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Mercado interno: a uva no contexto do mercado de frutas Gabriel Vicente Bitencourt de Almeida1

Comercialização de Uvas Da mesma forma que botanicamente, comercialmente as uvas para consumo “in natura” podem ser divididas em dois grandes grupos, as Uvas Rústicas (Vitis labrusca), cujas representantes mais famosas são a Isabel e a Niágara, variedades altamente sazonais. As Uvas Finas (Vitis vinifera), disponíveis em grande quantidade o ano todo no mercado, com um pico maior no fim do ano. Graças à alternância de regiões produtoras com características climáticas distintas. As variedades mais conhecidas de Uvas Finas são a Itália e suas mutações (Rubi, Benitaka e Brasil), e nos últimos anos várias tentativas de introdução novas cultivares, com destaque para a Red Globe e várias outras sem semente, porém em volume, ainda muito inferior à Itália e mutações. Neste texto nossa visão será a partir do mercado de São Paulo, mais precisamente do Entreposto Terminal São Paulo da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (CEAGESP). Levantamento já realizado pelo Centro de Qualidade em Horticultura (CQH), estima que aproximadamente, sete por cento de toda a uva produzida no Brasil passe pelo entreposto paulistano, incluídas aí as uvas de mesa e as de vinho. Pelos problemas ocorridos no sistema de informação da CEAGESP vamos apresentar dados ainda de 1999, apesar das quantidades serem diferentes, em levantamentos feitos no mercado constatamos que a dinâmica continua muito próxima de quatro anos atrás. O primeiro gráfico mostra a participação das cultivares na comercialização no entreposto em 1999.

Fonte: CEAGESP

Abaixo, a quantidade de uva, em toneladas, enviada pelas principais regiões do Brasil ao ETSP da CEAGESP em 1999. É importante contar que de 1999 a participação de Minas Gerais, principalmente Pirapora, cresceu muito e a uva é considerada das melhores do mercado.

Fonte: CEAGESP 1

Engenheiro Agrônomo. Centro de Qualidade em Horticultura – CEAGESP. E-mail: [email protected]

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O gráfico abaixo demonstra o suprimento do mercado pelas diferentes regiões produtoras de uva fina ao longo do ano. Os dados são de 1999, mas a dinâmica se mantém a mesma.

Fonte: CEAGESP

O método mais utilizado na comercialização é a “Consignação”. Na verdade o termo mais adequado seria “Preço a se Fazer”. O produtor envia a sua uva para um ou mais Atacadistas da Central de Abastecimento (CEASA) sem saber o quanto vai receber. O atacadista vende as mercadorias aos clientes, geralmente varejistas ou distribuidores. Sobre a média do preço de venda do atacado é aplicada uma série de descontos para se chegar no preço pago ao produtor, conforme tabela: • • • • •

Taxa de Venda (Comissão) INSS Descarga Embalagem (pode ser do atacadista) Frete

17,50% 2,20% R$ 0,12 por unidade ? ?

A outra modalidade de compra é o chamado “Preço Feito”, o atacadista simplesmente negocia com o produtor um preço fixo, compra a uva e tenta obter sua margem como qualquer capitalista. Este tipo de compra é dificultado pela falta de classificação mensurável. É um alto risco o atacadista comprar e não saber exatamente o que vai receber. O preço feito acontece mais com produtores que possuem uma reputação muito boa no mercado, espécie de marca. A proporção entre consignado e preço feito varia de acordo com a procura e a oferta. Quando a oferta é muito alta quase toda a uva passa a ser vendida por consignada e quando a falta no mercado acontece o contrário. Outra causa do aumento da consignação são chuvas na região produtora, como há um aumento de doenças pós-colheita o mercado evita pagar a uva antecipadamente, já que ocorrem perdas de lotes inteiros. O preço é formado dentro da CEASA por uma série de fatores, como dia da semana, preço de fechamento, proximidade das festas de fim de ano, quantidade que sobrou do dia anterior, quanto chegaram, qualidade do produto, etc. Tudo na prática dos vendedores. Na comercialização de fim de ano a oferta de outras frutas, como as de caroço, pode interferir na formação do preço da uva.

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Uma figura bastante importante na comercialização é o mateiro. Trata-se de um indivíduo que percorre as propriedades das regiões produtoras para comprar as uvas ainda na parreira. Podem representar um ou mais atacadistas das CEASAS, ou serem espécies de corretores que fecham negócios. Quando o mercado possui mais oferta os atacadistas Estados com menor consumo compram uvas nas grandes Centrais, como São Paulo e Belo Horizonte, já que o preço é baixo é a oferta se concentra lá. Em épocas de escassez estes atacadistas enviam seus mateiros para as regiões produtoras. O custo CEASA é de aproximadamente entre vinte e trinta por cento, então uma margem desta sobre um valor, por volta, de oito reais a caixa se torna mais barato que a compra na região produtora, porém se os valores ficam acima de doze reais, se torna mais vantajosa a compra direta. A venda direta para as grandes cadeias de supermercados também já ocorre com certa freqüência, ela se torna possível quando há grandes produtores, caso do Vale do São Francisco ou Cooperativas como a de Jales, SP que conseguem reunir os grandes volumes necessários a estas redes. Porém como a produção é pulverizada, com muitos pequenos produtores e alternância de região, os atacadistas, que são os agentes que agregam toda esta produção dispersa no tempo e no espaço são responsáveis por boa fatia do abastecimento das grandes redes. Não existe uma classificação clara e mensurável. O mercado utiliza a seguinte classificação: AA, A ou Extra (Extrinha), porém dois lotes Extras AA podem ter preços muito diferentes, isso mostra que a classificação é inexistente e o preço e definido pelo exame visual ou pela confiança no trabalho do produtor. São bastante comuns variações de cem a cento e cinqüenta por cento entre duas uvas Extra AA em um mesmo dia de comercialização. As melhores uvas do mercado costumam ir para frutarias, bons sacolões, feirantes que possuem pontos em bairros de maior aquisitivo e para o Distrito Federal e Goiânia. A maior parte dos compradores de supermercados, infelizmente, trabalham com o fator preço na decisão de compra. E como a uva é uma das frutas com maior variação de preço pela qualidade este tipo de varejo geralmente leva um produto inferior. Logicamente que há boas exceções. São estes os principais fatores na formação do valor de uma uva: • Alto teor de açúcar (teor de sólidos solúveis acima de 140Brix). • Cor e turgidez do engaço. • Tamanho do cacho, os médios, entre 400 e 800 g são mais valorizados. • Tamanho das bagas, para o grupo da Itália o ideal é por volta de 24 a 26 mm de diâmetro. • Uma boa embalagem, a preferência tem passado rapidamente para o papelão ondulado. As caixas abertas começam a crescer no mercado. Se bem que alguns mercados ainda preferem a madeira. • Sacolas são valorizadas • Coloração nos casos das uvas de cor. • E por último a marca ou o bom nome do produtor.

Uva de R$16,00 no dia 17.11.2003 Destino: sacolão de luxo e boas feiras-livres.

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Um cacho péssimo e um cacho muito bom.

Um caso interessante é o das uvas que sofreram aplicação de giberilina, o mercado paulistano não aprecia muito, considera as bagas duras e o engaço muito grosso. Porém este tipo de uva já é bem valorizado para o envio a praças mais distantes, pela muito melhor conservação pós-colheita.

As Uvas Rústicas As uvas rústicas diferem da Uva Fina por ter sua produção concentrada em regiões próximas a capital paulista. Principalmente na região agrícola de Campinas, com municípios como Louveira, Jundiaí, Indaiatuba e Vinhedo e o município de Porto Feliz na região de Sorocaba. Existem alguns novos pólos na região de Jales e no Paraná, porém menores. Outra característica marcante das Uvas Rústicas é uma sazonalidade muito mais marcante que a das finas. Conforme ilustra o gráfico abaixo, onde é mostrada a entrada de Isabel e Niágara no ETSP da CEAGESP.

Fonte: CEAGESP

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A classificação da uva Niágara é dada pela “palitagem” das caixas de madeira. São o número de pequenas ripas ou palitos colocados entre a caixa e sua tampa que teoricamente dão a classificação e a qualidade. Os critérios que valorizam a uva são a cor, tamanho do cacho, presença de Pruína (cera), compactação e doçura. O número de palitos constitui uma classificação nada confiável, então o que acaba determinando o preço é o exame visual da mercadoria. Alguns produtores possuem um alto reconhecimento e confiança e sua uva é sempre vendida primeira e com uma remuneração melhor, facilmente passando de 50% de ágio sobre o preço médio, mesmo que o mercado esteja saturado. A consignação é o sistema predominante, bem mais do que na Uva Fina. A uva Isabel, principalmente a produzida no Rio Grande do Sul, é levada em quantidades até razoáveis para São Paulo, onde em fevereiro a março, quando quase não há Niágara no mercado. A uva Niágara criou uma imagem de uma fruta de fim de ano. E de fato a maioria dos produtores faz a poda para uma produção no fim do ano os maiores preços são atingidos em setembro e outubro. Produtores da Região Noroeste de São Paulo colocam pequenas quantidades no mercado esta época. Esta uva apesar de deficiente em compactação, por causa do clima da região, consegue atingir preços de atacado. Do mesmo modo que na uva fina as melhores uvas vão para bons feirantes e sacolões.