais lembradas, as mais queridas. São fatos, atividades e objetos que mobilizam a gente mais próxima e que reaproximam os que estão longe, para que se reviva o sentimento de participar e de pertencer a um grupo, de possuir um lugar. Em suma, referências são objetos, práticas e lugares apropriados pela cultura na construção de sentidos de identidade, são o que popularmente se chama de raiz de uma cultura.” In: Iphan. Inventário Nacional de Referências Culturais. Manual de Aplicação. Fev./2000.
O Inventário Nacional de Referências Culturais – INRC é um instrumento de conhecimento de bens culturais de qualquer natureza. Mas, o que é um inventário? Fazer um inventário é fazer um levantamento, uma listagem descritiva dos bens de uma pessoa. No caso, quando se fala em inventariar os bens culturais de um lugar ou de um grupo social está se falando em identificar bens culturais que remetem às referências culturais desse lugar ou grupo. Para que se possa preservar um bem cultural, é importante saber não apenas que ele existe, mas também se a manifestação cultural é praticada pela população local, se as pessoas têm dificuldade ou não em realizá-la, que tipos de problema a afetam, como essa tradição vem sendo transmitida de uma geração para outra, que transformações têm ocorrido, quem são as pessoas que hoje atuam diretamente na manutenção dessa tradição, entre vários outros aspectos relativos à existência daquele bem cultural. Todas essas informações são importantes para que se possa identificar quais são os principais problemas que as pessoas enfrentam para manter viva uma manifestação cultural e o que pode ser feito para que um determinado bem cultural não deixe de existir. Ou seja, o primeiro passo para se preservar alguma coisa é conhecê-la. O Inventário Nacional de Referências Culturais é um instrumento para conhecer e documentar bens culturais, como também para conhecer o valor atribuído pelos grupos sociais a esses bens. Assim, ao realizar esse trabalho de inventário, o Iphan está, Balaio grande. Setor Coraci, Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amaná-AM. Acervo Etnográfico do Programa de Artesanato do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá-IDSM.
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ao mesmo tempo, documentando e identificando problemas e soluções para a salvaguarda das manifestações culturais. Como assim? Por exemplo, quando alguém escreve um diário ou tira fotografias em uma viagem, essa pessoa está registrando coisas que aconteceram em sua vida, paisagens e lugares em que esteve e momentos vivenciados junto com familiares e amigos. Ao se inventariar um bem cultural, trata-se de descrever e documentar uma manifestação cultural por meio da realização de entrevistas, produção de textos, fotografias, desenhos, gravações sonoras, filmagens, entre outros recursos de documentação. Trata-se também de levantar todas as fontes de informação possíveis já produzidas sobre aquele bem. Produz-se assim um conhecimento atual de como é aquele bem cultural e também uma memória das coisas que foram vistas e estudadas durante a realização do inventário. Por que esses registros documentais de uma manifestação cultural são importantes? Porque uma dança, um canto, um jeito de se vestir vai se transformando com o passar do tempo. Às vezes, uma expressão cultural pode deixar de existir porque tudo aquilo que fazia com que ela existisse se transformou, foi destruído ou esquecido. Nos estados do Mato-Grosso e Mato-Grosso do Sul, as tradições culturais do cururu e do siriri - rodas de música e dança realizadas como diversão ou em dias de festa de santos católicos - dependem de uma série de fatores para continuar ocorrendo. Entre outros, depende de que os mais jovens queiram aprender a fazer e a tocar a viola-de-cocho, um instrumento musical fabricado pelos curureiros de forma artesanal. Além da transmissão dessa tradição aos mais jovens, é também importante a preservação de espécies vegetais que servem de matéria-prima para produção da viola, pois há o risco de extinção de algumas destas espécies. Nesse sentido, estudos têm sido feitos para que o manejo de matérias-primas não provoque a extinção de certos tipos de plantas e, em alguns casos, para que a matéria-prima tirada da natureza passe a ser substituída por produtos industriais.
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Outras dificuldades podem ocorrer. Por exemplo, pode ser que os espaços onde uma festa costumava acontecer não existam mais, ou estejam destinados a outros fins, pode ser que a matéria-prima para a produção de um determinado bem não esteja mais acessível. Entretanto, essas dificuldades podem ser superadas quando as pessoas querem manter viva uma tradição. E se é esse o desejo das pessoas, elas precisam lutar por isso e buscar apoio nos órgãos governamentais, nas associações, nos Conselhos de Cultura locais, empresas que possam patrocinar eventos ou atividades, entre outros. Assim, ter uma manifestação cultural documentada (por meio de descrições textuais, fotos, vídeos, desenhos, entre outros) pode servir a diversos fins: como fonte de pesquisa, como referências do passado para que possamos entender quem somos hoje, como memória de uma manifestação cultural que não mais ocorre, mas que permanece viva na memória das pessoas e que pode vir a ser reorganizada.
O R e g i s t ro d e B e n s C u l t u r a i s d e N a t u re z a I m a t e r i a l Outro instrumento de que se dispõe para a preservação do patrimônio cultural é o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial, já mencionado. Por meio do Registro se reconhece que um bem faz parte do patrimônio cultural da nação brasileira, juntamente, por exemplo, entre tantos outros, com as cidades de Ouro Preto, em Minas Gerais, de Olinda, em Pernambuco, e o Plano IX Encontro de Jongueiros. Grupo de Caxambu de Miracema, RJ. Francisco Moreira da Costa, 2004. Acervo Iphan.
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Piloto de Brasília, no Distrito Federal. O Registro se efetiva por meio da inscrição do bem em um ou mais de um dos seguintes Livros: Livro de Registro dos Saberes – para a inscrição de conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades; Livro de Registro das Celebrações – para rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social; Livro de Registro das Formas de Expressão – para o registro das manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas; e Livro de Registro dos Lugares – destinado à inscrição de espaços como mercados, feiras, praças e santuários, onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas. Os bens inscritos em um ou mais de um desses Livros de Registro recebem o título de Patrimônio Cultural do Brasil. Esse reconhecimento, por meio do instrumento do Registro, de bens e expressões representativos da diversidade cultural brasileira, significa mais do que a mera atribuição de um título. Tem como efeito a obrigação, por parte do poder público, de documentar e dar ampla divulgação a esse bem, de modo que toda a sociedade possa ter acesso a informações sobre sua origem, sua trajetória e as transformações por que passou ao longo do tempo; seus modos de produção; seus produtores; o modo como é consumido e como circula entre os diferentes grupos da sociedade, entre outros aspectos relevantes. Ou seja, consiste na identificação dos significados atribuídos ao bem e na produção de vídeos ou material sonoro sobre suas características e contexto cultural. Cachoeira de Iauaretê – Lugar sagrado dos povos indígenas dos Rios Uaupés e Papuri. Ana Gita de Oliveira, 2005. Acervo Iphan.
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Acima: Rodas das Paparutas da Ilha de Paty. Maragogipe, BA. Luiz Santos, 2004. Acervo Iphan. Abaixo: Panela. Comunidade Jarauá, Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá-AM. Acervo Etnográfico do Programa de Artesanato do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá-IDSM.
A inscrição de bens nos Livros de Registro do Iphan contribui, portanto, para o reconhecimento e a valorização do papel de uma determinada manifestação cultural na formação da cultura brasileira. Esse ato contribui também para estimular o envolvimento da sociedade na tarefa de preservar esses bens, e para criar condições para um apoio efetivo na sua salvaguarda por parte de instituições públicas e privadas, em nível federal, estadual e municipal, de organismos internacionais e, sobretudo, de cada cidadão. O Ofício das Paneleiras de Goiabeiras, em Vitória, no Espírito Santo, foi o primeiro bem cultural a ser registrado como Patrimônio Cultural do Brasil no ano de 2002. Alguns Registros foram produzidos a partir de inventários. Pode-se mencionar, por exemplo, alguns inventários realizados no âmbito do Projeto Celebrações e Saberes da Cultura Popular que, entre 2001 e 2006, foi desenvolvido pelo Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular – CNFCP, unidade vinculada ao Departamento do Patrimônio
Acima: Artesanato com sementes e miçangas. Parque Indígena Tumucumaque-PA. D. Grupioni, 2006. Acervo Iphan. Abaixo: Porta-lápis. Setor Coraci, Reserva de Desenvolvimento Sustentável MamirauáAM. Acervo Etnográfico do Programa de Artesanato do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá-IDSM.
Imaterial do Iphan1. O inventário de identificação e referenciamento dos feijões gerou o Registro do Ofício das Baianas de Acarajé. Da mesma forma, o Modo de Fazer Viola de Cocho no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e o Complexo Cultural do Bumba Meu Boi do Maranhão também foram registrados a partir de inventários. Muitos outros bens já foram registrados e a lista completa pode ser consultada no sítio eletrônico do Iphan (www.iphan.gov.br), onde também é possível acessar o Banco de Dados de Bens Culturais Registrados – BCR.
O Inventário Nacional da Diversidade Linguística – INDL No Brasil de hoje são faladas cerca de 210 línguas. Os grupos indígenas falam cerca de 180 línguas e as comunidades de descendentes de imigrantes, cerca de 30 línguas. Além disso, usam-se, pelo menos, duas línguas de sinais de comunidades surdas, línguas crioulas e práticas linguísticas diferenciadas nas comunidades remanescentes de quilombos, muitas já reconhecidas pelo Estado brasileiro, e também em outras comunidades afrobrasileiras. Há uma ampla riqueza de usos, práticas e variedades no âmbito da própria língua portuguesa falada no Brasil. 1. O Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, que constituía um setor da FUNARTE desde 1985, foi incorporado à estrutura do Iphan em 2004 e vinculado ao Departamento do Patrimônio Imaterial deste Instituto como unidade autônoma de preservação e salvaguarda do patrimônio da cultura popular. Seu acervo de objetos de arte, conhecimentos e documentação foi reunido em seis décadas de experiência institucional, que teve origem nas atividades da Comissão Nacional de Folclore, criada em 1947, transformada depois na Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, em 1958, e no Instituto Nacional do Folclore, em 1980.
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O Inventário Nacional da Diversidade Linguística – INDL é um instrumento de identificação, documentação, reconhecimento e valorização das línguas Porta-lápis boto. Comunidade Jarauá, Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá-AM. Acervo portadoras de referência à identidade, à Etnográfico do Programa de Artesanato do Instituto ação, à memória dos diferentes grupos de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá-IDSM. formadores da sociedade brasileira. Seu objetivo é mapear, caracterizar, diagnosticar e dar visibilidade às diferentes situações relacionadas à pluralidade linguística brasileira, de modo a permitir que as línguas sejam objeto de políticas patrimoniais que colaborem para sua continuidade e valorização. O INDL prevê que o Ministério da Cultura, por meio do Iphan, atue de forma compartilhada como os Ministérios da Educação, Justiça, Ciência e Tecnologia e Planejamento, Orçamento e Gestão. As línguas inventariadas recebem o título de “Referência Cultural Brasileira”, a ser expedido pelo Ministro da Cultura, e, com isso, fazem jus a ações de valorização e promoção por parte do poder público. Bordados de bumba-meu-boi. Márcio Vasconcelos. Acervo do CNFCP/Iphan.
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O P ro g r a m a N a c i o n a l d o Patrimônio Imaterial – PNPI O Decreto de nº 3.551/2000 criou o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial. Este programa é uma maneira do governo federal apoiar e fomentar, por meio do estabelecimento de parcerias, projetos de identificação, reconhecimento, salvaguarda e promoção do patrimônio cultural brasileiro. Os objetivos do PNPI são o de implementar uma política nacional de inventário, registro e salvaguarda de bens culturais de natureza imaterial; contribuir para a preservação da diversidade cultural do país e para a divulgação de informações sobre o patrimônio cultural brasileiro para toda a sociedade. O Programa tem ainda os objetivos de captar recursos; promover a constituição de uma rede de parceiros; incentivar e apoiar iniciativas e práticas de preservação desenvolvidas pela sociedade por meio de seleção de projetos. Em 2011, o Edital de Seleção de Projetos do PNPI foi reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO como um programa que melhor reflete os princípios e objetivos da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Imaterial, instrumento internacional aprovado pela Conferência Geral da UNESCO em 2003.
Grafismo imenu do povo indígena Tiriyó. Parque Indígena Tumucumaque-PA. D. Grupioni, 2006. Acervo Iphan.
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Dançarinos de frevo, PE. Acervo Iphan.
A s a l v a g u a rd a d e b e n s c u l t u r a i s re g i s t r a d o s Os bens culturais registrados são necessariamente inventariados, documentados e estudados. Esses estudos ajudam a identificar quais problemas ameaçam a continuidade da existência desses bens e também de que forma sua produção, circulação e valorização podem contribuir para melhorar a vida das pessoas que com eles se identificam. Para que um bem seja registrado como Patrimônio Cultural do Brasil, é preciso incluir no processo recomendações para a salvaguarda daquele patrimônio, ou seja, indicações do que precisa ser feito para que aquele bem cultural seja preservado. Para os bens Registrados como Patrimônio Cultural do Brasil tem sido elaborados, junto com os grupos produtores destas manifestações e com instituições públicas e/ou privadas, projetos
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que envolvem uma série de ações necessárias à sua preservação. A partir do Registro o desafio é o da interlocução permanente entre Estado e sociedade para elaboração de um planejamento estratégico com ações de curto, médio e longo prazo a serem executadas de modo compartilhado. Este planejamento estratégico é chamado de plano de salvaguarda pelo Iphan. O plano de salvaguarda indica de que forma o Estado e a sociedade agirão, a partir daquele momento para preservar, as condições que permitem a continuidade da manifestação cultural registrada. Nesse processo de formulação e implementação dos planos de salvaguarda, tão importante quanto o comprometimento das instituições envolvidas com a execução das ações acordadas, é a participação dos grupos e segmentos produtores do bem cultural em todas as etapas de formulação do plano e de realização das ações previstas. Para tanto, o Iphan apoia ações que possibilitem e/ou fortaleçam a autodeterminação e a organização dos grupos detentores desses saberes e práticas para a gestão da salvaguarda de seus patrimônios.
Bandeiras de Festa de São João, Corumbá – MS. Isabella Banducci Amito, 2006. Acervo Iphan.
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O I P H A N C U I D A E N Ó S . . . TA M B É M ! Vimos então algumas formas utilizadas para se promover a preservação dos bens culturais do nosso país: identificar, documentar, registrar, salvaguardar. Quando o Iphan registra um bem, entre outras coisas, ele se obriga a continuar promovendo a documentação de tudo que acontece com essa manifestação cultural e a continuar apoiando a existência dessa prática. Entretanto, para que a preservação realmente ocorra, deve haver interesse e envolvimento das pessoas do lugar em cuidar de seus patrimônios. Preservar o patrimônio cultural brasileiro é responsabilidade não só do Ministério da Cultura, do Iphan e de órgãos públicos, mas também de organizações coletivas em geral e dos cidadãos. O conjunto de bens declarados Patrimônio Cultural do Brasil é um patrimônio de todos e todos são responsáveis por cuidar destes bens para que as gerações futuras também possam conhecê-los. É por isso que os planos de salvaguarda dos bens registrados como Patrimônio Cultural do Brasil contêm propostas de ações que envolvem órgãos públicos, entidades privadas e também as próprias pessoas do lugar onde a manifestação cultural acontece. A ideia é que se construa uma consciência e um respeito por tudo aquilo que precisa ser preservado para que o bem continue a existir e, ao mesmo tempo, que se explore o potencial desse bem cultural para o desenvolvimento da região e para a melhoria da vida das pessoas. Assim, é fundamental desenvolver ações que contribuam para o desenvolvimento da cidadania, que apontem caminhos para as formas como essas manifestações culturais podem contribuir para a superação das desigualdades econômicas tendo em vista um maior desen-volvimento econômico e social de uma determinada região. Artesanato produzido por herdeiros de Mestre Vitalino. Arquivo Raruti.
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Seu João do Boi e os netos, Calango e Nêgo, de São Braz. Santo Amaro da Purificação, BA. Luiz Santos, 2004. Acervo Iphan.
APOIO E FOMENTO Como já mencionado, o governo federal, por meio do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial-PNPI, busca apoiar e fomentar projetos de identificação, reconhecimento, salvaguarda e promoção do patrimônio cultural brasileiro. Quando se fala em apoio e fomento, isso significa dizer que o Iphan pode contribuir como parceiro no trabalho de instituições e grupos locais que querem preservar bens e práticas que identificam como significativos (ou “patrimônio”), de diferentes formas: repassando informações e conhecimento, sugerindo a busca de novos parceiros, auxiliando na divulgação de informações sobre os bens culturais, entre outras. Muitas ações são realizadas a partir do diálogo e da
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negociação com as pessoas que propõem projetos aos Editais do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI) ou com os grupos locais, geralmente representados por associações (de moradores, associações de amigos de um determinado bem cultural, etc). Ou seja, prefeituras, associações comunitárias, Organizações NãoGovernamentais, secretarias estaduais ou municipais, micro-empresas, enfim, todo e qualquer tipo de instituição, pública ou privada, pode, junto com o Ministério da Cultura e o Iphan, promover ações de preservação de nossos bens culturais. Desde 2005, por meio dos Editais do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial – PNPI, o Iphan tem repassado recursos para instituições públicas e privadas que apresentam projetos de mapeamento, promoção e apoio ao patrimônio cultural imaterial. Os projetos assim fomentados são sempre escolhidos a partir de critérios de seleção estabelecidos de acordo com os objetivos e linhas de ação do PNPI. Muitas vezes, ações de salvaguarda eficazes nascem de propostas pouco complexas. Por exemplo, em 2003, o Iphan foi procurado por pessoas preocupadas com o desaparecimento de um tipo de renda produzido por mulheres do município de Marechal Deodoro, em Alagoas, conhecido como Bico de Singeleza. A preocupação se devia ao fato de que apenas uma senhora, já bastante idosa, sabia como produzir essa renda. Em parceria com a prefeitura local e com a Secretaria Estadual de Cultura foram realizadas oficinas de aprendizagem do Bico de Singeleza ministradas por Dona Marinita para outras mulheres da localidade. Hoje, pouco tempo após a realização dessas oficinas, a renda está sendo produzida por um número maior de artesãs, contribuindo para a melhoria dos ganhos das famílias envolvidas nesse processo e também para a permanência desse bem cultural entre nós. Em qualquer ação de inventário, documentação e salvaguarda de bens culturais é fundamental a participação das pessoas que identificam aquela tradição cultural como sua. Somente com o
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envolvimento dessas pessoas e com a parceria de instituições locais é possível pensar numa preservação que seja realmente eficaz. Além do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial-PNPI, outros programas governamentais têm estimulado as expressões culturais brasileiras e contribuído para a sua divulgação. Sob coordenação do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular – CNFCP, o Programa de Apoio a Atividades Artesanais-PACA, promove a valorização de artesãos, a preservação de tecnologias tradicionais e a melhoria das condições de produção e comercialização de produtos. Cuidar do nosso patrimônio imaterial é tarefa que cabe não apenas a órgãos governamentais. No nosso cotidiano também podemos promover a preservação desse patrimônio: ensinar aos nossos filhos o valor dos bens culturais; procurar conhecer e valorizar nossos mestres e artistas locais; envolver-se, direta ou indiretamente, na luta pela preservação dos patrimônios ameaçados de desaparecimento; acompanhar as ações dos órgãos governamentais em prol da preservação das manifestações culturais locais; entrar em contato com os agentes governamentais, propor, sugerir; conhecer as associações civis que existem no lugar onde moramos e procurar saber se estas associações se preocupam com o patrimônio. Ir além: formar uma associação, reunir um grupo de amigos, falar, discutir, se informar, ajudar a divulgar informações. A preservação do patrimônio cultural visa, antes de mais nada, a promover, por meio da preservação de práticas culturais e de processos de produção, o exercício da cidadania e uma melhor qualidade de vida para as pessoas no presente.
Vasilha para transportar água. Asuriní do Xingu. Wagner Souza e Silva. Acervo Iphan.
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