UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO MESTRE CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “LATU SENSU” EM MARKETING
MODA, MÍDIA E GLOBALIZAÇÃO Estudo de caso da difusão da moda na revista ELLE do Brasil e dos EUA POR ALEXANDRE NUNES
ORIENTADOR ANDRÉ GUSTAVO
RIO DE JANEIRO JANEIRO DE 2004
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO MESTRE CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “LATU SENSU” EM MARKETING
MODA, MÍDIA E GLOBALIZAÇÃO Estudo de caso da difusão da moda na revista ELLE do Brasil e dos EUA POR ALEXANDRE NUNES
ORIENTADOR ANDRÉ GUSTAVO
MONOGRAFIA APRESENTADA AO PROJETO A VEZ DO MESTE DA UNVIVERSIDADE CANDIDO MENDES, COMO REQUISITO OBRIGATÓRIO PARA A CONCLUSÃO DO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “LATU SENSU” EM MARKETING.
RIO DE JANEIRO JANEIRO DE 2004
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO MESTRE CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “LATU SENSU” EM MARKETING
MODA, MÍDIA E GLOBALIZAÇÃO Estudo de caso da difusão da moda na revista ELLE do Brasil e dos EUA POR ALEXANDRE NUNES
ORIENTADOR ANDRÉ GUSTAVO
AVALIAÇÃO:
AVALIADOR: ____________________________________________ ANDRÉ GUSTAVO
CONCEITO: ____________________
EM _____/_____/__________
RIO DE JANEIRO JANEIRO DE 2004
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho à memória dos meus entes queridos, que mesmo não estando fisicamente entre nós, estão sempre presentes no meu coração. Minha tia Lili, meu pai Francisco, minha mãe Geralda, meu avô Alfredo e minha tia Regina. Onde estiverem, meu muito obrigado!
AGRADECIMENTO
Gostaria de agradecer a todos os meus professores, em especial ao professor André Gustavo, pela grande ajuda e incentivo. Aos meus colegas de classe, que juntos, batalhamos ao longo de toda essa jornada. Ainda a minha mãe Celi pela grande força e paciência e é claro a Deus, por sempre estar presente em minha vida. Valeu!
RESUMO
Este trabalho tem como principal objetivo estabelecer uma relação entre os discursos das revistas de moda e o processo de globalização, analisando a mídia impressa como um veículo de construção de padrões de comportamento. Foram escolhidas duas versões da revista de moda ELLE, uma brasileira e outra americana, como principal suporte para a avaliação das imagens de comportamento apresentadas. A revista ELLE é produzida em vários países do mundo e fornece dicas de moda, beleza e comportamento e se estabelece não como mera difusora das chamadas tendências internacionais da moda, e sim sua própria produtora. Sobre este trabalho, para análise das estratégias enunciativas, foram utilizados os instrumentos da Semiologia dos Discursos Sociais e a noção de Contrato de leitura, buscando uma compreensão dos eventos comunicacionais em sua rede de significados.
ÍNDICE
Capítulo I – Introdução ............................................................................................... 08 Capítulo II – A semiologia dos discursos sociais ...................................................... 10 2.1 – A heterogeneidade discursiva ................................................................... 11 2.2 – A noção de Contrato de leitura ................................................................. 14 Capítulo III – A escalada industrial ......................................................................... 20 3.1 – A evolução industrial brasileira ............................................................... 20 3.2 – A evolução da indústria têxtil no Brasil .................................................. 23 3.3 – O aval internacional à indústria têxtil brasileira ....................................... 28 Capítulo IV – Aspectos sociológicos da moda ........................................................... 31 4.1 – A magia da aparência no Ocidente ........................................................... 31 4.2 – A estética da sedução ................................................................................ 33 4.3 – O consumo como satisfação do desejo ..................................................... 35 Capítulo V – Moda, mídia e globalização .................................................................. 39 5.1 – A moda como expressão de seu tempo ..................................................... 39 5.2 – O poder da mídia para a construção da imagem ....................................... 42 5.3 – A cultura e os mercados globalizados ....................................................... 45 Capítulo VI – As mudanças da moda na década de 90 ............................................ 50 6.1 – O fenômeno da espetacularização da moda .............................................. 51 6.2 – A guinada da moda brasileira ................................................................... 53 Capítulo VII – Análise das revistas ........................................................................... 56 Capítulo VIII – Conclusão .......................................................................................... 64 Capítulo IX – Bibliografia .......................................................................................... 67 Capítulo X – Anexos ................................................................................................... 69
I INTRODUÇÃO A palavra moda tem várias definições. Quem pensa que ela serve para designar apenas o que está ligado ao vestuário, se engana. A moda é um fenômeno extremamente amplo que se refere a tudo, desde objetos a comportamentos. Sob o ponto de vista histórico, a moda vem passando por variações e flutuações de aspecto, que provocam reações contraditórias entre aqueles que, de certa maneira, se inclinam a refletir sobre ela. O interessante nesse fenômeno é que todas as pessoas estão ligadas a ele de alguma forma. Mesmo aquelas que repudiam qualquer assunto correlato á moda, não conseguem fugir às suas determinações, seja no terreno da roupa ou de quaisquer outras manifestações sociais do homem. A moda é um comportamento psicossocial do ser humano, pois o vestuário diz muito sobre quem o usa. E, na medida que este se encontra no convívio social, a moda ganha importância no que se refere à aparência. Neste trabalho, será abordado à relação da moda com a mídia e com o atual processo de globalização que atinge a todos os países do mundo. Buscou-se perceber, através da análise comparativa entre as versões brasileira e americana da revista de moda ELLE, até que ponto o discurso da revista de moda está inserida no processo de globalização e como esse veículo constrói imagens não apenas das tendências internacionais da moda, mas também de padrões de comportamento e estilo de vida. Partindo do pressuposto que a moda é uma forma de propagar os processos de globalização, esse trabalho teve como principal objetivo analisar e refletir a relevância dos
processos comunicacionais da moda, e sua interação no contexto das relações sociais humanas. Existe no mundo uma diversidade de característica e expressões, onde são evidentes os aspectos étnicos, sociais, político e econômicos que influenciam a todos, criando misturas contraditórias na forma de interpretar os ditames da moda. A globalização toma conta do mundo em várias áreas e isso se estende a criação e produção do vestuário em todos os países em que ela é produzida. Analisar o processo de globalização em que a moda está inserida é importante para entendermos a atual situação dos processos de relacionamento dos indivíduos numa escala mundial. Sobre este trabalho, para análise das estratégias enunciativas, foram utilizados os instrumentos da Semiologia dos Discursos Sociais, a noção de Dialogismo, Polifonia e Contrato de leitura, buscando uma compreensão dos eventos comunicacionais em sua rede de significados. Como pressupostos, produziu-se de uma pesquisa sobre a moda, sua importância nas relações humanas, sua situação atual no mercado brasileiro, seu aspecto social e sua relação com a atualidade. Eles formam o contexto social em que podemos examinar os impactos da globalização sobre a forma de vestir dos indivíduos e sobre o crescente papel que a moda vem ganhando em todos os países do mundo. Ainda sobre a revista ELLE, é importante observar que esse veículo de comunicação trabalha com os símbolos que estão presentes em seus códigos visuais, expressando fortemente o bem simbólico característico do universo da moda que influencia o modo de vestir, comunicar e viver das pessoas, independentemente da sua faixa etária, social, cultural e de seu país de origem.
II A SEMIOLOGIA DOS DISCURSOS SOCIAIS
Podemos definir a análise do discurso como uma disciplina que vai além do estudo lingüístico de um texto ou da análise sociológica ou psicológica de seu contexto. Essa disciplina visa articular sua enunciação sobre um certo lugar social. Segundo Dominique Maingueneau1: “(...) a análise do discurso está na relação com os chamados gêneros de discurso trabalhados nos setores do espaço social (um restaurante, uma escola, uma loja, etc.) ou nos campos discursivos (política, científico, etc.”).
Uma vez que a análise do discurso está no entrelaçamento das ciências humanas, ela está aberta a diferentes óticas, desde a lingüística à psicologia. Essas diferenças ocorrem de acordo com as divergências e diálogos entre múltiplas correntes e seus diversos campos de atuação. Para Foulcault2: “Um discurso é um conjunto de enunciados que tem seus princípios de regularidade em uma mesma formação discursiva e a análise de uma formação discursiva consistirá, então, na descrição dos enunciados que a compõem”.
1
MAINGUENEAU, Dominique. Termos-chaves da Análise dos Discursos. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.pp. 13 – 14 2 BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à Análise do Discurso. Campinas: Editora UNICAMP,1998.p. 28
Então, se o processo discursivo produz sentido, o discurso passa a ser o lugar que nasce às significações. Essa noção vai construir então, a base das formulações teóricas da análise do discurso. No discurso, as relações entre os indivíduos dependem do que chamamos de “lugares”, ou seja, a representação que os indivíduos têm numa estrutura social. Esses “lugares” são representados por uma série de formações imaginárias que determinam o espaço que o emissor e o destinatário atribuem a si mesmo e ao outro, da imagem que eles fazem de seu próprio lugar e do lugar do outro numa determinada base de formação social. Dessa forma, em todo o processo do discurso, o emissor pode interpretar as representações do receptor, de acordo com sua percepção sobre o outro, fundando, assim, estratégias de discurso.
2.1 – A heterogeneidade discursiva
Um discurso não é homogêneo. Sobre esse ponto, Authier-Revuz3 introduziu uma distinção amplamente utilizada entre heterogeneidade mostrada (ou representada), que indica o grau de cultura do enunciador, e heterogeneidade constitutiva que depende do sentido que se forma no discurso. Uma das bases que Authier-Revuz recorre para explicar a maneira da heterogeneidade que se mostra no discurso é o dialogismo, baseado nas reflexões de lingüísta do russo Mikhail Bakhtin.
3
Ídem.pp. 50 - 51
Mikhail Bakhtin desenvolveu a teoria do discurso social e chamou suas características de polifonia, ou seja, o processo de comunicação não é somente baseado na estrutura do emissor e do receptor, mas sim, depende do discurso e do meio social e cultural em que estão inseridos. Bakhtin propôs ainda o termo dialogismo para compreender o discurso em interação com o “outro”, que é constitutiva do sujeito. Sendo assim, a relação entre o “eu”, só é possível pela existência do “outro”. O dialogismo pode ser compreendido como o processo interativo que articula as vozes de um discurso e produz o sentido. É um jogo das diferenças e das relações entre sujeito de um texto, entre enunciados, entre textos e entre textos e contextos. Todo texto se constrói através da relação com outros textos. O pesquisador cria uma interpretação ao analisar um discurso que, na realidade, é outro discurso produzido sobre outras condições e do qual é um componente intertextual. Dominique Maingueneau nos diz que: “o termo intertexto é freqüentemente empregado para designar um conjunto de textos ligados por relações intertextuais”.4 Maingueneau faz ainda uma distinção entre intertextualidade e intertexto: “o intertexto é o conjunto dos fragmentos citados num determinado corpus, enquanto que a intertextualidade é o sistema de regras implícitas que subentendem esse intertexto, o modo de citação que é julgado legítimo na formação discursiva da qual depende esse corpus. Assim a intertextualidade do discursivo científico não é a mesma do discurso teológico, uma e outra variam de uma época a uma outra”.5
4
MAINGUENEAU, Dominique. Termos-chaves da Análise dos Discursos. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.p. 88 5 Ídem.
O dialogismo explica a produção do sentido e este, é um termo proposto pela semiologia. Segundo Inésita Araújo6, “a semiologia propôs o termo sentido e pretende semantizá-lo com os atributos que percebe nos fenômenos sociais, seja a pluralidade, o dinamismo e a propriedade de se construir a cada situação comunicacional. Na perspectiva de sentido, o que realmente importa é o processo, não a estrutura”. Sobre o sujeito, é importante observar, que é a ação do sujeito que permite a manifestação do sentido nos textos e nos discursos; e quando se pensa em sujeito, temos logo a idéia de que é alguém que é responsável pelo discurso. Milton José Pinto7, afirma que: “Ao contrário do que estabelece o senso comum e algumas análises de discursos que tomam os textos ao pé da letra, não só não somos inteiramente responsáveis pelas representações que acreditamos fazer nos textos que produzimos, como também nem sequer somos os únicos responsáveis pelas representações que ali aparecem”.
O universo da linguagem é um mundo do ideológico e do poder; o ideológico é um conjunto de regras formais que geram sentido e se faz necessária em todos os discursos. Já a noção de poder em um discurso, segundo Elísio Verón8, não pode designar outra coisa senão os efeitos desse discurso no interior das relações sociais e esses efeitos só podem ter a fórmula de outra produção de sentido.
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ARAÚJO, Inésita. A Reconversão do Olhar. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2000.p. 120 PINTO, Milton José. Comunicação e Discurso: Introdução à Análise de Discursos. São Paulo: Hackes Editores, 1999.p. 27 – 28 8 VERÓN, Elisio. Ideologia, Estrutura e Comunicação. São Paulo: Editora Cultrix, 1970.p. 25 7
A análise do discurso depende também da idéia de que qualquer imagem, mesmo isolada de qualquer outro sistema semiológico, deve ser considerada discurso, sendo a contextualização, um ponto chave para a análise do discurso. Segundo Foucaut9: “A prática discursiva é um conjunto de regras anônimas e históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço que definiram, em uma dada época e para uma determinada área social, econômica, geológica ou lingüistica, as condições de exercícios da função enunciativa”.
Assim, as relações existentes entre os criadores de moda, os veículos de divulgação e seus consumidores manifestam as noções de ideologia e poder, que os produtores de moda exercem sobre a sociedade. Dessa forma, seria possível, através da análise do discurso, analisar as ideologias presentes no contexto comunicacional da moda sob a forma de roupas, produtos e elementos que geram sentidos e sensações em seu processo de aquisição. Os indivíduos, ao adquirirem tais produtos, estão absorvendo ideologia, estilo de vida e, até mesmo, sensações de elegância, refinamento e superioridade. Poderíamos, então, observar a noção de poder que o discurso da moda exerce nas relações e manifestações sociais, geralmente presentes no processo da interação dos indivíduos nas sociedades modernas.
2.2 – A noção de Contrato de leitura
9
ARAÚJO, Inésita. A Reconversão do Olhar. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2000.p. 105
O sentido é fruto de uma rede interativa de semiose formada por um conjunto de textos já dados na cultura e, por isso mesmo, muitas vezes o próprio emissor não tem consciência de todas as vozes por ele citadas. Ao produzir uma enunciação, o emissor sabe a quem está se dirigindo e, portanto, molda seu discurso para que ele se adapte ao receptor, levando em consideração a situação histórico-econômico-social desse público. Em sua totalidade, as manifestações de um conjunto de vozes explícitas ou das vozes do ambiente social (cultura, História, institucional, o senso comum em suas múltiplas formas) fogem ao domínio da consciência do sujeito empírico dos discursos. Muitas vezes, os discursos expressam valores contraditórios, pela heterogeneidade constitutiva dos sujeitos, derivados dos conflitos de classe social, etnia, gênero, visões de mundo em que estão imersos. Nesse processo de produção do discurso, que envolve o emissor e o receptor (também chamado de coemissor) há o dialogo com essas vozes para produzir um discurso singular, estabilizar a significação hegemônica. É o que Bakhtin chama de Dialogismo, conceito que explica a produção de sentido. Importante chamar atenção para o fato de o emissor e o receptor deixarem de ser entendidos apenas como elementos inicial e final do processo de comunicação para se tornarem sujeitos ativos desse processo. Eles fazem parte de um só contexto, são sujeitos e estão assujeitados aos discursos implícitos na sociedade. Partindo das contribuições de Bakhtin, Eliseo Verón contraria Benveniste no que diz respeito à mobilidade do discurso. Beneveniste acreditava que a enunciação variava sempre de acordo com a situação em que era empregada. Verón defende que o contrário também é possível: para ele, os meios de comunicação de massa tendem a cristalizar dispositivos de enunciação próprios aos diferentes tipos de discurso que por eles circulam.
A iniciativa parte do pressuposto de que tanto o enunciador quanto o destinatário estão presentes no discurso. São eles quem acaba por definir as modalidades do dizer. O próprio Bakhtin10 já atentava para a relevância da função do receptor na produção do discurso: “Essa orientação da palavra em função do interlocutor tem uma importância muito grande. Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela Constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro”.
O mecanismo pelo qual tal relação é posta em prática é denominada por Verón de “Contrato de leitura”. É ele o responsável pela empatia criada entre o veículo e o leitor, que resulta na fidelidade do público. A noção de contexto persiste, mas não sob a forma subjetiva do autor, suscetível a constantes mudanças. O contexto é uma variável constitutiva dos discursos, não apenas cenário para o processo de comunicação. No contexto, entrelaçam-se as dimensões existenciais, institucionais e situacionais que se constituem como sujeitos do discurso, como as componentes que “assujeitam” o locutor. Assim, para além de “representar” o mundo (os textos, os referentes), os discursos são construtores do mundo, são constitutivos da ação. Assim, Verón enfatiza que, durante a elaboração do discurso, entra em cena o contexto normativo, institucional. Por mais que o autor ministre o engendramento das vozes atuantes no discurso, sua ação é movida muito mais por regras operárias presentes na
10
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. P. 113
situação social do que pelas suas vontades individuais. A dependência do emissor em relação à sociedade é indissolúvel. Ela mesma se faz necessária para o próprio entendimento da mensagem por parte do receptor, já que esse se remete a enunciações já absorvidas em sua vivência para decodificar as mensagens que lhe são passadas. Verón escreve que os veículos devem seguir certos critérios para que a comunicação seja realizada satisfatoriamente11: “(...) articular corretamente as expectativas, as motivações, os interesses aos conteúdos do imaginário do alvo visado, fazer evoluir seu contrato de leitura de modo a ‘seguir’ a evolução sócio-cultural do leitorado completo preservando o vínculo”
Dentro de um jornal, cada autor (repórter, fotógrafo, diagramador, editor) está sujeito a regras que visam a juntar diferentes visões em uma personalidade única, identificável com o público-alvo da publicação. Esse contrato de leitura torna-se viável pela autoridade imposta nos manuais de redação, que devem ser seguidos à risca pelos profissionais da empresa. Cria-se, assim, o jornal como um sujeito semiótico, dotado de uma imagem facilmente reconhecida por seus leitores12: “O sujeito semiótico não é o simples objeto ou uma simples empresa, mas é uma organização capaz de formar, através do seu discurso, uma imagem definida do sujeito legitimado a representar certas posições e a construir o seu estilo de interpretar os fatos, a sua própria personalidade, através de manuais de regras que regem editores, jornalistas e repórteres. Isso faz com que o jornal crie com os leitores um vínculo sentimental”.
11
VERÓN, Eliseo. “Theorie de Lenonciotion et Discours Sociaux”. In.: Revue D’Etudes de Lettres. Lausanne, out – Dez/1986, pp. 117-125. Tradução de Paulo César Castro, texto em mimeo. 12 CASTRO, Paulo César. A dimensão não-verbal da enunciação jornalística: a reforma gráfica do jornal O Globo, Rio de janeiro, ECO/UFRJ, 1996, p. 80, dissertação de mestrado, mimeo.
O conceito de contrato de leitura torna-se, assim, fundamental para que se faça uma análise a enunciação. Através dele, não se levam em consideração somente as informações sobre os leitores, como o fariam os sociólogos. Muito menos a obra isoladamente, procedimento comum aos semiólogos tradicionais. Nesse caso, os dois saberes empíricos (leitores e textos) são concebidos como realidades separadas. Já pela análise proposta por Verón, o que está em questão é a própria relação estabelecida entre o suporte e o leitor. O processo do estudo baseia-se na teoria da enunciação, pois é pelo seu funcionamento, pelas modalidades do dizer o conteúdo e não pelo “dito”, que um discurso constrói uma certa imagem de quem fala (o enunciador), uma certa imagem deste para quem se fala (destinatário) e, por conseguinte, um vínculo entre estes “lugares”. E é através dessa interação que se define o contrato de leitura, pois, ao construir a imagem do destinatário, o locutor determina para si um lugar no discurso. Muitas vezes, porém, tal relação é camuflada, a ponto de dois veículos extremamente próximos do ponto de vista dos conteúdos que apresentam, que seguem contratos de leitura diferentes, passarem por semelhantes para o olhar de um leitor. Verón explica como definir tais contratos de leitura 13: “(...) o estudo do contrato de leitura dirige-se sobre todos os aspectos da construção de um suporte de imprensa, na medida em que eles constroem a relação com o leitor: Capa, relações texto/imagens, modo de classificação de material redacional, dispositivos de ‘apelo’ (título, subtítulos, chapéus etc...), modalidades de construção das imagens, tipos de ‘percursos’ propostos ao leitor (por exemplo: capa, índice e artigo) e as variações que
13
Ídem.
se produzem deles, modalidades de paginação e muitas outras dimensões que podem contribuir para definir o modo específico pelo qual o suporte constrói a relação”.
III A ESCALADA INDUSTRIAL
O desenvolvimento econômico brasileiro vem se destacando nos últimos anos pelo grande crescimento do setor industrial. Este setor é responsável pela criação de milhares de novos empregos por ano no país. É importante destacar, que a indústria têxtil brasileira foi responsável por boa parte do desenvolvimento industrial no Brasil. Desde o período colonial até a atualidade, a indústria têxtil nacional desempenhou um papel decisivo na modernização e desenvolvimento da economia brasileira. Este capítulo busca compreender a importância da indústria têxtil brasileira no contexto da evolução econômica do próprio país e sua relação de dependência com as chamadas tendências de moda que vem do exterior e que ainda, continuam alimentando os criadores de moda brasileiro que tem no tecido, a base para a confecção de seus produtos.
3.1 – A evolução industrial brasileira
A industrialização brasileira é relativamente recente. No século XIX o Brasil já possuía pequenas fábricas, no entanto, devemos lembrar que Portugal exercia rigoroso monopólio sobre as atividades econômicas da colônia, proibindo a existência de qualquer processo de industrialização. Isso começou a mudar, por ocasião da vinda da família real para o Brasil. A abertura dos portos às nações amigas, realizada em 1808, abriu condições para a industrialização, sendo criadas algumas indústrias têxteis e alimentícias.
Embora de forma desordenada, a expansão industrial ocorreu somente por volta de 1860 graças à ação do Barão de Mauá (Irineu Evangelista de Sousa) que liderou inúmeras iniciativas econômicas.14 Mas foi, a partir do século XX que o país começou a desenvolver mais rápida e amplamente as suas atividades industriais. Um Recenseamento Geral que ocorreu em 1920, informou que, nesse ano, existiam no Brasil 13.569 indústrias, empregando, aproximadamente, quase 300 mil operários. Nas décadas de 1920 e 1930, a maioria das fábricas do país concentravam-se nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, isto ocorreu, em parte, pela contribuição de milhares de imigrantes europeus que se estabeleceram nas regiões Sul e Sudeste do país, muitos deles, logo que aqui chegaram, começaram a realizar alguns empreendimentos industriais. Porém, a grande crise econômica mundial do início da década de 1930, ocasionada pelo crash da Bolsa de Nova Iorque em 1929, e a Segunda Guerra Mundial tiveram conseqüências decisivas para a industrialização brasileira. A economia internacional sofreu forte retração tornando as exportações brasileiras bastante reduzidas, a ponto de serem queimadas milhões de sacas de café. Além disso, o país passou a produzir internamente boa parte do que era, até então, importado. Assim a industrialização brasileira foi se desenvolvendo e pôde, substituir as importações por produtos produzidos aqui mesmo no Brasil, para atender a demanda interna do consumo de produtos industrializados. Outro fator decisivo para a consolidação da indústria no Brasil foi o interesse do Governo Federal no sentido de criar condições favoráveis à industrialização. Na década de 14
MONTEFUSCO, João Gabriel. Organização Social e Política do Brasil. São Paulo: Ed. Moderna, 1981. p. 105 Fonte: TEIXEIRA, Francisco. Organização Social e Política Brasileira. São Paulo: Editora Ática, 1982. p. 44
1940, o Presidente Getúlio Vargas decidiu estimular a implantação da indústria de base no país, especialmente à siderúrgica, a metalúrgica, a petroquímica e a produção de energia elétrica. Mas foi na década de 1950 que o crescimento industrial brasileiro tomou forma, gerando uma verdadeira revolução. O presidente Juscelino Kubitschek deu grande impulso à industrialização brasileira através do seu Programa de Metas, tendo contribuído, de forma significativa, para o crescimento da indústria automobilística no Brasil. Por volta de 1960, a indústria respondia por 30% da produção total da economia brasileira. Observe, no quadro abaixo, o crescimento industrial de quatro importantes setores: SETOR INDUSTRIAL
CRESCIMENTO ENTRE 1946 E 1955
Indústria alimentar
61%
Indústria têxtil
77%
Indústria metalúrgica
172%
Indústria química
608%
Fonte: TEIXEIRA, Francisco. Organização Social e Política Brasileira. São Paulo: Editora Ática, 1982. p. 44
Nos anos seguintes, Governo Federal continuou a favorecer política e financeiramente a expansão industrial, seja através de medidas internas adotadas nos planos oficiais, seja pelo estímulo decidido à entrada de capitais estrangeiros no país, através das chamadas empresas multinacionais, que se tornaram muito importante para o crescimento industrial brasileiro. Além disso, o governo está expandindo a industrialização para outras regiões do país, fora do eixo Sul e Sudeste, como Bahia, Pernambuco, Amazonas, etc.
A industrialização produziu uma transformação estrutural na economia brasileira. Atualmente, ela tem se tornada moderna, industrial, podendo mesmo ganhar condições de competir no mercado internacional, com produtos industrializados como, por exemplo, o setor de vestuário, calçado e artefatos de tecidos.
3.2 – A evolução da indústria têxtil no Brasil
O Brasil não escapou ao processo de evolução da indústria têxtil mundial ocorrida a partir da 1ª fase da Revolução Industrial, no século XVIII, tendo o setor, assumido um papel importante nas raízes de sua industrialização, passando por diversas etapas. Uma primeira etapa seria a tentativa de implantação industrial ainda no período colonial, no século XVII, passando pela época em que D. Maria I proibiu a produção de têxteis na colônia, mandando queimar todo maquinário existente e só permitindo a fabricação de têxteis para a confecção de roupas grosseiras destinados aos escravos ou a fabricação de sacarias para embalagens de produtos em geral, importando do Reino os têxteis destinados à fidalguia. Sua intenção era centralizar a economia na metrópole e não concorrer com a indústria têxtil da Inglaterra e da França, aliadas comerciais da coroa portuguesa. A segunda etapa é marcada pela chegada de D. João VI e sua corte, ao Brasil em 1808, em virtudes das conquistas napoleônicas. Este é o momento em que a indústria têxtil brasileira conheceu uma nova fase, uma vez que a abertura dos portos brasileiros as nações amigas reabriu as exportações e veio incentivar a produção de têxteis nacionais. Lamentavelmente, dois anos mais tarde, a assinatura de um tratado com a Inglaterra,
favoreceu plenamente os ingleses, que conseguiram no Brasil, um verdadeiro privilégio alfandegário: pagavam suas mercadorias com apenas 15%, ao passo que os demais países, inclusive Portugal, pagavam 16% ou mais. Foi durante essa etapa que o Brasil sofreu uma verdadeira invasão de têxteis ingleses, sendo essa política prejudicial para a nascente indústria têxtil brasileira. Uma das primeiras fábricas têxtil no Brasil data de 1814, em Vila Rica, atual Ouro Preto em Minas Gerais. No final do século XIX, mais precisamente em 1898, um imigrante alemão, funda em Brusque, Santa Catarina, a Buetter S/A – atualmente, uma das mais importantes fábricas especializadas em tecidos para a fabricação de produtos de cama, mesa e banho. No mesmo ritmo, em 1904, surge em Petrópolis a fábrica Werner, especializados em seda puros e tecidos nobres, para atender uma clientela mais exigente e sofisticada. Já, em 1908, foi fundada a Rio Guahiba, tradicional fiação e tecelagem de lã, em Porto Alegre. Numa terceira etapa, poderíamos dizer, que a eclosão da 1ª Guerra Mundial foi das mais benéficas para nossa indústria têxtil e, de uma maneira geral, para o parque manufatureiro. Fim da guerra, nossos antigos vendedores têxteis procuraram reconquistar os mercados aqui e em outras partes do mundo. Chegaram, para isso, ao extremo de vender seus têxteis com prejuízo, com o objetivo de esmagar a nossa indústria – técnica hoje bem conhecida e ainda em uso, denominada “dumping”. O Brasil reagiu com uma série de medidas de benefícios internos, por exemplo, o amparo à agricultura algodoeira, o transporte facilitado, etc., e externos, traduzidos em medidas protecionistas como a revisão de tarifas alfandegárias, a proibição de importação de máquinas têxteis, etc. Em 1919, a indústria têxtil já supria três quarto da demanda interna.15 15
BARROS, Ana Marta Rodrigues. O Fio da Meada, Estratégia de Expansão de Uma Indústria Têxtil. Rio de Janeiro: Editora Fundação Casa de Rui Barbosa, 1988. p.112
A quarta etapa tem início com a crise do café, em 1929; mais sofrimentos se abatem sobre a indústria têxtil brasileira, com sucessão de falências e redução de horas e dias de trabalho em todas as fábricas do Brasil. No auge da crise, com milhares de trabalhadores desempregados, é que o Governo Revolucionário, vitorioso em 1930, tomou severas medidas para evitar a entrada de máquinas têxteis no país e modificando as tarifas alfandegárias. Isso iria aquecer, novamente, a indústria têxtil nacional, embora em ritmo lento, porém contínuo. No final da década de 1920, instala-se no Brasil a Cia. Brasileira Rhodiaceta, mais conhecida como Rhodia, filial do grupo têxtil e químico francês Rhône-Poulenc, que foi a primeira indústria têxtil a produzir fibras sintéticas no Brasil – a fibra rayon, por acetato, foi uma das primeiras a serem produzidas pela Rhodia com a finalidade de substituir a seda. Também nos anos 20, o Moinho Santista, diversificava as suas atividades têxteis no país, adquirindo uma fábrica de tecidos de algodão em Tatuapé, em São Paulo. Já 1937, a Du Pont, associada a uma empresa inglesa, inicia suas atividades no Brasil, sob o nome de Indústrias Químicas Duperial. Foi a DuPont, que nos Estados Unidos, ainda na década de 1930, revolucionou o mundo têxtil criando o primeiro fio sintético, o nylon. Entre outros produtos, a DuPont produz a lycra, o fio elastano mais importante para a confecção de peças de vestuário para a moda praia e street wear. Numa quinta etapa, após a 2ª Guerra Mundial, o Brasil manteve-se como razoável exportador de têxteis tendo em vista que os países diretamente envolvidos no conflito tiveram seus parques industriais seriamente abalados. Tal situação durou pouco, pois estes parques industriais se recuperaram, com exceção do nosso, que em virtude de diversos
fatores, tais como a má qualidade da matéria-prima, administração deficiente, carência de mão-de-obra qualificada, bem como métodos e processos antiquados de produção, e paralelo principalmente com uma incipiente indústria de bens e capital, ficou inteiramente dependente do exterior. Este fato é marcante para o domínio das tendências européias sobre a indústria têxtil brasileira. Por falta de tradição industrial, toda a tecnologia das primeiras máquinas fabricadas no Brasil era copiada dos equipamentos importados. Entre as décadas de 50 e final de 60 graças a estímulos governamentais em prol da industrialização, o Brasil passou à fase de compra de tecnologia e de fabricação de equipamentos “sob licença”. Nessa época, as tecelagens Matarazzo, de São Paulo e a Bangú, do Rio de Janeiro, promovem o algodão como principal fibra têxtil nacional, uma vez, que se adapta bem ao clima quente do país. E finalmente, numa sexta etapa, a partir da década de 1970, consegue-se trazer para o Brasil uma tecnologia mais moderna para a produção de bens de capital no setor têxtil, produzindo-se então, máquinas para fiação, preparação à tecelagem, teares têxteis, beneficiamento de tecidos, equipamentos e acessórios para produção de fibras químicas, etc. Foi nessa época, que a indústria de confecção nacional ganha impulso no país, promovendo as fibras sintéticas em mais de 150% e o algodão em 80%.16 Passando por diversas etapas na produção de bens de consumo têxteis, até que se chegasse à produção de bens de capital, a indústria têxtil brasileira, representa hoje um poderoso instrumento captador de recursos e riquezas, tanto no interior, como nos centros urbanos, gerando empregos diretos, promovendo especialização profissional, contribuindo para as receitas federal e estadual, e contribuindo para o fortalecimento de outros segmentos econômicos. 16
BRANDÃO, Gil. A moda através dos tempos. Rio de Janeiro: Editora Três, Sem data.p.156
É imprescindível que se diga, que a década de 1990 foi crucial para a organização e o desenvolvimento do setor têxtil no Brasil. Isto ocorreu pelo amadurecimento e profissionalização da indústria têxtil nacional, a partir de iniciativas da ABIT (Associação Brasileira da Indústria Têxtil) que estruturou todo o mecanismo interno e propiciou o crescimento das exportações e reconhecimento do Brasil como um centro produtor têxtil de qualidade. Do início da década de 1990 para cá, foram investidos cerca de US$ Oito bilhões em modernização do parque industrial, em desenvolvimento e aquisição de tecnologia e em capacitação profissional.17 O ano 2000 consolidou de vez, a estrutura da cadeia têxtil brasileira. Atualmente, ela conta com mais de 30 mil empresas, emprega cerca de 1,4 milhão de pessoas em todo país, faturou em torno de US$ 22 bilhões, chegando a US$ 1.222.071,00 em exportações, crescendo 21% em relação ao ano de 1999. A meta do setor é elevar as exportações para US$ 4,3 bilhões até 2005, retomando 1% do comércio mundial de têxteis. Segundo o Ministério do Trabalho, foram criados no ano 2000, 52.745 novos postos de trabalho e em dois anos, outros 200 mil novos empregos devem ser criados de olho nas exportações.18 Hoje, segundo Paulo Skaf, presidente da ABIT19: “A área têxtil é um dos empregadores número um de toda a cadeia industrial do país. Já ultrapassou setores tradicionais como a indústria metalúrgica, química, calçadista e até a automobilística do Brasil. Só é preciso, agora, uma maior independência do processo criativo de produção de moda por parte dos estilistas brasileiros”.
17
PERIÓDICO: Costura Perfeita. Editora Cavemac. São Paulo: Ano II – n.º 7 – Março de 2001.pp. 31 – 33 Idem p. 32 19 Coletiva para imprensa no evento São Paulo Fashion Week. São Paulo, 2001. 18
3.3 – O aval internacional à indústria têxtil brasileira
A título de registro, as idéias aqui descritas, tem como base às informações contidas no livro do sociólogo brasileiro José Carlos Durant, no seu livro Moda, Luxo e Economia, no capítulo referente à moda brasileira.20 Os tecidos brasileiros, como o algodão e os fios sintéticos, necessitaram de uma assessoria de moda vinda do exterior, principalmente da França, para serem aceitos no mercado nacional, uma vez, que eram considerados inferiores aos importados. Segundo a pesquisadora de moda Silvana Gontijo21 em seu livro 80 Anos de Moda no Brasil: “O algodão era considerado tecido de segunda categoria, só usado para trajes de banho de mar e para as roupas das classes mais pobres. Diziam que Rui Barbosa não foi eleito presidente da República porque prometeu uniformizar os funcionários públicos com sarja de algodão azulão, e isto era considerado uma ofensa”. O tecidos feitos de algodão eram os que mereciam maior atenção por ser a principal fibra produzida no Brasil. Foram convidados então, os principais estilistas da alta costura francesa e depois italiana, para produzirem coleções com tecidos fabricados no Brasil, afim de apresenta-los para a alta sociedade carioca e paulista. A tecelagem Bangú, no Rio de Janeiro, fez contratos com os estilistas franceses Jacques Fath e Hubert de Givenchy. Já a tecelagem Matarazzo, de São Paulo, buscou parceria com as maisons Christian Dior, Jeanne Lanvin e Jean Patou, ambas francesas. Muitos desses estilistas traziam para os seus desfiles apresentados no Brasil, suas manequins que fascinavam as mulheres brasileiras. Há um registro na revista Manchete, de 20 21
DURANT, José Carlos. Moda, Luxo e Economia. São Paulo: Editora Babel Cultural, 1988. pp. 74 – 80 GONTIJO, Silvana. 80 Anos de Moda no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1987. p. 31
uma foto do dono da fábrica de tecidos Bangú na escadaria da maison Givenchy, em Paris, junto com uma modelo francesa que estava vestida com tecidos de sua fábrica. Outro fato inusitado ocorreu com o jornalista Assis Chateaubriand ao entrar numa festa promovida pela Bangú, em um castelo da França, montado num cavalo junto com a estilista italiana Elza Schiaparelli. Eram formas muito criativas de promoção dos tecidos brasileiros. Na década de 1960, a indústria de confecção teve enorme progresso no Brasil graças ao surgimento das feiras industriais de moda, mais precisamente, a FENIT (Feira Nacional da Indústria Têxtil), organizada anualmente em São Paulo desde 1958. Através da FENIT, começaram os primeiros contratos de licença para venda de produtos de estilistas estrangeiros no Brasil: Christian Dior, Yves Saint Laurent, Pierre Cardin, Pierre Bailman, Guy Laroche, entre outros. Outro fator importante para o desenvolvimento das indústrias de confecção brasileira, foi o surgimento do prêt-à-porter nacional com base no consumo das fibras sintéticas no país. O nylon e o poliéster foram logo absorvidos pelo mercado interno, passando de 2 a 17% do consumo total de fios no Brasil, entre 1958 e 1975. Esse aumento de consumo fez com que os industriais têxteis brasileiros, não se preocupassem com promoção a fim de vender os seus produtos. Isso, logo fez com que a moda brasileira ficasse em desvantagem com as etiquetas estrangeiras, que se apressaram em divulgar as suas marcas no Brasil. Essa situação começou a mudar a partir da década de 1980. O setor de fios e tecidos cresceu tanto dentro da FENIT que em 1980 foi criada a FENATEC (Feira Nacional de Tecelagem); atualmente chamada de Feira Internacional de Tecelagem, a FENATEC se tornou o principal palco para que as indústrias têxteis, de fiação, de malharia e cama, mesa e banho, divulgassem seus produtos e estabelecessem o calendário oficial do segmento para
o lançamento de suas coleções. Em 1991, a estilista inglesa Viviane Westwood visita a feira dando importância ao tecido brasileiro. O final da década de 1990 é marcado pela parceria da indústria têxtil nos grandes eventos de lançamentos de coleções dos estilistas brasileiros. A AMNI, marca exclusiva da Rhodia Poliamida América do Sul, incentiva os criadores de moda no Brasil, através dos desfiles do Morumbi Fashion Brasil. Este evento marca o calendário oficial de lançamentos da moda brasileira e é atualmente chamado de São Paulo Fashion Week. Em uma das suas edições, a AMNI traz para o Brasil Isabella Blow, editora de moda do jornal inglês Sunday Times. Essa parceria se firmaria, a partir das edições seguintes, com o apoio institucional da ABIT ao evento. Logo, outros jornalistas internacionais de moda são convidados para prestigiarem o evento. Atualmente, o setor têxtil vem apoiando os estilistas brasileiros através de uma eficaz ação de marketing ou em forma de patrocínio, para verem seus artigos têxteis sendo desfilados em forma de roupas assinadas por alguns dos melhores estilistas da moda nacional. Essa parceria, além de ser uma forma de divulgar seus novos produtos, ajudam a diminuir a preferência dos estilistas brasileiros pelos tecidos importados. Muitos desses criadores tem tido a oportunidade de mostrar suas coleções no exterior, contribuindo assim, para que as tecelagens brasileiras cheguem até o mercado internacional, aumentando suas exportações. Tendo em vista toda essa análise do desenvolvimento da indústria têxtil brasileira, descobrindo todo o seu potencial, crescimento e estimulo a importação, cabe fazer uma reflexão sobre uma maior autonomia dos criadores de moda nacional frente às tendências de moda estrangeira. É indiscutível que o Brasil é, em termos de indústria, suficientemente autônomo o bastante para se consolidar como um produtor internacional de moda.
IV ASPECTOS SOCIOLÓGICOS DA MODA 4.1 – A magia da aparência no Ocidente
O fenômeno da moda não pertence a todas as épocas e a todas as civilizações. Seu início está ligado ao nascimento e desenvolvimento do mundo moderno ocidental, pois, só a partir das relações econômicas e sociais ocorridas nas sociedades modernas é que se testemunhou o desenvolvimento técnico e cultural do vestuário. A moda no Ocidente é caracterizada por oscilações mais ou menos fantasiosas e uma breve temporalidade, mas não está ligada a um objeto determinado, nem tem conteúdo próprio. Ela é um mecanismo social, uma forma específica de mudança, que pode afetar diversas classes sociais. O lado temporal da moda deve ser associado ao rompimento com os valores tradicionais e com o conservadorismo do passado. O tempo presente é sempre a preocupação da moda e essa noção de tempo é uma constante nas relações sociais no mundo Ocidental. Através da aparência e do sentido de gosto, a moda desperta a arte de observar e interpretar os indivíduos e de representar suas relações de comportamento, favorecendo assim, uma visão crítica dos costumes de seu tempo. Os seres humanos, tendem a se preocupar com a aparência porque são ativistas de seu próprio tempo, dando à moda um lugar de destaque no contexto de suas vidas.
A moda tem uma ligação com o prazer de ver e de ser visto, de exibir ao olhar do outro. Uma forma de narcisismo, encorajando as pessoas a procurar a elegância, a beleza e a originalidade. A moda então, sempre foi um instrumento de valorização da vaidade humana. O vestuário e todos os objetos que designam um sistema de moda mudam em função das referências e preferências de seus usuários. Simbolizam a personalidade, um estado de espírito ou um sentimento de pertencimento a uma determinada camada ou função social. O lado social da moda está ligado a noção de socialização, ou seja, a idéia de que os indivíduos se comunicam através da aparência designando que pertence a um determinado grupo social. O valor do vestuário e do universo da moda ganha destaque no mundo ocidental, uma vez que se torna inevitável para os indivíduos, o processo de se vestir e de expressar através da roupa. Segundo a escritora Alison Lurie22: “Quanto mais significativo para um indivíduo for um papel social, mais ele se vestirá para cumpri-lo”.
Alison imprime, ainda, a idéia de que antes mesmo dos indivíduos serem capazes de se comunicarem através da fala, as pessoas já exprimem suas representações visuais através da moda, seja pela escolha das roupas do bebê feito pela mãe, seja pela casualidade do traje de uma criança que, invariavelmente, já pertence a uma esfera ou camada social.23
22 23
LURIE, Alison. A Linguagem das Roupas. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1997.p. 31 Idem.p. 19
A noção de que a moda é uma forma de comunicação, imprime à ela a idéia de um sistema de códigos e de costumes muito definidos. Os meios de comunicação criaram a difusão da roupa e do estilo de viver dos ocidentais, mais especificamente do europeu, bem sucedido e que transformou o mundo através das conseqüências naturais do processo de desenvolvimento oriundos da Revolução Industrial. Françoise Vicent-Richard24 afirma que: “Os meios de comunicação criaram um modelo cultural muito homogêneo, que se difundiu por todo o mundo. Por meio deles, são definidas normas universais de comportamento que se refletem no consumo disseminado do lazer, das roupas e da comida”.
As gerações a seguir do pós-guerra mergulharam cada vez mais num desejo de imagens constituídas e produzidas em séries, difundindo assim, por meio dos veículos de comunicação, a idéia de uma moda universal, representando os ideais de sucesso, beleza e elegância dos países ricos do Ocidente. Um estilo de vida globalizado, rico em tecnologia e acessibilidade aos novos meios de comunicação, inclusive o da moda. Portanto, é necessário, desse modo, uma imagem que conduza a tal grau de desenvolvimento e refinamento.
4.2 – A estética da sedução
24
VICENT-RICARD, Françoise. As Espirais da Moda. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1989.p. 219
A moda marca uma ruptura radical com o tempo. Ela é atrativa e tende ao prazer de agradar, de ofuscar e surpreender, traduzindo a busca constante de felicidade e de um ideal de vida. A imagem da feminilidade, por exemplo, está ligada a exigência de artifício e a uma estratégia de sedução pelos signos estéticos. O culto a beleza contribui para legitimar o gosto pela moda e seus produtos. A estética da sedução modificou a estrutura do vestuário no decorrer dos séculos, marcando o processo de transformação e modificação da moda. O desejo do usuário por um tipo de vestuário está associado ao seu desejo de revelar ou omitir os seus atrativos físicos e psicológicos. Uma forma de se sentir aceito ou não pelo grupo ou pela esfera social a que pertença. A moda então, necessita de variações para atender a esses diferentes gostos e padrões estéticos. Apesar de democratizada, a moda passa a atenuar signos de posição social criando pontos de referências que valorizam determinados atributos pessoais como magreza, juventude, sofisticação, etc. Airton Embacher25 diz que: “A moda é essencial para o mundo moderno, faz parte da trama que liga o nosso organismo cultural. Se for possível pensá-la como algo coercitivo, que nega a própria individualidade, uma vez que é movida pela imitação, é também possível pensá-la como capaz de expressar o individual. Entretanto, essa expressão do individual também tem seu lado coercitivo. É, muitas vezes, apenas a reposição de uma identidade pressuposta, pré-
25
EMBACHER, Airton. Moda e Identidade: A Construção de um Estilo Próprio. São Paulo: Editora Anhembi Morumbi, 1999.p. 16
determinada, um ser feito pelo outro, uma mesmice, que nega a totalidade que o indivíduo acredita ser”.
Os vários padrões estéticos que contribuíram para a modificação do vestuário ao longo dos anos, criaram ainda um novo ideal estético de beleza: o indivíduo elegante, bem sucedido, uma figura sedutora e, em alguns casos, sofisticada. Nesse contexto, justifica-se o culto das mulheres atuais pela magreza, como forma de padrão físico e estético do momento. Nessa linha de pensamento, justifica-se a influência atual que as ditas, top models, têm no universo feminino, vendendo produtos e estipulando um novo padrão de beleza, veiculado, sobre tudo, pelos meios de comunicação. A sedução passou a ter uma maior autonomia, fazendo da moda, nas sociedades contemporâneas, um fenômeno estético e psicológico. No ato do consumo, os indivíduos atingem uma sensação de bem estar, um estado de espírito que gera a sensação de poder, de modificar a si mesmo, de virar uma nova pessoa, mudando apenas o seu visual. Nessa mudança, não há nenhum desejo de ostentação, mas sim, o de prazer em se metamorfosear e se transformar.
4.3 – O consumo como satisfação do desejo
A moda também tem seu aspecto psicológico. Ela é um mecanismo de indução dos sentidos. Uma forma de busca incessante de prazer e de merecimento. É como se nas sociedades contemporâneas o consumo não seja puramente um ato de aquisição de bens,
mas um atributo da capacidade do indivíduo de expressar que pertence a um determinado posto social. Muitas das vezes, a preocupação é puramente pessoal e intransferível, nada tendo haver com o meio, mas sim, com a vontade de satisfazer o seu ego. O aspecto psicológico dos indivíduos tange a construção de sua própria personalidade, o que, para Sigmund Freud26, o pai da psicanálise moderna: “A vida psíquica dos seres humanos é entendida não apenas pelo seu universo de consciência, mas também, pela sua dimensão oculta, o que ela chama de inconsciente”.
Freud afirma que sempre há uma tensão entre o homem e seu meio e que a razão nem sempre é quem governa as ações, mas sim os “impulsos irracionais”, muitas vezes, trazendo à tona necessidades e instintos que estavam enraizados no ser humano. Segundo o Dicionário Enciclopédico de Psicanálise, podemos encontrar a seguinte explicação para o inconsciente27: “O inconsciente não conhece nem mesmo o tempo (as diferenças / passado, presente e futuro estão abolidas), nem a contradição, nem a exclusão induzida pela negação, nem a alternativa, nem a dúvida, nem a incerteza, nem a diferença entre sexos. Substitui a realidade externa pela realidade psíquica. Obedece a regras próprias.”
Para Freud, o processo que leva ao inconsciente é o dos sonhos. Para ele, por meio dos sonhos, o inconsciente tenta se comunicar com nosso consciente através da realização
26 KOUFMAN, Pierre. Dicionário Enciclopédico de Psicanálise: O Legado de Freud e Lacan. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1996.p. 265 27 Idem
de desejos. Desse modo, as sociedades contemporâneas, têm no consumo a idéia de realização desses sonhos para se obter a noção de satisfação e felicidade. Nas sociedades atuais, os objetos ganham uma dimensão de valor maior a do que seu próprio valor enquanto produtos. Um valor prazeroso que contribui bastante para o sentido de consumo. Isso contribui para que a moda seja um objeto de desejo e realizações pessoais. Faith Popcorn28 nos diz que: “Numa cultura de consumo, ou seja, numa cultura que oferece opções que vai além do básico para a sobrevivência, o estímulo nunca foi a necessidade, mas o desejo. Fazer a motivação virar desejo e depois merecimento é um transformador cultural recente e poderoso.”
Estimular o consumo através do desejo e da satisfação dos consumidores, passa pelo processo de renovação constante da imagem e da forma dos produtos. Essa constante transformação é nítida no universo da moda. A novidade é sempre uma necessidade. O estímulo passa pela idéia do novo, mesmo que a função do produto seja velha. Dessa forma, a lei de sedução e desejo está diretamente ligada a renovação dos objetos e a sua variação e estilização de modelos. A economia de consumo se baseia na sedução da compra e no desuso acelerado, para que nova compra seja feita. Na opinião dos consumidores o novo é, por natureza, superior ao antigo. E é essa noção do novo, que domina todo o universo da economia de moda.
28
FAITH, Popcorn. O Relatório Popcorn: Centenas de Idéias de Novos Produtos, Empreendimentos e Novos Mercados. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1994.p. 35
A sedução então, aparece no campo da renovação, da mudança e da diferença. Esse processo necessita, em última instância, de uma constante capacidade de criação artística, enquanto design e, ao mesmo tempo, de um desenvolvido processo técnico na produção de objetos. Ao mesmo tempo em que o consumo passa pela idéia do desejo como forma de satisfação pessoal, esse, por sua vez, necessita de um constante processo de renovação que permita um sistema de variações e modificações de seus produtos. O design então desses produtos, busca um aperfeiçoamento estético e industrial para atender as necessidades desse sistema complexo de consumo. Segundo Gilles Lipovetsky29: “O valor estético é parte inerente da função.”
O design na moda, então, é parte inerente do processo de transformação e de aquisição de produtos em desejo e satisfação, gerando, nos indivíduos, a sensação de pertencerem a um mundo de sonho, felicidade e de progresso.
29
LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Efêmero: A Moda e seu Destino nas Sociedades Modernas. São Paulo: Editora Cia. das Letras, 1989.p. 167
V MODA, MÍDIA E GLOBALIZAÇÃO
5.1 – A moda como expressão de seu tempo
A moda sempre esteve presente em toda a história da humanidade, seja pela forma de vestuário e ornamentos, ou seja, por signos e códigos de conduta social. Foi através da moda que o homem manifestou, desde o início, suas necessidades primordiais, como cobrir o corpo para proteção do frio ou ainda ornamenta-lo para se diferenciar dos demais. Desta forma, o vestuário é um importante elemento do sistema da moda, e sua utilização está diretamente ligada as questões econômicas, políticas e sócioculturais. Segundo o sociólogo José Carlos Durant30: “Raros são os grupos humanos que jamais conheceram alguma forma de tecelagem ou de uso de peles de animais. Mas, mesmo entre eles, houve o que poderia chamar de um sistema de vestuário, em que tintas, conchas, penas e outros objetos compuseram algum dia ou compõem ainda códigos com funções semelhantes. De modo geral, a roupa sempre fez parte da cultura humana”.
O sistema da moda pode ser compreendido a partir da análise de duas áreas específicas, quase sempre presentes em todas as relações humanas: uma é a área industrial e a outra e a área social. 30
DURANT, José Carlos. Moda, Luxo e Economia. São Paulo: Editora Babel Cultural, 1988.p. 13
Ao analisarmos a moda a partir de uma reflexão industrial, estamos tratando de sua dimensão enquanto produto, ou seja, do vestuário enquanto roupas, acessórios e objetos de uso pessoal. Nesse contexto, a moda é uma técnica desenvolvida para atender as necessidades básicas dos indivíduos em se tratando de cobrir o corpo. É necessário um grau de desenvolvimento tecnológico e específico que possibilite a transformação de matériaprima em peças de vestuário e acessórios de uso em geral. Essa atividade industrial é resultado de um processo de produção do homem que se desenvolveu ao longo de milhares de anos, desde a Pré-história até os dias atuais. Outro fato importante que se seguiu a esse processo de produção foi o de comercialização. Naturalmente, era preciso um sistema comercial eficiente para se possibilitar o escoamento da produção industrial e abastecer as mais variadas necessidades dos indivíduos. Embora o vestuário seja resultado do grau tecnológico e econômico de um país, com a finalidade de lucro, suas diversas formas e modelos, enquanto design, nem sempre se originaram dentro de uma lógica própria de código vestimentar interno de um lugar. É preciso observar que mesmo nas diferentes partes do mundo onde cada cultura manifesta sua forma de vestir, a roupa ocidental ou, mais especificamente, a roupa européia, dominou boa parte do planeta. José Carlos Durant31, afirma que: “Um século atrás já seria possível notar um sistema de vestuário infiltrando-se e imponto-se aos demais. Era a roupa européia, ou mais precisamente, os trajes das classes dominantes da Europa, responsáveis pela colonização de boa parte do mundo, processo que naquele momento ganhava especial impulso. Ora tomando o lugar dos vestuários
31
Idem.p. 14
locais, ora incorporando elementos de seus repertórios, a roupa européia alastrou-se rapidamente pelo planeta”.
Paralelo a questão industrial/comercial, a moda reflete as mudanças de comportamento de uma sociedade. Dessa forma, é necessário analisarmos a moda a partir de uma reflexão social. Segundo a escritora Ruth Joffily32: “A moda é um fenômeno social e cultural, cabe a ela refletir o gosto de uma época, de uma década ou, melhor dizendo, de um determinado período histórico”.
Se a roupa é o elemento físico que representa a moda, esta por sua vez, necessita de um processo sócio-culutral para que seja possível a sua própria existência. Em outras palavras, as relações dos indivíduos no contexto de uma sociedade é que serve de combustível para que o mecanismo da moda funcione, possibilitando assim, sua constante renovação e transformação. Mas essa idéia não pode ser pensada como uma corrente de mão única. Na verdade a moda não é necessariamente passiva e submissa as mudanças de comportamentos de uma determinada sociedade. Muitas vezes ela é o agente responsável por essa própria mudança. Assim, os critérios que determinam a formação do gosto, no contexto de uma sociedade é definida pelo próprio sistema da moda, seja por meio de formas de vestir que servem de padrão estético e de beleza, seja pela aceitação de estilos e tendências construídos propositadamente pelos produtores de moda para servirem de consumo.
32
JOFFILY, Ruth. O Brasil Tem Estilo? Rio de Janeiro: Editora Senac Nacional, 1999.p. 28
Esse lado dominante da moda, muitas das vezes, é fruto de um cuidadoso processo de investimentos para se induzir e possibilitar o consumo. Um estímulo produzido por uma poderosa estrutura de marketing presente em quase todas as estruturas que produzem moda. Numa sociedade de consumo, onde os padrões de gosto muitas vezes passam a ser estimulados e induzidos pela mídia, a moda ganha uma fenomenal importância no âmbito das relações sociais enquanto códigos e signos visuais. Outro fator importante é a propagação de valores importados de outras sociedades. Sobre isso, Durant33 afirma que: “Paralelamente à difusão da indumentária européia pelo mundo, foi-se tornando mais rápida a transformação dos padrões de gosto. As novidades dos ateliês de Paris ou outros centros mundiais de bom gosto começaram a chegar cada vez mais rápido a toda parte e a todas as classes sociais”.
A variação e o grau de influência da moda sobre a sociedade variam de acordo com o estímulo dado a ela e sua capacidade de interação a esse processo. Tudo isso sugere que a moda é fruto de um conjunto de fatores que possibilita os indivíduos se expressarem e se comunicarem de forma individual ou coletiva. Deste modo, falar sobre moda e seu desenvolvimento é refletir sobre sua situação dentro de um processo cultural, social e industrial no mundo contemporâneo.
5.2 – O poder da mídia para a construção da imagem
33
DURANT, José Carlos. Moda, Luxo e Economia. São Paulo: Editora Babel Cultural, 1988.p. 14
Uma das áreas que tem se tornado importante nas sociedades contemporâneas é a mídia, um poderoso instrumento propagador de idéias e formador de opinião. Os veículos de comunicação ganham importância no que se refere à mídia. Ela, além de estar inserida nos sistemas comunicacionais, está diretamente ligada aos meios de comunicação enquanto propaganda. O termo mídia pode ser entendido como o canal que a propaganda se utiliza para encaminhar a mensagem publicitária ao mercado-alvo. Num sentido mais amplo, mídia é o estudo, a análise e a interpretação dos veículos de comunicação como instrumento de expressão publicitária. Deste modo, ela se faz necessária para construir a imagem desejada de um determinado produto ou idéia. A mídia se divide em duas partes: mídia impressa, composta de jornais, revistas, outdoors, cartazes, etc., e mídia eletrônica, representados pelo rádio, cinema, televisão e Internet. Em relação à moda, o meio impresso é o mais utilizado para se divulgar seus produtos. Neste caso, as revistas, também chamadas de periódicos, ganham relevância por serem eficazes e de forte alcance de público. Segundo Dario Caldas34: “Na moda a mídia é o primeiro poder, tal a força institucional e a capacidade de determinar tendências dos grandes meios de comunicação (...)”.
Os periódicos especializados em moda são revistas amplas, com lindas imagens, feita em bom papel e com excelentes recursos gráficos. É direcionada para um público
34
CALDAS, Dario. Universo da Moda: Curso On Line. São Paulo: Editora Anhembi Morumbi, 1999.p. 51
específico, servindo de veículo de informação à sociedade. Abordam ainda, moda, beleza, comportamento, política, economia, etc. As revistas especializadas em moda, como todo o veículo de comunicação, têm o objetivo de atingir um determinado público no interior de uma sociedade. A jornalista Ruth Jofilly35, nos diz que: “Todo veículo de comunicação trabalha com uma imagem determinada do público que pretende atingir e sua linha editorial é feita a partir da resposta obtida por esse público. Via de regra, há uma conceituação geral, que vai se consolidando a partir das respostas do público às propostas apresentadas sob forma de matérias publicadas. Nesse caso, o leitor se transforma ao sabor das mudanças sociais e pela própria influência do veículo e vice-versa”.
Alguns periódicos são direcionados ao público feminino, são chamadas de revistas femininas. Nelas, a moda é uma das maiores fontes de interesse e um dos principais atrativos para o público/leitor feminino, em diversas publicações. O valor editorial dessas revistas está em manter o público/leitor atualizado em relação aos lançamentos dos criadores de moda e as tendências de moda para a estação, prestando, também, serviços ao leitor no sentido de adequar os desejos do público consumidor à realidade de seu cotidiano. As revistas femininas exercem um enorme fascínio entre as mulheres. Elas investem num ideal de beleza, que mesmo não sendo o real, é como a leitora gostaria de ser. Ao mesmo tempo em que ajudam as mulheres a si informarem, as revistas também às levam a
35
JOFFILY, Ruth. O Jornalismo e a Produção de Moda. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1991.p. 69
um mundo de sonho e fantasia, projetando um universo mágico e fascinante do mundo da moda. Outro fator importante nas revistas especializadas em moda é o papel de seus editores. Graças ao seu poder de decisões daquilo que se transformará ou não em matérias nas revistas, acabaram conquistando status e fama dos criadores de moda, influenciando não só os leitores e consumidores, mas a indústria, o varejo, os estilistas, etc. Analisando o papel da mídia nas sociedades atuais, percebe-se sua importância para a construção da imagem que se quer obter, representando a atuação sócio-cultural dos indivíduos no contexto das relações humanas. Nesse trabalho serão analisadas as formas com que a revista feminina ELLE divulga seus conteúdos. Essa revista é direcionada a um público sofisticado, que busca informações sobre moda, comportamento e atualidades. A revista ELLE de todo o mundo segue o mesmo padrão editorial, porém os assuntos são direcionados ao país onde ela é produzida. A revista ELLE brasileira aborda o mundo da moda, cultura e arte no Brasil e no mundo. Tem um forte apelo internacional e no Brasil serve de vitrine para as principais tendências da moda.
5.3 – A cultura e os mercados globalizados
No processo das atividades econômicas, políticas e culturais está o fenômeno denominado: globalização. É um fator de abrangência mundial caracterizado pela difusão de tecnologia mais avançada de sistemas de telecomunicações, de construção de capitais internacionais, interligando todos os países.
A globalização representa, na comunicação, um processo de desenvolvimento. A concentração da mídia e das empresas em divulgar seus produtos, visa a idéia de um mundo único, criando uma cultura de consumo. Segundo o economista e escritor americano Anthony Giddens36, a globalização trata de um fenômeno que abrange a economia, informação e a cultura. No aspecto econômico, nunca os mercados estiveram tão interligados. Há uma forte influencia interligada na cultura, comportamento e estilo de vida dos países desenvolvidos sobre os demais países em desenvolvimento. Mas é preciso entender que a globalização é contraditória. Essa hegemonia dominante dos países ricos sobre os países pobres é verdadeira, porém se restringe aos processos econômicos. O processo da globalização não se restringe as questões econômicas. Há outros fatores como, por exemplo, a cultura que recebe influência de todos os países, sejam ricos ou pobres, contrariando as expectativas dos mais céticos. Giddens37, ainda nos fala que: “A globalização não é, portanto, um processo singular, mas um conjunto complexo de processos. E estes operam de uma maneira contraditória ou antagônica. A maioria das pessoas pensa que a globalização está simplesmente “retirando” poder ou influência de comunidades locais e nações para transferi-lo para a arena global. E realmente esta é uma de suas conseqüências. As nações perdem de fato parte do poder econômico que antes possuíam. Contudo, ela tem também o efeito oposto. A globalização não somente puxa para cima, mas também empurra para baixo, criando novas pressões por autonomia local”. 36
GIDDES, Anthony. Mundo em Descontrole: O Que a Globalização Está Fazendo de Nós. Rio de Janeiro: Editora Record, 2000.p. 21 37 Ídem.p. 23
A produção de mercadorias dos países globalizados visa não apenas o mercado interno, mas o mercado mundial. As empresas em todo mundo se formam a partir de investimentos estrangeiros em diversas áreas, inclusive o da moda. Existe no mundo uma diversidade de características e expressões, onde são evidentes os aspectos étnicos, sócio, político e econômico que influenciam a todos, criando misturas contraditórias na forma de interpretar os ditames da moda. A globalização é uma realidade inquestionável e a moda é um setor capaz de interpretar, através da criação de seus produtores, os vários estilos propostos pela misturas de identidades, em qualquer parte do mundo, seja nas comunidades locais ou numa esfera nacional, tanto nos países ricos como nos países pobres. O escritor inglês Stuart Hall38, nos fala a respeito dessa relação das identidades: “Os fluxos culturais, entre as nações, e o consumismo global criam possibilidades de identidades partilhadas – como consumidores para os mesmos bens, clientes para os mesmos serviços, públicos para as mesmas mensagens e imagens – entre pessoas que estão bastante distantes uma das outras no espaço e no tempo. A medida em que as culturas nacionais tornam-se mais expostas às influências externas, é difícil conservar as identidades culturais intactas ou impedir que elas se tornem enfraquecidas através do bombardeamento e da infiltração cultural”.
Através das novas redes globalizadas de comunicação, os indivíduos podem receber imagens e mensagens das culturas dos países ricos e vice-versa, criando novos padrões de imagens. Uma forma, que os modernistas brasileiros, chamaram de antropofagismo, ou
38
HALL, Stuart. A identidade cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A editora, 1998.p. 74
seja, a capacidade de se absorver tudo que vem de fora, mais criando uma interpretação própria sobre o que foi absorvido. Hall39 continua: “Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas, desalojadas, de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem flutuar livremente”.
Com a “derrubada” das fronteiras, essa nova ordem mundial, necessita de inúmeras manifestações de estilos para atender a diferentes identidades, difundidas como consumidores culturais. Dessa forma, a moda necessita de uma enorme variedade de estilos e tendências para atender aos infinitos consumidores de todo o mundo. Embora, a maioria desses estilos e tendências venham de países globalizados, essas tendências e estilos se adaptam aos diferentes padrões estéticos e estilos dos países consumidores, inclusive o Brasil. Se por um lado a moda brasileira está sendo mais aceita no mercado internacional, por outro, ela busca uma linguagem visual que se adapte à realidade desse exigente mercado acostumado aos padrões sofisticados de estilos e tendências de moda. Assim, os produtores estrangeiros estão abrindo seus mercados para o que é produzido no Brasil, mas também, a princípio, eles estão interessados em produzir aqui seus produtos e em expandir seus mercados.
39
Idem.p. 75
Enfim, nessa nova ordem mundial, a globalização representa essa mistura econômica, cultural e ideológica, que envolve todos os seres humanos do planeta, sejam ocidentais ou orientais e, a moda brasileira não estaria à parte dessa realidade.
VI AS MUDANÇAS DA MODA NA DÉCADA DE 90
Nos anos 90, a moda sofreu uma guinada radical. De início, as crises políticas e econômicas decorrentes da Guerra do Golfo, do fim da União Soviética e da queda do muro de Berlim, desencadearam um processo de reconstrução social/ideológica e de pessimismo que influenciaram de imediato a moda. O desconstrutivismo é o conceito principal do início da década cuja, o objetivo central é anular o conteúdo formal das idéias; destruir para depois construir; reciclar o antigo transformando-o em novo. Na moda, o desconstrutivismo tem um tipo de roupa desestruturadas com mistura de texturas, difundidas na Europa e com forte influência dos chamados estilistas da Escola Belga. Alguns de seus maiores representantes são: Dries Van Noten, Ann Demeulemeester, Martin Margiela, Dirk Bikkembergs, Walter Van Beirendonck (W.&L.T.), entre outros. É nesse momento que o “feio” passa a ser “bonito” e o “estranho e esquisito” fica interessante. Em síntese, é a moda que passa a refletir uma nova visão de mundo, mais comedida e menos ostentadora, como que simbolizasse a construção de uma nova ordem global decorrente das dificuldades políticas, econômicas e sociais do período. Outra característica marcante da moda, que durou por todos os anos 90, foi o minimalismo, caracterizando-se pelo espírito daquele tempo de incertezas. O conceito do minimalismo se baseava na idéia de que “menos é mais”, ou seja, a idéia básica era conseguir o máximo de resultados com o mínimo de elementos. Os estilistas italianos se
destacaram e dominaram essa tendência, porém os maiores representantes do minimalismo em sua corrente comercial foram, entre outros, Jil Sander e Calvin Klein. O escritor Dario Caldas40 nos fala do estilo minimalista dos anos 90: “Na moda o minimalismo utiliza-se de uma cartela de pretos, brancos, beges, crus e cinzas, na realidade não-cores, com aparições mais recentes das cores primárias, sobretudo o vermelho. Quanto às silhuetas, geralmente são secas, estreitas, près-ducorps”.
A moda minimalista dos anos 90 reflete as mudanças sociais, culturais e econômicas que acabaram por transformar radicalmente o mundo em que vivemos. Segundo o escritor francês François Baudot41: “A força de eliminações sucessivas, de simplificações, de arrependimentos, a moda dos anos 90 põe-se de acordo com novo grito de guerra: “minimalismo”. Termo tirado do vocabulário da vanguarda artística dos anos 70, o minimalismo justificou a simplicidade levada ao extremo”.
6.1 – O fenômeno da espetacularização da moda
Na década de 90, a moda ganha dimensão de espetáculo para as massas. Os desfiles são eventos grandiosos, imitando os showbizz dos espetáculos dos astros da música pop.
40
CALDAS, Dario. Universo da moda: curso on line. São Paulo: Editora Anhembi Morumbi, 1999.pp. 106107 41 BOUDOT, Fraçois. Moda do século: tradução de Maria Thereza de Rezende Costa. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2000.p. 318
Isso significaria um reflexo na maneira com que as pessoas encaravam a moda. Ela ganha status nas relações sociais, transformando-se num fenômeno social urbano. Dario Caldas42 afirma: “Os desfiles são eventos concorridíssimos, as modelos ganharam status de estrelas internacionais, estilistas, editores e fotógrafos são vistos como figuras glamourosas, de um mundo à parte”.
Difundisse o conceito das tribos urbanas, como os clubbers e os grunges, e a moda desdobra-se numa constante renovação de tendências para atender a esses vários nichos de mercado. Surge o termo “supermercado de estilos”, caracterizando os vários estilos vigentes na moda. A publicidade transforma as marcas num fenômeno de consumo, se dirigindo às várias faixas de consumidor, criando uma identidade entre o público e as marcas. François Baudot43 acentua: “Se, no passado, as grandes maisons aplicavam cerca de 2% de sua receita em investimentos publicitários, hoje as grandes marcas consagram 25% a esse setor”.
A publicidade transforma, ainda, as modelos no fenômeno de top models, substituindo as estrelas do cinema, preenchendo a falta de glamour das atrizes. Essas modelos se transformam em “deusas”, servindo de padrão estético de beleza, vendendo, com suas imagens, produtos de beleza, roupas, carros, etc. Os primeiras top models foram
42
CALDAS, Dario. Universo da moda: curso on line. São Paulo: Editora Anhembi Morumbi, 1999.p. 114 BOUDOT, Fraçois. Moda do século: tradução de Maria Thereza de Rezende Costa. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2000.p. 321
43
Linda Evangelista, Naomi Campbell, Cindy Crawford e Christy Turlington. Atualmente, a brasileira Gisele Bündchen é a maior representante do fenômeno das top models.
6.2 – A guinada da moda brasileira
Os anos 90 foram fundamentais para o desenvolvimento da moda brasileira. Vários fatores contribuíram para esse desenvolvimento: Primeiro, o surgimento das escolas de moda que profissionalizaram o trabalho dos estilistas. Várias instituições de ensino, muitas de nível superior, serviram de celeiro para as novas gerações de estilistas brasileiros, como por exemplo, Alexandre Herchcovith que estudou no curso de moda da Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo. Atualmente, existem mais de 24 instituições de ensino em todo o país, com cursos de moda, especializados em formar estilistas, gerentes de produtos e especialistas em marketing de moda. Segundo, o fenômeno das top models brasileiras que chegaram ao mercado internacional e transformaram a profissão em verdadeira carreira de grandes negócios. Com cachês milionários, uma das primeiras modelos brasileira a atingir o sucesso internacional foi a gaúcha Shirley Mallmann, em seguida foi a vez de Gisele Bündchin, e atualmente várias modelos brasileiras ganham notoriedade no mercado da moda internacional. Outro fator determinante para o desenvolvimento da moda brasileira na década de 90 foi a criação de vários grandes eventos que oficializaram o calendário de lançamentos das coleções dos estilistas brasileiros, possibilitando, dessa forma, mostrarem o seu trabalho para o mercado nacional e também internacional.
Eventos como a Semana Leslie de Estilo, depois Semana Barra Shopping de Estilo no Rio de Janeiro; Phitoervas Fashion e Morumbi Fashion Brasil que se transformou no maior evento de moda do país, atualmente, chamado de São Paulo Fashion Week, ambos em São Paulo, onde os principais estilistas nacionais lançam suas coleções. Ainda em São Paulo, a Semana da Moda Casa dos Criadores, que serve para mostrar as criações dos jovens estilistas da vanguarda nacional, em seguida, outros eventos se sucedem como o Natura Fashion, direcionado aos estudantes de moda e a Semana da Moda Luck Strike, que serve de lançamentos das novas gerações de estilistas, ambos, também em São Paulo. Assim, vemos que a moda brasileira ganhou uma injeção de ânimo e alguns de nossos criadores conquistaram o mercado internacional, desfilando e vendendo suas coleções em várias capitais tradicionais de moda como Paris, Londres e Nova Iorque. Segundo a jornalista de moda Erika Palomino44: “O que se viu a seguir foi o chamado boom da moda no Brasil, como não se via desde os áureos anos 80. Como a mídia se apressa a celebrar, a moda entra na moda”.
Analisando a moda brasileira nessa década, percebe-se, claramente, que ela foi fundamental para o seu desenvolvimento e, pela primeira vez, o Brasil vai criando uma cultura de moda através de seus criadores e de todos os profissionais ligados a moda que, de uma forma ou de outra, são responsáveis pelo “renascimento” da moda no Brasil. Palomino45 segue dizendo:
44
PALOMINO, Erika. Babado forte: moda, música e noite na virada do século 21. São Paulo: Editora Mandarim, 1999.p. 226 45 Ídem.
“O caminho então trilhado para a moda brasileira é irreversível. Se nossa história é recente, ela vai sendo escrita com talento e criatividade”.
VII ANÁLISE DAS REVISTAS A escolha do material analisado neste trabalho atendeu um dos princípios de análise do contrato de leitura, o da comparação entre diferentes suportes, para estabelecer a particularidade de cada um. Os outros momentos necessários da análise completa de um contrato de leitura seriam a regularidade das propriedades descritas, as propriedades invariantes dos suportes, e a sistematicidade com que as propriedades anteriores mostramse como um conjunto harmônico ou suas eventuais contradições. Neste trabalho, elegemos a análise comparativa, pois, a hipótese deste, limita-se a mostrar a presença da espetacularização nas duas versões da revista ELLE e as estratégias enunciativas da ELLE americana, polifonicamente consolidadas como modelo para as enunciações da revista brasileira. Trata-se da mesma produção editorial, lançada em fevereiro de 2001 nos EUA e, em seguida, no mês de março de 2001, no Brasil. Escolhemos para esta análise, as capas das revistas e uma seção de comportamento, tendo como matéria principal, uma entrevista com uma cantora internacional, a popstar Madonna. Destacamos a capa, em virtude de ser o principal apelo mercadológico de um suporte. Nela, os principais assuntos são destacados e hierarquizados, o que pressupõem uma imagem de qual deva ser o interesse do leitor.
A capa
A primeira marca enunciativa é o formato das revistas. A brasileira copia os padrões da versão francesa da revista, origem de todas as ELLE. A versão americana tem uma dimensão menor. Nas duas capas há a mesma foto, da estrela Madonna. Elegantemente vestida, a roupa reproduz e realça o tom verde de seus olhos. Os cabelos cuidadosamente arrumados servem de moldura para a expressão de sedução, presente nas pupilas dilatadas, no olhar fixo e no sorriso contido dos lábios. Nas duas revistas, a logomarca com o nome ELLE, todo em caixa alta, em tamanho padronizado, aparece no alto das revistas. A diferença é na cor das fontes, amarela na americana e branca na brasileira. Na revista americana, a cor amarela será uma marca presente na hierarquização das chamadas de capa. Há o uso comum da chamada em destaque entre as primeiras letras “E” e “L”. Na americana, a chamada tem fontes de tamanho maior, na cor branca, que anuncia a nova tendência da moda para a estação da primavera. Embaixo, em fonte bem menor, ela continua com os dizeres “o lado sexy da moda”. Este padrão de revezamento branco/amarelo está presente em toda a capa, com maior destaque para as fontes em amarelo. Na revista brasileira, a chamada trata de comportamento: “Por que os homens sumiram?”, que tem fonte em negrito, na cor branca. Em fonte quase do mesmo tamanho, mas bem fina e ainda na cor branca aparecem os dizeres “Eles dão seus motivos. E garantem: a culpa é das mulheres”. Não há o contraste provocado na capa americana, o que dilui o efeito da chamada na capa brasileira. Na capa americana, a matéria com Madonna vêm a seguir, em grande destaque, no alto à esquerda. Numa tradução livre, diz algo como “Uma grande mulher”. Embaixo, na cor branca: “sobre Britney, bebê, e o sentido da vida”, numa relação entre uma afirmação
de gênero com suas atividades como artista (relação com a jovem Britney Spears), como mãe, e com uma certa filosofia, numa alusão a sua conhecida insubmissão e autonomia frente a convenções morais. Embaixo, anuncia reportagem especial intitulada “Amor & Sexo”. Como se sabe, a psicanálise freudiana propõe que os papéis masculino e feminino se distinguem em relação ao tema. Homens separariam amor de sexo, algo que não ocorreria entre as mulheres. Com a ampla divulgação de alguns dos conceitos da psicanálise freudiana, alguns se tornaram senso comum, em especial junto ao publico com maior acesso a bens de cidadania como educação de nível superior. A relação entre Amor e Sexo está entre estes conceitos popularizados. Como o público feminino de nível social e escolar superior forma uma das fatias mais importantes da revista, vê-se que a revista propõe a distinção como algo indiscutível, independentemente dos papéis sexuais. Não por acaso, esta chamada segue a da entrevista elogiativa a popstar Madonna. A imagem de mulher emancipada que a revista negocia é o de uma mulher neste estilo, com iniciativas no campo sexual e autônoma. Mulher que separa sexo de amor e maternidade de família convencional. Abaixo, uma reportagem sobre o casamento que se inicia, em que aparece a pergunta “o seu parece que vai acabar?”, num questionamento que lido a partir das manchetes anteriores sugere que a mulher atual, independente, padece desde início de problemas no casamento, na relação homem-mulher. Em seguida, na última linha da capa, a reportagem “a vida começa aos trinta”, que anuncia desvelar as razões de as mulheres “decolarem” nesta idade, em vez de decaírem. Na mesma linha, mas no lado direito, a chamada sobre cosméticos e proteção da pele, a única que trata exclusivamente de beleza (na matéria sobre o lançamento de inverno, há
uma referência ao “lado sensual da moda”. Portanto, não há um enfoque puramente técnico, mas uma alusão a uma relação humana, a sensualidade). Na capa brasileira, a matéria de destaque, que aparece embaixo da logo, trata do evento de moda em São Paulo, o São Paulo Fashion Week. Como vimos, estes eventos são estímulos fundamentais para o crescimento da moda no Brasil. O lançamento de primavera, destaque na capa americana, aparece na última linha da capa brasileira como “Moda: as tendências internacionais para o próximo verão”. Como se sabe, as estações são invertidas nos Eua e no Brasil, em que a moda se lança como primavera-verão. A reportagem sobre Madonna aparece também embaixo, no pé da capa com uma grande chamada em amarelo “exclusivo”, seguido pelo nome da artista em letras “garrafais”. Em duas linhas, fontes menores em amarelo, os dizeres: “mãe zelosa, esposa devotada: um dia na vida real da estrela”. Na revista brasileira, Madonna é na “vida real” uma dona de casa convencional, sugerindo que a estrela “encena” suas atitude de iniciativa sexual, inclusive o lesbianismo e a práticas sexuais com mais de um parceiro ou a inconstância dos seus relacionamentos (idéias que se confrontam com o “esposa devotada”). As três chamadas que se colocam entre reportagem especial do “São Paulo Fashion Week” (o especial em cor verde), tratam de abordagens técnicas de assuntos como beleza (Cabelo e pele: um guia para resolver os estragos de verão), decoração (Chique&Divertido: decore sua casa com brinquedos) e lazer (Viagem: Santos é puro charme a 45 minutos de São Paulo). O que chama atenção na comparação entre as capas americana e brasileira é a imagem da sexualidade feminina e do papel da mulher produzida. Na capa americana, a mulher moderna é ativa, aos trinta anos está “decolando”, ou seja, começa a conquistar
prestígio social, a afirmar sua personalidade. Ela tem iniciativa no campo sexual, capaz de separar sexo de amor, de organizar seu vestuário a partir da idéia de sensualidade de discutir com autonomia a relação homem-mulher. Por isso mesmo, as reportagens contemplam estes assuntos. Mais, numa entrevista com uma popstar, sua vida privada complementa sua atividade profissional. Madonna é “every woman”, uma mulher vista em totalidade, em conjunto. Das suas múltiplas experiências, ela é capaz de produzir um “sentido para a vida”, uma ótica feminina para os problemas cotidianos. Na revista brasileira, a matéria sobre relações com homens adverte: se há problemas, “a culpa é das mulheres”. Madonna, de exemplo de insubmissão, torna-se uma recatada dona de casa. Já o evento em São Paulo serve para sugerir idéias de roupas, acessórios, cabelo e maquiagem para o inverno. É uma mulher que se ocupa de cabelos, cremes, decoração e lazer. Sem dúvida, são temas do dia-dia de todos, que não surpreendem por constar em revistas de beleza. Mas ao confrontarmos as duas capas, percebemos que tais temas se distingue. Na capa americana, aparecem sem destaque ou completada por uma espécie de política do comportamento. Perceba a moda, portanto, a beleza, como um estilo sensual, descubra a dimensão erótica da sua personalidade. Na capa brasileira, a beleza existe pela beleza, como atividade natural da mulher, não como política do corpo.
A matéria principal: Madonna
O título da matéria na ELLE brasileira é “A estrela do lar”, numa aproximação de um lugar-comum da cultura brasileira “a rainha do lar”, símbolo da idéia de submissão da mulher. Na apresentação da matéria, os dizeres: “Casada, com filhos. No novo papel, Madonna é linha-dura como sempre: obriga o marido a trocar fraldas (‘É sua vez, ora!) e proíbe a filha de ver TV (‘Não quero que ela vire uma criatura passiva’). A diferença é que está amando, e feliz, como nunca. Acompanhe um dia na vida da estrela dos palcos e, agora, do lar”.
Ao lado, uma foto da cintura para cima, de Madonna. Ela aparece encostada na parede. As mãos parecem tapar os ouvidos e escondem parcialmente seu rosto. A camisa tem cores fortes, em listras horizontais em vermelho e azul. Na página ao lado, a foto de corpo inteiro. A mão no bolso da saia, botas, meia, e deixa ver o corte bem comportado da blusa que ela veste, em gola pólo. Ao lado, no mesmo tom vermelho da saia de da listra da blusa, o subtítulo: “Na cozinha com Madonna”, um jogo de palavras como o título do filme: “Na cama com Madonna”, fixando o contraste da antiga vida da estrela e a nova, após o casamento e filhos. À direita, em preto e fontes tamanho 10, a informação que “faz parte das tarefas” dela escolher roupas de estilistas. Informa ainda que ela usa roupas da grife anglo-brasileira Clements Ribeiro. Em cada detalhe destas páginas, a mesma sugestão. Madonna abandonou a vida anterior, com uma ativa presença da liberdade sexual como tema de seu trabalho de artista, para se tornar uma bem comportada artista, mãe e dona de casa. Nas três páginas seguintes, fotos que tomam toda a página. Ela veste roupas elegantes, sem decotes e de grife. Na primeira, aparece com um visual mais sério e como uma mãe que repreende valores consumistas da filha, embora seja riquíssima.
Na seguinte, em posição de luta. Embaixo, em preto, a informação “Na cozinha, Gui Ritchie (seu marido) dá as coordenadas: ‘Eu me contento em picar legumes para ele’”. Na terceira, com um visual adolescente, os dizeres, em cor branca, revela: “menos noitadas, mais baladas de ninar: ‘é esquisito estar na rua enquanto Rocco está dormindo”. Assim, vemos que Madonna é uma mãe zelosa (visual sério). Também uma mulher emancipada, mas não como mulher e sim como dona de casa moderna (em posição masculina, de briga, com a informação de que o marido é quem cuida da cozinha). Finalmente, ela tem seu lado frágil, adolescente e recatado, sem noitadas e, apaixonada, só se sente bem ao lado do marido. Para encerrar a matéria, Uma página com o perfil do cineasta Gui Ritche, que “conquistou a popstar Madonna”. Traz a sua foto, comportadamente sentado num sofá. Na revista americana, a matéria abre com uma página em vermelho (que remete a sensualidade, paixão) com linhas brancas e os dizeres, também em branco: “Justifique seu amor”, título de uma de suas canções (Justify your love). Embaixo, em 6 linhas, o texto “Com música, Gui Ritchie, e maternidade, Madonna se reinventou novamente. E como sempre, é muito fácil adorá-la. Apenas pergunte a E. Jean Carroll (repórter que assina a matéria)”. Na página ao lado, a foto em que ela aparece em posição de briga. Ao lado, em branco, um texto que diz que ela tudo conquista numa roupa toda drapeada e com luvas sem dedos, com a descrição detalhada do tecido das peças e seus preços. Nada de alusões a cozinhas ou atividades vinculadas a um papel feminino tradicional. Ao contrário, é uma mulher boa de briga, no sentido de que tem iniciativa de lutar por e conquistar seus objetivos.
Na foto seguinte, duas páginas depois, o colo e o rosto Madonna ocupam toda a página. Ela veste um modelo preto com um grande decote. O ângulo da foto realça o seio direito (lado esquerdo da página) de Madonna, generosamente exposto. Em fontes brancas, no lado direito sobre o seio direito coberto da artista, os dizeres: “até o momento, eu continuei, eu me pego dizendo, quem estou infantilizando? Apenas aprendi a tocar guitarra”. Na página seguinte, também em foto que ocupa toda a página, Madonna aparece curvada, com os joelhos um pouco dobrados e as mãos apoiadas no chão. Em cima, os dizeres: “Se estou com medo de algo, isto significa geralmente que eu tenho de fazê-lo”. Na página ao lado, de cócoras, apenas a descrição dos tecidos da roupa que ela veste. Nas duas páginas finais, repetem-se fotos que estão na revista brasileira. Na foto em que ela cobre o rosto, a primeira a aparecer na ELLE brasileira, também nada é transcrito da entrevista. Já na foto em que a edição brasileira transcreve as repreensões da mamãe zelosa, a revista americana reproduz a opinião de Madonna sobre a ídolo dos adolescentes, a eterna virgem Britney Spears: “Eu amo Britney... e era obcecada em vestir as camisetas da Britney. Eu sentia que me traria sorte — e trouxe”. Neste caso, o visual mais sério de Madonna contrasta com a idéia-tema, presente na transcrição. Ex-ídolo das adolescentes, Madonna está madura, casada, tem filha. Mas não perdeu um jeito ou alegria ou comportamento adolescente. Para uma revista de moda, é especialmente oportuno que ela identifique este sentimento em determinado tipo de blusa. Nada a ver com a idéia de comportamento recatado e o passado “libertino” que a edição brasileira procurou fixar.
VIII CONCLUSÃO
A análise das duas revistas ELLE, uma brasileira e uma americana nos revelam uma forte característica dos processos de globalização que estão, atualmente, presentes nos veículos de comunicação, inclusive os da mídia impressa direcionados à moda. Na seção de comportamento, com a matéria principal sobre a popstar Madonna, percebe-se como as revistas reconhecem e delimitam tendências dentro de um amplo universo possível e as legitimam como “bom gosto universal”, válido no Brasil, EUA e em todo o mundo. Nesse estudo, percebe-se como há um entrelaçamento dessas tendências. Mesmo sendo elas constituídas pelas capitais internacionais de moda, há uma adaptação à realidade e aos padrões estéticos e de comportamento da consumidora/leitora brasileira, que é mais recatada e, em parte, conservadora. Na matéria da ELLE americana sobre a popstar Madonna é nítido o apelo sensual e sexual, presente tanto nas fotos, quanto nos textos. O enfoque dado à cantora internacional é muito voltado para uma mulher emancipada e independente e que, mesmo já sendo uma jovem senhora de 40 anos, ainda é possível ser um símbolo sexual, de beleza e de modelo de modernidade. Já na mesma matéria sobre a popstar na revista brasileira, a cantora Madonna é destacada dentro da ótica de uma mulher que deixou para trás uma carreira erótica e ao mesmo tempo de preferências sexuais “duvidosa”, para se dedicar ao papel de mãe, esposa e mulher que se preocupa com o lar, o marido, os filhos e também com o seu trabalho.
Assim percebe-se, claramente, que embora a enunciação pareça semelhante, o sentido é diferente de acordo com o Contrato de leitura e do ambiente cultural a que esse leitor/consumidor pertença. Da mesma maneira podemos observar nas capas das revistas, como as estratégias enunciativas se distinguem. Na revista ELLE americana, boa parte das chamadas das matérias põe em “xeque-mate” o papel tradicional da mulher, buscando um modelo de emancipação feminina, de comportamento arrojado, de beleza cuidada e de um posicionamento de destaque na sociedade. Na revista brasileira, percebe-se as chamadas a partir de um enfoque mais direcionado a mulher voltada para o lar, o lazer, com a preocupação de seu papel social enquanto esposa, mãe e mulher. Podemos perceber ainda que, em ambas as revistas, elas impõe padrões estético de beleza, constituindo o corpo como mercadoria para diferentes consumidores. A ELLE, tanto brasileira, como a americana, se autoconstituem como as portadoras do “bom gosto” na moda, se tornando publicações de referência internacional. As tendências internacionais são, nada menos, que a legitimação do poder desses veículos enquanto propagadores da moda em qualquer país a que ela pertença. Não importa onde a moda seja produzida e sim como ela vai ser absorvida, e nesse contexto a revista ELLE, seja brasileira ou americana, tem um importante papel no processo de legitimação da moda. Dessa forma, podemos observar a importância desse veículo para se desenvolver a compreensão e conhecimento da relação da moda com a mídia. Concluímos ainda que a revista e a moda globalizada que são veiculadas pela revista ELLE não são uma corrente de “mão-única”. Apesar de os números serem semelhantes, com a mesma capa, com muito pouca variação nas pautas desenvolvidas, as idéias e
informações contidas na edição americana, publicada um mês antes da brasileira, foram reelaboradas a partir de valores consensuais na cultura brasileira, sobre o papel feminino, em especial da “leitora-média” da revista, mulher madura, de padrões financeiro e escolar acima da média brasileira. Tendo total relevância para a sociedade, este trabalho buscou conhecer e atualizar a literatura de um assunto muito pouco divulgado nos meios acadêmicos, sugerindo um estudo a respeito de uma área que está diretamente ligada as implicações de uma nova ordem global e aos novos padrões de comportamento da vida contemporânea dos indivíduos em todo o mundo.
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ANEXOS Editora Abril. São Paulo: Ano XIV – nº 3 – Março de 2001
Capa da ELLE americana Editora HFM. Nova Iorque: Ano XVII – nº 6 – Fevereiro de 2001
ELLE brasileira – Matéria principal: Madonna.
ELLE americana – Matéria principal: Madonna.
ELLE americana – Matéria principal: Madonna. Capa da ELLE brasileira