Noel Joaquim Faiad
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O imperativo do desenvolvimento Guiada pelos conceitos do economista Antonio Barros de Castro sobre a “Convenção do Crescimento”, a Rumos recorda o período em que o desenvolvimento era o caminho de consenso para o país e ouve especialistas sobre a necessidade de superar a polarização política e reconstruir uma trajetória de prosperidade econômica para o Brasil. POR CARMEN NERY Houve um tempo em que o desenvolvimento do Brasil era como uma profecia autorrealizável: o país estava fadado a crescer e todos agiam coordenadamente para concretizar essa certeza. Conhecido como a Convenção do Crescimento, o termo foi cunhado pelo economista Antonio Barros de Castro, em artigo de 1994, para o período que vigorou de 1930 a 1980. Grande defensor da proteção a determinados setores da economia, de modo a mantê-los enquanto mudanças necessárias fossem executadas para adaptações às condições internacionais, Castro focou suas áreas de interesse em teorias sobre desenvolvimento e crescimento econômico, políticas industriais e tecnológicas e história econômica do Brasil. A análise de seus estudos e do período compreendido na Convenção do Crescimento ajuda a jogar luz no cenário atual do país, para que o Brasil saia do estado de letargia e de ruptura social em que se encontra e recupere a trajetória de crescimento – superando, por meio de um projeto de desenvolvimento, o processo de radicalização das opiniões e polarização política, e caminhando para a retomada do diálogo. Para isso, é importante recordar como se materializou esse consenso em prol do desenvolvimento do país, que vigorou, de forma exitosa, durante pelo menos 50 anos. Marco Antonio Albuquerque de Araujo Lima, secretário-executivo da Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), autor do livro O desenvolvimento inacabado do Brasil, observa que o Brasil de 1980 era 20 vezes maior do que o de 1930. “De 1950 a 1980, éramos uma China, crescendo em média 7,2% ao ano. O país tinha desempenhado um papel decisivo durante a Segunda Guerra e as lideranças políticas estavam convictas de que era necessário desenvolvê-lo. E os Estados Unidos tinham consciência da importância estratégica do Brasil. A Comissão Mista Brasil-Estados Unidos é uma consequência desta visão. Foi criada ainda no governo do presidente Dutra. E Getúlio, que o substituiu na presidência e era um político com visão de nação, apoiou a Comissão e, ao mesmo tempo, convidou Rômulo Almeida para comandar sua Assessoria Econômica, criando duas RUMOS
inteligências. A comissão, em que despontava o economista Roberto Campos, desenvolveu uma série de projetos para recuperar a infraestrutura econômica; enquanto a Assessoria Econômica se concentrou na área de energia”, recorda Lima. Ele destaca como grande legado da Comissão a criação do BNDE, um projeto apoiado por Rômulo Almeida. “Isso mostra que não havia divisão entre esquerda e direita, no que diz respeito à necessidade do desenvolvimento. O diálogo era intenso entre os grupos liberal e desenvolvimentista”, diz Lima, para quem as diferentes forças políticas miravam o desenvolvimento como norte e estavam unidas na obtenção desse objetivo. Ele exemplifica com a lembrança de casos em que dois importantes ministros da área econômica não conseguiram implantar suas propostas. Em 1955, Eugenio Gudin, o mais destacado economista liberal, pediu exoneração do cargo de ministro da Fazenda oito meses depois de tê-lo assumido, por não ter angariado apoio para executar uma política de estabilização da economia. Enquanto Celso Furtado, a principal liderança do grupo desenvolvimentista e o primeiro ministro do Planejamento do Brasil, deixou o ministério sete meses após sua posse em janeiro de 1963, por não ter obtido apoio da base de sustentação do governo de João Goulart para implantar seu Plano Trienal de Desenvolvimento que combinava propostas de altas taxas de crescimento em torno de 7% com estratégia gradualista de inflação para baixá-la de 50% ao ano para 10%. “A ideia é justamente essa: quem não conseguia demonstrar alinhamento com a convenção do crescimento não se mantinha no poder”, reforça Lima. Outro fator que colaborou para a mentalidade a favor do desenvolvimento foi o fortalecimento e a 21
PROFECIAS QUE SE CUMPREM No livro Do desenvolvimento renegado ao desafio sinocêntrico – Reflexões de Antonio Barros de Castro sobre o Brasil, Ana Célia Castro e Lavinia Barros de Castro, esposa e filha de Antonio Barros de Castro, analisam algumas das ideias do economista. Lavinia diz que no artigo “O Desenvolvimento Renegado”, de 1994, Castro faz três questionamentos. O primeiro é: como o Brasil conseguiu ter elevadas taxas de crescimento de forma ininterrupta durante 50 anos, de 1930 a 1980? Em segundo lugar: como, em relação a outras experiências latino-americanas, o país conseguiu ir além da fase fácil da substituição de importações (a da introdução de bens de consumo e bens de consumo duráveis)? E, por fim: qual o substituto histórico do empreendedor estatal? Lavinia diz que Castro trata o Brasil como um caso muito semelhante ao das economias asiáticas, onde foi feito um processo de catching up com grande participação do Estado. Isso acontece quando se tem um gap de desenvolvimento e, copiando-se técnicas mais avançadas, consegue-se dar um salto de desenvolvimento. É um processo que se caracteriza pela rapidez: em vez de se fazerem todas as etapas necessárias do processo, o país consegue dar saltos aproveitando as vantagens do atraso. Seria uma industrialização guiada pelo Estado, em que o catching up tem um papel fundamental. “Com isso Castro fez uma sinopse do crescimento rápido da economia brasileira começando com Vargas, nos anos 1930. E o que ele vai mostrando é que o Brasil parecia destinado a crescer.
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consolidação da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), criada em 1948. O Brasil teve papel decisivo para que a Cepal mantivesse sua autonomia. Na conferência da OEA realizada na cidade do México, em 1951, o Brasil liderou os países latino-americanos e impediu o encerramento dos trabalhos da Comissão. Com sua autonomia preservada, a Cepal teve um papel decisivo no processo de desenvolvimento do país. “Roberto Campos havia convidado em 1952 Celso Furtado para ser diretor do BNDE. Ele não pôde aceitar o convite porque Raúl Prebisch, presidente da Cepal, não concordou com sua liberação, mas permitiu que chefiasse o grupo misto BNDE-Cepal. Desta maneira, Furtado veio para dentro do BNDE com o objetivo de formar especialistas em desenvolvimento e gerar estratégias e projetos. O Plano de Metas executado durante o governo de Juscelino Kubitschek é uma confluência de pensamentos de Celso Furtado e Roberto Campos. Apesar das opiniões divergentes, havia diálogo”, insiste Lima.
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Arquivo pessoal
O FORMULADOR DO CONCEITO
Presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de outubro de 1992 a março de 1993, durante o governo de Itamar Franco, Antônio Barros de Castro ocupou outros cargos públicos e voltou ao banco como diretor de planejamento e assessor da presidência entre 2004 e 2010, nas gestões de Carlos Lessa, Demian Fiocca, Guido Mantega e Luciano Coutinho. Entre 1963 e 1973, ele trabalhou na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), no Chile. Na ocasião, formou, com Maria da Conceição Tavares e Carlos Lessa, o trio do pensamento cepalino no Brasil. Foi quando publicou, em parceria com Lessa, o seu primeiro livro: Introdução à Economia: Uma Abordagem Estruturalista (1967). Considerado uma referência na academia, o livro chegou a ser reeditado mais de 40 vezes. O brilhantismo de Castro foi eternizado em outras obras, tais como: “Sete Ensaios sobre a Economia Brasileira” e “A Economia Brasileira em Marcha Forçada”, esta última escrita em parceria com Francisco Eduardo Pires de Souza. Suas análises cobriam desde avaliações do II PND do período militar na economia brasileira até impactos das descobertas do pré-sal no futuro do Brasil, passando pelos anos 1980 e pela evolução na eficiência das empresas nos anos 1990. Antes de falecer, aos 73 anos, o economista estava debruçado, em seus últimos trabalhos, sobre a China, pois considerava que o desenvolvimento do país asiático alterara radicalmente a economia mundial e que o Brasil tinha de se reinventar para se manter competitivo. Seus estudos apontavam um Brasil estruturalmente diferente da China, da Índia e da Rússia, pois em função dos recursos naturais deveria perseguir, sem cessar, a rota de um estruturado plano de desenvolvimento sustentável.
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Como isso foi uma coisa construída, ele estabelece a hipótese da Convenção do Crescimento Rápido. E observa que todo mundo que tentou parar esse crescimento foi ejetado do poder, citando, como exemplo, tanto Roberto Campos, já nos anos 1960, quanto Mario Henrique Simonsen, nos anos 1970, no final do modelo”, diz Lavinia. A economista observa que, no artigo, Barros demonstra que, até o final dos anos 1970, há sucessivos programas orquestrados pelo Estado num modelo em que “colocar os preços errados” era fundamental, ou seja, conceder subsídios, mover incentivos fiscais e creditícios. Tudo isso foi usado por um Estado que é empreendedor, porque cria estatais; é financiador, porque financia o crescimento; é promotor de políticas, pois concede os incentivos; e é consumidor, porque usa o poder de compra por meio de compras públicas e, com isso, estimula a economia. “A Convenção do Crescimento tem uma ideia de profecia autocumprida que se dá porque, uma vez estabelecidas as metas e dadas todas as condições para que elas sejam cumpridas, o crescimento esperado não é mais freado por expectativas de curto prazo. O governo estabelece metas e todo mundo sabe que se se sincronizar com essas metas, vai dar certo porque o governo vai garantir que o crescimento ocorra usando os instrumentos que possui para isso. Entre 1950 e 1980 o Brasil crescia 7% ao ano. Barros diz que os avanços se davam ao sabor do projeto. Os projetos eram maiores do que as empresas”, diz Lavinia. Nesse sentido, o governo criava metas, muitas vezes ousadas, criava expectativa de futuro e, na medida em que todos adotavam essa expectativa de crescimento futuro, ele se autocumpria. “Isso é a Convenção do Crescimento: essa crença compartilhada de que o Brasil é um país fadado ao crescimento”, resume Lavinia. Junto a esta convenção surgiu outra, que é a Convenção da Estabilidade, também cunhada por Barros diante da constatação de que a inflação não era um problema grave, só não podia acelerar. Seria uma inflação percebida pelos agentes como estável e com regras de indexação que garantissem a retomada do poder de compra de forma periódica. Assim, em vez de o Brasil tentar eliminar a inflação, o país tentaria, num primeiro momento, estabilizá-la, o que 23
significa que não precisaria frear o crescimento para combater a inflação. “Essa convenção tinha um problema grave, pois, com isso, a inflação se perpetuou como inflação inercial. Em 1964, é criada a indexação com as Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN). O governo, na verdade, estabiliza a taxa da inflação e não a moeda. Ele não freia o crescimento por conta da inflação. Esse modelo funciona muito bem até os anos 1980, quando ocorrem três choques externos. O segundo choque do petróleo em 1979, o choque da elevação dos juros norte-americanos e a crise da dívida latino-americana. O Brasil entra numa espiral inflacionária”, recorda Lavinia. Com isso há a ruptura tanto da Convenção do Crescimento quanto da Convenção da Estabilidade. Pela primeira vez, o objetivo mais importante passa a ser combater a inflação. Fica evidente que o crescimento não é mais garantido e que a inflação é capaz de infringir enormes perdas para a economia brasileira. “O problema é que o Brasil não consegue mais ter nenhuma outra proposta que substitua essas duas convenções. Barros até brinca que parece haver uma convenção do antagonismo entre o público e o privado. Passa-se a questionar todo o modelo desenvolvimentista esquecendo-se que durante 50 anos ele funcionou muito bem”, diz Lavinia.
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ANOS DE ESTAGNAÇÃO Só a partir dos anos 1980, essa profecia anunciada, fatídica de ser cumprida, deixa de ser vaticinada e de ser perseguida como modelo, com a crise da dívida, cunhada como a crise de todas as crises, que marcaram o período de estagnação a partir dos anos 1980. Desde então, o crescimento passou a ser considerado nocivo por ter criado dívida externa e inflação. No plano global, surgem, nos Estados Unidos, Ronald Regan, e na Inglaterra, Margareth Thatcher, querendo ajustar todos os países. A inflação dispara e passa a ser o grande foco das economias. As trajetórias de desenvolvimento são deixadas de lado. Para Barros, o somatório das duas Convenções – do Crescimento e da Estabilidade – ajuda a explicar o sucesso do modelo brasileiro e porque conseguimos crescer por tanto tempo. Mas Lavinia diz que, na ocasião em que escreveu o artigo, o economista estava pessimista com o destino dado às estatais, que foram usadas para o endividamento em dólar, perdendo a eficiência, com tarifas contidas, funcionários desmotivados e o governo com dificuldade de se financiar, um quadro que marcou os anos 1980. Nos anos 1990, o BNDES foi usado para executar o programa de desestatização. Mais tarde, Barros faz outro artigo em que sinaliza que todas as reformas efetuadas na década têm como efeito que as empresas, para sobreviver no ambiente inflacionário, iniciaram uma série de reorganizações tomando por base as evoluções que ocorreram na produção das economias asiáticas rumo à produção enxuta. Elas mudam sua forma de gerenciamento para adotar práticas modernas, reduzir a quantidade de produtos, revolucionar gerencialmente as empresas, cortar gastos.
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Porém, não havia mais os grandes projetos e metas capitaneadas pelo Estado, à exceção do Projeto Carajás, na região amazônica. Se durante o período de 1950 a 1980 em função dos grandes projetos o Brasil conseguiu dar saltos num processo de catching up, no período seguinte isso não ocorreu. “O que caracteriza o período 1981-2003 não é a ausência total de crescimento. Há períodos de curto crescimento, ou ‘voos de galinha’ que não se sustentam. Em parte por questões de instabilidade macroeconômicas. Mas o problema é que se veem oportunidades mas não se consegue explorá-las na sua totalidade. O que ocorre hoje é que temos mais conhecimento, há um potencial latente de crescimento nas empresas e no tecido industrial brasileiro, mas esse potencial precisa ser alavancado”, recomenda Lavinia. “Barros afirma que o curto prazo passa a ser estratégico, pois estamos num momento de transição. Quem diz que é impossível que o Brasil cresça está olhando para o retrovisor. Precisamos deste curto prazo estratégico para redirecionar o país muito além de esquerda e direita, compreendendo que existe a China, que muda tudo e que a indústria brasileira tem um tecido microeconômico muito interessante. E que não é propondo uma volta ao passado das políticas simplesmente protecionistas, mas sim de se aproveitar e entender esses setores onde é possível dar saltos e virar o jogo”, completa.
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SAÍDAS PARA A CRISE Luiz Gonzaga Belluzzo, economista e professor da Unicamp, diz que sempre houve o embate entre forças progressistas e conservadoras, lembrando que na Revolução de 1930 havia um projeto de modernização que desalojou o arranjo oligárquico conservador. Nos anos seguintes, a ideia de modernização se consolidou no projeto de industrialização, que ganhou corpo nas políticas de Vargas, após as tentativas de golpes integralista e comunista. “Não acredito que havia exatamente esse projeto coletivo que o Barros afir-
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ma. Na verdade foi algo muito negociado e formou-se num bloco desenvolvimentista. Não vamos nos esquecer que já estávamos na segunda revolução industrial. Havia uma ênfase muito forte na economia nacional e na industrialização como instrumento do fortalecimento e consolidação da nação e isso foi feito com muita dificuldade e muitas alianças de classe. Não houve um domínio e uma superioridade absoluta das forças a favor da industrialização e do desenvolvimento”, afirma Belluzzo. Ele observa que anos 1980 a indústria ficou estagnada, num período em que estava ocorrendo a terceira revolução industrial com a automação. Nos anos 1990, começou-se a formar a concepção de que estava tudo errado com o modelo desenvolvimentista, a ponto de o economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e um dos formuladores do Plano Real, chegar a dizer que foram “40 anos de burrice”. No entanto, dos anos 1990 até hoje o país cresceu apenas 2,5 % em média. “Fizemos um experimento liberal que destruiu a indústria brasileira. Agora estamos destruindo a engenharia. Estamos nos especializando em desconstruir”, lamenta. Para Belluzzo, o arranjo que existia nos anos de crescimento, reunindo empresas estatais, setor privado e empresas estrangeiras, foi desarmado durante a década de 1990, com o argumento de que teríamos um crescimento mais saudável. Junto com isso, criou-se uma situação de desindustrialização e o capitalismo entrou numa fase rentista, que suscita o crescimento da dívida pública, pois para aprisionar internamente o capital monetário é preciso expandir a dívida. “O modelo que se propõe agora é a liberalização econômica unilateral, sob o argumento de que o importante não é a indústria e sim o serviço. Isso é uma tolice, porque o serviço não existe sem a indústria. Hoje, no mundo, a indústria não é um conjunto de fábricas e sim uma forma de produzir. Depois da Revolução Industrial, não tem mais três setores, a agricultura tem alto nível de automação. Com a manufatura 4.0, os países estão trazendo de volta suas fábricas”, argumenta Belluzo. Sua preocupação se baseia no fato de que a economia brasileira, que já foi a mais industrializada entre os países em desenvolvimento, perdeu posições. E não há forças sociais que empurrem a industrialização. Para ele é preciso recompor as empresas estatais, criar uma empresa de inovação e formar um grupo de planejamento junto ao presidente da república. “Tudo isso para escapar da confusão burocrática que é o Estado brasileiro hoje. Fazer com que o Estado coordene o desenvolvimento e continue promovendo a diminuição da desigualdade”, propõe Belluzzo. No livro A construção política do Brasil, Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda, economista e cientista político, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, analisou o país dividindo a relação do Estado-Sociedade em três ciclos. O 26
primeiro, Estado e Integração Territorial, ocorreu no Império, de 1822 a 1889. Depois, houve um período de transição da República até o segundo ciclo, que abrange o período de 1930 a 1980, que Bresser denomina de Nação e Desenvolvimento, quando se processa a revolução industrial e capitalista brasileira. Entre 1980 e 2014 há o terceiro ciclo, que ele chama de Democracia e Justiça Social. É quando o país tem o mais longo período de democracia e consegue reduzir as desigualdades. Esse período, no entanto, significou pouco avanço no crescimento econômico do país. Bresser destaca que as pessoas imaginavam que o desenvolvimento viria, como estava assegurado desde 1930. Mas ele parou em 1980 e não foi retomado nos anos 1990, apesar de se ter resolvido a crise da dívida externa e da hiperinflação. Quando chegam os anos 2010, no Governo Dilma, o Brasil volta a entrar em crise. Bresser diz que é preciso entender a transição democrática entre 1977 e 1985, que foi resultado de uma coalizão de classes. Os trabalhadores que defendiam a democracia conseguiram o apoio da burguesia industrial e houve uma grande união. O acordo permitiu a Constituição de 1988, que refletia as ideias de democracia e justiça social e a volta do desenvolvimentismo de Vargas e Juscelino. “Como o crescimento foi menor do que se imaginava nas últimas décadas, esse acordo foi se diluindo, porque para ele ser construído foi fundamental o apoio da alta classe média. Quando chega nos anos 2010, essa alta classe média ficou ressentida porque ficou apertada entre a melhoria dos padrões de vida dos mais pobres, iniciada com o Plano Real, e depois com as políticas sociais dos governos Fernando Henrique e Lula, e os ganhos financeiros dos muito ricos. A classe média ficou apertada e voltou-se para a direita, iniciando um movimento que desaguou na crise de 2013/2014”, diz Bresser, que critica as recentes medidas econômicas adotadas com objetivo de “reequilibrar” a economia brasileira. “Na verdade, o ajuste fundamental deveria ser feito no lado dos rentistas que têm uma participação significativa na renda nacional devido aos juros excessivamente altos”, defende. Bresser observa que o Brasil foi desenvolvimentista entre 1930 e 1980. Desde 1990 é um país liberal, modelo que começou com Collor, com a abertura comercial em 1990 e a abertura financeira em 1992. Em 1995, Fernando Henrique Cardoso extingue o conceito de empresa nacional e inicia a privatização de JULHO | AGOSTO 2017
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Andre Telles Valter Campanato - ABr Thais Sena Schetinno
VENCER AS DESIGUALDADES O economista lembra que há duas formas clássicas de se organizar o capitalismo: a liberal ou a desenvolvimentista. Ele aposta em outra via – o novo desenvolvimentismo, que, em suas palavras, como um dos formuladores dessa teoria, substitui o desenvolvimentismo clássico, ou estruturalismo latino-americano, que surgiu no final dos anos 1940 e teve como expoentes Raul Prebisch, Celson Furtado, Barros de Castro, Conceição Tavares. “Esse foi o modelo dominante no Brasil entre 1930 e 1980. Já o novo desenvolvimentismo agrega a macroeconomia e propõe a tese dos cinco preços macroeconômicos, que precisam ser certos e que o mercado não garante. O Estado, além de planejar o setor não competitivo, no plano macroeconômico tem uma política muito ativa. A grande contribuição dessa teoria é focar na taxa de câmbio e na conta corrente do país. Ela vai dizer uma coisa fundamental: nos países em desenvolvimento há uma tendência a uma sobreapreciação cíclica e crônica (de longo prazo) da taxa de câmbio. Quando se tem uma taxa de câmbio apreciada no longo prazo, o país perde competitividade, a taxa esperada de lucro cai, as empresas não investem e o país entra em semi-estagnação, como ocorreu com o Brasil, desde 1980, por um motivo, e desde 1990, por outro”, analisa Bresser.
“Quem diz que é impossível que o país cresça está olhando para o retrovisor ” Lavinia Barros de Castro
Telza Fiúza - Agência Brasil
monopólios públicos e, mais tarde, adota o tripé macroeconômico com taxa de juros multo alta, taxa de câmbio muito apreciada e a Responsabilidade Fiscal, que, em sua avaliação, é correta. A crítica de Bresser ao governo Lula é porque ele não mudou nada deste modelo. “A única coisa que Lula fez foi aproveitar a elevação do preço das commodities para aumentar o gasto social que o governo FHC já vinha aumentando. Quem tentou mudar o modelo foi a Dilma, quando fez a baixa forte dos juros, mas não fez o ajuste fiscal junto e um ano depois teve de voltar atrás”, lamenta Bresser. Ele explica que, além da crise política iniciada em 2013, o país passou a enfrentar a pior recessão dos últimos tempos, devido ao câmbio apreciado de longo prazo, que fez as empresas se endividarem. Em 2014 com a queda no preço das commodities, as empresas pararam de investir. “As causas da crise de longo prazo, ou seja, as armadilhas dos juros altos e do câmbio apreciado, foram também a causa da imensa recessão da qual estamos saindo muito devagar porque os juros continuam altos e o câmbio continua apreciado. Hoje o que está vigorando é uma coalizão de classes liberal, que envolve muito pouca gente. Mas é preciso que haja um acordo em prol do desenvolvimento. Ou há esse acordo ou não haverá saída”, defende Bresser.
“Fizemos um experimento liberal que destruiu a indústria brasileira. Agora estamos destruindo a engenharia. Estamos nos especializando em desconstruir” Luiz Gonzaga Belluzzo
“Hoje o que está vigorando é uma coalizão de classes liberal, que envolve muita pouca gente. Mas é preciso que haja um acordo em prol do desenvolvimento. Ou há esse acordo ou não haverá saída” Luiz Carlos Bresser-Pereira
“O Brasil não tem como fazer seu desafio histórico sem crescimento econômico. Sem um crescimento vigoroso, não vamos atender às necessidades básicas e chegar à igualdade das oportunidades e ao fim da exclusão social” Renato Janine Ribeiro
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o que fez com que a taxa de lucro, a partir de 2010, começasse a cair. O que há agora no Brasil é a coalizão de classes rentistas associada ao capital financeiro. O resultante disso é semiestagnação econômica, contínuo aumento das desigualdades sociais e conturbação social cada vez maior”, prevê Bresser. Também preocupado com o aumento da desigualdade no período recente, o filósofo e cientista político Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação e professor da USP, diz que não há outra saída para o país se desenvolver de forma plena a não ser gerar riqueza e vencer a exclusão social, dando condições de vida à sua população. Com o PIB atual isso não é possível. Ele cita o caso da Alemanha, onde 6% do PIB são destinados à educação, que é a média da OCDE. No Brasil é perto disso, só que, dependendo da fórmula de cálculo, 6% do PIB alemão representa uma cifra até 5,5 vezes maior do que 6% do PIB Brasileiro. “Para nós termos o equivalente, precisaríamos investir 20% do PIB na educação, o que é impossível. E não estou me referindo apenas à PEC dos gastos. É preciso que o PIB cresça e, para isso, tem de haver um crescimento econômico significativo e isso não tem ocorrido há algumas décadas. O Brasil O Brasil precisa de desenvolvimento não tem como fazer seu desafio histórico sem crescimento ecobanco de desenvolvimento KFW Marco Antonio Lima, da ABDE, acrenômico. Sem um crescimento é duas vezes maior que o BNDES dita que a crise brasileira atual deve levigoroso, não vamos atender às e possui 17 agências de fomento var a um consenso de que não podemos necessidades básicas e chegar estaduais, sem que isso signifique mais abrir mão de desenvolver o país. à igualdade das oportunidades prejuízo ao setor privado bancário “O Brasil está há quase quarenta anos e ao fim da exclusão social. Tealemão. praticamente tendo crescimento médio mos um país esquisito, porque “O Brasil precisa investir em inde 2%; para um país que cresceu 6,2% as políticas de inclusão social fraestrutura. O presidente francês em 50 anos, isso tem de ser pensado. É ficaram muito associadas às Emmanuel Macron tem uma proóbvio que, no momento atual, o desenesquerdas, esquecendo-se que posta liberal, mas o estaleiro francês volvimento terá de ser diferente. Mas é a igualdade de oportunidades é faliu e ele não permitiu que fosse necessário que haja desenvolvimento”, a política por definição do libevendido para os chineses. Isso não aconselha Lima. ralismo nos países europeus”, tem a ver com economia e sim com Para ele é preciso que se criem condidestaca Ribeiro. estratégia de nação. Desenvolvimenções para as empresas empreenderem, Ele reforça que, para haver to envolve estratégia, poder, economas o Estado também deve ser empreum crescimento, é preciso haver mia, emprego. Nesses últimos anos, endedor da melhor maneira possível, um fortalecimento da educação o Brasil aprendeu que o orçamento apoiando os projetos. Na década de 1950, e da ciência e tecnologia. Do fiscal é importante. Mas essa crise o Estado apoiou via participação acionáponto de vista da pesquisa cientambém aconteceu porque o país ria, agora pode apoiar via financiamento. tífica o país conseguiu avançar, não está crescendo, não está gerando Lima reconhece que a grande discusmas do ponto de vista da eduriquezas, não está gerando impostos, são está acirrada na sociedade entre os cação básica ainda está distante não está gerando trabalho e salário diferentes campos do pensamento ideodas nações desenvolvidas. “Agoque gera consumo. O desenvolvilógico, mas defende que o fato de o Estara, com as novas medidas, a cimento não é uma questão de ideodo participar da economia não significa ência e tecnologia estão correnlogia, é algo de que o Brasil necessita que o setor privado será prejudicado. do risco. Esse é um dos grandes desesperadamente”, defende. E cita o exemplo da Alemanha, onde o problemas”, alertou.
Para evitar isso, propõe Bresser, deve-se ter uma política cambial que vai exigir uma política de juros baixos. Além disso, essa política não pretende superar déficit em contas correntes, não quer capitais externos e considera que países em desenvolvimento não precisam de capitais externos. “Ou isso está certo e é uma revolução ou é uma ‘grande besteira que o Bresser inventou’. Venho trabalhando essas ideias desde 2001, a partir de um artigo no jornal Valor Econômico, e em livros como: Globalização e Competição e Macroeconomia Desenvolvimentista”, explica. Como desenvolvimentista, ele defende que, para adotar este tipo de modelo, é preciso um pacto político que una trabalhadores, classes médias e empresários produtivos, em oposição aos rentistas e financistas que administram suas riquezas. Ele diz que tem consciência das dificuldades de se promover um pacto nos dias atuais. “O Lula tentou fazer uma coalizão de classes dessas, mas fracassou, especialmente com a Dilma. Erraram tudo, pois inventaram o capitalismo sem lucro. Queriam que os empresários os apoiassem, mas mantiveram a taxa de câmbio brutalmente apreciada,
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