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CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE BRASÍLIA INSTITUTO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE BRASÍLIA-IESB COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO

LUÍS GUSTAVO MARTINS BARROS

O Jornalismo Público praticado pelo programa Cidades e Soluções

Brasília 2009

LUÍS GUSTAVO MARTINS BARROS

O Jornalismo Público praticado pelo programa Cidades e Soluções

Monografia apresentada ao Curso de Assessoria em Comunicação Pública do IESB, como requisito parcial para a obtenção do grau de Especialista. Orientadora: Profª. e Mestre em Universidade de Brasília, Mônica Prado.

Brasília 2009

Comunicação

pela

RESUMO

O Jornalismo Público não é nem um gênero nem uma categoria jornalística. Surgiu como um movimento, formado por um grupo de jornalistas norte-americanos que pretendiam recuperar a ética e os princípios democráticos no processo de formulação de notícias. Este trabalho pretende apresentar e analisar o Jornalismo Público como uma forma possível de desenvolver a cidadania, bem como estimular a participação social nas causas em que é necessária uma atitude coletiva. Também tenta verificar se os conceitos que conduzem este tipo de jornalismo podem ser encontrados no Brasil, por meio de um estudo de caso do programa de TV Cidades e Soluções.

ABSTRACT Public Journalism is neither a gender nor a category in general journalism. It appeared as a movement, formed by a group of North-American journalists who intended to recover the ethical and democratic principles in the process of news making. This paper aims to show and analyze Public Journalism as a possible way to develop citizenship, as well as to stimulate social participation in causes where a collective attitude is required. It also tries to verify if the concepts that lead this sort of journalism can be found in Brazil, by a case study of the Brazilian TV show Cidades e Soluções.

SUMÁRIO

Introdução........................................................................................................

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Capítulo 1 – Jornalismo Cívico: o pensamento voltado para o cidadão...

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1.1 - Antecedentes históricos........................................................................

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1.2 – Conceitos..............................................................................................

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1.3 – Preceitos...............................................................................................

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1.4 - Possibilidades de mudanças nas redações..........................................

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1.5 - A corrente contrária...............................................................................

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1.6 - A mutação do Jornalismo Público nos Estados Unidos........................

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1.7 – Terminologia.........................................................................................

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Capítulo 2 – Jornalismo Público no Brasil....................................................

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2.1 - A importação de uma idéia....................................................................

39

2.2 - Tipos de JP no Brasil e suas características.........................................

43

2.3 - Experiências brasileiras.........................................................................

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2.4 - O campo de atuação.............................................................................

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2.5 - A Comunicação de Interesse Público....................................................

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Capítulo 3 – Cidades e Soluções como instrumento de Jornalismo

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Público............................................................................................................... 3.1 - Os responsáveis pelo programa............................................................

63

3.2 - A proposta do programa........................................................................

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3.3 - A concepção do programa....................................................................

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3.3.1 - O formato.......................................................................................

76

3.3.2 - As pautas.......................................................................................

79

3.3.3 - As fontes........................................................................................

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3.3.4 - O público-alvo................................................................................

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3.3.5 - A audiência.....................................................................................

83

3.4 - Análise das características e dos pontos convergentes........................

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3.4.1 - Análise global dos pontos convergentes........................................

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3.4.2 - Análise pontual dos programas......................................................

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I) Adoção no Brasil................................................................................

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II) Comércio Justo.................................................................................

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III) Embalagens Longa Vida..................................................................

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IV) Incentivo à Leitura...........................................................................

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Conclusão........................................................................................................

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Referências......................................................................................................

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INTRODUÇÃO

Um dos ditados mais populares do jornalismo diz que “se um cachorro morde um homem, não é notícia; mas se um homem morde um cachorro, isso sim é notícia”. A mensagem serve para ilustrar um dos critérios utilizados pelos jornalistas para valorar acontecimentos, declarações e informações de todos os gêneros no sentido de determinar e classificar aquilo que deve ser noticiado. Dessa forma, nem tudo o que acontece pode ser transformado em notícia e os acontecimentos são selecionados de acordo com uma escala subjetiva de interesse. O jornalista — profissional encarregado de apurar, processar e transmitir informações — no momento em que está diante de um fato ou de uma ocorrência qualquer deve observar atentamente esses critérios, pois faz parte do exercício de sua profissão identificar os pontos que ele julgue importantes naquele contexto para a divulgação da informação. Esses critérios de noticiabilidade são denominados valornotícia. O valor-notícia não chega a constituir uma regra no jornalismo, mas é determinado conforme a decisão pessoal dos editores das empresas jornalísticas baseado nas experiências vividas pelos profissionais e em critérios atinentes ao nível de importância, ao grau de interesse, ao produto informativo, ao meio de comunicação em que será veiculado, ao público receptor, dentre outros fatores (ARAÚJO; SOUZA, 2003, p. 56; WIKIPÉDIA, 2009). Além disso, elementos como o número de pessoas envolvidas, a duração da ocorrência, o caráter inesperado (se um homem morde um cachorro...), a clareza das informações, ações que envolvem personalidades famosas e proximidades geográfica e

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cultural entre outros, também devem ser levados em consideração na hora de decidir aquilo que deverá se tornar notícia (WIKIPÉDIA, 2009). Logo na construção da reportagem, o acontecimento é narrado sob a ótica do jornalista que presenciou o fato. Ao redigir o texto, o jornalista não só descreve o que viu, mas insere, conforme o encadeamento de outros elementos apurados, a sua percepção daquele acontecimento. Depois, o texto é submetido a um editor que adiciona, retira ou modifica trechos da matéria no sentido de tornar o assunto mais palatável ao leitor, obedecendo sempre aqueles critérios de noticiabilidade. Com isso, os editores, chamados de gatekeeper (ou selecionadores de notícias), detêm o poder de decisão sobre o que é noticiado e também sobre o tratamento e o direcionamento que aquela matéria deve tomar. E é justamente por meio desse poder que os editores decidem o quê e como o leitor, ouvinte ou telespectador (conforme o meio escolhido para receber a notícia) deve tomar conhecimento de um determinado fato. Mas — dito antes — como essas decisões partem de julgamentos pessoais dos editores dos mais variados veículos de comunicação, conforme a classificação do valornotícia, o leitor irá encontrar “leituras” e enfoques diferentes para um mesmo assunto. O que não deixa de ser normal, pois cada pessoa tem uma forma diferente de ver as coisas. No entanto, quando poder e dinheiro estão em jogo, a possibilidade de acontecer manipulação de informações ou conflito de interesses tende a aumentar e a ser mais constante. Um dos aspectos relacionados ao valor-notícia e que mais se observa no jornalismo é o caráter negativo dos acontecimentos. Eles são noticiados com maior frequência porque um dos critérios de noticiabilidade determina que as más notícias vendem mais do que as boas notícias. Isso acontece, em tese, porque as pessoas precisam saber que existem problemas maiores que aqueles enfrentados por elas no seu

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dia-a-dia. É uma questão psicológica. Mas, partindo da premissa relativa às causas e efeitos, a grande quantidade de notícias ruins veiculada corriqueiramente e de forma massificada tende a gerar sentimentos de revolta, indignação e pessimismo na população. Claro, que notícias sobre tragédias, calamidades, violência e corrupção, por exemplo, existem e devem ser transmitidas, mas colocá-las em um plano acima das outras na escala de importância acaba por prejudicar não só a quem recebe a informação, pela alta carga de negatividade, como o próprio jornalismo, que fica estigmatizado. Há também outras implicações que podem levar à manipulação de informação. A política é um terreno fértil para isso. Apesar de muitas pessoas dizerem que não gostam de política e se abstenham de assuntos acerca do tema, elas precisam da política e a praticam para poder viver em sociedade. Além das definições tradicionais que a tipificam, um dos conceitos mencionados pelo Dicionário Aurélio para dar sentido à palavra “política”, diz que se trata da “habilidade no trato das relações humanas, com vista à obtenção dos resultados desejados”. Ele ainda a relaciona com civilidade e cortesia. Visto dessa forma, um simples ato de desejar “bom dia” a uma pessoa já pode ser considerado uma ação política. As empresas jornalísticas, por sua vez, não estão fora desse contexto político. Embora sugiram isenção e imparcialidade na veiculação de informações e elaborem manuais de orientação aos jornalistas que determinem condutas morais e éticas, essas empresas estão inseridas no mundo capitalista e, mesmo que não admitam, se posicionam politicamente conforme os assuntos abordados e as linhas editoriais adotadas. E não só isso. Por trás de cada informação, podem estar camuflados interesses de determinados grupos, classes ou categorias políticas e, até mesmo, de pessoas influentes.

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E, por conta de interesses dessa natureza, muitos veículos de informação cresceram politicamente e economicamente no século XX, transformando-se em grandes conglomerados de comunicação de massa, não só no Brasil, mas também em outros países, especialmente os Estados Unidos, berço do capitalismo. Com o passar do tempo, os interesses de determinados grupos, principalmente econômicos, passaram a predominar sobre o interesse geral nos noticiários e isso teria provocado uma crise de identidade no jornalismo, refletindo diretamente na vendagem de jornais. Alguns jornalistas americanos, contudo, perceberam que o jornalismo estaria se desvirtuando de seus princípios e não estaria atendendo à coletividade nem à cidadania. Inconformados com a forma como os trabalhos jornalísticos estavam sendo conduzidos, eles decidiram lançar um movimento de resgate do jornalismo e o denominaram de Jornalismo Público. Esse movimento teve por objetivo estabelecer novas regras de conduta de jornalistas e órgãos de comunicação no sentido de fazer prevalecer a cidadania na prática jornalística e, dessa forma, envolver os próprios jornalistas e o público a que se destinam em questões públicas e de interesses comuns à sociedade. A presente monografia tem por objetivo contextualizar o Jornalismo Público conceitualmente e historicamente, mapear a adoção das diretrizes fundadas por esse movimento na mídia americana e brasileira e confrontá-lo com o jornalismo praticado pelo programa Cidades e Soluções — veiculado pelo canal de TV por assinatura Globo News e apresentado pelo jornalista André Trigueiro —, avaliando a proposta do programa, o formato, o conteúdo e o seu potencial de diálogo com a sociedade. A proposta deste trabalho é apresentar o Jornalismo Público como uma forma viável de se desenvolver a cidadania e de estimular a sociedade para causas sociais que necessitam da coletividade. Será feito um panorama em torno deste modelo — utilizando o programa Cidades e Soluções como objeto de estudo — a fim de diagnosticar os

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benefícios que o JP pode trazer para a sociedade, como proporcionar inclusão social; gerar participação social e política dos cidadãos; exigir maior comprometimento com os direitos humanos e sociais; promover o relacionamento pacífico dentro e fora das comunidades e, consequentemente, assegurar a qualidade de vida da população. Para isso, foi feita a captação de diversos artigos e trabalhos acadêmicos na rede mundial de computadores e realizado um amplo levantamento bibliográfico, para registrar os marcos históricos e geográficos de implementação deste modelo e averiguar os conceitos fundamentais do Jornalismo Público, a trajetória do movimento e os desdobramentos nos meios acadêmico e profissional. Para coletar informações sobre o programa, as páginas referentes ao Cidades e Soluções na web também foram consultadas. Além disso, foi realizada uma entrevista com André Trigueiro para verificar a proposta do programa, captar as impressões pessoais do autor e coletar detalhes sobre a construção do programa, a rotina dos profissionais e as técnicas jornalísticas empregadas. Foram observados, durante o processo de pesquisa, o nível de adesão à causa, as perspectivas futuras do movimento e as polêmicas que o envolvem. Avaliou-se também a presença do Jornalismo Público no Brasil, com relação à forma como ele foi disseminado por aqui, as experiências que se aproximam dos conceitos que o movem, o campo de atuação e a sua relevância para a Comunicação Pública. Na pesquisa referente ao programa, foram revelados os responsáveis pelo projeto e descobertas a proposta e as motivações para a realização do Cidades e Soluções. A sua concepção também foi verificada, no que diz respeito ao formato, às pautas, às fontes, ao público-alvo e à audiência. Para a avaliação dos programas, foram destacadas quatro edições, constantes de uma relação de títulos disponibilizada na página oficial do Cidades e Soluções e na

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página pessoal do jornalista. André Trigueiro distribui os títulos por categorias, determinadas por ele, tais como Energia; Consumo consciente; Construção Sustentável; Reciclagem de materiais orgânicos e inorgânicos; Uso inteligente da água; Educação e cultura; Mobilidade; Biodiversidade; Planejamento urbano e gestão; e Terceiro setor. Desse cardápio, optou-se por escolher programas que tivessem temáticas distintas, com enfoque em relação social, economia, meio ambiente/reciclagem e educação/cultura.

NOTAS DE REFERÊNCIA: ARAÚJO, Ellis Regina; SOUZA, Elizete Cristina de. Obras jornalísticas - Uma síntese. Brasília: Editora Vestcon, 2003. 300 p. POLÍTICA. In: NOVO Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1996. WIKIPÉDIA. Valor-notícia. Disponível em: . Acesso em 17 jun. 2009.

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Capítulo 1 – Jornalismo Cívico: o pensamento voltado para o cidadão

1.1 - Antecedentes históricos

No fim dos anos 80, uma onda de desconfiança atingiu os meios de comunicação norte-americanos. Os primeiros reflexos detectados foram a queda na leitura de jornais e o baixo índice de confiabilidade nos veículos informativos. Depois, pesquisas apontaram para um descrédito crescente da população americana em relação ao que a mídia veiculava e à forma como ela transmitia as notícias para sua audiência. O público já não identificava nos meios de comunicação a função de servir à sociedade ou de reportar notícias de interesse coletivo. Havia um descontentamento geral com a cobertura feita por jornais e emissoras de TV e ficava cada vez mais clara a ideia do jornalismo como negócio sobrepondo a ideia do jornalismo como uma prestação de serviço. Um dos aspectos levantados como causa para a rejeição do público aos veículos de comunicação relacionava-se com a prática jornalística, consagrada ao longo do século XX pelos grandes jornais e seus manuais de redação, baseada no distanciamento do repórter em relação à notícia e na adoção de técnicas redacionais que privilegiam a objetividade, a imparcialidade, a concisão, a simplicidade e a precisão, entre outros, e que contribuiu para esse sentimento do receptor da informação de que ele não faz parte daquele universo noticiado. O público, diante da concepção do distanciamento, apenas consome a notícia e não se envolve. Diversos pesquisadores da comunicação passaram a mapear o comportamento da indústria jornalística e de seus profissionais, por meio de estudos científicos, e conceberam inúmeras teorias que traduzissem as causas e consequências do jornalismo

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desenvolvido ao longo do tempo. Uma delas, a Teoria do Espelho, traduz essa relação de distanciamento quando diz que “o jornalista deveria se comportar como um fotógrafo, relatando a realidade da forma como ela se apresenta, sem intervenção subjetiva” (DANTON, 2003). Ainda de acordo com a teoria, “o bom jornalista é um observador desinteressado, que relata com honestidade e equilíbrio tudo o que vê, cauteloso para não emitir opiniões pessoais” (DANTON, 2003) e diz também que “escrever a matéria de forma impessoal e ouvir os dois lados da questão é regra para o bom jornalismo” (DANTON, 2003). Aliado a isso, as transformações tecnológicas, que geraram uma dinâmica maior na transmissão das informações, a espetacularização da notícia, determinante nos telejornais e cujo fato muitas vezes é repassado na forma de entretenimento, a busca incessante pelo furo jornalístico, em que a descoberta de um escândalo torna-se o principal objetivo a ser alcançado, e a superficialidade com que alguns temas eram tratados também foram ingredientes da prática jornalística apontados como causadores da insatisfação do público. Outro componente verificado naquela ocasião foi a cobertura mal-sucedida da campanha presidencial de 1988, entre George Bush e Michael Dukakis, feita pela imprensa americana (SHEPARD apud TRAQUINA, 2003, apud QUADROS, 2005, p. 45). Como o voto nos Estados Unidos é facultativo, detectou-se o afastamento da população nas eleições daquele ano. Especialistas também perceberam que as matérias veiculadas privilegiavam a corrida presidencial, com a divulgação constante das pesquisas de intenção de votos e a posterior repercussão em torno dos números, em detrimento de notícias que gerassem discussão a respeito de questões mais relevantes para o eleitorado.

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E foi esse cenário, portanto, que proporcionou o surgimento do Jornalismo Público, também chamado pelos precursores desse movimento de Jornalismo Cívico. A ideia inicial era retomar o princípio jornalístico de servir à sociedade e tinha como meta a reinserção dos cidadãos na vida política norte-americana. O primeiro jornalista que verificou a necessidade de se realizar uma mudança no processo de construção das notícias foi Davis Merritt, então editor do jornal The Wichita Eagle, do estado do Kansas. Desencantado com o trabalho desenvolvido nas eleições de 1988, ele escreveu um artigo, datado de 1990, em que pregava o aprofundamento dos temas abordados nas matérias, oferecendo aos leitores/cidadãos a oportunidade de compreender, em detalhes, a posição dos candidatos que disputariam as eleições para o governo do Estado do Kansas em torno dos assuntos de interesse da comunidade (QUADROS, 2005, p. 45). Naquele mesmo ano ele lançou dois projetos que colocavam em prática esse novo processo de produção de notícias. O primeiro, chamado Where they Stand, tinha como objetivo aumentar a participação do público no processo eleitoral. Foram estabelecidos 10 temas considerados mais relevantes pela população, escolhidos por meio de uma pesquisa, que seriam abordados em matérias mais aprofundadas com a apresentação de todas as questões relativas a cada assunto proposto. A partir do levantamento feito pelo jornal, abria-se um espaço para o debate, onde os candidatos expunham suas idéias e expressavam seus pontos de vista acerca de assuntos como educação, desenvolvimento econômico, meio ambiente, agricultura, serviços sociais, impostos e violência, entre outros (FERNANDES, ca. 2004, p. 2). O segundo projeto, denominado The People Project, visava o engajamento dos moradores da região na busca de soluções para problemas distintos como a deficiência das escolas, crimes e gangues, falta de consenso na política, além de crises em família.

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Essa iniciativa do Eagle, que tinha como subtítulo Solving it Ourselves (Resolvendo nós mesmos), contou com a participação de uma emissora de televisão local e uma estação de rádio com vistas a trazer o cidadão para partilhar idéias e encontrar recursos para ações concretas. Estavam fundadas ali as bases para a criação do movimento denominado Jornalismo Público (QUADROS, 2005, p. 45). Daí em diante, houve uma proliferação dessa prática jornalística com o surgimento de novos projetos realizados por outros jornais. Em 1992, o jornal The Charlotte Observer, da Carolina do Norte, pertencente ao mesmo grupo de comunicação do Eagle, Knight Ridder newspapers, com a ajuda do Poynter Institute for Media Studies e a emissora WSOC-TV (afiliada da ABC), desenvolveu um projeto cuja ação era sondar as questões de importância dos eleitores para formar a agenda dos cidadãos. Outra experiência ocorreu na Geórgia, em outro jornal da Kight Ridder, o Columbus Ledge Enquirer, que também encomendou uma pesquisa para identificar os problemas que atingiam a comunidade local, gerando um relatório denominado Columbus para além de 2000. A partir dele, o jornal passou a pautar suas ações de acordo com o resultado desse relatório, assumindo o papel de ativista e descartando o papel de mero observador e relator dos fatos (QUADROS, 2005, p. 45). Escritores, professores e pesquisadores das teorias de comunicação passaram a olhar mais de perto esse fenômeno e alguns deles abraçaram a causa. Um dos mais respeitados teóricos sobre o assunto é Jay Rosen, professor da Universidade de Nova York e considerado um dos fundadores do movimento. Crítico dos meios de comunicação e autor de diversos artigos sobre o Jornalismo Público, Rosen desenvolveu alguns estudos sobre o assunto. Além dele, se destacam entre os que produziram trabalhos de pesquisa em torno do Jornalismo Público ou Cívico, Theodore L. Glasser, professor de Comunicação da Communication Affiliated Faculty, Modern Thought & Literature, de

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Stanford; Stephanie Craft, professora da Faculdade de Jornalismo do Missouri; Edmund B. Lambeth, professor e pesquisador de processos comunicativos na Universidade de Missouri, Lewis A. Friedland, jornalista e professor da Faculdade de Jornalismo & Comunicação de Massa da Universidade de Wisconsin-Madison; e Sandra Nichols, jornalista e professora do Departamento de Comunicação de Massa e Estudos da Comunicação da Universidade de Towson – Maryland. O Jornalismo Público, no entanto, só viria ganhar força com a adesão de centros de estudos e pesquisa, como o citado Poynter Institute for Media Studies, o Public Life and the Press, a Kettering Foundation, a Knight Foundation, o American Press Institute, etc, que passaram a investir em projetos dessa natureza. Desse grupo destacou-se a fundação Pew Charitable Trusts, da Filadélfia, fundada em 1948 pelos herdeiros de Joseph Newton Pew, um industrial do petróleo que tinha como hábito financiar projetos jornalísticos que enaltecessem os valores democráticos e as práticas comunitárias. Os responsáveis pela fundação perceberam que os cidadãos norte-americanos estavam se abstendo de votar e, na visão deles, isso poderia representar a falência da democracia. Além disso, acreditavam que, se isso estava acontecendo, em parte, seria porque o jornalismo também estaria falindo. Envolvidos diretamente em ações do gênero, eles resolveram criar, em 1993, o Pew Center for Civic Journalism, cuja proposta era apoiar e financiar, junto aos veículos de comunicação e aos jornalistas, projetos que construíssem modelos de notícia que dessem voz a pessoas comuns, ajudando-os a identificar problemas e a encontrar soluções, tornando-os participantes ativos em suas comunidades. A tarefa de dirigir o centro de pesquisa, como Diretora Executiva, coube a jornalista Jan Schaffer, uma editora de finanças, vencedora da medalha de ouro para o serviço público do Prêmio Pulitzer, que se tornou autoridade no assunto. Schaffer esteve

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à frente do Pew Center até 2003, ano em que o diretório fechou as portas. Ao longo de uma década, o centro investiu o equivalente a 12 milhões de dólares em estudos, pesquisas, fóruns, treinamentos e capacitação de jornalistas para buscar novas experiências jornalísticas, que acabaram gerando mais de 120 projetos de Jornalismo Cívico (SILVA, 2001; SCHAFFER, 2004) Na segunda metade da década de 1990, o movimento alcançou notoriedade internacional e pesquisadores de outros países começaram a debater a prática do Jornalismo Público como o espanhol Carlos Alvarez Teijeiro, doutor em Comunicação Pública pela Universidade de Navarra, a colombiana Ana Maria Miralles Castellanos, jornalista e professora titular da faculdade de Comunicação da Universidade Pontifícia Bolivariana, na Colômbia, e o português Nelson Traquina, coordenador científico da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa. No Brasil, o primeiro artigo a colocar em pauta a discussão sobre esse movimento no país foi escrito pelo professor e jornalista Carlos Castilho, publicado no Boletim nº 15 do Instituto Gutemberg, site que se propõe a fiscalizar a imprensa. Mas foi o jornalista e professor Luiz Martins da Silva, doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília, quem se dedicou mais intensamente às pesquisas sobre o Jornalismo Público, coordenando alguns projetos e tentando traduzir para a realidade brasileira os preceitos do movimento americano. Também se propuseram a contribuir para a discussão do Jornalismo Público no Brasil, a pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas, Alzira Alves de Abreu, doutora em Sociologia pela Universidade de Paris, e o jornalista e professor Márcio Ronaldo Fernandes, mestre em Comunicação e Linguagens pela Universidade Estadual do Centro-Oeste, no Paraná.

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NOTAS DE REFERÊNCIA: DANTON, Gian. A teoria do jornalismo e a seleção de notícias. Macapá: [s.n.], 2003. Disponível em: . Acesso em: 28 mar. 2009. FERNANDES, Márcio Ronaldo Santos. Civic Journalism no Brasil: a construção de um plano de referência para um Jornalismo Público. [S.I]: Universidade Federal do Centro-Oeste (Unicentro). [ca. 2004]. Disponível em: . Acesso em: 20 dez. 2008. SILVA, Luiz Martins da. Civic Journalism: um gênero que no Brasil ainda não emplacou. [S.l.: s.n., 2001] Disponível em: . Acesso em: 28 ago. 2008. QUADROS, Claudia Irene de. Jornalismo Público, rádio e internet – Uma combinação possível? Comunicação e Espaço Público. Brasília: Ano VIII, v. 5, nº 1, 2005. Disponível em: . Acesso em: 29 jan. 2009. SCHAFFER, Jay. The Role of Newspapers in Building Citizenship. 5º Congresso Brasileiro de Jornais, 13 Set. 2004, São Paulo. Disponível em: . Acesso em: 19 mar. 2009.

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1.2 - Conceitos

Antes de adentrarmos nos conceitos que serviram de base para a construção do Jornalismo Público nos Estados Unidos é preciso que vejamos algumas causas que levaram à mudança de paradigma. Jay Rosen apontou seis fatores — chamados por ele de “alarmes” — que indicavam o estabelecimento de uma crise no jornalismo norteamericano de então e que serviram de premissas para o movimento (FILHO, 2003, p. 17). O primeiro deles seria de ordem econômica, com a constante perda de leitores e a diminuição da circulação dos jornais ao longo dos anos. A segunda seria de ordem tecnológica, com o aumento da oferta de informação que estaria circulando mais livremente, sem intermediários, dispensando os filtradores de notícia. A relação tradicional dos meios de comunicação de massa com o público — onde há um emissor e milhares de receptores— estaria sendo transformada em uma teia de conexões em que os emissores se multiplicariam e potencializariam a informação 1. A crise política seria o terceiro fator, em que ele relaciona a deterioração da política com a atuação da imprensa, caracterizando uma apatia na cobertura de campanhas eleitorais, cuja preocupação dos atores envolvidos seria a busca de informações pouco relevantes para a vida das comunidades. Com a evidência desses três fatores, outras três situações se apresentaram. Uma delas relacionada aos próprios jornalistas americanos, que estariam inseguros na profissão, levando a uma crise de fundo profissional. Nesse aspecto, muitos já se sentiriam desmotivados e demonstrariam interesse em mudar de área. Além disso, ele considerou existir uma “crise espiritual” — definido como “uma falta de um sentido ou algo inspirador em que os jornalistas possam acreditar e trabalhar na sua construção” — e 1

Esse fator, inclusive, gerou alguns desdobramentos mais recentemente, que serão abordados no capítulo 1, tópico 1.6.

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uma crise intelectual, em que o exame, a análise e a interpretação de questões importantes não estariam mais se sustentando dentro do contexto das matérias veiculadas. Quando Davis Merritt se deparou com aquele cenário de crise no jornalismo e decidiu mudar a situação no jornal em que trabalhava como editor-chefe, certamente passaram pela sua cabeça algumas perguntas como “qual é o papel do jornalismo?” Ou “é isso que queremos passar para o nosso público?” Ou ainda “o que pretendemos com isso?” e “que caminhos estamos tomando?”. Jornalista experiente, Merritt, certamente, pôs-se a essas reflexões antes de pensar em retomar os fundamentos do jornalismo. Fundamentos que são descritos por diversos autores e estudiosos de comunicação como Victor Gentile (2005, apud SOARES, 2008, p. 4), que diz: Penso o jornalismo como [...] o instrumento que viabiliza o direito à informação, onde os jornais desempenham a função de mediadores e os jornalistas, individualmente, de representantes do leitor, telespectador e ouvinte, como indivíduos, consumidores e cidadãos.

Ou Rosen (1994, apud TRAQUINA, 2001, apud MARÇAL, 2005, p. 23) que estabelece que “O jornalismo pode e deve ter um papel no reforço da cidadania, melhorando o debate e revendo a vida pública” e também André Trigueiro (2009, informação verbal), que apresenta o conceito de que o jornalismo deve elencar assuntos que, por mais de um critério, podem ser considerados notícias ou de interesse público e que não se restrinjam apenas a denunciar problemas ou revelar o que não funciona ou o que está errado, mas sinalizar rumo e perspectiva.

Ao se aprofundar nesses fundamentos, Merritt (1995, apud TRAQUINA, 2001, apud FILHO, 2003, p.43) percebeu que o jornalismo precisaria ir além. Para ele, o jornalismo pode e deve ser uma força fundamental na revitalização da vida pública e vê como essencial e simbiótica a relação entre democracia e jornalismo. Ana Maria Miralles

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Castellanos (1999, p. 1) enquadra o Jornalismo Público da seguinte forma: “trata-se de um sugestivo convite a ultrapassar as fronteiras do jornalismo tradicional e a envolver-se na esfera da discussão pública ao invés de limitar-se ao registro dos feitos que os outros produzem” (tradução nossa). Conceito compartilhado por Theodore L. Glasser e Stephanie Craft (apud FREIRE, 1998) quando dizem que “o propósito da mídia é promover e implementar a cidadania e não apenas descrevê-la ou criticá-la”. Rosen (1994, apud TRAQUINA, 2001, apud FILHO, 2003, p. 43) segue a mesma linha ao dizer que “o jornalismo demanda algo mais do que somente transmitir notícias”. Complementando a ideia do jornalismo como instrumento da democracia e da cidadania, Edward M. Fouhy (1996) diz que o objetivo do movimento “é prover pessoas com as notícias e as informações de que elas precisam para permitir que elas funcionem como cidadãs, para tomar decisões e fazer uma sociedade democrática” (tradução nossa). Já Zanei Barcellos e Celina Alvetti (2007), colocam que o Jornalismo Público “tem como proposta o resgate dos ideais do Jornalismo, independente de interesses econômicos e políticos, visando a cidadania, na defesa das causas de seus cidadãos”. Jan Schaffer (2004) acrescenta, no entanto, que o objetivo do Jornalismo Público não se detém apenas nos problemas encontrados no jornalismo, conforme as situações de crise relatadas por Rosen, mas também nas possíveis soluções que podem ser encontradas, como a restauração de bons hábitos jornalísticos, a construção de conexões com os leitores, a melhoria das histórias e a construção de melhores cidadãos. Em terras brasileiras Luiz Martins da Silva contribui com a discussão ao explicar que o que tem caracterizado o jornalismo público é a intenção de não apenas se servir dos fatos sociais no que eles apresentam de dramático, mas agregar aos valores/notícia (news values) tradicionais elementos de análise e de orientação do público quanto a soluções de problemas (2002, p. 8).

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Com todos os ingredientes analisados, Merritt (1995, apud TRAQUINA, 2001, apud FILHO, 2003, p. 45) resolveu colocar em prática no Wichita Eagle aqueles fundamentos e, conforme Nelson Traquina descreve, o jornalista traçou algumas diretrizes que deveriam ser seguidas dali por diante: 1 – Ir além da missão de dar as notícias para uma missão mais ampla de ajudar a melhorar a vida pública; 2 – Deixar para trás a noção de “observador desprendido” e assumir o papel de “participante justo”; 3 – Preocupar-se menos com as separações adequadas e mais com as ligações adequadas; e 4 – conceber o público, não como consumidores, mas como atores na vida democrática, tornando-se assim prioritário para o jornalismo estabelecer ligações com os cidadãos.

Começava, dessa forma, uma nova era, com a quebra de conceitos consolidados e a construção de nova concepção de jornalismo.

NOTAS DE REFERÊNCIA: ALVETTI, Celina e BARCELLOS, Zanei. Jornalismo cidadão, uma proposta brasileira ao jornalismo cívico. Trabalho apresentado ao GT Jornalismo, do VIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação da Região Sul. Passo Fundo, 2007. Disponível em: . Acesso em: 20 dez. 2008. CASTELLANOS, Ana María Miralles. La construcción de lo público desde el periodismo cívico. [S.l.]: [s.n.], 1999. Disponível em: . Acesso em: 29 mar. 2009. FILHO, Paulo Celestino da Costa. Jornalismo Público: Por uma nova relação com os públicos. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2003. Disponível em: . Acesso em: 20 dez. 2008. FOUHY, Edward M. Civic Journalism – Rebuilding the Foundations of Democracy. Pew Partnership for Civic Change. Civic Practices Network. 1996. Disponível em: . Acesso em: 24 mar. 2009. FREIRE, Alexandre. Jornalismo público, "publijornalismo" e cidadania. [S.l.]: Observatório da Imprensa, 1998. Disponível em: . Acesso em: 28 ago. 2008. MARÇAL, Juliana. Características do Jornalismo Público no Jornal Futura. Monografia (Graduação). Curso de Comunicação Social, do Departamento de Ciência da Comunicação, do Centro Universitário de Belo Horizonte. Belo Horizonte: [s.n.], 2005. Disponível em: . Acesso em: 20 dez. 2008. SCHAFFER, Jay. The Role of Newspapers in Building Citizenship. 5º Congresso Brasileiro de Jornais, 13 Set. 2004, São Paulo. Disponível em: . Acesso em: 19 mar. 2009.

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SILVA, Luiz Martins da. Jornalismo Público: o social como valor-notícia. 2002. In: Jornalismo Público – Três textos básicos. Brasília: Casa das Musas, 2006, 63 p. Disponível em: . Acesso em: 28 ago. 2008. SOARES, Murilo César, Jornalismo e cidadania, em duas abordagens. Trabalho apresentado no XVII Encontro da Compós, São Paulo, Unip, 2008. Disponível em: . Acesso em: 20 dez. 2008. TRIGUEIRO, André. Informação verbal. Entrevista concedida ao pesquisador para esta monografia. Rio de Janeiro. 2 jan. 2009.

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1.3 - Preceitos

Tomando por base as diretrizes traçadas por Davis Merritt para a prática do Jornalismo Público, podemos refletir alguns pontos. No momento em que ele prega que o jornalista deve “ir além da missão de dar as notícias para uma missão mais ampla de ajudar a melhorar a vida pública”, ele está propondo uma mudança de cultura na prática jornalística desenvolvida ao longo do século XX, e que ainda está em vigor. Luiz Amaral, citado por Ana Maria Brambilla, descreve a transformação pela qual a imprensa passou a partir da revolução industrial: Ao sofrer as influências do progresso industrial, da democratização, do crescente índice de alfabetização e da expansão da economia de mercado a imprensa americana do século XIX, até então caracterizada pelo viés panfletário e politicamente comprometido de seus veículos, vê-se na obrigação de atender a um público cada vez mais heterogêneo, em busca de um produto jornalístico cuja comercialização fosse viabilizada por agradar a um número sempre maior de pessoas e não mais atender tão-somente a grupos políticos identificados com a tendência ideológica do jornal. Foi na década de 30 do século XIX que americanos, franceses e ingleses substituíram o Jornalismo politizado por uma imprensa atenta à imparcialidade das notícias, à isenção na abordagem dos fatos, à neutralidade e ao distanciamento do jornalista (AMARAL, 1996, apud BRAMBILLA, 2005, p. 2-3).

A imparcialidade, a isenção, a neutralidade e o distanciamento a que se refere Amaral, juntamente com a objetividade, são conceitos que formam um conjunto de critérios estabelecidos como referência para a construção do texto jornalístico. Esse conjunto não só transformou-se em regra, mas também passou a ser a mola mestra do jornalismo industrializado, fruto do poder político adquirido pelas empresas de comunicação. André Trigueiro (2005, p. 285), jornalista formado sob esses conceitos, não nega a influência quando diz que “o bom jornalismo é aquele que se preocupa em ouvir os dois lados da história, oferecendo ao leitor/ouvinte/telespectador/internauta a chance de formar juízo de valor sobre o assunto em pauta”. É o que pregam os manuais de

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redação das empresas jornalísticas e é a cultura disseminada nos centros acadêmicos — embora nem sempre essas regras sejam respeitadas. Mas o bom jornalismo, não deve se limitar apenas a ouvir os dois lados da história, mas buscar elementos que ajudem o público receptor a se inserir naquela história. E “ir além da notícia”, para Merritt, é romper esses limites impostos pela cultura dominante enraizada nas redações. Jan Schaffer (2001, apud FERNANDES, ca. 2004, p. 9) traduz muito bem esse tópico ao dizer que o JP trata-se de “um jornalismo que ajude as pessoas a superarem sua sensação de impotência e alienação, desafiando-as a envolver-se e tomar para si a responsabilidade sobre problemas comunitários”. Nelson Traquina reforça esse ponto ao comentar: O jornalismo deve dar aos cidadãos as informações que são úteis, que são necessárias para que eles possam cumprir os seus papéis de pessoas interessadas na vida social, na governação do país etc. Um papel que é dado ao jornalismo é o de fornecer às pessoas as informações necessárias para que elas possam cumprir seus papéis como cidadãos. Também a teoria democrática apresenta como outro papel do jornalismo ser watchdog (cão de guarda) da sociedade, proteger os cidadãos contra os abusos do poder (2003).

Outra diretriz que Merritt prega para a prática do Jornalismo Público é “deixar para trás a noção de observador desprendido e assumir o papel de participante justo”. Trigueiro (2005, p. 285), ativista das causas ambientais, compartilha dessa idéia quando reconhece que respeitar as regras tradicionais “não livra o jornalista de ter sua visão de mundo, suas convicções, seus ideais”. O profissional de imprensa — que também é cidadão e que também tem suas convicções — deve utilizar as informações que obtém para o bem comum, para a coletividade, como sustenta Merritt. Carlos Álvarez Teijeiro (2006) também partilha dessa opinião ao dizer que “jornalistas não são meros observadores e que as empresas jornalísticas perseguem o lucro, mas também precisam se preocupar com as boas causas para terem mais confiabilidade e credibilidade”.

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“A concepção do público como atores da vida democrática e não como consumidores” é outra meta que deve ser perseguida por quem quer fazer Jornalismo Público, de acordo com Merritt. Traquina detalha bem esse tópico: O jornalismo cívico é, se quiser, uma chamada aos jornalistas para o fato de que os seus leitores, ou telespectadores, são em primeiro lugar cidadãos, e só em segundo lugar consumidores. Portanto, não é um outro tipo de jornalismo, mas sim criticar o tipo de jornalismo que se está a fazer hoje em dia pelo qual, devido a diversas razões e fenômenos, cada vez mais o importante passa a ser ter vendas e audiência. Ou seja, encarar o leitor/telespectador como um consumidor, esquecendo que ele é cidadão. [...] É uma chamada de atenção a todos os jornalistas, e talvez possamos incluir os empresários do jornalismo também, os donos de empresas jornalísticas, para o fato de o jornalismo não ser igual a um sapato à venda, por exemplo; que existem responsabilidades sociais (idem).

Trigueiro complementa esse conceito com uma crítica severa ao estilo jornalístico empregado nos últimos tempos: Quando se discute a função social do jornalista, é importante abrir espaço no meio acadêmico para o questionamento pontual e contundente do chamado ‘movimento de manada’, alienado e insano, na direção do imediatismo, do lucro fácil e rápido, do projeto individual em detrimento do coletivo, da globalização assimétrica (que privatiza o lucro e democratiza o prejuízo) [...] É esse ‘movimento de manada’ que nos projeta na direção do abismo sem que haja espaço para a reflexão, para o questionamento do modelo, para a revisão dos conceitos já estabelecidos e que se cristalizam como dogmas de uma fé tragicamente cega (2005, p. 279).

Portanto, mudar essa cultura cristalizada nas redações não é fácil e colocar em prática o jornalismo voltado para o cidadão exige que sejam observados certos preceitos, estipulados por alguns teóricos envolvidos mais ativamente com o movimento, que justifiquem os conceitos analisados sobre o Jornalismo Público. Para eles, as ações dos jornalistas na formulação das matérias devem seguir determinadas orientações que caracterizarão as notícias dentro do formato proposto. Jan Schaffer, então diretora executiva do Pew Center for Civic Journalism e hoje cumprindo a mesma função no J-Lab: The Institute for Interactive Journalism at American University, propõe algumas regras, essenciais para a prática do JP:

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- Deve produzir notícias de que os cidadãos precisam para se informar sobre os eventos correntes, tomar decisões cívicas e exercer suas responsabilidades na democracia; - Deve criar coberturas que motivem os cidadãos a pensar e agir, não simplesmente ver ou assistir; - As coberturas devem disparar ações cívicas, da participação em votações ao voluntariado; - Deve construir conhecimentos. Pessoas motivadas pelos projetos de jornalismo cívico devem ser mensuravelmente mais informadas sobre os eventos que as não engajadas; - Deve construir credibilidade e conexões com a comunidade. As pessoas acreditam mais nos jornais depois de uma campanha cívica; - Devem criar na comunidade a capacidade de resolver problemas e não esperar pelas soluções vindas de cima; e - Devem ser persistentes até atingir objetivos mensuráveis e não serem engavetados em detrimento de uma novidade ou furo irrelevante (2002, apud MUARREK, 2006, p. 141).

Outro autor que discrimina as ações para a prática do Jornalismo Público é o professor Edmund B. Lambeth. Ele aponta as seguintes condições: - Escutar sistematicamente as histórias e ideias dos cidadãos mantendo, ao mesmo tempo, a liberdade para escolher em qual dessas histórias prestar atenção; - Examinar maneiras alternativas de moldar as histórias a partir dos temas que resultam importantes para a comunidade; - Escolher aqueles enfoques, na apresentação dos temas, que ofereçam a melhor oportunidade, a deliberação cidadã e a compreensão dos temas por parte do público; - Tomar a iniciativa na hora de informar sobre os problemas públicos pendentes de modo que aumente o conhecimento do público sobre as possíveis soluções e sobre os valores envolvidos nos cursos de ação alternativa; e - Prestar atenção sistemática, assim a relação comunicativa com o público é credível e de boa qualidade (1998, apud FERREIRA, 2008, p. 20).

Já Lewis A. Friedland e Sandra Nichols não se preocuparam em relacionar ações para serem colocadas em prática. O que eles fizeram foi esquematizar os assuntos, dividindo-os em temas e grupos distintos, como os vistos a seguir: 1º Eleições (Elections), com assuntos relacionados às campanhas eleitorais; 2º Comunidade (Community), que engloba os mais variados gêneros de assuntos que envolvam a comunidade; 3º Governo (Government), voltado para os temas políticos; 4º Interatividade (Interactive), sobre como as novas tecnologias podem auxiliar na busca de soluções de questões coletivas; e 5º Miscelânea (Other), principalmente com casos de colunistas da imprensa que incentivam o Jornalismo Público por meio de seus espaços midiáticos. (2002, apud FERNANDES, ca. 2004, p. 12-13)

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Friedland e Nichols ainda fizeram uma subdivisão do item Comunidade em 13 partes: Diversidade (Diversity), abordando temas como relações étnicas e desigualdades sociais; Comunidade (Community), envolvendo pesquisas sobre futuros problemas coletivos; Civismo (Civic), com promoção de programas filantrópicos e identificação de futuros líderes cívicos nas comunidades; Juventude (Youth), sobre violência escolar, prevenção a entorpecentes, noções de educação sexual e orientações sobre como os próprios jovens podem buscar soluções; Educação (Education), em especial debatendo por quais motivos é crescente o número de estudantes com baixo rendimento escolar; Desenvolvimento econômico (Economic development), principalmente para regiões periféricas das cidades; Saúde (Health), incluindo prevenção de saúde de grupos minoritários; Vida familiar (Domestic life), sobre desintegração familiar, abusos contra crianças, desentendimentos entre parentes, etc; Criminalidade e segurança (Crime and safety), com debates sobre como parar a violência, sobre promoção de projetos de segurança e diminuição dos casos de uso de armas de fogo, entre outros; Pobreza (Poverty), com a busca de como oferecer mais escolas para comunidades pobres, além de desenvolvimento de ações de seguridade social e oferta de moradias para pessoas sem-teto; Meio ambiente (Environment), para diminuição, por exemplo, dos índices de poluição; Indústria (Industry), para incremento das atividades desse setor em determinadas regiões geográficas; e Ética/Moralidade (Ethics/Morality), para discutir limites de tolerância na vida coletiva, por exemplo (idem).

NOTAS DE REFERÊNCIA: BRAMBILLA, Ana Maria. As possibilidades do perspectivismo nietzscheano no Jornalismo online. [S.l.]: Biblioteca on-line de ciências da comunicação, 2005. Disponível em: . Acesso em: 22 mar. 2009. FERNANDES, Márcio Ronaldo Santos. Civic Journalism no Brasil: a construção de um plano de referência para um Jornalismo Público. [S.l.]: Universidade Federal do Centro-Oeste (Unicentro). [ca. 2004]. Disponível em: . Acesso em: 20 dez. 2008. FERREIRA, Vânia. Impressões sobre Jornalismo Público. In: PRADO, Mônica (Org). Coletânea Pública – Práticas de comunicação Pública em Brasília. Brasília: Entreposto Acadêmico e DCE-UniCEUB, 2008. 105 p. MUARREK, Ubiratan. Impacto concreto no mundo real. In: COSTA, João Roberto Vieira da. (Org.). Comunicação de Interesse Público – Ideias que movem pessoas e fazem um mundo melhor. São Paulo: Ed. Jaboticaba, 2006. 160 p. TEIJEIRO, Carlos Álvarez. [Sem título]. Entrevista concedida a Aline Fonseca. Secretaria de Comunicação. UnB Agência. Brasília. Edição on-line, 13 out. 2006. Disponível em: . Acesso em: 29 mar. 2009.

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TRAQUINA, Nelson. O cidadão antes do consumidor. Entrevista concedida a Antonio Queiroga. Diretório Acadêmico. Observatório da Imprensa. [S.l.]. 20 mai. 2003. Disponível em: . Acesso em: 22 mar. 2009. TRIGUEIRO, André. Formando jornalistas para um mundo sustentável. In: Mundo sustentável – Abrindo espaço na mídia para um planeta em transformação. 2.ed. São Paulo: Ed. Globo, 2005. 302 p.

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1.4 - Possibilidades de mudanças nas redações

Para quem trabalha no meio jornalístico, fazer matérias em que sejam priorizadas práticas encampadas pelo Jornalismo Público pode parecer utópico e, para os grandes grupos de comunicação, uma afronta ao seu status quo. À primeira vista esse movimento deixa transparecer que não tem como se sustentar diante de um universo consolidado, onde as técnicas jornalísticas prevalecem em detrimento da reflexão. Nesse sentido, levantamos uma questão: É possível mudar essa cultura? Uma pequena amostra da dificuldade de se mudar um sistema tão arraigado nas rotinas redacionais pode ser visto no trabalho realizado por Lívia Almeida (2008, p. 38), ao pesquisar a prática do Jornalismo Público nas tevês comerciais de Brasília. Ela conseguiu detectar matérias que utilizam elementos difundidos pelo movimento, mas concluiu que “o Jornalismo Público é usado frequentemente para preencher espaço na grade de programação das emissoras na falta de matérias factuais” e observa que há necessidade de intensificar ações voltadas para responsabilidade social dos profissionais de televisão, que enfrentam dificuldades para fazer Jornalismo Público em emissoras comerciais, decorrentes de interesses econômicos, baseados na disputa por audiência para atrair patrocinadores (idem).

Diante disso, ela ainda atentou para o pouco comprometimento dos profissionais em mudar essa situação e alertou: Os jornalistas devem ingressar no mercado de trabalho conscientes da relevância da profissão para a construção da cidadania. [...] Só assim, poderão interagir com a sociedade e atender às demandas do cidadão da melhor forma possível (ibidem).

Então, como mudar essa estrutura amarrada, a cultura da objetividade, cujos fundamentos se solidificam de geração em geração nos meios acadêmicos? As universidades do mundo todo seguem a cartilha dos manuais de redação e funcionam como reprodutores de jornalistas tecnicistas em escala industrial. O profissional de

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comunicação já chega ao mercado de trabalho pronto para ser encaixado na engrenagem do mundo midiático, a indústria da notícia. Trigueiro retrata bem esse cenário quando diz que as universidades se assemelham muitas vezes a fábrica de tijolos quando se preocupam em formar alunos sob medida, por meio de cursos estritamente comprometidos em suprir as demandas do mercado. Relega-se, nesses casos, o curso de nível superior a um papel medíocre, nivelador, sem a perspectiva de discutir a fundo o papel do jornalista num mundo em transformação e com novas demandas na área de informação (2005, p. 279).

Para ele, existem lacunas a serem preenchidas nas faculdades de comunicação e para haver mudanças — não só para o bem do jornalismo em si, mas para a melhoria da vida em comunidade — é necessário o ajustamento dos círculos de estudo:

A formação do jornalista será inevitavelmente incompleta — para não dizer deficiente — se na grade curricular do curso de nível superior não forem feitos os devidos ajustes para que se revelem os impactos sem precedentes que pessoas, empresas, governos e, de uma forma mais ampla, o atual modelo de desenvolvimento (os meios de produção e de consumo) geram sobre os recursos naturais, a qualidade de vida e a desigualdade social (idem, p.278).

As discussões em torno dos conceitos dessa prática jornalística nas universidades, no entanto, têm aumentado e isso pode contribuir para a mudança de comportamento da indústria como um todo. Para Teijeiro (2006) “as escolas de jornalismo têm que voltar às Humanidades, voltar à reflexão sobre o sentido da democracia, da cidadania”. Para isso é preciso ultrapassar a barreira do mundo contemporâneo onde o consumismo, a busca pela fama a qualquer preço e o culto às celebridades imperam. Ele traça um perfil do universo em que estamos inseridos quando diz que o estudante de comunicação de hoje está imerso em uma sociedade de consumo, a mesma que, supostamente, o jornalismo queria transformar nas décadas de 60 e 70. Encontramos em muitos casos um estudante que já faz parte desse sistema de consumo e que busca fama, notoriedade e êxito econômico com o jornalismo, já não busca transformar a sociedade (idem).

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Teijeiro sustenta que o desenvolvimento das novas técnicas, cada vez mais sofisticadas, não pode fazê-los deixar de exercitar a leitura, de pensar criticamente, compreender o mundo em que vivem. Há uma espécie de sedução pela tecnologia, que não faz pensar (ibidem).

E ele propõe a mudança a partir da matéria prima: “Os estudantes são os primeiros a quem temos de convencer a mudar, a se engajar” (ibidem). Mas as discussões para a mudança de postura no jornalismo não estão restritas aos bancos escolares e nem se pode esperar que fiquem por lá. Resultados positivos foram colhidos desde que o movimento foi criado na década de 1990. Schaffer, quando ainda dirigia o Pew Center, ao destacar alguns projetos implementados no período, demonstrou que a mudança de comportamento é possível com a prática do Jornalismo Público. Ao responder uma questão sobre a importância do movimento — “Qual é o lucro do Jornalismo Cívico?” —, ela apontou para dois beneficiários diretos: a comunidade e o próprio jornalismo, e forneceu elementos para sua tese. Para a comunidade observamos que, ao fornecermos aos leitores meios de agir, eles irão agir; observamos em pesquisas que o jornalismo cívico aumentou de forma mensurável o conhecimento dos leitores sobre assuntos específicos; observamos outros grupos comunitários adotarem o modelo de engajamento cívico (através de círculos de estudo e equipes de ação, por exemplo) que eles aprenderam através do envolvimento de organizações noticiosas com esforços de jornalismo cívico. [...] Para o jornalismo, observamos jornalismo de profundidade com ressonância mais autêntica com a comunidade, em vez de jornalismo que apenas repete os dois lados de uma questão; observamos jornalistas redescobrindo suas comunidades e rompendo alguns velhos estereótipos; observamos todo tipo de inovações nas redações. Novas páginas, novos empregos, novos critérios, novas declarações de missão [...]; por fim, o jornalismo cívico produziu um ambiente que permitiu aos editores assumirem novos riscos (2001, apud FERNANDES, 2002).

Trigueiro vê a possibilidade de mudança no próprio jornalista e exorta uma nova postura profissional daqui por diante:

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“Os jornalistas devem ser livres para trabalhar de acordo com sua consciência” é um dos princípios que considero extremamente importantes, principalmente quando lidamos com assuntos que desagradam os poderes político e econômico [...]. Não será possível ganhar todas as batalhas, mas há que se ter inteligência e estratégia para seguir em frente. A luta é boa. A causa é nobre. A hora é essa” (ibidem, p.286). NOTAS DE REFERÊNCIA: ALMEIDA, Lívia. Jornalismo Público nas tevês abertas em Brasília. In: PRADO, Mônica (Org). Coletânea Pública – Práticas de comunicação Pública em Brasília. Brasília: Entreposto Acadêmico e DCE-UniCEUB, 2008. 105 p. FERNANDES, Márcio Ronaldo Santos. Jornalismo Cívico: um estudo comparado dos modelos americano e brasileiro. Trabalho apresentado no XXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Salvador. Centro de Convenções da Bahia, 1. 5. set. 2002. Disponível em: . Acesso em: 20 dez. 2008. TEIJEIRO, Carlos Álvarez. [Sem título]. Entrevista concedida a Aline Fonseca. Secretaria de Comunicação. UnB Agência. Brasília: Edição on-line, 13 out. 2006. Disponível em: . Acesso em: 29 mar. 2009. TRIGUEIRO, André. Formando jornalistas para um mundo sustentável. In: Mundo sustentável – Abrindo espaço na mídia para um planeta em transformação. 2.ed. São Paulo: Ed. Globo, 2005. 302 p.

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1.5 - A corrente contrária

Mesmo que haja uma mudança gradativa de pensamento ou de postura em relação à prática jornalística e isso represente novos tempos na relação entre a imprensa e seu público, ainda existem muitas arestas para aparar. Grande parte dos profissionais e de empresas jornalísticas é contrária aos propósitos ditados pelo Jornalismo Público. Os principais exemplos são os grandes jornais — tais como The Washington Post, The New York Times e Los Angeles Times — que alegam não ser função do jornalismo envolver-se com outras atribuições, como explica Luiz Martins da Silva: Eles baseiam-se no pressuposto de que a função essencial do jornalismo é a cobertura dos fatos, o que, em si, já constituiria a sua função pública, não devendo a mesma extrapolar para atividades relacionadas com políticas públicas, sendo estas atribuições do Estado ou da sociedade civil, por meio de suas instituições. Ao repórter, o mesmo modo, caberia tão somente reportar os problemas e não se imiscuir na busca de suas soluções (2002, p. 27).

O movimento incomodava bastante os editores, a quem Rosen se referia como o “alto clero do jornalismo”. A disputa política começou a ficar evidente e a “grande mídia” sentia que seu poder de influência estava ameaçado. Um deles, Michael Gartner, editor e sócio do Daily Tribune de Ames, Iowa, chamava o jornalismo público de “tolice da moda” e pregava aos quatro ventos que “os jornais estavam sendo trapaceados por jornalistas cívicos” (WITT, 2004, p. 49, tradução nossa). Outro fator de resistência que ocorreu nos Estados Unidos se deu em relação ao investimento do Pew Charitable Trust no movimento, organismo frequentemente associado à direita norte-americana e aos ideais conservadores. Um preconceito que não se justifica se levarmos em consideração a nobreza da causa. Como diz Luiz Martins da Silva (2001), “o combate ao consumo de drogas e a redução da violência são problemas de todos, independentemente de ideologias”.

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No entanto, o dinheiro injetado por estas instituições em projetos de Jornalismo Público não era bem visto por muitos formadores de opinião e quando o Pew Center fechou as portas em 2003, alguns deles chegaram a escrever artigos comemorando o fato. Um exemplo foi o articulista Alan Wolper que, em um artigo de opinião escrito para a revista Editor & Publisher — tradicional publicação mensal que cobre a indústria de jornais dos Estados Unidos — intitulado “RIP, Civic Journalism” (Descanse em paz, jornalismo cívico), anunciou a morte do movimento e não poupou ironias: É hora de deixarmos o movimento do Jornalismo Cívico partir. Já fez estrago suficiente – obrigado pelas centenas de milhares de dólares jorrados nas redações pelo Centro Pew para Jornalismo Cívico. Mas, felizmente, o centro está fechando seus talões de cheque, e portas, no próximo mês e não capitalizará mais nenhum daqueles programas “que chegam e tocam alguém” chamados de bom jornalismo (2003, tradução nossa).

No Brasil, não há propriamente rejeição, mas desconhecimento e indiferença. Quando Jan Schaffer esteve no país em 2004, no 5º Congresso Brasileiro de Jornais, realizado em São Paulo, para proferir uma palestra sobre Jornalismo Público, o movimento mereceu uma crítica por parte do jornalista Luciano Martins Costa, no site do Observatório da Imprensa. No texto ele mostra descrédito total no movimento ao afirmar que o jornalismo cívico permaneceu restrito ao ambiente acadêmico, frequentou alguns debates da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação), ficou mais conhecido como o espaço do “politicamente correto” e, na verdade, nunca chegou a ocupar lugar de destaque entre as preocupações dos gestores de jornais e revistas, emissoras de rádio e TV (2004).

E, em poucas linhas, põe fim às pretensões dos defensores do Jornalismo Público antes mesmo de se realizarem debates mais aprofundados: “o jornalismo cívico representa um conjunto de princípios dos quais a imprensa brasileira apenas ouviu falar, mas dos quais sabe o suficiente para que se possa afirmar que não há hipótese de que venham a ser adotados por aqui” (Idem, 2004).

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NOTAS DE REFERÊNCIA: COSTA, Luciano Martins. Distorções no espelho da mídia. Saídas para a mídia. Observatório da Imprensa. [S.l.]: 2004. Disponível em: . Acesso em: 15 mar. 2009. SILVA, Luiz Martins da. Civic Journalism: um gênero que no Brasil ainda não emplacou. [S.l.: s.n., 2001]. Disponível em: . Acesso em: 28 ago. 2008. ______. Jornalismo Público: o social como valor-notícia. 2002. In: Jornalismo Público – Três textos básicos. Brasília: Casa das Musas, 2006, 63 p. Disponível em: . Acesso em: 28 ago. 2008. WITT, Leonard. Is Public Journalism morphing into the Public’s Journalism? National Civic Review. Denver, EUA, v. 93, nº 1, p. 49-57, 2004. Disponível em: . Acesso em: 26 mar. 2009. WOLPER, Alan. Rip, Civic Journalism. [S.l.]: Editor and Publisher [s.n.], 16 abr. 2003. Disponível em: . Acesso em: 17 abr. 2009. Comentário em: Ciberjornalismo.com. Disponível em: . Acesso em: 17 abr. 2009.

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1.6 - A mutação do Jornalismo Público nos Estados Unidos

No capítulo 1, tópico 1.4, falamos das possibilidades de mudança na cultura das redações e na conduta dos jornalistas. Mas, independentemente de os jornalistas mudarem de postura ou não, um outro movimento surgiu paralelamente ao JP e já está transformando até mesmo a forma de se fazer jornalismo nos grandes jornais. O fenômeno, detectado por Leonard Witt, outro expoente do Jornalismo Público, em um artigo escrito em 2004, diz respeito ao “Jornalismo Colaborativo”, processo em que o cidadão comum municia os veículos de comunicação com fotos, vídeos e sugestões de pautas, e o “Jornalismo Participativo” — também conhecido como “Jornalismo Cidadão” —, conceito que parte da premissa de que qualquer cidadão pode produzir material jornalístico, com críticas e comentários sobre assuntos que estão na esfera pública e, além disso, redigir, editar e veicular reportagens sem a interferência de qualquer profissional da área de comunicação ou editor jornalístico. Na época que o artigo de Witt foi publicado, o Jornalismo Público nos Estados Unidos passava por um período de indefinições. Segundo Witt, o fechamento do Pew Center for Civic Journalism, em janeiro de 2003, representou um enfraquecimento do movimento, pois, junto com o centro também se foram “a capacidade de organização e milhões de dólares em fundos de apoio para projetos e oficinas de jornalismo público” (WITT, 2004, p. 49, tradução nossa). Ele descreve aquele momento da seguinte forma: “O Jornalismo Público parecia, pelo menos para alguns críticos e até para alguns de seus defensores, estar moribundo”. (Idem). Witt conta em seu artigo que, apesar do movimento ter sofrido esse golpe, não houve propriamente uma rendição por parte de seus adeptos, que “ansiavam por mantê-lo vivo”. Um grupo de 24 jornalistas, entre os quais Rosen, Friedland, Merritt e Schaffer, se

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reuniu na Universidade Estatal de Kennesaw, próxima de Atlanta, no começo de 2003, com o propósito de determinar o futuro do jornalismo público. Nesta reunião formaram uma sociedade profissional de educadores e jornalistas chamada de PJNet - Public Journalism Network (Rede de Jornalismo Público). Muitas dúvidas e incertezas pairavam sobre o movimento, visto que, conforme relata Witt, havia “estudos conflituosos sobre o verdadeiro impacto sofrido pelo público ou pelo jornalismo em virtude do Jornalismo Público” (Ibidem). O próprio Witt, no entanto, mostrou otimismo em relação ao futuro do JP ao comentar: Na verdade, o jornalismo público está diariamente nas manchetes de jornais como o Savannah Morning News, em histórias cheias com as vozes de gente real e boxes dizendo aos leitores como se envolver ou aprender mais sobre os assuntos discutidos. O Jornalismo Público também sobrevive em projetos especiais, tais como “Construindo a nova economia de Wisconsin”, no qual o Wisconsin State Journal e vinte outros jornais menores espalhados por todo o estado se comprometeram por dois anos a se engajarem nas discussões públicas sobre o desenvolvimento econômico estadual. Vive, ainda, todas as vezes que um editor empurra um repórter a buscar maior diversidade de fontes, ou a pesquisar verdades tanto no meio quanto nos extremos. Vive todas as vezes que pequenos jornais abrem canais para leitores e espectadores para responder aos jornalistas, como o The New York Times fez quando anunciou sua intenção de contratar um ombudsman (Ibidem, p. 50).

Dessa forma, Witt sugere que os preceitos estabelecidos pelo Jornalismo Público já estavam sendo absorvidos nas rotinas dos grandes jornais e esse fato era ignorado por seus editores. Mas, além de atingir a “grande mídia” de forma sutil, a doutrina do JP já começava a ser encampada por outros movimentos, como o “Jornalismo Colaborativo” e o “Jornalismo Participativo”, impulsionados pelo surgimento constante de novas tecnologias. Ao perceber que essa onda já estava se espalhando pelo mundo globalizado, Leonard Witt argumenta: Muito do que os jornalistas públicos ou cívicos têm lutado para conseguir por mais de uma década, na maior parte das vezes, de dentro da mídia impressa,

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está sendo repentinamente empurrado sobre a mídia, de fora, à velocidade da luz. Poucos previram isso. [ ] A maior parte dos membros rotativos da Rede de Jornalismo Público, incluindo eu, estava parcialmente cego para o mar de alterações que vinha acontecendo, que começava a transformar o jornalismo público em jornalismo do público (Ibidem, p. 49-50).

De acordo com o articulista, a criação do site de notícias na internet Oh my news, em 2000, foi o ponto inicial da mutação sofrida pelo Jornalismo Público. A lógica do site é a de que “todo cidadão é um repórter” e qualquer um tem condições de redigir uma matéria e partilhá-la com outrem. Ou seja, o cidadão, baseado nesta filosofia, passou a se apropriar das ferramentas de comunicação, facilitadas pelas tecnologias de informação. Witt descreve bem esse cenário: “Graças ao aparecimento de uma tecnologia totalmente nova, o DNA do jornalismo público havia sido literalmente alterado.” (Ibidem, p. 51). O que se viu na sequência foi a proliferação de novas redes comunicacionais, com a popularização das Weblogs ou, simplesmente, blogs. Nos Estados Unidos, essas ferramentas individuais de comunicação on-line começaram a conquistar mais atenção, em virtude da disponibilização gratuita, da simplicidade na utilização e do alcance global. De acordo com a tese de Leonard Witt, o Jornalismo Público, ao contrário desses novos movimentos, padece de algumas limitações: No antigo jornalismo público, talvez a melhor ferramenta disponível eram as reuniões virtuais com grupos representativos de cidadãos. Eles eram muitas vezes parte de “projetos especiais”, onerosos, demorados e esporádicos. Muito frequentemente esses projetos lidavam com um assunto em particular e passavam adiante. Jornalistas conduziam a discussão. Eles diziam: “Vamos fazer um artigo sobre direitos trabalhistas (ou meio ambiente, ou problemas de trânsito, ou economia)”, e então selecionariam alguns cidadãos e relatariam seus pontos de vista. Como nem todos os repórteres e editores acreditavam em jornalismo público e alguns abertamente se opunham a ele, alcançar a turma da redação não era tarefa fácil (Ibidem).

Ainda assim, Witt considera que o surgimento desses novos ideais jornalísticos, alimentados pelas modernas tecnologias, fez bem ao Jornalismo Público: Essa alteração de DNA, de modo simbólico, pareceu mover-se para a alma do movimento do jornalismo público. Schaffer e Rosen, seu teórico mais visível, aderiram à tecnologia eletrônica. Schaffer promove experiências interativas entre

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a mídia e os cidadãos por intermédio do J-Lab (o Instituto para Jornalismo Interativo da Universidade de Maryland). Rosen escreve e publica o PressThink, um Weblog voltado à crítica da mídia. De fato, o PressThink, em parte porque critica a “grande imprensa”, está ajudando jornalistas, cidadãos, educadores e blogueiros a construir uma estrutura teórica para essa nova era (Ibidem, p. 5152).

Em decorrência disso, o que se tem visto ultimamente é uma associação do Jornalismo Cívico com o Jornalismo Cidadão em conferências realizadas nos Estados Unidos cujos temas envolvam Jornalismo Público. Mas a forma como esta simbiose vem ocorrendo merece uma reflexão mais profunda que não cabe ser discutida neste trabalho. NOTA DE REFERÊNCIA: WITT, Leonard. Is Public Journalism morphing into the Public’s Journalism? National Civic Review. Denver, EUA, v. 93, nº 1, p. 49-57, 2004. Disponível em: . Acesso em: 26 mar. 2009.

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1.7 - Terminologia

Outro ponto que gera discussão — mas que não significa um problema propriamente dito — é a questão da terminologia. Afinal, por que há essa indefinição dos nomes? Quando o movimento foi criado, alguns jornalistas o chamaram de Jornalismo Cívico e outros o estabeleceram como Jornalismo Público, e até hoje os dois nomes são comumente utilizados. Existe uma explicação para isso. Alzira Alves de Abreu — que denomina o movimento no Brasil de Jornalismo Cidadão — conta que os dois termos no país norte-americano se referem a movimentos diferentes: O Jornalismo Público (Public Journalism) foi uma resposta à perda de leitores da imprensa escrita na concorrência com os canais de televisão, e também uma maneira de impedir o controle, cada vez maior, das máquinas partidárias sobre o debate político na mídia. Esse novo jornalismo pretendia impor uma nova agenda de opinião e se tornar o intérprete dos cidadãos quanto à hierarquia dos problemas e à escolha das soluções pela comunidade. O Jornalismo Cívico (Civic Journalism) nasceu na década de 1970 por iniciativa de um industrial de petróleo, que decidiu financiar projetos de jornalismo tendentes a enaltecer os valores democráticos. Desenvolveu-se a partir dessa experiência, orientado para mobilizar, dar a palavra aos cidadãos comuns e aos responsáveis por associações e comunidades. (ABREU, 2003, p. 6)

O que se pôde perceber na explicação de Abreu é que existiam duas propostas independentes e que acabaram se fundindo num movimento único. As motivações que as separavam foram relacionadas entre si, agrupadas e incorporadas em uma mesma causa. No Brasil, a confusão de nomes é maior e Barcellos e Alvetti — que assim como Abreu, também o denomina Jornalismo Cidadão — tentam destrinchar os meandros da conceituação: Defende-se que, no caos brasileiro, o termo Jornalismo Cidadão é adequado, porque a palavra ‘cidadania’ remete a iniciativas que tratam da inclusão social, da busca pelos direitos dos cidadãos e está consagrado na linguagem da própria imprensa, bem disseminado na sociedade com conotação semelhante ao emprego de jornalismo cívico em textos portugueses e nas origens em inglês. No Brasil, a expressão jornalismo cívico sofre o risco de ter conotação militaresca, resquício da ditadura militar. Da mesma forma, jornalismo público remete a jornalismo oficial, porta-voz dos órgãos públicos e governos, justamente a antítese da proposta, assim como jornalismo comunitário ou jornalismo de serviço

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comunitário dão idéia de jornais alternativos feitos por ou para comunidades restritas, sem abrangência maior (2007).

Luiz Martins da Silva também vê problema de interpretação relacionado ao termo Jornalismo Público, mas acredita que haja maiores esclarecimentos sobre o assunto: Algumas confusões têm ocorrido, possivelmente em decorrência da própria comutação que se faz, no Brasil, em torno do “setor público”, em geral associado com as esferas estatal e governamental. Jornalismo público, então, seria aquele praticado desde as redações a serviço dos governos Federal e Estadual ou por emissoras estatais, o que, evidentemente, é uma imprecisão, já que, na atualidade [...] a sociedade vem repensando o espaço público, cada vez mais assumindo parcela de subjetividade na elaboração e na execução de políticas públicas (2002, p. 7).

Silva ainda se refere a outro termo ao pesquisar novos conceitos de jornalismo: Na provisoriedade do que se poderia chamar de jornalismo público, havíamos preferido recorrer ao rótulo jornalismo institucional, dada a existência no Brasil de Organizações Não-Governamentais (ONGs) que se especializaram exatamente em estratégias de agendamento da mídia, trabalhando intensamente com o objetivo de obter a publicação de releases ou de pautar coberturas de “fatos sociais”, mas sobretudo aqueles que representam tecnologias sociais, ou seja, o sucesso de projetos destinados a operar mudanças na qualidade de vida de segmentos sociais, especialmente no que diz respeito às populações mais vulneráveis [em risco], como é o caso da criança e do adolescente (Idem).

Muito embora o nome Jornalismo Público não se configure uma unanimidade, é dessa forma que o movimento é mais conhecido no Brasil. Até porque a designação “Jornalismo Cidadão”, apesar de fazer mais sentido a esses preceitos, está vinculada diretamente ao processo de produção de notícias intitulado “Jornalismo Participativo” — como vimos no capítulo anterior —, que se caracteriza pela participação direta de pessoas sem formação ou sem vínculo com a profissão de jornalista na produção de material jornalístico e que foi popularizado pelo uso constante de ferramentas de edição e publicação na internet, como os blogs e sites de relacionamento, além da utilização corriqueira de celulares com câmeras digitais e de outras novas tecnologias de informação e comunicação, que permitem interatividade.

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Outro termo que também poderia se enquadrar ao movimento, principalmente na realidade brasileira, é “Jornalismo Comunitário”. Mas, igualmente ao Jornalismo Cidadão, esse termo é empregado em outra situação, pois é mais conhecido como o jornalismo praticado por membros de uma comunidade, cujos temas abordados sejam de interesse daquele grupo de moradores específico. Abreu ainda faz referência a outros termos como “jornalismo de utilidade social” e “jornalismo de utilidade pública” — que serão abordados posteriormente —, mas o termo Jornalismo Público tem prevalecido sobre os demais. NOTAS DE REFERÊNCIA: ABREU, Alzira Alves de. Jornalismo cidadão. Estudos Históricos, Mídia. Rio de Janeiro, nº 31, 2003/1. Disponível em: . Acesso em: 20 dez. 2008. ALVETTI, Celina e BARCELLOS, Zanei. Jornalismo cidadão, uma proposta brasileira ao jornalismo cívico. Trabalho apresentado ao GT Jornalismo, do VIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação da Região Sul. Passo Fundo, 2007. Disponível em: . Acesso em: 20 dez. 2008. SILVA, Luiz Martins da. Jornalismo Público: o social como valor-notícia. 2002. In: Jornalismo Público – Três textos básicos. Brasília: Casa das Musas, 2006, 63 p. Disponível em: . Acesso em: 28 ago. 2008.

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Capítulo 2 – Jornalismo Público no Brasil

2.1 - A importação de uma ideia

Com a difusão do Jornalismo Público em vários estados norte-americanos e a sua notoriedade nos meios acadêmicos, em fóruns de discussão e, até mesmo, nos editoriais dos grandes jornais dos Estados Unidos, o movimento acabou chamando a atenção de professores de comunicação, pesquisadores, teóricos e jornalistas engajados de outros países. Num primeiro momento, o que se pretendia era simplesmente importar a ideia, o conceito e os preceitos para serem implementados nos mercados locais. Mas, ao serem transportadas as normas conceituais, empregadas no Jornalismo Público americano, para outras realidades, viu-se que as diferenças culturais presentes em cada país poderiam afetar não só o desenvolvimento, mas também o resultado dos projetos incentivados pela lógica desse movimento. Ana Maria Castellanos diz que, no início, o modelo de Jornalismo Público — teoria e prática — adotado nos Estados Unidos foi reproduzido fielmente na Colômbia, mas que, com o passar do tempo, foi se reenquadrando. “Começamos imitando a ideia norte-americana de jornalismo público, mas agora definitivamente sinto que temos um caminho diferente, desde o teórico até o metodológico” (2004, apud FERNANDES, ca. 2004, p. 15). Vânia Ferreira detectou o mesmo problema ao verificar a introdução do JP no Brasil: Os autores brasileiros traduziram as principais características americanas do jornalismo público e as divulgaram, como premissas para a prática no Brasil, em suas obras bibliográficas. Esqueceram, no entanto, que as realidades sociais dos dois países são completamente diferentes (2008, p. 17).

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Essas diferenças, no entanto, foram detectadas ao longo do tempo pelos pesquisadores e teóricos da comunicação. Márcio Fernandes aponta o primeiro conflito existente entre o Jornalismo Público praticado nos Estados Unidos e aquele desenvolvido no Brasil por meio do conceito de cidadania: Enquanto que, na língua inglesa, ela [a cidadania] é vista como uma condição para ser cidadão, no Brasil tem sido encarada como um direito do cidadão. O civic journalism trabalha com a noção de cidadania como uma condição, quase uma obrigação, e não apenas para os moradores de uma região ou cidade, mas para a imprensa também, algo que os veículos de comunicação brasileiros não compactuam, já que são ainda defensores do mito da isenção (parte da teoria do espelho), algo que pode ficar comprometido, na visão verde-amarela, quando se procede do modo que o civic journalism costuma fazer (2008).

De fato, o que acontece na realidade brasileira é que não há o compromisso das empresas de comunicação nem dos jornalistas de mobilizar o cidadão ou de se criar um movimento que agrupe todo tipo de classe — incluindo a própria imprensa — em prol de uma causa. Ainda que possamos buscar alguns exemplos do típico JP em terras brasileiras, em nenhum momento foram percebidas essas pretensões. O Jornalismo Público que se vê por aqui acabou adquirindo uma identidade própria, como explica Luiz Martins da Silva: No Brasil, o jornalismo público está emergindo com características próprias e, ao contrário do que ocorreu nos Estados Unidos, não houve, aqui, intenções e ações visando especificamente fundar uma categoria jornalística (2002, p.7).

Práticas jornalísticas presentes no jornalismo brasileiro há muitos anos — como a prestação de serviços, por exemplo — foram incorporadas ao modo de se fazer Jornalismo Público no Brasil. Ao assumir essas práticas, o JP, sem abandonar os preceitos originais, configurou diretrizes específicas, voltadas à realidade brasileira, como as vistas a seguir:

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a) Promover a formação crítica do telespectador para o exercício da cidadania; b) Disponibilizar informações que sejam de interesse coletivo; c) Estimular a participação do cidadão nas discussões por meio de instrumentos de interatividade; d) Atentar para a responsabilidade social; e) Evidenciar a capacidade resolutiva da sociedade com exemplos de boas práticas de determinados grupos ou indivíduos.

A semelhança mais latente entre os dois modelos foi a motivação para a adoção de uma nova forma de se fazer jornalismo. Assim como havia ocorrido no país norte-americano na década de 1980, uma crise institucional também afetou a imprensa brasileira, esta dominada por oligopólios de comunicação e influenciada por políticos — em grande parte proprietários de jornais e concessionários de rádio e TV — e o mercado publicitário. Dessa forma, é possível constatar que o que houve no Brasil foi apenas a importação, por grupos

de

pesquisadores

da

comunicação e

alguns

setores

governamentais, de um ideal de jornalismo que incluísse as questões sociais na pauta jornalística, seja ela pública, privada ou estatal. NOTAS DE REFERÊNCIA: FERNANDES, Márcio Ronaldo Santos. Civic Journalism no Brasil: a construção de um plano de referência para um Jornalismo Público. [S.I]: Universidade Federal do Centro-Oeste (Unicentro). [ca. 2004]. Disponível em: . Acesso em: 20 dez. 2008. ______. Civic Journalism: notas históricas sobre os 20 anos de uma corrente de Imprensa engajada. Trabalho apresentado no 11º Encontro Nacional de Professores de Jornalismo – Fórum Nacional de Professores Jornalistas. São Paulo, 2008. Disponível em: . Acesso em: 26 mar. 2009. FERREIRA, Vânia. Impressões sobre Jornalismo Público. In: PRADO, Mônica (Org). Coletânea Pública – Práticas de comunicação Pública em Brasília. Brasília: Entreposto Acadêmico e DCE-UniCEUB, 2008. 105 p.

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SILVA, Luiz Martins da. Jornalismo Público: o social como valor-notícia. 2002. In: Jornalismo Público – Três textos básicos. Brasília: Casa das Musas, 2006, 63 p. Disponível em: . Acesso em: 28 ago. 2008.

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2.2 - Tipos de JP no Brasil e suas características

O termo “Jornalismo Público” ainda é pouco reconhecido nas redações brasileiras. Alguns já ouviram falar e a maioria ignora a sua existência. Não se trata de um gênero jornalístico como os apresentados por Luiz Beltrão, que os classifica em três grupos: Jornalismo Informativo; Jornalismo Interpretativo; e Jornalismo Opinativo. E também não se encaixa nas classificações de José Marques de Melo que, além de considerar os três gêneros de Beltrão, acrescenta mais dois: Jornalismo Utilitário e Jornalismo Diversional 2. Apesar disso, o Jornalismo Público praticado no Brasil poderia se enquadrar nos gêneros classificados por Marques de Melo, como, por exemplo, o que ele denomina de Jornalismo Utilitário. De acordo com o teórico, neste gênero estão compreendidos os itens: indicadores, cotações, roteiros e serviços. Estes quatro elementos também podem ser considerados Jornalismo Público. Assim como nas classificações de Luiz Beltrão, o tópico “reportagens em profundidade” — relacionado pelo autor como Jornalismo Interpretativo — está presente nos preceitos do JP. (BELTRÃO, 1980; MELO, 2003 apud LEAL; SOUZA, 2007, p. 4) Luiz Martins da Silva (2002b, p. 6) diz que, “como gênero, o jornalismo público ainda não adquiriu o status de outras especializações, a exemplo da crônica policial, do jornalismo esportivo, do jornalismo político, do jornalismo econômico e do jornalismo científico”. Ele afirma que ainda não se tem uma compreensão do Jornalismo Público “do que ele representa enquanto função, área de cobertura e campo profissional” (idem), mas considera que “algumas práticas jornalísticas da chamada ‘grande imprensa’ brasileira

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Os dois teóricos distribuem e classificam as diversas categorias (Notícia, Reportagem, Entrevista, etc) nesses grupos primários.

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começam a assentar as bases para o que, entre nós, poderia vir a se chamar de jornalismo público” (Ibidem). Mas é no universo externo das redações que os conceitos do Jornalismo Público têm se criado. Segundo Luiz Martins da Silva, há uma verdadeira onda de simpatia para com os projetos de impacto social (a Bolsa-Escola é um deles) que vem obtendo êxito e para com as organizações e personalidades que dedicam à vida a grandes causas sociais ou grandes campanhas, como já aconteceu em relação ao falecido sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, e sua campanha contra a fome (Ibidem, p. 12).

Ainda conforme Silva, “as campanhas públicas têm um agente principal e poderoso que é o Estado, mas a principal estratégia tem sido a publicidade e não o jornalismo” (Ibidem). Apesar disso, o jornalismo praticado no Brasil, em inúmeros casos, tem sido direcionado para as causas sociais ou de cidadania, ainda que esta prática não seja reconhecida pelos cânones da imprensa como Jornalismo Público. Martins explica como esse jornalismo é feito: Investir no social vem sendo encarado pelo capitalismo moderno como um bom negócio. [...] Tal como o empresariado de modo geral, as empresas de mídia no Brasil têm-se mostrado significativamente abertas aos projetos de “cidadania empresarial” e que, no seu caso, pode não significar, necessariamente, o dispêndio de recursos financeiros, mas a concessão de espaços às “boas notícias”, ou seja, a cobertura de ações sociais relacionadas com o voluntariado, o combate à fome, ao analfabetismo e à proteção da criança (Ibidem, p. 13).

O professor ainda reafirma que “o conceito de jornalismo público no Brasil, entretanto, não está fixado como tal, sendo mais frequentes retrancas que se referem ao Terceiro Setor e ao Voluntariado” (Ibidem, p. 14). A partir disso, Silva estabelece uma classificação em uma “tentativa preliminar de criação de categorias de jornalismo público no Brasil”, conforme o descrito a seguir: 1) Jornalismo Público de patrocínio: ocorre quando agências de notícias específicas, como a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), são patrocinadas por organismos sociais, como a Unicef e a Unesco entre outros, a fomentar as redações dos veículos de comunicação com noticiários e reportagens por meio de pautas-clipping e resumos de matérias sobre a temática em questão.

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2) Jornalismo Público de campanhas: é o mais próximo do Jornalismo Público praticado nos Estados Unidos. É aquele em que um veículo noticia constantemente matérias a respeito de um determinado assunto — relativo às questões de cidadania — hierarquizado sob um selo ou logomarca específica que o remete às campanhas. Martins cita como exemplo as campanhas do jornal Correio Braziliense que noticia há vários anos sob essa forma, sem financiamento externo e sem parcerias formais, matérias relacionadas à prevenção de acidentes de trânsito e ao combate à violência urbana intituladas respectivamente “Paz no trânsito” e “Eu quero paz”. 3) Jornalismo Público institucional: Refere-se à participação de alguns veículos tradicionais da imprensa brasileira em iniciativas de promoção social e outros com publicações especiais cujas reportagens abrangem às questões de interesse do cidadão. Nesse quesito, Martins cita alguns exemplos como as publicações feitas em forma de “guias” produzidas corriqueiramente pelas revistas Veja (Guia para fazer o bem) e Exame (Guia de boa cidadania corporativa) e os jornais Folha de S. Paulo (Guia para a solidariedade) e Valor Econômico (Empresas e comunidades) entre outros. Outro destaque refere-se às Organizações Globo, que, segundo Martins, com suas centenas de empresas e rede de afiliadas, financiam milhares de projetos sociais, como as campanhas “Criança Esperança” e o “Ação Global”, este feito em parceria com o Sesi – Serviço Social da Indústria, ainda que não sejam diretamente jornalísticas, mas que resultam em coberturas e repercussões em torno dos assuntos relacionados. 4) Jornalismo Público promocional: é a categoria em que se enquadram as promoções e valorizações de matérias de cunho social por meio de prêmios oferecidos por organizações como a própria Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), o Instituto Ethos, a Rede de Informações para o Terceiro Setor (Rits) e o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) entre outros. De acordo com Martins, essas instituições “promovem a responsabilidade social da mídia, com premiações ou suportes permanentes em matéria de pautas e informações, tanto partindo de ONGs, quanto enviadas diretamente às redações”. (Ibidem, p. 14-17).

Em outra oportunidade, Silva analisa a relação entre a imprensa e o poder do cidadão, abordando em sete aspectos as possibilidades de contradições e avanços institucionais para o desenvolvimento e o amadurecimento do que, genericamente, pode-se chamar jornalismo público (2002a)

e que, também, podem ser vistas como categorias a serem observadas no modo de se fazer JP no Brasil: 1) A imprensa-fiscal por delegação da sociedade: “A imprensa seria uma instância fiscalizadora do Poder Público e suas subdivisões: Executivo, Legislativo e o Judiciário. Origina daí a clássica perífrase de que a imprensa é o quarto poder. [...] A imprensa exerce, por delegação da sociedade e dos cidadãos, o poder de fiscalizar os outros poderes, o que significa, por excelência, a tarefa de dar visibilidade à coisa pública”. 2) A imprensa mediadora da cidadania: “A imprensa exerce uma mediação dos fatos a partir do social e para o social”. 3) O social como mercado: “Formas de atuação da mídia em projetos sociais, individualmente ou em parcerias: 1) investimentos financeiros (destinação de parte dos lucros às iniciativas filantrópicas), 2) suporte publicitário gratuito

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constante a campanhas públicas (contra drogas, violência, etc), 3) coberturas jornalísticas constantes e identificadas de problemas no campo social”. 4) A noticiabilidade do social: “O jornalismo é uma atividade essencialmente e genuinamente pública, tanto quanto a política e a administração pública. A circulação da informação é uma condição essencial para as ações sociais e para o funcionamento das instituições e da democracia”. 5) O social como especialização: Introdução de especializações por áreas na atuação jornalística, tal como o jornalismo ambiental ou o jornalismo científico. 6) A imprensa e a visibilidade do consumidor: “A imprensa pode de fato vir a ser encarada como autêntico espaço público, à medida em que possa refletir na pauta jornalística a pauta social”. 7) A imprensa, os telhados de vidro e o seu próprio: Introdução de Conselhos de Imprensa; dos chamados media watches, ou observadores de mídia; de observatórios e associações e; Conselhos de Comunicação, que constituiriam o conjunto dos Meios de Assegurar a Responsabilidade Social na Mídia (Idem).

Já Alzira Alves de Abreu caracteriza o jornalismo público praticado no Brasil em duas frentes: A primeira como “jornalismo de utilidade social”, em que identifica a ação jornalística como tendente a servir os interesses concretos dos cidadãos e a responder às preocupações dos leitores ou da audiência referentes a emprego, habitação, educação, segurança, qualidade de vida, etc. [...] A imprensa assumiria aí o papel de mediadora e de interventora na sociedade (2003, p. 5-6).

Enquanto que a segunda é denominada de “jornalismo de utilidade pública” a qual, segundo ela, se manifesta através de várias alternativas, entre elas a de “prestador de serviços ao público”. A imprensa escrita abriu espaço para as queixas e reivindicações de seus leitores através das seções de serviços. Hoje praticamente todos os jornais de grande circulação [...] mantêm colunas ou seções abertas ao público e procuram dar soluções a algumas das reclamações recebidas (Idem, p. 6).

Além disso, Abreu destaca, como iniciativas da imprensa referentes à prestação de serviços, os espaços que atendem a reclamações do cidadão-consumidor, que se concentram em consumo e serviços; os canais abertos para reivindicações ao poder público do atendimento às necessidades do cidadão e o acesso à justiça; além do papel de fiscalizadora do poder público, “voltada para a denúncia de corrupção, para desvendar negócios ou ações ilícitas” (Ibidem).

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NOTAS DE REFERÊNCIA ABREU, Alzira Alves de. Jornalismo cidadão. Estudos Históricos, Mídia. Rio de Janeiro, nº 31, 2003/1. Disponível em: . Acesso em: 20 dez. 2008. LEAL, Ana Regina Barros Rêgo; SOUZA, Maria Isabel Amphilo de. Gêneros Jornalísticos - análise dos jornais “O Estado de São Paulo” e “Diário de São Paulo”. Pesquisa Acadêmica apresentada no XI Colóquio Internacional sobre a Escola Latino Americana de Comunicação – Pelotas: [s.n.], 2007. Disponível em: . Acesso em: 22 mar. 2009. SILVA, Luiz Martins da. Imprensa e cidadania: possibilidades e contradições. 2002a. In: MOTTA, Luiz Gonzaga (Org). Imprensa e Poder. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2002. Disponível em: . Acesso em: 15 dez. 2008. ______. Jornalismo Público: o social como valor-notícia. 2002b. In: Jornalismo Público – Três textos básicos. Brasília: Casa das Musas, 2006, 63 p. Disponível em: . Acesso em: 28 ago. 2008.

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2.3 - Experiências brasileiras

O primeiro veículo de comunicação do Brasil a assumir os fundamentos do Jornalismo Público foi a TV Cultura, de São Paulo. No ano de 2000, a emissora adotou o JP como política editorial para seus telejornais diários e dois deles foram moldados especialmente para a proposta: o noticiário Matéria Pública, veiculado à tarde, e o Diário Paulista, transmitido à noite. Para que eles cumprissem esse objetivo foi preciso adaptar os profissionais envolvidos nos trabalhos aos conceitos e diretrizes do modelo jornalístico apresentado. Michelle Pires Ferreira explica como eles planejaram as ações: Para que essa nova prática fosse implantada, jornalistas, apresentadores, produtores e editores tiveram que aderir à ideia e trabalhar conjuntamente para que ela prosperasse. Ao longo de seis meses, estes profissionais se reuniram em grupos para expor seus pontos de vista sobre o jornalismo praticado pela TV Cultura na época. Em seguida, redigiram relatórios coletivos que foram debatidos em um seminário, do qual foi gerado um texto-súmula contendo as propostas mais significantes (2005, p. 28).

De acordo com Paulo Celestino da Costa Filho (2003, p. 72), a emissora, no entanto, “parece não copiar simplesmente o conceito americano. Ela tem teorizado dentro da casa o que vem a ser o jornalismo público no entendimento da [própria] TV Cultura”. E é verdade. A busca por esse ideal de jornalismo não ficou restrito àqueles telejornais veiculados no início da década. Ao longo dos anos posteriores novas discussões em torno dos princípios do jornalismo público estiveram em pauta, o que acabou gerando um manual de procedimentos da emissora intitulado “Jornalismo Público; guia de princípios”, lançado em 2005 e que passou a normatizar o jornalismo da TV Cultura. Antes dela, em 2002, a Rede Minas, emissora criada sob os auspícios do governo de Minas Gerais, já havia lançado o seu Manual de Procedimentos em Jornalismo Público, cujo objetivo era subsidiar as atividades de seu Departamento de Jornalismo. De acordo com Michelle Ferreira,

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a criação desta ferramenta aconteceu durante um período de travessia filosófica da Rede Minas, que procurava adequar-se às características de uma Televisão Pública, buscando uma programação própria, alternativa e que não priorizasse a prática de mercado, mas que assumisse a defesa do interesse público e que estivesse a serviço da cidadania (Idem, p. 31).

Mas, se levarmos em consideração algumas características apresentadas pelo Jornalismo Público praticado no Brasil, veremos que esse modelo não é novidade por aqui. O rádio, antes mesmo da interatividade proporcionada pela internet, já conseguia envolver o ouvinte-cidadão nas discussões em torno dos problemas da sociedade. Foi o radialista Haroldo de Andrade, por meio de seu programa matinal na Rádio Globo do Rio de Janeiro, que criou o quadro Debates Populares, atração em que reunia figuras com ideologias distintas e profissionais de diversos campos de atuação como médicos, juristas, artistas, políticos, dentre outros, em torno de uma mesa para debater o noticiário do dia. O formato foi popularizado por outras emissoras Brasil afora. Além disso, o programa apresentava quadros de utilidade pública, prestação de serviços, dicas caseiras, previsão meteorológica e entrevistas. De acordo com a biografia do radialista, divulgada no site interativo Wikipédia (2009), “seu público majoritário era composto por donas de casa, aposentados, motoristas de táxi e estudantes”. O artigo biográfico ainda cita Haroldo de Andrade como “o pioneiro em permitir a participação interativa dos ouvintes, que podiam ter sua voz e suas opiniões irradiadas ao vivo, sem cortes, através do telefone, pedindo músicas, inquirindo entrevistados e concorrendo a prêmios” (WIKIPÉDIA, 2009). O rádio, aliás, ainda pode ser considerado um grande meio de comunicação para as práticas do Jornalismo Público, conforme atesta Claudia Irene de Quadros: A trajetória do rádio, um meio de comunicação mais acessível para a população de todo o mundo, comprova que muitas de suas características de vinculação social podem ser resgatadas durante as transformações que exigem a nova era. Por exemplo, a agilidade na cobertura e a sua fácil portabilidade são pontos positivos para um cidadão que não têm mais paciência de esperar com tanta

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informação disponível. O rádio também sai na frente quando a rotina diária desse cidadão é atribulada. Afinal, pode-se ouví-lo em qualquer lugar, seja on-off ou online, sem deixar de fazer alguma outra atividade (2005, p. 50).

Alzira Abreu também remete a prática do Jornalismo Público no Brasil a anos anteriores, verificando algumas daquelas características presentes na imprensa nacional. Se olharmos para a década de 1950, veremos que o atendimento ao público já existia em determinados tipos de jornais. Eram praticamente os jornais populares que mantinham essas seções. [...] Na década de 1990, houve um aumento considerável do número de jornais que abriram espaço para reivindicações dos leitores e houve também um aumento do número de usuários das colunas ou páginas de serviços. Agora, tanto os jornais populares quanto o Extra e O Dia, no Rio de Janeiro, o Diário Popular, em São Paulo, e os grandes jornais, como O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, O Globo e Jornal do Brasil, estão voltados para o atendimento das reivindicações dos leitores (2003, p. 6-7).

Ainda que não esteja vinculada diretamente a alcunha Jornalismo Público, a prática de seus princípios tem sido percebida mais intensamente nos noticiários de uma forma geral. O Canal Futura, por exemplo, emissora privada que se caracteriza por uma programação voltada para a educação, tem em sua programação um telejornal — o Jornal Futura — cujo formato e conteúdo atendem às especificações do JP, como constata Juliana Marçal: O Jornal Futura é um exemplo de telejornalismo que permite uma reflexão, que não se preocupa apenas em informar, mas com o reflexo que essa informação vai trazer na vida do cidadão. O Jornal Futura demonstra que as mensagens passadas pelo telejornal atuam na vida do telespectador e traz consigo um contexto histórico, social e cultural (2005, p. 47).

Os telejornais da Rede Globo são outros que também têm se utilizado das premissas do Jornalismo Público sem que esse nome seja mencionado. Cabe destacar os telejornais locais, que reservam grande parte do noticiário com informações de utilidade pública e prestação de serviços, e o vespertino Jornal Hoje, com a veiculação de matérias que procuram instruir o cidadão em questões como economia, negócios, saúde, comportamento, trabalho, entre outros. Não raro, especialistas respondem a questões

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formuladas por telespectadores e a página do jornal na internet é mencionada em diversas situações como suporte para a procura de maiores informações. A prestação de serviço é uma constante no telejornal. Até mesmo o Jornalismo Colaborativo e o Jornalismo Participativo são postos em prática, com a produção de reportagens pautadas por telespectadores e a veiculação de vídeos, postados na internet, em que o público emite a sua opinião e deixa o seu recado. As

Organizações

Globo,

entidade

citada

anteriormente,

também

são

responsáveis, em determinados momentos, pela produção de matérias que estimulam boas práticas. Como aconteceu no ano passado, quando participou de uma campanha mundial, promovida por uma ONG, com vistas à Semana Global do Empreendedorismo. O projeto rendeu diversas matérias — veiculadas em todos os meios de comunicação do grupo, desde a TV até a internet, passando pelos canais a cabo — que mostravam experiências de sucesso de indivíduos que decidiram investir em um negócio próprio, ilustrando a capacidade de autodeterminação das pessoas em conseguir superar os desafios. O trabalho realizado pelas Organizações Globo acabou premiado pela ONG que promoveu a campanha. Outros exemplos de programas que também remetem às boas práticas são o Ação, da TV Globo, que revela as soluções encontradas por indivíduos ou grupos comunitários para problemas que afligem as comunidades carentes por meio de matérias e entrevistas, o Mobilização Brasil, veiculado na TV Brasil, que segue a mesma linha, e o Via Legal, transmitido pela TV Justiça, além do programa ancorado por André Trigueiro, Cidades e Soluções, da Globo News, que trataremos em detalhes nos capítulos posteriores. Já na mídia impressa, o jornal O Globo publica quinzenalmente um caderno denominado Razão Social, que veicula matérias a respeito de sustentabilidade, cidadania,

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empreendedorismo, meio ambiente, entre outros. O curioso é que neste caderno até a publicidade veiculada obedece aos critérios de estímulo às boas práticas. Outra ação neste sentido, originário do diário carioca, é o Prêmio Faz Diferença, promovido pelo jornal todos os anos. Os jornalistas responsáveis pelas editorias — País, Mundo, Rio, Economia, Esportes, etc — indicam três pessoas ou instituições que se destacaram nas páginas do jornal, seja pela atuação em suas áreas ou por terem protagonizado fatos importantes em prol da sociedade. Os nomes são submetidos a um júri composto por jornalistas e a votação popular pela internet. Os mais votados recebem o prêmio. Esses exemplos podem parecer casos isolados, mas com a segmentação dos meios de comunicação — na televisão, no rádio e em jornais e revistas — e a expansão da internet, o Jornalismo Público tende a ganhar espaço e construir uma cultura diferente na forma de se fazer jornalismo. Luiz Martins da Silva considera isso possível, embora seja cauteloso em sua observação: Pode ser [...] que de fato o jornalismo público venha se consolidar, ou com o amadurecimento da mídia brasileira ou com a constatação que, nos Estados Unidos, deu origem ao civic journalism, a de que, se os meios de comunicação de massa ignorarem os problemas cotidianos da democracia, da justiça social, das comunidades e do cidadão, acabarão perdendo público. Se isto não acontecer, porém, as entidades públicas não terão outro caminho senão produzir factóides para chamar atenção (2002).

NOTAS DE REFERÊNCIA: ABREU, Alzira Alves de. Jornalismo cidadão. Estudos Históricos, Mídia. Rio de Janeiro, nº 31, 2003/1. Disponível em: . Acesso em: 20 dez. 2008. FERREIRA, Michelle Fabiene Pires. TVs Universitárias e a prática do jornalismo público: a TVU da Universidade Federal de Lavras. Monografia (Graduação). Curso de Comunicação Social. Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, [s.n.], 2005. Disponível em: . Acesso em: 20 dez. 2008. FILHO, Paulo Celestino da Costa. Jornalismo Público: Por uma nova relação com os públicos. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2003. Disponível em: . Acesso em: 20 dez. 2008. MARÇAL, Juliana. Características do Jornalismo Público no Jornal Futura. Monografia (Graduação). Curso de Comunicação Social, do Departamento de Ciência da Comunicação, do Centro Universitário de

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Belo Horizonte. Belo Horizonte: [s.n.], 2005. Disponível . Acesso em: 20 dez. 2008.

em:

QUADROS, Claudia Irene de. Jornalismo Público, rádio e internet – Uma combinação possível? Comunicação e Espaço Público. Brasília: Ano VIII, v. 5, nº 1, 2005. Disponível em: . Acesso em: 29 jan. 2009. SILVA, Luiz Martins da. Jornalismo Público: o social como valor-notícia. 2002. In: Jornalismo Público – Três textos básicos. Brasília: Casa das Musas, 2006, 63 p. Disponível em: . Acesso em: 28 ago. 2008. WIKIPÉDIA. Haroldo de Andrade. Disponível em: . Acesso em: 18 fev. 2009. ______. Programa Haroldo de Andrade. Disponível . Acesso em: 18 fev. 2009.

em:

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2.4 - O campo de atuação

Outro aspecto que envolve as discussões em torno do Jornalismo Público no Brasil refere-se à esfera em que ele melhor se posicionaria: estatal, comercial ou pública? Ultimamente, a discussão em torno desses campos tem aumentado, principalmente, depois da criação da Empresa Brasil de Comunicação – EBC pelo governo federal em 2007 — controladora da TV Brasil —, cujo modelo de gestão fugiria dos moldes tradicionais no país, com independência em relação ao Estado e ao mercado. Os meios de comunicação se estabeleceram por aqui com características comerciais. No cenário midiático brasileiro, o espaço ocupado por veículos regidos pela lei de mercado é superior àquele reservado aos canais estatais, enquanto que o sistema público de comunicação é relegado a experiências isoladas. Dessa forma, as informações obtidas pelo cidadão, na maioria das vezes, acabam sendo tratadas por profissionais comprometidos com os setores privado e estatal. Mesmo com o aparecimento da TV Brasil, e considerando as experiências da TV Cultura e da Rede Minas, as TVs ditas “públicas” ainda não encontraram um caminho próprio que as distinga completamente do modelo comercial consolidado e as liberte da influência hegemônica do maior conglomerado de comunicação do Brasil que são as Organizações Globo. No Encontro da Associação das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais, realizada em Belo Horizonte no ano de 20063, Eugênio Bucci (2006a, p.13) disse que “as emissoras comerciais e as públicas deveriam funcionar como os dois pratos da balança”, esta considerada por ele como o “espaço público democrático”. De acordo com Bucci, elas devem exercer funções complementares, cada uma em seu campo, para o 3

Palestra reproduzida no Caderno de Debates que serviu de material de apoio para as discussões sobre TV Pública no Brasil realizadas no I Fórum Nacional de TVs Públicas, ocorrido em Brasília no ano de 2007.

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fortalecimento da democracia. Além disso, não devem se igualar, nem perseguir as mesmas funções. Em seu julgamento as emissoras comerciais “não podem ser as únicas a definir o conjunto da comunicação social”, enquanto que as públicas “não devem se atrelar ao mercado” (Idem). Pois bem. E onde o Jornalismo Público se encaixaria neste universo? Lívia Almeida (2008, p. 38) constata que “mesmo com enfoques e procedimentos diferentes, as emissoras de TV comercial praticam Jornalismo Público”. Mas faz uma ressalva: “[elas] apresentam restrições que incluem limitações de tempo, valorização da imagem, dramaticidade de fatos sociais e até mesmo interesses particulares de jornalistas”. Por outro lado, muito do que foi produzido no Brasil por todos esses anos, com viés público e com vistas ao interesse público e a construção de práticas cidadãs, partiu das emissoras de televisão educativas, controladas pelo aparato estatal. Mas esses veículos também seguem uma linha editorial comprometida. Bucci, quando presidiu a Radiobrás, procurou direcionar a empresa para as questões públicas, capaz de prestar serviços úteis à cidadania. Segundo ele, para que esses serviços sejam de fato comprometidos com a cidadania, é necessária uma gestão comprometida com esses mesmos valores [...] sujeita às finalidades constitucionais da radiodifusão como função social, serviço público, que deve observar uma ética própria presidida pelo atendimento ao direito à informação (2006b, p. 193-195).

De outra forma, conforme a afirmação de Michelle Ferreira (2005, p. 8), o Jornalismo Público no Brasil “tem sido praticado, declaradamente, pelas redes públicas de televisão”. Mas, segundo ela, essas emissoras, apesar da proposta de independência, ainda não tem a isenção pretendida. A forma de financiamento destas emissoras, dependentes do capital do Estado para se manterem, muitas vezes compromete a imparcialidade defendida pelo movimento. O fato de o Jornalismo Público ser praticado apenas nos canais pertencentes ao governo faz com que sejam produzidas reportagens que, muitas

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vezes, se confundem com matérias institucionais, onde são mostradas viagens dos governadores, assinaturas de convênios e inauguração de projetos (Idem).

Em função disso, Ferreira sugere um outro campo para a prática do Jornalismo Público: Como alternativa, as TVs Universitárias surgem como emissoras potenciais para a prática do Jornalismo Público [porque] um dos principais fatores é a forma autônoma de financiamento, que independe do poder mercadológico e do governo (Ibidem, p. 9).

Michelle Ferreira sustenta, com isto, que o Jornalismo Público não se refere às atividades de comunicação procedentes dos órgãos públicos, estatais. Também não se trata de um jornalismo arraigado às leis do mercado, que regem as políticas editoriais das empresas jornalísticas. O Jornalismo Público é uma terceira via entre o jornalismo realizado dentro das TVs comerciais e estatais, ainda que ele possa, e deva, ser praticado também nesses dois espaços (Ibidem).

Ainda que o Jornalismo Público se enquadre melhor, por motivos óbvios, à esfera pública de comunicação, não se pode, evidentemente, posicioná-lo em apenas um lugar. O Jornalismo Público permeia todas as esferas comunicacionais — seja privada, estatal ou pública — e, embora não chegue a receber este nome e esteja relegado, em muitos casos, a segundo plano, circula por todos esses campos de atuação, tornando sua prática, ainda que tímida, mais frequente no jornalismo contemporâneo.

NOTAS DE REFERÊNCIA ALMEIDA, Lívia. Jornalismo Público nas tevês abertas em Brasília. In: PRADO, Mônica (Org). Coletânea Pública – Práticas de comunicação Pública em Brasília. Brasília: Entreposto Acadêmico e DCE-UniCEUB, 2008. 105 p. BUCCI, Eugênio. A TV Pública não faz, não deveria dizer que faz e, pensando bem, deveria declarar abertamente que não faz entretenimento. In: I Fórum Nacional de TVs Públicas – Diagnóstico do Campo Público de Televisão (Caderno de debates). Brasília: Ministério da Cultura, 2006a. 112 p. Disponível em: . Acesso em: 20 dez. 2008. ______. Caso Radiobrás: o compromisso com a verdade no jornalismo de uma empresa pública. Brasília, 2006b. In DUARTE, Jorge (Org). Comunicação Pública: Estado, Mercado, Sociedade e Interesse Público. São Paulo, Ed. Atlas, 2007. 200 p.

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FERREIRA, Michelle Fabiene Pires. TVs Universitárias e a prática do jornalismo público: a TVU da Universidade Federal de Lavras. Monografia (Graduação). Curso de Comunicação Social. Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, [s.n.], 2005. Disponível em: . Acesso em: 20 dez. 2008.

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2.5 - A Comunicação de Interesse Público

Outra corrente de estudos sobre o Jornalismo Público no Brasil situa a versão nacional como uma vertente da Comunicação Pública ou, mais especificamente, da Comunicação de Interesse Público. Nos últimos anos, os círculos e grupos de discussão de comunicação têm se voltado para os conceitos e atribuições da Comunicação Pública. Segundo Luiz Martins da Silva (2006, p. 56), “tradicionalmente, associam-se coisa pública e interesse público às esferas do Estado e do Governo” e que, de uns tempos pra cá, “há cada vez mais consenso na compreensão do Terceiro Setor (que capta recursos privados para fins públicos) como uma das esferas do interesse público, por se tratar de um segmento sem fins lucrativos”. O Terceiro Setor, conforme atesta Silva, aumentou sua participação nas discussões e decisões da sociedade e é quem tem pautado a mídia nos assuntos voltados às responsabilidades sociais. É de ressaltar que o próprio Terceiro Setor adquiriu uma dimensão econômica, internacional e nacional, muito significativa, movimentando recursos, atividades, empregos e participações voluntárias. Todo esse campo, portanto, gera diariamente uma grande quantidade de notícias (2002, p. 17).

Flamínio Fantini e Ubiratan Muarrek corroboram o pensamento de Martins ao afirmar que

o segmento passou a representar uma força política bastante relevante, com poder de pressão em grande parte baseado em ações de Comunicação de Interesse Público. [...] As ONGs vêm introduzindo novos temas e referências na agenda do mundo. A preocupação atual com assuntos como o desenvolvimento sustentável, o aquecimento global ou o controle sobre o uso da energia nuclear certamente não teria o conhecido grau de profundidade sem a participação decisiva delas. Nessa agenda, incluem-se ainda assuntos como a igualdade de oportunidade entre os sexos, o combate ao racismo, a erradicação do trabalho escravo ou a condenação da pedofilia e da prostituição infantil (2006, p. 82).

Eles dizem, porém, que as ONGs não estão sozinhas neste cenário e que

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são apenas a ponta-de-lança mais vistosa de grupos que eram até então “marginalizados” no espaço público da mídia. Sindicatos, associações, grupos de pressão — uma grande variedade de movimentos “sociais” encontra na comunicação uma ferramenta importante de atuação (Idem).

Luiz Martins da Silva também visualiza a comunicação pública de uma forma muito mais ampla e enumera as modalidades em que ela se faz presente no país: - Comunicação Pública praticada por emissoras públicas (nos moldes da BBC inglesa e da PBS americana); - Comunicação Pública praticada pelo Estado (emissoras estatais; TV Cultura; televisões educativas) e pelos órgãos públicos do Estado (a Voz do Brasil); - Comunicação Pública praticada pelos Governos (federal, estadual, municipal – na divulgação de conteúdos legais, de utilidade pública, institucionais e mercadológicos próprios de uma administração pública); - Comunicação Pública praticada pelas emissoras privadas (Canal Futura); - Comunicação Pública praticada pelas organizações sem fins lucrativos (organizações sociais; organizações civis de interesse público; organizações nãogovernamentais; fundações, etc), em síntese pelo chamado Terceiro Setor, ou ainda por órgãos relacionados institucionalmente a uma categoria profissional (TV Sesc); - Comunicação Pública oriunda dos Canais de Acesso Público (executivos, legislativos, judiciários, institucionais (Forças Armadas), culturais, comunitários e universitários); - Comunicação de caráter público em que qualquer um dos segmentos de radiodifusão abre espaço, gratuitamente, para a veiculação de campanhas públicas; e - Comunicação Pública produzida ou intermediada por órgãos supra-estatais, como: ONU, OEA, PNUD, Unesco, Unicef, fóruns, comitês etc (2006, p. 57).

João Roberto Vieira da Costa, um publicitário que trabalha com campanhas de utilidade pública, se propôs a analisar a Comunicação de Interesse Público (CIP) mais a fundo. Ele entende que “o interesse público é muito maior do que o interesse da administração pública nas suas diversas necessidades de comunicação, como também é muito maior do que o interesse privado” (2006b, p. 22) e conceitua a CIP da seguinte forma: É toda ação de comunicação que tem como objetivo primordial levar uma informação à população que traga resultados concretos para se viver e entender melhor o mundo. [...] Os beneficiários diretos e primordiais da ação sempre serão a sociedade e o cidadão. Sua missão se traduz num esforço para difundir, influenciar, criar ou mudar comportamentos individuais ou coletivos em prol do interesse geral (2006a, p. 20).

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Percebe-se, neste sentido, que aquilo que o Jornalismo Público prega está intimamente ligado às questões da Comunicação de Interesse Público. Ou seja, envolver o cidadão nos assuntos de seu interesse e da comunidade, por meio de uma gama de informações que levam, por sua vez, aos debates públicos e às decisões conjuntas. De acordo com Luiz Martins da Silva (2006, p. 49) existem dois segmentos de campos opostos que tratam a informação de interesse público de forma distinta, que são o privado e o estatal. O jornalismo proveniente da esfera privada ele denomina de “Jornalismo investigativo”, “que cumpre especial função, encarregando-se de ir buscar elementos ocultos ou omissos em torno de fatos que, apesar de afetarem o interesse coletivo, por algum motivo ou interesse, não vêm à tona”. Já o jornalismo oriundo do Estado é chamado por ele de “Jornalismo institucional”, cujo papel é “o de ressaltar aspectos do interesse público nem sempre coincidentes com a lógica dos valores-notícia que rege o jornalismo e a mídia, de maneira geral”. Mas independentemente de onde tenha partido a informação, o teórico defende que o interesse público está acima de tudo: Com relação aos papéis do “jornalista investigativo” e do “jornalista institucional”, a nossa hipótese é de que o importante é que cada lado cumpra bem a sua missão e cumpra seus compromissos deontológicos, pois, do ponto de vista do usuário final da informação, se ela for correta e útil, tanto faz ser um produto do “jornalismo da boa notícia”, quanto um produto do “jornalismo fiscal” da coisa pública (SILVA, 2006, p. 54).

Ele acrescenta que “do ponto de vista do cidadão, como unidade do público, o que importa é se a informação atendeu-lhe em seu DIREITO DE SABER, na sua NECESSIDADE DE SABER e no seu DESEJO DE SABER” (Idem, p. 52) e distingue o interesse público em três categorias: A primeira [direito de saber], relacionada com o Princípio da Publicidade, [...] corresponde à obrigação legal do Estado de publicar os assuntos de interesse público (publicidade legal), como também corresponde ao princípio da visibilidade da coisa pública; [...] a segunda [necessidade de saber], relacionada com o conjunto de informações de utilidade pública, sendo que não apenas estados e governos produzem, promovem e divulgam informações nesse plano, mas também a Economia e a Sociedade; [...] e a terceira [desejo de saber],

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corresponde à produção, à difusão e ao consumo de informações que [...] atendem ao público-plateia, que se apraz no visionamento de assuntos banais e sensacionais (Ibidem).

André Trigueiro também tem um entendimento do que seja de interesse público. Para ele é de interesse público que você faça do jornalismo uma ferramenta que revele ou que denuncie aquilo que não funciona ou que está errado, aquilo que a sociedade precisa [para] se articular, se mobilizar pra combater, pra enfrentar e [mostrar] quais são os bons exemplos e as boas atitudes inspiradoras, alvissareiras e que a gente precisa ter conhecimento para ver como é possível alcançar um objetivo que melhore a qualidade de vida, que gere benefícios sociais, ambientais, econômicos, políticos (2009, informação verbal).

Já Eugênio Bucci (2006, p. 197) repercute a ideia do interesse público dizendo que “a informação só é um direito do cidadão porque, na democracia, todo poder emana do povo e em seu nome é exercido – e é para delegar o poder que o cidadão tem o direito de estar bem informado”. Em resumo, o que podemos constatar é que o Jornalismo Público pode e deve ser uma ferramenta da Comunicação de Interesse Público e existe para cumprir a função de envolver o cidadão nos assuntos que determinam a sua vida, individual ou coletivamente. O Jornalismo Público é um dos bons caminhos a ser trilhado pelo jornalismo e o cidadão precisa saber disso.

NOTAS DE REFERÊNCIA: BUCCI, Eugênio. Caso Radiobrás: o compromisso com a verdade no jornalismo de uma empresa pública. Brasília, 2006. In DUARTE, Jorge (Org). Comunicação Pública: Estado, Mercado, Sociedade e Interesse Público. São Paulo, Ed. Atlas, 2007. 200 p. COSTA, João Roberto Vieira da. A Comunicação de Interesse Público (CIP). In: Comunicação de Interesse Público – Ideias que movem pessoas e fazem um mundo melhor. São Paulo: Ed. Jaboticaba, 2006a. 160 p. ______. CIP e Comunicação Pública. In: Comunicação de Interesse Público – Ideias que movem pessoas e fazem um mundo melhor. São Paulo: Ed. Jaboticaba, 2006b. 160 p. FANTINI, Flamínio; MUARREK, Ubiratan. A CIP como poder de pressão. In: COSTA, João Roberto Vieira da. (Org.). Comunicação de Interesse Público – Ideias que movem pessoas e fazem um mundo melhor. São Paulo: Ed. Jaboticaba, 2006. 160 p.

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SILVA, Luiz Martins da. Jornalismo e Interesse Público. 2006. In: Jornalismo Público – Três textos básicos. Brasília: Casa das Musas, 2006, 63 p. ______. Jornalismo Público: o social como valor-notícia. 2002. In: Jornalismo Público – Três textos básicos. Brasília: Casa das Musas, 2006, 63 p. Disponível em: . Acesso em: 28 ago. 2008. TRIGUEIRO, André. Informação verbal. Entrevista concedida ao pesquisador para esta monografia. Rio de Janeiro. 2 jan. 2009.

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Capítulo 3 – Cidades e Soluções como instrumento de Jornalismo Público

3.1 - Os responsáveis pelo programa

Antes de investigarmos a proposta e analisarmos os programas, vamos verificar o perfil dos idealizadores e dos veículos que transmitem a atração. O jornalista André Trigueiro, editor-chefe do programa, começou na profissão pela mídia impressa na década de 1980, ainda como estagiário no jornal Última Hora, do Rio de Janeiro. Depois transitou pelo rádio, nas emissoras MEC-AM e Rádio JB-AM, também sediadas naquela cidade. Mais tarde, chegou à TV, por meio da Rede Globo, como repórter do Jornal da Globo e dos noticiários locais. Ainda nesse período, assumiu a função de “repórter aéreo”, em que sobrevoava a região metropolitana do Rio fazendo a cobertura do trânsito para o matutino Bom Dia Rio. Em 1996, sua carreira deu um salto quando recebeu o convite para ancorar um telejornal diário, no horário nobre, em um canal de notícias 24 horas. Ele aceitou o desafio e desde então está à frente do Jornal das Dez, do canal de televisão por assinatura Globo News. Mas é justamente no jornalismo pautado pelas questões ambientais que o seu trabalho vem alcançando maior visibilidade. Sua trajetória neste segmento começou quando ainda trabalhava na Rádio JB, no ano de 1992. Trigueiro foi escalado para fazer a cobertura do Fórum Global — movimento paralelo à Rio-92, Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. O evento reuniu autoridades de diversos países — entre os quais chefes de Estado, lideranças sociais e religiosas, cientistas, empresários, ambientalistas e grandes personalidades — e organismos internacionais. Naquela oportunidade, sentiu a necessidade de buscar mais informações

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sobre um assunto que julgava ser exclusivo de ecologistas. Em entrevista ao Jornal O Globo, Trigueiro relata aquele momento: Havia ONGs do mundo todo; o Dalai Lama estava lá; vi um canadense de 9 anos fazer um discurso sobre a água. Aquilo tudo mexeu comigo. Percebi que o assunto não tinha dono. Vi que não se podia pensar em meio ambiente como bichinho e floresta. Era preciso discutir um projeto de civilização, um modelo de desenvolvimento. Terminava o expediente e ficava lá, xeretando. Comecei a procurar cursos, pessoas e livros (2007).

Diante daquele cenário, ele enxergou novos horizontes e resolveu direcionar o seu trabalho para as causas ambientais e de sustentabilidade: “Fiquei encantando com essa perspectiva de você, enquanto cidadão, poder participar desse imenso movimento de construção de um mundo mais justo, mais igualitário e sustentável” (TRIGUEIRO, ca. 2005). Desde então, o jornalista dedicou-se às pesquisas sobre os assuntos relacionados ao desenvolvimento sustentável. Estudou o tema com aprofundamento e resolveu cursar uma pós-graduação em Gestão Ambiental, desenvolvida pelo Instituto Coppe/UFRJ. Concluída a especialização, começou a escrever artigos para jornais e sites especializados, coordenou um trabalho literário chamado Meio Ambiente no Século 21 — em que convidou 20 personalidades reconhecidas por seus trabalhos e reflexões a respeito do meio ambiente para redigir sobre temas como educação, cultura e política relacionando-os ao contexto ambiental —, passou a proferir palestras e criou o primeiro curso de Jornalismo Ambiental do Brasil, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, onde ministra as aulas. Na Globo News, produziu séries especiais ligadas à temática socioambiental, entre os quais, Água: o Desafio do Século 21 (2003), Kioto: o Protocolo da Vida (2005) e A nova energia do mundo (2005) que receberam diversos prêmios. Além de comandar o programa Cidades e Soluções na mesma emissora, ele ainda apresenta um boletim ao

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vivo dedicado ao tema na Rádio CBN, veiculado aos sábados e domingos em rede nacional, denominado Mundo Sustentável. Este nome ainda batiza outro livro escrito e organizado por ele, chamado de Mundo Sustentável: abrindo espaço na mídia para um planeta em transformação — onde reúne artigos, entrevistas e comentários dele e de pessoas envolvidas com os temas abordados, que foram veiculados em diversas mídias: rádio, televisão, internet e jornal — e a página pessoal do jornalista na internet. Além de Trigueiro, o Cidades e Soluções tem em sua equipe a jornalista Marina Saraiva, produtora e editora desde a primeira edição. Ela ingressou na Globo News como estagiária em 2004, trabalhou na editoria internacional do canal e foi editora de um de seus telejornais. Assim como o chefe, é pós-graduada em Meio Ambiente pela Coppe/UFRJ. Marina dividia as funções de produção e edição com o jornalista Alexandre dos Santos até o início de 2009, quando este passou a chefiar a editoria de outra atração da emissora, o programa Milênio. A Globo News, por sua vez, surgiu como uma das experiências das Organizações Globo em um novo processo no meio televisivo, motivado pela chegada aos lares brasileiros da televisão por assinatura na década de 19904.O canal de notícias iniciou suas operações em 1996 com a proposta de levar informação ao telespectador com mais agilidade — baseado em coberturas ao vivo e a divulgação de fatos recentes — e profundidade — apoiado em programas de entrevistas. A emissora inaugurou o formato “hard news” na televisão brasileira e ganhou prestígio ao longo dos anos. Com uma estrutura mais maleável em relação à emissora-mãe, a Globo News abre espaços para experimentações, direcionando a criação de programas para públicos 4

A companhia passou a investir também nos canais segmentados e criou a Globosat, empresa que tem a função de programar e gerar conteúdo para TV por assinatura. No início, apenas quatro canais operavam: um de filmes, um outro dedicado aos esportes, um terceiro destinado ao público jovem e, mais um, de variedades, voltado para o entretenimento e a informação.

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específicos e estimulando novas práticas jornalísticas. Ainda que o carro-chefe do canal seja o noticiário factual — veiculado a todo instante em blocos de meia-hora denominado Em cima da hora — o cardápio inclui outros gêneros jornalísticos como o Jornalismo Opinativo (Entre aspas; Espaço Aberto; Fatos e Versões) com programas de entrevistas e debates; o Jornalismo analítico ou interpretativo (Conta Corrente), com a análise de notícias por especialistas; o Jornalismo de Entretenimento (Sarau; Starte), com matérias relacionadas a assuntos como cultura, turismo, culinária, comportamento etc; e o Jornalismo Diversional (Arquivo N; Globo News Especial), com histórias de interesse humano5. O programa Cidades e Soluções, portanto, foi idealizado por Trigueiro dentro da perspectiva traçada pela emissora de novas experimentações jornalísticas e produzido como um programa especial, a exemplo das séries que ele já havia feito. Concebido em duas partes e veiculado no ano de 2004, o especial se propôs a mostrar exemplos de sustentabilidade no meio urbano. Em 2006, quando a Globo News completou dez anos no ar, Trigueiro foi convidado pela direção da emissora a produzir um dos cinco novos programas que surgiriam na grade do canal. Àquela altura, o jornalista já usufruía de certo prestígio, fruto de seu trabalho no Jornal das Dez e de sua trajetória na profissão. O programa encomendado a ele deveria retomar os assuntos tratados por aquele programa especial de 2004, mostrando bons exemplos de projetos ou inovações na área da gestão das cidades no Brasil e no mundo. O primeiro programa, que foi ao ar em 15 de outubro de 2006, teve como tema a utilização de coletores solares como alternativa para aquecer a água do banho sem a utilização de energia elétrica. Nos programas seguintes, abordou-se a urbanização 5

Divisão por gêneros conforme Marques de Melo (2003), apud LEAL; SOUZA, 2007, p. 4, visto no capítulo 2, tópico 2.2.

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acelerada, como ameaça para a qualidade de vida das pessoas; os biodigestores, como opção para tratamento do esgoto; as hortas urbanas, em que mostrou exemplos de cultivo de hortaliças nas cidades; e as compras sustentáveis, no qual apresentou o conceito de se privilegiar os fornecedores comprometidos com o uso racional e inteligente dos recursos naturais nas compras públicas governamentais. A atração pode ser vista em sete faixas de horários diferentes na grade da Globo News, distribuídas ao longo da semana, sendo que as edições inéditas são veiculadas nas noites de domingo. O Canal Futura, outra emissora das Organizações Globo — sintonizado tanto em canal fechado como na TV aberta, pela banda de sintonia em UHF — também transmite o programa em dois horários. Quem sintoniza a TV Globo pelas antenas parabólicas pode assistir ao programa no começo da manhã das segundas-feiras, antes do telejornal Bom Dia Brasil, em um horário reservado aos jornais locais das afiliadas da emissora carioca. Já o público que mora no exterior pode acompanhá-lo pela TV Globo Internacional. Além do meio televisivo, há a possibilidade de se acompanhar o programa pela internet na página do Cidades e Soluções disponibilizada no portal da Globo News, no endereço http://globonews.globo.com/Jornalismo/Gnews/0,,7493,00.html. Lá, o internauta tem a oportunidade de conferir a lista de todos os programas produzidos, com as respectivas datas em que foram ao ar, e ver (ou rever) quase todas as edições. NOTAS DE REFERÊNCIA: TRIGUEIRO, André. Enxergando além das boas idéias. Entrevista concedida a Lílian Fernandes, Revista da TV, O Globo. Rio de Janeiro. 2 dez. 2007. Disponível em: . Acesso em: 19 jan 2009. ______. Parte da mudança. Entrevista concedida a Maria Vianna. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro. [ca. 2005]. Disponível em: . Acesso em: 19 jan. 2009.

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3.2 - A proposta do programa

O programa Cidades e Soluções não foi inspirado nos princípios que norteiam o Jornalismo Público. Ao bem da verdade, o seu idealizador, o jornalista André Trigueiro, também não tinha conhecimento desse movimento. Tampouco se sente à vontade de classificá-lo como tal. Na visão dele, independentemente de se abordar meio ambiente, ciência, política, cultura ou esporte em editorias, tudo é jornalismo. E refuta a ideia de categorizar o seu trabalho em um segmento apenas. Mas, mesmo assim, suas ações há muito são pautadas por um jornalismo comprometido com o meio ambiente, com a sociedade e com a cidadania e que vão ao encontro do que prega o JP da forma como o conhecemos. Contudo,

a

linha

seguida

por

Trigueiro

provém

do

conceito

de

“Sustentabilidade” (palavra tão em moda ultimamente) que ganhou forma mais concreta na Rio-92. A definição de Desenvolvimento Sustentável foi concebida num documento produzido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Organizações das Nações Unidas em 1987, chamado de “Relatório Brundtland”, em que estudava a fundo as questões ambientais. O relatório final desses estudos, intitulado Nosso Futuro Comum, propôs o Desenvolvimento Sustentável como “um conjunto de processos e atitudes que atende às necessidades presentes sem comprometer a possibilidade de que as gerações futuras satisfaçam as suas próprias necessidades” (WIKIPÉDIA, 2009). Conforme esse modelo de desenvolvimento, deve existir uma harmonia entre o crescimento econômico, a proteção ambiental e a promoção da igualdade social e da preservação do patrimônio natural, buscando um equilíbrio entre eles (Idem).

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Na Conferência das Nações Unidas de 1992, esse conceito serviu como base para a formulação da Agenda 21, documento aprovado pela comunidade internacional, que lista uma série de compromissos cujo objetivo é a mudança do padrão de produção e consumo vigentes, para que predomine o equilíbrio ambiental e a justiça social entre as nações (Ibidem). Conforme a Declaração de Política da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada no ano de 2002 em Joanesburgo, África do Sul, o conceito é construído sobre “três pilares interdependentes e mutuamente sustentadores” que são o desenvolvimento econômico, o desenvolvimento social e a proteção ambiental. Dentro desse contexto são discutidas questões delicadas como pobreza, desperdício, degradação ambiental, decadência urbana, crescimento populacional, igualdade de gêneros, saúde, conflito e violência aos direitos humanos (Ibidem). Para que as metas do desenvolvimento sustentável sejam alcançadas, o Relatório Brundtland (Ibidem) sugeriu a adoção de uma série de medidas por parte dos governos para que fossem inseridas nas políticas públicas, tais como: limitar o crescimento populacional; garantir os recursos básicos (água, alimentos, energia) a longo prazo; preservar a biodiversidade e os ecossistemas; diminuir o consumo de energia e desenvolver tecnologias que admitem o uso de fontes energéticas renováveis; aumentar a produção industrial nos países não-industrializados à base de tecnologias ecologicamente adaptadas; controlar a urbanização desordenada e promover a integração entre campo e cidades menores; atender as necessidades básicas (saúde, escola, moradia); entre outras. Esses conceitos de sustentabilidade não só determinaram a mudança de visão de mundo do “cidadão” André Trigueiro, mas também influenciaram e passaram a conduzir os trabalhos do “jornalista” André Trigueiro. Para ele, é importante tentar lembrar

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às pessoas que “esses problemas existem, que têm um custo social e ambiental grande e que [...], no médio e longo prazos isso talvez não se sustente” (2009, informação verbal). Enquanto que o Jornalismo Público, com base em suas diretrizes, tem por objetivo tornar-se um instrumento dos profissionais de comunicação e do cidadão para a reflexão em torno dos problemas e, posteriormente, provocar ou estimular mudanças de atitudes na sociedade para atingir uma meta comum, o conceito de sustentabilidade, surgido no âmbito governamental, vai além das propostas comunicacionais, sendo inserido numa escala de ações de abrangência superior. Ele envolve uma série de atores, instituições e organismos sociais e políticos capazes de determinar a transformação da ordem mundial. Dessa forma, o trabalho que Trigueiro desenvolve tende a ser mais autoral porque antes de ser jornalista ele pensa como um cidadão que pode contribuir para a disseminação de ideias que efetivem essa transformação. Em depoimento ele diz:

Tento praticar no dia-a-dia aquilo que eu entendo como certo. Estou longe da perfeição e não me considero um modelo, mas descobri a força daquilo que os educadores chamam de pedagogia do exemplo: “não importa o que você fala, importa o que você faz” (TRIGUEIRO, 2008, p.13).

Em outras palavras, se ele não fosse jornalista procuraria, da mesma forma, pautar o seu trabalho dentro da filosofia de sustentabilidade. Mas, como é um profissional de comunicação, o papel que desempenha tem uma carga de importância muito maior. Ele tem a função de “denunciar os interesses contrários à vida e à sustentabilidade” (Idem). Dentro de sua visão, “a mídia pode estimular o desenvolvimento de políticas públicas e atitudes cidadãs, dando visibilidade às boas práticas que já fazem a diferença no Brasil e no mundo” (Ibidem). E é nesse ponto que há o encontro da doutrina que estabelece a sustentabilidade com os princípios do Jornalismo Público. A proposta do programa

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Cidades e Soluções, portanto, é “abrir espaço na televisão para as experiências que dão certo, que transformam para melhor a vida das pessoas através do uso inteligente e sustentável dos recursos” (BLOG do programa, 2009). Segundo seu criador, os problemas, ainda que grandiosos, têm soluções e essas soluções precisam ter visibilidade. Sendo assim, a ideia é mostrar exemplos de sustentabilidade no meio urbano, cuja pretensão seja a de que as pessoas tenham não apenas o conhecimento, mas que elas consigam se aprofundar sobre os temas e possam resolver os problemas dentro da realidade que lhes cabe, conforme a experiência resolutiva mostrada no programa. Ainda que tenha o respaldo da Organização das Nações Unidas, um dos desafios de Trigueiro, entretanto, é trabalhar o conceito de meio ambiente como um tema amplo e associado à vida das pessoas em todos os sentidos. Desde a estreia até o programa exibido em 17 de maio de 2009, o Cidades e Soluções acumulou 111 edições. Decidimos, então, verificar em que proporção o tema meio ambiente estaria inserido na “espinha dorsal” do programa. Inicialmente, tomamos por base uma relação feita por André Trigueiro em que ele distribui os assuntos tratados conforme as categorias abaixo (2009, informação verbal): - Energia; - Consumo consciente; - Construção Sustentável; - Reciclagem de materiais orgânicos e inorgânicos; - Uso inteligente da água; - Educação e cultura; - Mobilidade; - Biodiversidade; - Planejamento urbano e gestão; - Terceiro setor.

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Em seguida, verificamos a sinopse de cada uma das edições listada na internet6, observamos os conceitos de sustentabilidade, realocamos aquelas categorias em outras mais abrangentes e, de acordo com a análise do quadro apresentado, as classificamos

como

“Cidadania/Meio

“Meio

Ambiente”,

Ambiente/Ecologia”, “Reciclagem”,

“Desenvolvimento

Sustentável”,

“Cidadania/Responsabilidade

Social”,

“Cidadania/Cultura” e “Outros”. Na sequência, separamos essas categorias em dois conjuntos: o dos programas cujo tema meio ambiente esteve inserido de alguma forma nos assuntos abordados e outro, dos que não tiveram o meio ambiente como mote principal e se relacionavam com questões de cidadania de uma forma geral. Do total analisado, 36,04% dos programas exibidos apresentaram temas que não tinham o meio ambiente como mote principal e, sim, com temas relacionados às questões de cidadania de uma forma geral. Sendo assim, a cidadania como responsabilidade social (adoção de crianças; corrupção nas cidades; turismo controlado; voluntariado; terapia comunitária; ressocialização de presos; animais abandonados), esteve presente em 27,03% dos casos. A cidadania com vistas à valorização cultural respondeu por 7,20% dos episódios (preservação de patrimônio histórico; cinema brasileiro; incentivo à leitura). Enquanto que outros assuntos ligados a temas como saúde e ciência (slow food e bactérias do bem) somaram 1,81%. Por outro lado, a maioria dos programas daquele período analisado teve o tema “Meio Ambiente” inserido de alguma forma nos assuntos veiculados, totalizando 63,96% dos programas, distribuídos da seguinte maneira: em 22,53% das situações a questão ambiental, ligada diretamente à ecologia, foi abordada em temas que versaram sobre neutralização de emissões de carbono, água de lastro, escassez de água, emissão de 6

A lista completa dos programas com as respectivas sinopses .

está

disponível

em e

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gás estufa etc. Já em outros 41,43%, o meio ambiente esteve relacionado em temas acerca do desenvolvimento sustentável (Biodigestores; Consórcios Intermunicipais; Tijolo Ecológico; Construções Sustentáveis; Moda Sustentável), reciclagem (de entulhos; de lâmpadas; de pilhas e baterias; de embalagens longa vida) e atitudes ambientalmente cidadãs (Uso da bicicleta como meio de transporte; Coleta de água de chuva; Educação ambiental). A planilha abaixo ilustra o resultado apurado: Tabela 1: PROGRAMAS CUJO TEMA MEIO AMBIENTE ESTEVE INSERIDO DE ALGUMA FORMA NOS ASSUNTOS ABORDADOS CATEGORIAS

PERCENTUAIS

MEIO AMBIENTE/ECOLOGIA

22,53

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

24,32

RECICLAGEM

9,91

CIDADANIA/MEIO AMBIENTE

7,20

22,53

41,43

63,96

Tabela 2: PROGRAMAS QUE NÃO TIVERAM O MEIO AMBIENTE COMO MOTE PRINCIPAL E TIVERAM RELAÇÃO COM QUESTÕES DE CIDADANIA DE UMA FORMA GERAL CATEGORIAS

PERCENTUAIS

CIDADANIA/RESPONSABILIDADE SOCIAL

27,03

CIDADANIA/CULTURA

7,20

OUTROS (SAÚDE, CIÊNCIA)

1,81

34,23

36,04

1,81

Os dados dessa planilha, portanto, demonstram uma tendência aos assuntos acerca do tema meio ambiente e, em princípio, nos levam a concluir que o Cidades e Soluções se trata de um programa com temática determinada. Mas, embora a maioria de suas edições siga essa vertente, André Trigueiro não gosta de rotular o trabalho que realiza como “jornalismo ambiental”, pois afirma que tudo o que fazemos está relacionado à essa área.

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O meio ambiente alcança indistintamente todas as áreas do saber e do conhecimento. No jornalismo, seja qual for a editoria em que o profissional esteja vinculado, a questão ambiental está colocada. Portanto, todo jornalista, forçosamente, precisa se dar conta de que esse assunto está absolutamente inserido em seu universo de trabalho. Aliás, cada vez mais inserido (TRIGUEIRO, 2008, p.13).

Segundo ele, “o meio ambiente começa no meio da gente” e diz respeito à qualidade de vida das pessoas. Sendo assim, o seu grande desafio nesse sentido é dissociar a palavra “ecologia”— que quer dizer “estudo da casa” — do que se convencionou chamar de natureza, conforme relata: O meu exercício diário, desde que eu comecei a estudar sustentabilidade, passou a ser transpor essas linhas que separam os assuntos. [...] A minha sensibilidade vai na direção de uma sustentabilidade em que a gente preconiza o uso inteligente dos recursos para todos os fins, alcançando a dimensão da cultura, alcançando a dimensão das ferramentas econômicas... Tudo isso está contemplado. (2009, informação verbal).

E acredita que a comunicação e o jornalismo em si podem contribuir bastante com a mudança de atitude das pessoas: “Por meio da mídia é possível fomentar novas atitudes em favor de um mundo melhor e mais justo, um mundo sustentável. Entendo esta como uma das atribuições do moderno jornalismo no terceiro milênio” (TRIGUEIRO, 2008, p. 14).

NOTAS DE REFERÊNCIA: CIDADES e Soluções. Blog do programa. Sobre o programa. . Acesso em: 19 jan. 2009.

Disponível

em:

TRIGUEIRO, André. Informação verbal. Entrevista concedida ao pesquisador para esta monografia. Rio de Janeiro. 2 jan. 2009. ______. [Sem título]. Entrevista concedida a Paula Craveiro, Revista Filantropia nº 33. [S.l.]: jan-fev, 2008. Disponível em: . Acesso em: 19 jan. 2009. WIKIPÉDIA. Agenda 21. Disponível em: . Acesso em 16 mai. 2009. ______. Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Disponível em: . Acesso em 16 mai. 2009. ______. Desenvolvimento Sustentável. Disponível . Acesso em 16 mai. 2009.

em:

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______. Eco-92. Disponível em: . Acesso em 16 mai. 2009. ______. Relatório Brundtland. Disponível em: . Acesso em 16 mai. 2009.

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3.3 - A concepção do programa

3.3.1 - O formato

Quando o telespectador assiste a uma reportagem na televisão não tem ideia do aparato que precisa ser montado para que a notícia possa chegar até ele. Existe uma série de procedimentos, técnicas e condutas que o diferenciam de outros meios, como a imprensa escrita, por exemplo. O jornalismo na TV exige tanto uma estrutura tecnológica mais eficiente como a mobilização de um grupo maior de profissionais — entre repórteres, operadores de câmera e iluminadores — que têm a missão, não só de passar a informação, mas também de torná-la atraente aos olhos de quem vê. A imagem é primordial, não se pode fugir dela. E se a informação que o jornalista quer transmitir não vem acompanhada de uma imagem que a sustente pode ser deixada de lado. Para André Trigueiro, “certos assuntos são mais fáceis de contar em televisão ou têm melhor rendimento do que outros” (2009, informação verbal). Mas, é preciso saber de antemão o que está acontecendo e se aquilo se encaixa na linha editorial do noticiário ou do programa. A gente já derrubou pauta porque não tinha como contar. Eram histórias difíceis de contar, ou porque a logística era muito complicada ou, simplesmente, porque a gente não tinha imagem pra contar a história. Tem assunto que não tem imagem (Idem).

Dessa forma, pensar no formato de uma notícia ou de um programa de televisão torna-se tão importante quanto apurar uma informação para ser noticiada. Preferencialmente, esses dois elementos devem se complementar. Trigueiro sabe das dificuldades do meio televisivo, mas percebeu, mesmo assim, que os temas relacionados à sustentabilidade poderiam ter seu espaço na mídia. Com isso, teve a oportunidade de

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produzir diversos programas com temas específicos — Fogo na Floresta: o País das Queimadas (1997); Planeta Estufa (2001); Rio+10: o Planeta em Foco (2002) — que, diferentemente do noticiário factual, apresentavam reportagens mais elaboradas e com formato fechado — com começo, meio e fim. Com o Cidades e Soluções não foi diferente. Quando André realizou o piloto em 2004 — veiculado como um programa especial em duas partes —, esse formato já estava estabelecido. Ao receber o convite para transformar aquele projeto piloto em um programa semanal, ele viu que a temática estaria envolvida em uma nova estrutura, mas procurou não alterar a base fundamental do programa. Trigueiro conta que a ideia era de que se fizesse algo parecido com o que foi feito em 2004, procurando tratar dos assuntos da sustentabilidade dentro de um recorte mais urbano. Então, a gente começou a pensar numa série de providências. Em linhas gerais, [a proposta seria] não fazer nada em estúdio. A gente está na rua o tempo todo: no lixão; na estação de tratamento de esgoto; no meio da poeira e dos entulhos... A gente está interagindo com o objeto que a gente está mostrando (Ibidem).

A construção da linguagem do novo programa também foi repensada. Para ele, era preciso “ter uma linguagem clara e objetiva. Um programa que tivesse uma função didática, mas que não caísse no didatismo” (Ibidem). Para tanto, Trigueiro revela que é necessário ter habilidade para tratar desses assuntos: Esse sentido mais abrangente e plural [das questões ambientais] demanda alguma disposição para o mergulho num universo que traz armadilhas para o jornalista. A primeira delas é o jargão ecológico, recheado de expressões do tipo “manejo sustentável”, “emissão de gases-estufa”, “ecoeficiência” etc. Sendo a clareza e a objetividade as principais qualidades de um bom texto jornalístico, o desafio é traduzir, sem prejuízo da informação, as descobertas que emergem dos meios acadêmicos e científicos, evitando o risco de ser irritantemente didático e talvez até pedante (2005, p. 289).

Sobre esse aspecto, observa-se que os assuntos são apresentados com certa dose de leveza, com o propósito de passar a informação de forma simples e que qualquer

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pessoa possa entender do que se trata. Nas entrevistas, a sensação é a de que as perguntas não ficam sem respostas, apesar da complexidade da maioria dos temas. Esteticamente, as reportagens são envolvidas por uma trilha de música eletrônica que percorre o programa desde a abertura até a sua finalização, e que funciona como fundo musical ou como vinheta. Esse trabalho é desenvolvido pela produtora musical Marion Lemonnier, uma francesa radicada no Rio de Janeiro desde 2004, formada em musicologia pela universidade de Rennes (Bretagne) e em Ethnomusicologia na universidade de Paris Saint-Denis. Segundo ela, para fazer a trilha do Cidades e Soluções e ajudar a dar o tom certo a cada abordagem “entram em jogo o assunto, a estética, o ritmo da edição e, mais do que tudo, o espírito do programa” (BLOG do programa, 2009). Estruturalmente, o programa tem a duração média de 22 minutos. Pela proposta inicial, deveriam ser mostradas, dentro de um mesmo tema, experiências em diferentes lugares. A gente parte sempre do princípio de que não existe uma solução homogênea, ou seja, você tem variantes. [É preciso buscar] em três, quatro lugares diferentes e mostrar como foi possível aplicar uma ideia que, no seu fundamento, é a mesma, mas [apresentada] de forma diferente (TRIGUEIRO, 2009, informação verbal).

Não há a preocupação, no entanto, de esmiuçar os problemas, como diz Trigueiro: “O Cidades e Soluções procura mostrar soluções [grifo nosso]. Então, a gente reserva dois, três minutos pra dizer: temos um problema” (Idem). A partir daí e até o final do programa, procura-se mostrar os lugares “onde o enfrentamento desse problema se revela interessante, inteligente e está dando resultado” (Ibidem). Geralmente, o comando do programa cabe a André Trigueiro, que atua como uma espécie de “mestre-de-cerimônias”. É ele quem apresenta o tema, revela o problema em questão e, em grande parte das vezes, conduz as reportagens e entrevistas. Mas, o

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programa conta também com a ajuda de diversos profissionais do departamento de jornalismo da TV Globo e de suas afiliadas espalhadas pelo país. A inserção de matérias feitas em diversos lugares contribui para situar o tema em realidades distintas e ajuda a ilustrar o programa. Embora o Cidades e Soluções se origine na televisão, André amplia o horizonte do telespectador ao direcioná-lo para outro meio de comunicação — a internet —, possibilitando a este se aprofundar ainda mais nos temas abordados. O objetivo, conforme relata Trigueiro, é usar a internet como sendo uma base de apoio onde, terminado o programa, a gente sempre referencie que existem conteúdos adicionais disponibilizados na rede. A gente compartilha as fontes. Aqueles que tiverem interesse no assunto daquela semana, que possam encontrar na internet os caminhos (Ibidem).

Essa base de apoio a que ele se refere são as páginas mantidas pelo portal G1 — o portal de notícias das Organizações Globo. Além da página oficial — com informações sobre o programa em si, sinopse das edições, os horários em que ele é veiculado, além do perfil do apresentador —, vinculado ao site da Globo News7, há também o blog8, em que Trigueiro e sua equipe postam artigos, comentários e informações adicionais sobre os temas tratados e que serve como um canal de interatividade com o público que acompanha o programa ou que tenha afinidade com os assuntos.

3.3.2 - As pautas

Falar de sustentabilidade em qualquer meio de comunicação não é fácil e em televisão a tarefa se torna ainda mais difícil. Não só pela exigência da tecnologia citada 7

.

8

.

80

anteriormente, mas porque o tema trata de mudanças na vida das pessoas, das empresas e de governos. A sustentabilidade visa a mudança de rotinas, de conceitos, da cadeia produtiva e da cultura capitalista de um modo geral. Dessa forma, a resistência por parte dos atores envolvidos é grande. E falar disso incomoda. Trigueiro explica: Eu digo para os meus alunos da PUC o seguinte: nessa área ambiental, se você não está incomodando tem algo errado. Um bom termômetro da qualidade do teu trabalho na área da sustentabilidade é saber se você está incomodando ou não. Se você não estiver incomodando ninguém, tem algo errado. [...] Nem sempre o interesse público é o interesse de certos segmentos público ou privado (Ibidem).

Diante disso, quando se escolhe uma pauta sobre esse tema — qualquer que seja —, os editores devem estar cientes do que podem enfrentar. Trigueiro destaca um dos pontos que devem ser atacados. Esse modelo de desenvolvimento que esgota os estoques de matéria-prima e energia depende da publicidade — e do imenso repertório de sons, imagens, arquétipos que manipulam os sentidos na direção do consumo compulsivo — para que a equação da insustentabilidade se resolva. É a publicidade também que sustenta os veículos de comunicação de massa e paga os salários dos jornalistas. Daí, porque não é difícil imaginar que, em algumas redações, possa haver constrangimentos, ou até mesmo impedimentos, quando se questiona o consumismo. [...] Vencer essa barreira significa emprestar ao jornalismo papel de extrema relevância na busca de um novo modelo de desenvolvimento, em que o papel da publicidade possa ser reconfigurado e a mídia não tenha escrúpulos para denunciar as mazelas do American Way of Life e do consumo desenfreado (TRIGUEIRO, 2005, p. 295).

André garante que o trabalho que desenvolve na Globo News não sofre nenhum tipo de interferência e que nunca foi obrigado a retirar da pauta qualquer assunto ou alterá-la por conta disso. Ele reforça essa afirmação baseado no prestígio que alcançou na emissora: Isso não é dado de mão beijada. Desde que cheguei na Globo News há 12 anos — já vinha da TV Globo, onde trabalhei durante três anos — pleiteava um espaço pra gente, dentro da grade, para falar desses assuntos alusivos a sustentabilidade. Quando me confiaram o programa eu já tinha dois livros lançados, já era comentarista da Rádio CBN de sustentabilidade, já lecionava jornalismo ambiental na PUC, já tinha uma trajetória... Isso não é de um dia para o outro. E, de alguma maneira, há uma confiança. O programa que vai ao ar, a responsabilidade é toda minha pelo que dá certo ou não dá certo. E o programa

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não é visto antes. É confiança. E essa confiança foi conquistada (TRIGUEIRO, 2009, informação verbal).

Para levantar as pautas que podem virar notícia e, consequentemente, merecer uma reportagem, Trigueiro se reúne com a equipe todas as segundas-feiras. Na reunião procuram discutir as pautas que surgem por ideias próprias, mas que também podem aparecer por sugestões dos internautas que visitam o blog do Cidades e Soluções, em propostas dos repórteres das afiliadas da TV Globo e até mesmo por indicação de pessoas envolvidas nos processos. Mas para este grupo, é necessário ter um cuidado maior. Trigueiro relata que, nesses casos, deve-se escapar dos releases9 que são dirigidos para a equipe, de pessoas físicas e jurídicas, que querem visibilidade através do programa. “Porque isso também é um problema. A gente tem que ficar muito esperto pra não comprar gato por lebre”. (2009, Informação verbal). Além disso, a equipe procura ficar atenta às reportagens feitas por outras mídias — jornais e revistas, por exemplo —, garimpando assuntos que se encaixem ao perfil do programa.

3.3.3 - As fontes

De acordo com André Trigueiro, existem pessoas e/ou organizações que auxiliam a equipe do programa não só com o levantamento de pautas, mas também para ratificar uma determinada informação. Essas fontes, de acordo com ele, “ajudam, em caso de dúvida, a descobrir se tal experiência merece credibilidade” (2009, informação verbal). São “pessoas que a gente gosta de consultar, amigas do programa, dotadas de conhecimento específico” (Idem). Ele inclui nesse grupo universidades, organizações não9

Texto informativo distribuído à imprensa (escrita, falada ou televisada) por uma instituição privada, governamental etc, para ser divulgado gratuitamente entre as notícias publicadas pelo veículo. (RABAÇA, Carlos Alberto; BARBOSA, Gustavo Guimarães. Dicionário de Comunicação, 4.ed., Rio de Janeiro: Ed. Elsevier, 2001, p. 635).

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governamentais

e

empresários.

“A

gente

procura

recorrer

às

pessoas

que,

independentemente de onde estejam, sejam confiáveis. O mundo é muito grande, as experiências são diversas e nós, nem sempre, conseguimos ter a clareza de como abordar” (Ibidem). Trigueiro diz que gestores governamentais também podem servir como fontes. Mas deixa claro que o programa deve remeter a gestões públicas reconhecidamente eficientes. “Não temos preconceito com gestor público. A gente mostra, mas com aquele senso de que, se acertou, não fez mais do que obrigação. Agora, a gente vai dar o crédito. Se estamos aqui é porque alguma coisa está funcionando” (Ibidem).

3.3.4 - O público-alvo

Ainda que o Cidades e Soluções seja produzido pela Globo News — um canal que tem o viés da segmentação — não o julgamos como um programa dirigido a públicos específicos (ecologistas, cientistas, sociólogos), como demonstramos no capítulo 3, tópico 3.2. No entanto, durante o processo deste trabalho, não tivemos acesso a nenhum plano de mídia ou a qualquer estudo de público-alvo, que nos indicasse o público a que o programa se destina. Perguntado sobre a questão, Trigueiro não revelou o planejamento da equipe neste sentido e demonstrou dificuldades para defini-lo. “Sempre foi difícil definir público-alvo. Isso é muito extenso. Público-alvo seria aquele que tem afinidade com essa abordagem diferenciada” (Ibidem). Ainda assim, apontou alguns segmentos trabalhados de acordo com a lógica do programa: Professores, estudantes — gente ligada à universidade e escola —, gestores públicos de diferentes níveis da administração e certos nichos empresariais, que já descobriram que existem oportunidades de negócio quando você começa a vasculhar esse universo (Ibidem).

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Além dos grupos citados, Trigueiro vislumbra um público mais amplo, a partir da proposta do programa. A gente está falando de coisas boas. Então, nós queremos pegar não somente um grupo de telespectadores que talvez esteja muito incomodado de só assistir em televisão tragédia, catástrofe, notícia ruim alusiva à corrupção, malversação de recursos públicos... Um programa que traz no nome a palavra ‘solução’ tem uma responsabilidade enorme porque catalisa expectativas no sentido de acreditar que ainda há motivo pra sorrir ou para mudar pra melhor alguma coisa (Ibidem).

Ainda tomando por base a ideia do programa, não se pode direcioná-lo para segmentos exclusivos, visto que os assuntos tratados dizem respeito ao cidadão de uma forma geral, não podendo ser discriminados por gêneros, faixas etárias, situações sócioeconômicas, nacionalidades ou etnias.

3.3.5 - A audiência

Com relação à audiência do programa, André Trigueiro também não fornece detalhes suficientes para que se conclua sobre sua abrangência. Ele explica, porém, que existe uma aferição de audiência para os padrões de TV a cabo, feita por um instituto de pesquisa, que realiza um levantamento semanal em algumas cidades brasileiras — a maioria pertencente ao estado de São Paulo. Segundo informa, o Cidades e Soluções está entre os programas mais vistos na TV por assinatura. Ainda de acordo com ele, por conta do tempo de vida da atração (dois anos e meio), já há a percepção de um público cativo: “A audiência é flutuante — não é rígida, nem estática. Mas o programa tem uma base. E essa base foi uma conquista. Em certa medida existe um público que é fiel ao programa” (TRIGUEIRO, 2009, informação verbal).

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Mas também se constatam surpresas: “Dependendo do assunto ele alcança as crianças, o que pra nós é surpreendente”. (Idem). Um dos termômetros utilizados pela equipe para averiguar em que medida o programa atinge o seu público é o blog. Por meio desse instrumento, é possível fazer a distinção daquelas pessoas que estão em sintonia com a proposta do programa. Para ajudar neste trabalho, a equipe mantém uma lista com os endereços eletrônicos dos interessados nos assuntos abordados e que frequentemente participam do blog com comentários. Semanalmente, essas pessoas recebem por e-mail informações sobre as edições seguintes, o que, de uma forma ou de outra, serve para manter a base da audiência. Ao discorrer sobre os veículos em que o Cidades e Soluções pode ser assistido, Trigueiro contesta a afirmação de que a abrangência é limitada e de que não atinge o público que não tem televisão por assinatura: Eu não concordo com essa tese de que o programa está restrito, por conta da Globo News, que o produz. Não está! Ele está na rede. E, nessa área ambiental, as redes ambientalistas se comunicam muito — fica alguma coisa meio voraz, de fazer abaixo-assinado eletrônico, coisa e tal. O Cidades e Soluções entrou em algumas redes. E isso, de alguma forma, demole a falsa premissa de que, para ver o programa, tem que ser assinante e tem de pagar pra ver. Não é bem assim (Ibidem).

De acordo com ele, além da TV por assinatura e da internet (meio de comunicação em que a maior parte do público o assiste, conforme constata Trigueiro), o fato do programa ser veiculado pelo Canal Futura — que pode ser assistido em UHF e por quem possui antena parabólica — aumentaria sua abrangência. Ao se observar, no entanto, a proposta do programa de que a sociedade como um todo deve se informar sobre os assuntos tratados por ele, Trigueiro reconhece que o Cidades e Soluções alcançaria seus objetivos mais rapidamente se fosse veiculado na TV aberta em escala nacional e em horário compatível. Trigueiro conclui sua defesa dizendo

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que o programa já está pronto para ser veiculado em canal aberto: “Ele tem vocação, ele tem perfil, ele tem estofo, tem o formato e tem o tempo, inclusive, pra ocupar uma meia hora de TV aberta, sim. Sem fazer esforço”. (Ibidem). NOTAS DE REFERÊNCIA: CIDADES e Soluções. Blog do programa. Conheça a responsável pelas trilhas do Cidades e Soluções. Postado por Mariana Saraiva. Categoria Cultura. Rio de Janeiro, 27 jan. 2009. Disponível em: . Acesso em: 27 mai. 2009). TRIGUEIRO, André. Informação verbal. Entrevista concedida ao pesquisador para esta monografia. Rio de Janeiro. 2 jan. 2009. ______. Meio ambiente na idade mídia. In: Mundo sustentável – Abrindo espaço na mídia para um planeta em transformação. 2.ed. São Paulo: Ed. Globo, 2005. 302 p.

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3.4 - Análise das características e dos pontos convergentes

Faremos agora a análise dos programas conforme suas características e com o intuito de identificar os pontos convergentes entre o Cidades e Soluções e a prática do Jornalismo Público. Iremos verificar em que situações os conceitos ditados pelo movimento estão presentes na proposta do programa e nos episódios em si, para, então, descobrirmos se o nosso objeto de estudo faz ou não Jornalismo Público. Para mapearmos melhor os pontos a serem analisados, resolvemos fazer o estudo em duas frentes: primeiro, vamos examinar o programa de uma forma geral (análise global), a partir da proposta e das ideias estabelecidas pelo jornalista André Trigueiro em confronto com os conceitos do Jornalismo Público; depois, faremos a análise em cima dos programas destacados (análise pontual), verificando as características e fazendo o confronto, desta vez, da práxis do programa com o que determina o movimento estudado. Para isso, resgatamos os tópicos levantados pelos pesquisadores do Jornalismo Público, tais como as diretrizes de Davis Merritt (Capítulo 1, tópico 1.2); as regras para a prática do JP conforme determina Jan Schaffer (Capítulo 1, tópico 1.3); as ações para a prática do JP como estabelece Edmund B. Lambeth (Capítulo 1, tópico 1.3); os temas que o movimento abrange de acordo com Lewis A. Friedland e Sandra Nichols (Capítulo 1, tópico 1.3); as categorias estabelecidas por Luiz Martins (Capítulo 2, tópico 2.2) e as modalidades de Comunicação Pública também descritas por Martins (Capítulo 2, tópico 2.5). No entanto, para fazermos a análise dos pontos convergentes entre o Cidades e Soluções e o Jornalismo Público utilizaremos como base de avaliação cinco tópicos que sintetizam os conceitos defendidos por esses pesquisadores e que também foram

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relacionados anteriormente: a) Promover a formação crítica do telespectador para o exercício da cidadania; b) Disponibilizar informações que sejam de interesse coletivo; c) Estimular a participação do cidadão nas discussões por meio de instrumentos de interatividade; d) Atentar para a responsabilidade social e; e) Evidenciar a capacidade resolutiva da sociedade com exemplos de boas práticas de determinados grupos ou indivíduos. Faremos também a análise das características, somente nos programas destacados, com observações referentes ao conteúdo, para verificar o nível de aprofundamento dos assuntos, e quanto ao formato, para saber se eles são didáticos, informativos e ilustrativos.

3.4.1 - Análise global dos pontos convergentes

a) Promover a formação crítica do telespectador para o exercício da cidadania: Quando André Trigueiro diz que “a mídia pode estimular o desenvolvimento de políticas públicas e atitudes cidadãs”, que “por meio da mídia é possível fomentar novas atitudes em favor de um mundo melhor e mais justo”, entende que “esta é uma das atribuições do moderno jornalismo no terceiro milênio” e lança como proposta “abrir espaço na televisão para as experiências que dão certo e que transformam para melhor a vida das pessoas”, ele está buscando algo além de simplesmente informar o seu público. Ele concebe esse público, não como consumidor, mas sim como cidadão e assume o papel de mediador e partícipe da cidadania.

b) Disponibilizar informações que sejam de interesse coletivo:

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Trigueiro diz que “a pretensão é a de que as pessoas tenham não apenas o conhecimento, mas que elas consigam se aprofundar sobre os temas e possam resolver os problemas dentro da realidade que lhes cabe”. Neste sentido, ele procura produzir notícias de interesse coletivo, que os cidadãos precisam para se informar, e construir um conhecimento, oferecendo elementos de forma que as pessoas possam pensar, tomar decisões, agir e exercer suas responsabilidades na sociedade.

c) Estimular a participação do cidadão nas discussões por meio de instrumentos de interatividade: Além do material audiovisual produzido para o programa, veiculado inicialmente na televisão, Trigueiro repercute os assuntos na internet por meio dos canais interativos. Ao final das edições ele convida o telespectador a se inteirar mais na página oficial do programa sobre os temas tratados e as iniciativas mostradas e a conhecer os bastidores no blog.

d) Atentar para a responsabilidade social: Ao declarar que tenta praticar no dia-a-dia aquilo que entende como certo e que procura adotar a “pedagogia do exemplo” (não importa o que você fala, importa o que você faz), ele chama a atenção do público que lhe ouve para a responsabilidade social. Além disso, ao final de cada edição do Cidades e Soluções, André mostra o selo “Carbon Free” emitido por uma organização não-governamental, denominada “Iniciativa Verde”10, formada por técnicos que trabalham na busca de soluções para tornar as atividades do homem menos agressivas ao meio ambiente. O selo é a certificação de que o programa participa do projeto de plantio de árvores desenvolvido pela organização. Essa 10

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certificação é mostrada em companhia de uma declaração: “As emissões de gases estufa deste programa foram totalmente neutralizadas com o plantio de árvores”. O comprometimento de Trigueiro com a causa ambiental, inclusive, é o maior exemplo de responsabilidade social que pode ser mostrado neste trabalho.

e) Evidenciar a capacidade resolutiva da sociedade com exemplos de boas práticas de determinados grupos ou indivíduos. Quando o programa resolve priorizar as soluções encontradas para diversos problemas que afligem o mundo moderno, ele está moldando as histórias a partir dos temas que resultam importantes para a sociedade. Ele enfoca as soluções alcançadas e estimula as pessoas, a partir da divulgação do programa, a replicarem a ideia. Seu propósito, portanto, é descobrir as experiências que dão certo e dar visibilidade a essas boas práticas que já fazem a diferença no Brasil e no mundo.

3.4.2 - Análise pontual dos programas

Para a análise pontual selecionamos quatro programas constantes da relação exposta no site do Cidades e Soluções. Optou-se por escolher programas que tivessem temáticas distintas, inseridos em categorias diferentes (conforme a classificação feita no Capítulo 3.2) e que, ao menos, não fizessem abordagens em áreas semelhantes. Adoção no Brasil e Comércio Justo estão na categoria que se refere à cidadania no contexto da responsabilidade social, mas enfocam áreas que não coincidem: o primeiro está relacionado à área social e o segundo à área econômica. Embalagens Longa Vida está na categoria enquadrada como reciclagem, enquanto que Incentivo à leitura pertence à categoria que configura a cidadania no âmbito da educação e cultura.

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A seguir, a descrição e a análise dos respectivos programas:

I) Adoção no Brasil Exibido em 13 de julho de 200811, com duração de 21 minutos e 53 segundos.

Descrição: O episódio aborda o processo de adoção de crianças no país, apresenta os mecanismos legais existentes para se fazer uma adoção infantil e mostra exemplos de pessoas que se dispuseram a abrigar crianças desamparadas ou em situações de risco, por meio de instituições ou por condições próprias. Ao longo do programa, André Trigueiro entrevista o vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Francisco Oliveira Neto, em que explica como é feito o processo de adoção, comenta o perfil da criança preferida, descreve as condições legais para abrigá-la, e fala, ainda, dos trâmites burocráticos e das decisões judiciais que permitem a uma pessoa obter a guarda de um menor. Intercalando a entrevista com o magistrado, são apresentadas três reportagens que ilustram as soluções encontradas pela sociedade para amenizar o problema de crianças carentes no Brasil. A primeira delas — realizada pela repórter Renata Ribeiro, na cidade de Cajamar, interior de São Paulo — mostra um sítio que foi transformado em abrigo para crianças e adolescentes, órfãos ou abandonados, gerados por mães portadoras do vírus HIV. A repórter entrevista o criador da entidade, uma empresária que adotou uma criança soropositiva e dois menores (com rostos preservados) enquanto apresenta a instituição. Explica como ela é sustentada e exibe os projetos de capacitação profissional dessas crianças para quando deixarem a instituição. 11

Disponível em .

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A segunda reportagem foi realizada pela repórter Fabiana Almeida, em Belo Horizonte. Ela apresenta o Ministério Programa Criança Feliz, organização responsável por acolher — por um período não superior a três meses — crianças e adolescentes abandonados pelos pais, em grande parte vítimas de violência, ou que estejam vagando pelas ruas, que dispõe de abrigos espalhados pela região metropolitana de Belo Horizonte, chamados de Centro de Passagem, e de uma república, na qual os adolescentes são capacitados profissionalmente. Na matéria são entrevistados o assessor de superintendência do Criança Feliz e dois ex-assistidos pelo projeto que estão no mercado de trabalho graças ao investimento de empresas nesse programa. Já a terceira reportagem, feita por Ricardo Von Dorff em Florianópolis, mostra a implantação pela justiça catarinense de um cadastro único informatizado para adoção de crianças no estado de Santa Catarina, denominado Cuida, que serviu de inspiração para a criação, em 2008, do Cadastro Nacional de Adoção, organizado pelo Conselho Nacional de Justiça, com base nas informações colhidas pelas Varas da Infância e da Juventude de todo o país. A reportagem explica como funciona o sistema, a forma como as pessoas podem se inscrever e as vantagens do programa por meio de entrevistas realizadas com uma técnica judiciária envolvida com a Central de Adoção, com o Promotor da Infância e da Juventude de Santa Catarina, com uma funcionária pública que vive a expectativa da adoção e com um casal que conseguiu a guarda de uma menina. Von Dorff também entrevista a psicóloga de uma das casas-lares relacionadas na Central de Adoção, que explica o sentimento que move as pessoas a se decidirem pela adoção de crianças e como isso deveria ser trabalhado pelas famílias. Além das imagens colhidas durante as reportagens, o programa se utiliza de algumas imagens de arquivo com crianças em situações de risco e em condições desfavoráveis. Ao final, o endereço eletrônico da emissora, na internet, é mostrado,

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remetendo o telespectador ao site. Lá, o telespectador-internauta tem acesso à sinopse e às páginas virtuais de todas as entidades e organismos que apareceram no programa. No programa sobre adoção o blog não é citado, levando a crer que esse canal ainda não havia sido criado.

Análise das características:

Ao se observar o formato do programa em questão percebe-se que ele tem um viés didático ao fazer, logo na introdução, a seguinte proposição: “Você vai ver o jeito certo e o errado de se adotar uma criança ou adolescente. O perfil típico de quem adota e o tipo de criança preferida”. Ele é informativo à medida em que apresenta alguns dados — “8 mil crianças estão disponíveis para adoção no Brasil. O processo leva em média seis meses e precisa ser avalizado por um juiz da infância e da juventude” — e na reportagem sobre o Cadastro de Adoção, quando alguns entrevistados descrevem como funciona o sistema implantado em Santa Catarina. O programa é ilustrativo ao apresentar exemplos de pessoas que tiveram iniciativas para amenizar o problema e também ao contar histórias de pessoas que já conseguiram adotar um menor e de outras que vivem a expectativa da adoção, entre outros. Com relação ao conteúdo, o aprofundamento do tema segue a linha do programa que é apresentar o problema por meio das soluções encontradas pela sociedade com abordagem menos crítica e mais propositiva. Apesar de serem mostrados exemplos de pessoas beneficiadas com os respectivos projetos, faltou ao programa apresentar dados concretos que indiquem que as soluções encontradas estão gerando resultados satisfatórios. Mas, no geral, ele cumpre o que promete.

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Análise dos pontos convergentes:

a) Promover a formação crítica do telespectador para o exercício da cidadania: Logo na introdução do programa, André mostra cenas fortes de um bebê abandonado pela mãe sendo resgatado com vida de um rio por uma pessoa que passava pelo local e outras imagens de crianças em situações de risco. Ao narrar essas cenas, André diz: “[Essas são] situações extremas em que a justiça pode intervir e determinar um novo destino. Um novo lar para quem precisa ser amado, protegido e educado. Em qualquer lugar do mundo as adoções são entendidas como uma grande solução”. Apesar de apelar para o emocional do telespectador, André visa apresentar elementos que o conduzam para uma reflexão. Esse tópico também foi observado na entrevista do assessor de superintendência do Criança Feliz, Rosenvaldo Santos, que fala da importância de as empresas investirem em programas de primeiro emprego e das vantagens que os menores e as empresas terão com a adoção de programas do gênero.

b) Disponibilizar informações que sejam de interesse coletivo: O programa atende este quesito na entrevista de Francisco Oliveira Neto, vicepresidente da AMB, quando fala sobre o processo de adoção, o perfil da criança preferida, as condições legais para abrigá-la, os trâmites burocráticos e as decisões judiciais que permitem a uma pessoa obter a guarda de um menor. Na reportagem sobre o Cadastro de Adoção também há informações que amparam o telespectador mais engajado.

c) Estimular a participação do cidadão nas discussões por meio de instrumentos de interatividade:

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Ao final, o programa remete o telespectador ao site na internet, disponibilizando o endereço eletrônico. Mas, neste caso específico, não se pode dizer que o público se sinta estimulado apenas com a divulgação do endereço. Para aqueles que tomam a iniciativa de procurar mais informações no site, encontram links com os endereços eletrônicos das entidades que apareceram no programa e acabam estimulados a, pelo menos, se inteirar melhor sobre os projetos. Dessa forma, este tópico não é atendido completamente.

d) Atentar para a responsabilidade social: De uma forma geral, ao apresentar exemplos de cidadãos que “arregaçaram as mangas” para ajudar a melhorar a situação em curso, ele atenta para a responsabilidade social das pessoas em detrimento de apenas cobrar soluções do poder público. No programa algumas passagens referendam a afirmação, como na entrevista do diretor do Sítio Agar, Frei Antonius Gerardus, que abriga crianças em Cajamar — “Começou como entidade que acompanhava a pessoa até a morte. Agora somos uma entidade que acompanha a criança para o futuro” — e na explicação da criação do projeto Criança Feliz de Belo Horizonte — “O projeto nasceu da ação de Sarah de Carvalho, uma inglesa que ficou muito incomodada com a situação dos meninos de rua no Brasil. Ela fez uma parceria com a prefeitura de Belo Horizonte e abriu-se o Centro de Passagem, um abrigo para receber as crianças que vivem nas ruas”.

e) Evidenciar a capacidade resolutiva da sociedade com exemplos de boas práticas de determinados grupos ou indivíduos: O programa apresenta algumas passagens que evidenciam a capacidade resolutiva. Um deles mostra que o sítio Agar não se propõe apenas em abrigar crianças,

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mas também prepará-las para o futuro com a instituição de uma padaria-escola e de oficinas de costura. A capacitação de menores também é vista como solução no projeto de Belo Horizonte. E o Cadastro de Adoção é apresentado como a solução para simplificar o processo de adoção no país e desburocratizá-lo, haja vista a grande quantidade de pessoas que aguardam por uma autorização da justiça para efetuar as adoções.

II) Comércio Justo Exibido em 31 de agosto de 200812, com duração de 22 minutos e 43 segundos.

Descrição: A edição que tratou deste tema apresentou o conceito, conhecido como Fairtrade, que estimula o comércio de produtos gerados por comunidades de baixa renda, por cooperativas ou por empresas que respeitam as leis ambientais e trabalhistas e que prega uma remuneração justa. A certificação feita por organizações internacionais é a garantia de que esses produtos são de qualidade comprovada e de que não são originários de meios produtivos que se utilizam de mão de obra barata. André Trigueiro acompanhou o 1º Encontro Internacional de Comércio Justo e Solidário realizado em 2008 no Rio de Janeiro. No evento, André entrevistou Sérgio Malta, diretor do Sebrae, que falou sobre a preocupação atual das pessoas com a origem dos produtos que eles consomem e da potencialidade de produtos dessa natureza no Brasil. Trigueiro entrevistou também o representante de uma certificadora canadense de Fairtrade; o diretor executivo de uma distribuidora brasileira de produtos certificados, durante a negociação de seus produtos com um cliente francês; artesãs que fabricam 12

Disponível em fair+trade+comercio+justo,00.html>.