O tempo passa, os sebos ficam

ECONOMIA Edição: Thayná Santos Diagramação: Thayná Santos ENTREVISTA - 00 JULHO DE 2017 O tempo passa, os sebos ficam Thayná Santos H á inúmeras ...
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ECONOMIA

Edição: Thayná Santos Diagramação: Thayná Santos

ENTREVISTA - 00 JULHO DE 2017

O tempo passa, os sebos ficam Thayná Santos

H

á inúmeras livrarias e bancas de jornal em Santos, mesmo assim, os sebos permanecem abertos ano após anos, se tornando parte da cultura e da memória da Cidade. Na Praça dos Andradas, os sebos tornaram-se ponto de referência para o local. Os proprietários mudam, mas os livros, gibis e revistas novos e usados continuam sendo vendidos. Marcelo Nascimento, de 46 anos, é proprietário da HQ Livros há quatro anos. Ele estava desempregado e, além de ter amigos no ramo, sempre gostou de ler, daí surgiu a vontade de administrar um sebo. Mas revela que não lê o que vende, leva seus próprios livros para passar o dia. “O problema de você gostar de ler e trabalhar em um sebo, é que o material bom você leva para casa, então eu evito”, explica. Nascimento acredita que há dois anos era um negócio melhor para manter, pois atualmente está prejudicado pela crise econômica, no entanto, ainda defende que “é um excelente negócio para relaxar”. Há quatro meses, ele passou a receber pagamentos com cartão de crédito, o que melhorou o número de vendas. Ele observa que as pessoas têm andado cada vez menos com dinheiro, então a venda poderia não ocorrer devido a isso. Agora, não há um dia

que algo não seja vendido. Desses anos de venda, Nascimento tem uma história que se sobressai. Uma moça na faixa dos 18 anos entrou no sebo e depois de olhar, perguntou a Nascimento “moço, isso aqui é o quê?”. Depois de ouvir a resposta, ela insistiu “o que é um sebo?”. Nascimento conta que na hora não acreditou, mas ela explicou que na cidade dela, que fica no Paraná, não tem sebo, apenas banca de jornal. “Sebo é uma banca de livros e revistas, novos e usados”, ele explicou. No fim, o proprietário atendeu a um pedido feito pela moça, dando um livro a ela. O livro escolhido foi ‘Showroom’, do autor James Cromwell, mas Nascimento alertou que estava fazendo uma pegadinha que ela só descobriria no final. A pegadinha é que o livro tem uma sequência, “eu só dei o primeiro, ela vai ter que correr atrás do segundo”, explica. Entre os frequentadores, Nascimento conta que a faixa etária começa a partir dos 27 anos, “é um público mais maduro”, observa. Muitas pessoas passam na hora do almoço, quando têm uma pausa do trabalho, mas não apenas munícipes, e também pessoas de outras cidades que estão ali passeando. No entanto, fica difícil contar quantos clientes passam por dia, “vem gente para comprar, vem gente para conversar”, explica. O gênero mais vendido

FOTOS: THAYNÁ SANTOS

Marcelo Nascimento é proprietário há quatro anos do sebo HQ Livros é de livros que falam sobre culto afro, “por incrível que pareça”, pontua. Se comparar a livros de outras religiões, os que falam de culto afro se sobressaem ainda mais em vendas, sendo seguido pelos livros espíritas. Esse também é o tema que agrada a maioria dos seus clientes assíduos, “normalmente, compram livros de umbanda, candomblé e esoterismo”. Agatha Christie e quadrinhos também estão na lista de mais vendidos e as pessoas sempre voltam, procurando por mais. Já os livros juvenis, Nascimento tenta não adquirir, pois as vendas acontecem em curtos períodos e acabam

Romances de banca são os livros mais vendidos no sebo Feirão dos Livros

acumulando. O que não acontece apenas com esse gênero, ele explica que há muitos livros que nunca foram vendidos. “Às vezes, por falta de organização ou mesmo porque não têm interesse”, diz. Nascimento descreve seu cliente como um consumidor apenas do que está escrito, do conteúdo, sem considerar se o livro tem rasuras ou está puído, “o cliente de sebo, ele quer ler, então geralmente não se importa”. Mas lembra de uma exceção, que não compra livros com dedicatórias, pedindo a ele que nem os mostre. “Chega a ser até uma paranoia”, brinca. ONLINE Luíza Gorete Santana Martins, de 55 anos, é proprietária do Feirão de Livros há 20 anos, outro sebo localizado na Praça dos Andradas, de onde obtém toda sua renda juntamente com seu marido, também proprietário. Luíza observa que as vendas caíram ali, mas conta que vende também através de um sebo online, por onde tem muito mais retorno. Adquirir uma máquina que passe cartão também facilitou para os clientes na hora da compra. Mas ela acredita que o Brasil não é um país que incentive a leitura, o que afeta diretamente as vendas. Luíza conta que tem clientes muito novos “a partir de três anos, eles adoram pegar gibi”. Em sua opinião, uma criança nunca deve ser inibida ao tentar ler, independente do que seja. “Às vezes, a criança vem aqui e eu dou o gibi, porque assim

eu vou estar facilitando”. Também há muitos compradores de outra cidade, ela conta que recentemente havia vendido para alguém de Campinas. E observa que há turistas o ano inteiro, que acaba passando e levando um livro. Entre eles, Luíza tem uma cliente assídua que é portuguesa, capitã de cruzeiro. “Toda vez que o navio dela encosta, ela vem aqui”. O motivo é a capitã gostar dos livros conhecidos como ‘romance de banca’, que Luíza afirma não existir em Portugal. “Ela sempre leva um monte”, conta. Sobre os romances de banca, Luíza diz que ainda hoje novas histórias são publicadas, mas com um novo estilo de capas. Ela revela que começou a ler esses livros com 14 anos, quando sua mãe ganhou um como brinde e deu a ela. Depois disso, não parou mais de ler. “Minha mãe disse que se arrependeu”, brinca. Luíza passa o dia lendo os livros que vende, mas confessa que por isso acaba delegando suas tarefas, como garimpar os livros que chegam, organiza-los na estante e embalar os que precisam ser enviados. Mas mesmo que não leia o tempo todo, acha importante para ter informações para dar aos clientes. Já chegou a sugerir um título e, quando a cliente desconfiou da qualidade do livro, Luíza propôs que se caso ela não gostasse, poderia voltar que Luíza devolveria o dinheiro. Depois de 15 dias, a cliente voltou. “Veio devolver o livro?”, Luiza conta que perguntou, mas a cliente tinha vindo pedir outra sugestão.