"BRASIL DISCURSO DE S.E. A SENHORA DILMA ROUSSEFF,
PRESIDENTA DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, NA ABERTURA DO DEBATE GERAL Dÿ:68ÿ SESSAO DA ASSEMBLEIA GERAL DAS NA(ÿ()ES UNIDAS
Nova York, 24 de setembro de 2013
(sob embargo atÿ o momento de leitura)
Embaixador John Ashe, Presidente da sexag6sima-oitava Assembleia Geral das Na£;6es Unidas, Senhor Ban Ki-Moon, Secret&rio-Geral das Na£6es Unidas,
Excelentissimos Senhores Chefes de Estado e de Governo, Senhoras e Senhores,
Permitam-me uma primeira palavra para expressar minha satisfa£&o em ver um ilustre representante de Antigua e Barbuda -pais que integra o Caribe tÿo querido no Brasil e em nossa regiÿo - & frente dos trabalhos desta Sess&o da Assembleia Geral. Conte, Excelencia, com o apoio permanente de meu Governo.
Permitam-me tamb6m, j& no inicio da minha interven£&o, expressar o repedio do Governo e do povo brasileiro ao atentado terrorista ocorrido em Nair6bi. Expresso as nossas condolencias e a nossa solidariedade &s famflias das vitimas, ao povo e ao Governo do Quenia. O terrorismo, onde quer que ocorra e venha de onde vier, merecerÿ sempre nossa condena£ÿo inequivoca e nossa firme determina£&o em combate-lo. Jamais transigiremos com a barbÿrie.
Senhor Presidente, Quero trazer & considera£&o das delega£ÿSes uma quest&o a qual atribuo a maior relev&ncia e gravidade. Recentes revelaÿSes sobre as atividades de uma rede global de espionagem eletrSnica provocaram indigna?&o e repedio em amplos setores da opini&o peblica mundial. No Brasil, a situa£&o foi ainda mais grave, pois aparecemos como alvo dessa intrus&o. Dados pessoais de cidadÿos foram indiscriminadamente objeto de intercepta£&o. Informa£Ses empresariais - muitas vezes, de alto valor econSmico e mesmo estrat6gico estiveram na mira da espionagem. Tamb6m representa£ÿSes diplomÿticas brasileiras, entre elas a Missÿo Permanente junto &s Nagÿes Unidas e a pr6pria Presidencia da RepQblica tiveram suas comunica£Ses interceptadas. Imiscuir-se dessa forma na vida de outros Paises fere o Direito Internacional e afronta os principios que devem reger as rela£;Ses entre eles, sobretudo, entre na£;Ses amigas. Jamais pode uma soberania firmar-
seem detrimento de outra soberania. Jamais pode o direito & seguran£;a dos cidad&os de um pals ser garantido mediante a viola£ÿo de direitos humanos fundamentais dos cidad&os de outro pals. N&o se sustentam argumentos de que a intercepta£&o ilegal de informa£Ses e dados destina-se a proteger as na£Ses contra o terrorismo. O Brasil, Senhor Presidente, sabe proteger-se. Repudia, combate e nÿo dÿ abrigo a grupos terroristas.
Somos um pals democrÿtico, cercado de parses democr&ticos, pacfficos e respeitosos do Direito Internacional. Vivemos em paz com os nossos vizinhos hÿ mais de 140 anos. Como tantos outros latino-americanos, lutei contra o arbitrio e a censura e n&o posso deixar de defender
de modo intransigente o direito a privacidade dos individuos e a soberania de meu Pais. Semele - direito & privacidade - nÿo ha verdadeira liberdade de express&o e opini&o e, portanto, nÿo hÿ efetiva democracia. Sem respeito & soberania, n&o h& base para o relacionamento entre as Na£Ses.
Estamos, Senhor Presidente, diante de um caso grave de viola£ÿo dos direitos humanos e das liberdades civis; da invasÿo e captura de informa£Ses sigilosas relativas a atividades empresariais e, sobretudo, de desrespeito & soberania nacional. Fizemos saber ao Governo norte-americano nosso protesto, exigindo explica?Ses, desculpas e garantias
2 de que tais procedimentos nÿo se repetir&o. Governos e sociedades amigos, que buscam consolidar uma parceria efetivamente estrat6gica, como 6 o nosso caso, n&o podem permitir que a(;6es ilegais, recorrentes, tenham curso como se fossem normais.
Elas s&o inadmissfveis. O Brasil, Senhor Presidente, redobrarÿ os esfor(;os para dotar-se de legisla(;&o, tecnologias e mecanismos que nos protejam da intercepta(;ÿlo ilegal de comunica£Ses e dados. Meu Governo far& tudo que estiver a seu alcance para defender os direitos humanos de todos os brasileiros e proteger os frutos da engenhosidade de nossos trabalhadores e de nossas empresas. O problema, por6m, transcende o relacionamento bilateral de dois paises. Afeta a pr6pria comunidade internacional e dela exige resposta. As tecnologias de telecomunica(;;ÿo e informa(;&o n&o podem ser o novo campo de batalha entre os Estados. Este 6 o momento de criarmos as condi£:Ses para evitar que o espa(;o cibern6tico seja instrumentalizado como arma de guerra, por meio da espionagem, da sabotagem, dos ataques contra sistemas e infraestrutura de outros parses. A ONU deve desempenhar um papel de lideran(;a no esfor(;o de regular o comportamento dos Estados frente a essas tecnologias. Por essa raz&o, o Brasil apresentarA propostas para o estabelecimento de um marco civil multilateral para a governan(;a e uso da internet e de medidas que garantam uma efetiva prote(;&o dos dados que por ela trafegam.
Precisamos estabelecer para a rede mundial mecanismos multilaterais capazes de garantir principios como:
1 - Da liberdade de expressÿlo, privacidade do individuo e respeito aos direitos humanos. 2 - Da Governan(;a democr&tica, multilateral e aberta, exercida com transparencia, estimulando a cria£:&o coletiva e a partic!pa(;&o da sociedade, dos governos e do setor do privado. 3 - Da universalidade que assegura o desenvolvimento social e humano e a constru(;;&o de sociedades inclusivas e n&o discriminat6rias. 4 - Da diversidade cultural, sem imposi(;ÿo de cren£:as, costumes e valores.
5 - Da neutralidade da rede, ao respeitar apenas crit6rios t6cnicos e 6ticos, tornando inadmissfvel restri£:ÿo por motivos politicos, comerciais, religiosos ou de qualquer outra natureza.
O aproveitamento do pleno potencial da internet passa, assim, por uma regula(;ÿo respons&vel, que garanta ao mesmo tempo liberdade de expressÿlo, seguran(;a e respeito aos direitos humanos. Senhor Presidente, Senhoras e Senhores,
Nÿo poderia ser mais oportuna a escolha da agenda de desenvolvimento p6s-2015 como tema desta Sessÿo da Assembleia Geral. O combate & pobreza, ÿ fome e & desigualdade constitui o maior desafio de nosso tempo. Por isso, adotamos um modelo econSmico com inclus&o social, que se assenta na gera£:ÿo de empregos,
no fortalecimento da agricultura familiar, na amplia(;;ÿo do cr6dito, na valoriza(;;ÿo do sal&rio e na constru(;&o de uma vasta rede de prote(;&o social, particularmente por meio do programa Bolsa Fam|lia. AI6m das conquistas anteriores, retiramos da extrema pobreza, com o Piano Brasil sem Mis6ria, 22 milhSes de brasileiros, em apenas dois anos.
Reduzimos de forma dr&stica a mortalidade infantil. Relat6rio recente do UNICEF aponta o Brasil como pais que promoveu uma das maiores quedas deste indicador em todo o mundo. As crian£;as sÿo prioridade para o Brasil. Isso se traduz no compromisso coma educa£ÿo. Somos o pals
que mais aumentou o investimento pQblico no setor educacional, segundo o ultimo relat6rio da OCDE. Agora vinculamos, por meio de lei, 75% de todos os royalties do petr61eo para a educa£;ÿo e 25% para a saQde.
Senhor Presidente, No debate sobre a Agenda de Desenvolvimento p6s-2015 devemos ter como eixo os resultados da Rio + 20.
O grande passo que demos no Rio de Janeiro foi colocar a pobreza no centro da agenda do desenvolvimento sustentÿvel. A pobreza nÿo 6 um problema exclusivo dos paises em desenvolvimento, e a prote£&o ambiental nÿo 6 uma meta apenas para quando a pobreza estiver superada. O sentido da agenda p6s-2015 6 a constru(;;ÿlo de um mundo no qual seja possivel crescer, incluir e proteger. Ao promover, Senhor Presidente, a ascensÿo social e superar a extrema pobreza, como estamos fazendo,
criamos um imenso contingente de cidad&os com melhores condi95es de vida, maior acesso ÿ informa£ÿo e mais consciencia de seus direitos. Um cidad&o com novas esperan£as, novos desejos e novas demandas.
As manifesta(;Ses de junho, em meu Pais, s&o parte indissoci&vel do nosso processo de constru£ÿ&o da democracia e de mudan(;a social. O meu governo n&o as reprimiu, pelo contrÿrio, ouviu e compreendeu a voz das ruas. Ouvimos e compreendemos porque n6s viemos das ruas. N6s nos formamos no cotidiano das grandes lutas do Brasil. A rua 6 o nosso chÿo, a nossa base.
Os manifestantes nÿo pediram a volta ao passado. Pediram sim o avan£:o para um futuro de mais direitos, mais participa(;ÿo e mais conquistas sociais. Foi, nessa decada, que houve a maior redu(;ÿo de desigualdade dos Qltimos 50 anos. Foi nesta d6cada que criamos um sistema de prote£&o social que nos permitiu agora praticamente superar a extrema pobreza.
Sabemos que democracia gera desejo de mais democracia. Inclus&o social provoca cobran(?a de mais inclusÿo social. Qualidade de vida desperta anseio por mais qualidade de vida. Para n6s, todos os avan(;os conquistados sAo sempre s6 um comeÿo. Nossa estrategia de desenvolvimento exige mais, tal como querem todos os brasileiros e as brasileiras. Por isso, n&o basta ouvir, e necessÿrio fazer. Transformar essa extraordinÿria energia em realiza(;6es para todos.
Por isso, lancei 5 grandes pactos: o pacto pelo Combate & Corrupgÿo e pela Reforma Politica; o pacto pela Mobilidade Urbana, pela melhoria do transporte pQblico e por uma reforma urbana; o pacto pela Educa£&o, nosso grande passaporte para o futuro, com o auxilio dos royalties do petr61eo; o pacto pela SaQde, o qual preve o envio de medicos para atender e salvar as vidas dos brasileiros que vivem nos rinc6es mais remotos e pobres do pais; e o pacto pela Responsabilidade Fiscal, para garantir a viabilidade dessa nova etapa.
Senhoras e Senhores,
Passada a fase mais aguda da crise, a situa(;&o da economia mundial continua fr&gil, com nfveis de desemprego inaceitÿveis.
Os dados da OIT indicam a existencia de mais de 200 milhSes de desempregados em todo o mundo. Esse fen6meno afeta as popula(;6es de paises desenvolvidos e em desenvolvfmento. Este 6 o momento adequado para refor(;ar as tend6ncias de crescimento da economia mundial. Os parses emergentes, sozinhos, nÿo podem garantir a retomada do crescimento global. Mais do que nunca, 6 preciso uma aÿ:ÿo coordenada para reduzir o desemprego e reestabelecer o dinamismo do com6rcio internacional. Estamos todos no mesmo barco.
Meu pals est& recuperando o crescimento apesar do impacto da crise internacional nos ÿltimos anos. Contamos com trÿs importantes elementos: i) o compromisso com politicas macroecon6micas s61idas; ii) a manuten(;ÿo de exitosas polfticas sociais inclusivas; iii) e a ado(;;&o de medidas para aumentar nossa produtividade e, portanto, a competitividade do Pais. Temos compromisso coma estabilidade, com o controle da infla(;;&o, coma melhoria da qualidade do gasto peblico e a manuten(;;ÿlo de um bom desempenho fiscal. Segufmos, Senhor Presidente, apoiando a reforma do FMI. A governanÿa do fundo deve refletir o peso dos Parses emergentes e em desenvolvimento na economia mundial. A demora nessa adapta(;&o reduz sua legitimidade e sua eficÿcia. Senhoras e Senhores,
O ano de 2015, marcar& o 700 (Septuag6simo) anivers&rio das Na(;6es Unidas e o 100 da Cÿpula Mundial de 2005. Serÿl a ocasi&o para realizar a reforma urgente que pedimos desde aquela cepula. Imp6e evitar a derrota coletiva que representaria chegar a 2015 sem um Conselho de Seguran(;;a capaz de exercer plenamente suas responsabilfdades no mundo de hoje. Eÿ preocupante a limitada representa(;;ÿo do Conselho de Seguran(;a da ONU, face os novos desafios do s6culo XXI. Exemplos disso s&o a grande dificuldade de oferecer soluÿ&o para o conflito sirio e a paralisia no tratamento da questÿo israelo-palestina. Em importantes temas, a recorrente polarizaÿ&o entre os membros permanentes gera imobilismo perigoso.
Urge dotar o Conselho de vozes ao mesmo tempo independentes e construtivas. Somente a ampliaÿ:&o do nemero de membros permanentes e n&o permanentes, e a inclusÿo de paises em desenvolvimento em ambas as categorias, permitir& sanar o atual d6ficit de representatividade e legitimidade do Conselho. Senhor Presidente, O Debate Geral oferece a oportunidade para reiterar os principios fundamentais que orientam a politica externa do meu pals e nossa posiÿ:ÿo em temas candentes da atualidade internacional. Guiamo-nos pela defesa de um mundo multilateral, regido pelo Direito Internacional, pela primazia da solu(;ÿo pacifica dos conflitos e pela busca de uma ordem solid&ria e justa - econ6mica e socialmente.
A crise na Siria comove e provoca indigna£&o. Dois anos e meio de perdas de vidas e destrui£&o causaram o maior desastre humanit&rio deste s6culo. O Brasil, que tern na descendencia siria um importante componente de nossa nacionalidade, est& profundamente envolvido com este drama. Iÿ preciso impedir a morte de inocentes, crian£ÿas, mulheres e idosos. €: preciso calar a voz das armas convencionais ou quimicas, do governo ou dos rebeldes.
Nÿo h& saida militar. A Qnica solu£ÿo 6 a negocia£&o, o di&logo, o entendimento. Foi importante a decis&o da Siria de aceder ÿ Conven£&o sobre a Proibi£ÿo de Armas Quimicas e aplicÿ-Ia imediatamente.
A medida 6 decisiva para superar o conflito e contribui para um mundo livre dessas armas. Seu uso, reitero, 6 hediondo e inadmissivel em qualquer situa£&o. Por isso, apoiamos o acordo obtido entre os Estados Unidos e a RQssia para a elimina£ÿo das armas quimicas sfrias. Cabe ao Governo sirio cumpri-lo integralmente, de boa-f6 e com &nimo cooperativo.
Em qualquer hip6tese, repudiamos interven£Ses unilaterais ao arrepio do Direito Internacional, sem autoriza£&o do Conselho de Seguran£a. Isto s6 agravaria a instabilidade politica da regi&o e aumentaria o sofrimento humano. Da mesma forma, a paz duradoura entre Israel e Palestina assume nova urgencia diante das
transformaÿSes por que passa o Oriente M6dio. €: chegada a hora de se atender as legitimas aspira95es palestinas por um Estado independente e soberano.
Iÿ tamb6m chegada a hora de transformar em realidade o amplo consenso internacional em favor da solu(2&o de dois Estados. As atuais tratativas entre israelenses e palestinos devem gerar resultados prÿticos e significativos na dire£&o de um acordo. Senhor Presidente, Senhoras e Senhores,
A hist6ria do s6culo XX mostra que o abandono do multilateralismo 6 o prelQdio de guerras, com seu rastro de mis6ria humana e devasta£&o. Mostra tamb6m que a promo£&o do multilateralismo rende frutos nos pianos 6tico, politico e institucional. Renovo, assim, o apelo em prol de uma ampla e vigorosa conjun£&o de vontades politicas que sustente e revigore o sistema multilateral, que tem nas Na£Ses Unidas seu principal pilar. Em seu nascimento, reuniram-se as esperan£as de que a humanidade poderia superar as feridas da
Segunda Guerra Mundial. De que seria possivel reconstruir, dos destroÿos e do morticinio, um mundo novo de liberdade, solidariedade e prosperidade. Temos todos a responsabilidade de nÿo deixar morrer essa esperan£a t&o generosa e t&o fecunda. Muito obrigada.
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