Imagem da Capa. Fundo composto por três faixas horizontais nas cores laranja, branca e azul. Sobre a primeira faixa, laranja, temos o número “30”, em branco, estilizado do selo que celebra os 30 anos do AIPD. O número três representa uma pessoa em cadeira de rodas e o zero o globo terrestre. Na segunda faixa, branca, desenho no formato de sombra, em preto e verde, de um grupo de pessoas, com e sem deficiência, comemoram com braços levantados em direção aos 30 Anos. Na última faixa, azul, título do livro na cor branca: “30 anos do AIPD – Ano Internacional das Pessoas Deficientes, 1981-2011”.
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30 Anos do AIPD Ano Internacional das Pessoas Deficientes 1981/2011
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30 Anos do AIPD Ano Internacional das Pessoas Deficientes 1981/2011 São Paulo, 2011
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Catalogação na fonte
São Paulo (Estado). Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Memorial da Inclusão. 30 anos do AIPD: Ano Internacional das Pessoas Deficientes 1981-2011. / Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Memorial da Inclusão. – São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2011. 412 p. ISBN 978-85-64047-01-3 1. Pessoas com deficiência. Inclusão social.
2. Direitos das pessoas com deficiência. 3.
CDD 362.4
Proibida a reprodução total ou parcial sem a autorização prévia dos editores Direitos reservados e protegidos (lei no 9.610, de 19.02.1998) Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (lei no 10.994, de 14.12.2004) Impresso no Brasil 2011
SECRETARIA DE ESTADO DOS DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA Av. Auro Soares de Moura Andrade, 564 01156-001 Barra Funda São Paulo SP Tel. (11) 5212-3700
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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO | Governador Geraldo Alckmin 30 anos construindo a democracia 9 INTRODUÇÃO | Secretária de Estado Linamara Rizzo Battistella Celebrando os 30 anos do AIPD: Uma história de lutas e conquistas de direitos
11 CAPÍTULO 1 Memórias da Luta: Protagonistas do AIPD 19 Histórias dessa história
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Redemocratização, movimento e preparação para o AIPD Estratégias de luta
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Convivência integrada
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Tragédia pessoal x fenômeno social Embate paradigmático
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35 37
O Ano Internacional das Pessoas Deficientes
38 Reuniões, seminários, conselho estadual e Constituinte 40 A mobilização mundial 41 O movimento, o AIPD e seu legado de mudanças 42 As pessoas com deficiência e a mobilização hoje 43 Referências bibliográficas 44 Encontros, congressos, coalizão nacional e entidades
CAPÍTULO 2 Da exclusão à participação plena na sociedade: Um panorama internacional dos 30 anos do AIPD 89 Antes do AIPD
89
Décadas de 1940 a 60: Cooperação técnica da ONU 1970/1980: Década da Reabilitação
90
1974: Primeiras demonstrações públicas 1976: Proclamação do AIPD
91
94
1977: Direitos das pessoas surdocegas 1979: Divulgação do símbolo do AIPD 1979: Tema do AIPD
89
94 94
95
1979: O início do movimento e o AIPD
95 7
1980: Primeiro debate sobre o AIPD 97 1980: Comissão Nacional do AIPD 98 1980: Missão brasileira às Nações Unidas 101 1980: Primeira cidade brasileira a abrir o AIPD 102 Durante o AIPD
102 102
1981: Acessibilidade arquitetônica
103 1981: O AIPD em São Paulo 104 1981: O MDPD no AIPD 105 1981: O AIPD em Bauru 107 1981: O AIPD na TV 108 1981: O AIPD com humor 108 1981: Papel da mídia 109 1981: Uma rampa histórica
1981: A mídia repercutindo atividades do AIPD
112
1981: O apagar das luzes do AIPD Depois do AIPD
110
113
1982: Programa de Ação Mundial
113 113
1983-1992: Década das Pessoas com Deficiência 1985: Criação do CEAPD
114
1988: Pessoas com Deficiência na Constituinte
114
1992: Dia Internacional das Pessoas com Deficiência 1993: Normas sobre a Equiparação de Oportunidades
116 117
117
2006: Os 25 anos do AIPD
2006: Enfim, a Convenção da ONU
118
2007-2009: O Brasil e a Convenção da ONU
119
Da exclusão (1981) à participação plena na sociedade (2011)? Referências bibliográficas
119
120
CAPÍTULO 3 A gênese do movimento da pessoas com deficiência: a fase heroica, as associações pioneiras e os líderes fundamentais 145 Sem intermediários nem tutelas
146
Cenário político e econômico perverso Invisibilidade, saber e poder
147
148
150 Clube dos Paraplégicos de São Paulo (CPSP) 150 Associações pioneiras e intrépidos líderes
154 156
Associação Brasileira de Deficientes Físicos (Abradef) Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes (FCD) Na “fase heroica” do movimento
158 8
Os “dinossauros”
158
163 Referências Bibliográficas 169 No andar de cima
CAPÍTULO 4 Fazendo história: o movimento social pela perspectiva de seus líderes 173 Ana Rita de Paula
176 186
Canrobert de Freitas Caires
Geraldo Marcos Labarrère Nascimento
205
224 Isaura Helena Pozzatti 247 José Roberto Amorim 274 Lilia Pinto Martins 290 Luiz Baggio Neto 302 Gilberto Frachetta
Sandra Maria de Sá Brito Maciel Wilson Akio Kyomen
313
331
CAPÍTULO 5 O esporte na inclusão da pessoa com deficiência no Brasil 353 Apresentação
353
Um pouco da história do movimento No mundo 354 No Brasil 358 Os protagonistas dessa história Os coadjuvantes dessa história Aldo Miccolis 369
354
365 368
Pequena cronologia do Esporte Adaptado no Brasil Referências bibliográficas
370
382
CAPÍTULO 6 Memorial da Inclusão: os caminhos da pessoa com deficiência 385
CURRÍCULO DOS AUTORES Ana Maria (Lia) Morales Crespo
408
408 408
Crismere Gadelha Elza Ambrósio
Romeu Kazumi Sassaki
409
Suzana Lopes Salgado Ribeiro Vanilton Senatore
409
409 9
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30 ANOS CONSTRUINDO A DEMOCRACIA O Governo do Estado, por intermédio da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, tem o prazer de publicar este livro que conta a história dos movimentos sociais em defesa dos direitos das pessoas com deficiência por meio de memórias e reflexões de suas principais lideranças. Em 2011, ocasião em que se comemora o trigésimo aniversário do “Ano Internacional das Pessoas Deficientes” (AIPD), instituído pela Organização das Nações Unidas, é de fundamental importância que celebremos o significado desta data e os avanços obtidos nas últimas décadas. Desde meados dos anos 50, as pessoas com deficiência têm se organizado e exigido políticas públicas que lhes assegurem direitos básicos, conforme a própria ONU havia estabelecido na declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1946. No Brasil, esses movimentos sociais começaram em São Paulo, em 1979, e espalharam-se para o restante do país. Sua organização foi impulsionada, dois anos depois, pelo AIPD. Também é de São Paulo o primeiro conselho estadual na área da deficiência, instituí-do por Franco Montoro, em 1984. Sua criação respeitou as decisões do 1º Seminário Estadual da Pessoa Deficiente, realizado naquele mesmo ano. Na ocasião, foi discutida ainda a política estadual para esse segmento da população. Desde então sociedade civil, imprensa e poder público contribuíram para que novas iniciativas ganhassem força, tais como a multiplicação de conselhos específicos pelo país, a criação de secretarias em todos os níveis de governo, as políticas de inclusão nos campos da saúde, educação, cultura e esportes, entre outras áreas. O Governo do Estado de São Paulo tem aprofundado as suas ações. Exemplo disso é a Rede de Reabilitação Lucy Montoro, as Paraolimpíadas Escolares, a acessibilidade em estações de trem e metrô, o Memorial da Inclusão e os Encontros de Tecnologia e Inovação para Pessoas com Deficiência. As reflexões aqui apresentadas sobre os 30 anos do AIPD têm uma dimensão pedagógica clara: comemorar lutas e conquistas que contribuíram para assegurar direitos das pessoas com deficiência. É um importante reconhecimento daquilo que já foi feito e um incentivo para que tenhamos metas cada vez mais ambiciosas. Boa leitura a todos.
Geraldo Alckmin Governador do Estado de São Paulo
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CELEBRANDO OS 30 ANOS DO AIPD: UMA HISTÓRIA DE LUTAS E CONQUISTAS DE DIREITOS Desde 1957, por decisão da Assembleia Geral, a Organização das Nações Unidas (ONU) conclama os países-membros, por meio dos Anos Internacionais, a refletirem sobre questões pouco conhecidas que necessitam de políticas públicas inovadoras por parte dos governos e conscientização da sociedade global. Sendo assim, em 1976, a ONU proclamou 1981 o Ano Internacional das Pessoas Deficientes (AIPD), com o lema “Participação plena e igualdade”, para colocar em prática um plano de ação em nível internacional, regional e nacional, com ênfase na equiparação de oportunidades, reabilitação e prevenção de deficiências. Numa das mais inspiradas charges1 alusivas ao AIPD, vemos, num canto da tirinha, um homem em cadeira de rodas sendo assediado por inúmeros repórteres com seus microfones, câmeras e holofotes. No canto oposto, um homem faz um gesto de afastamento e diz para uma criança que tenta lhe vender alguma coisa: “Nem vem! Teu ano já passou!” Como toda charge, esta é engraçada porque exagera até o ponto do ridículo a realidade que todos conhecemos. Por isso, não ficamos surpresos quando, em 1982, Ano Internacional de Mobilização pelas Sanções à África do Sul, foi a vez de as pessoas com deficiência receberem um chega-pra-lá da mídia. Mas, se o senso comum nos diz que o interesse da mídia e, por extensão, da sociedade nos Anos Internacionais só dura, quando muito, 12 meses, por que celebramos o 30º aniversário do AIPD? Historicamente, as pessoas com deficiência foram ignoradas por sociedades e governos. Marginalizadas, tratadas de forma assistencialista, sujeitas a estigmas, discriminação e tuteladas por famílias, instituições e profissionais, as pessoas com deficiência nem mesmo tinham o direito de falar por si mesmas. Inspiradas pelo AIPD, milhares de pessoas com deficiência ao redor do mundo se deram conta de que eram cidadãos plenos de direitos e se sentiram estimuladas a mobilizar seus pares para mudar a realidade injusta em que viviam. No Brasil, ainda que anteriormente já existissem diversas organizações de pessoas com deficiência voltadas a defender os interesses de seus associados, foi apenas dois anos antes de 1981 que, pela primeira vez na história, indivíduos com deficiência – estimulados pela mobilização da sociedade brasileira pela redemocratização do país e muito cientes das oportunidades que seriam oferecidas pelo AIPD –, começaram a se organizar
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. Publicada no Folhetim, suplemento do jornal Folha de S. Paulo, em 25 de janeiro de 1981, dedicado ao AIPD.
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nacionalmente, enquanto segmento social, pela conquista e reconhecimento de sua condição de cidadãos plenos de direitos. Assim, já em 1980, o movimento organizado das pessoas com deficiência dedicou-se a discutir as estratégias para o Ano Internacional das Pessoas Deficientes. A importância do AIPD para a mobilização das pessoas com deficiência e para a conscientização da sociedade e dos governos já estava na pauta das discussões e reuniões preparatórias para a realização do 1º Encontro Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes. Esse encontro pioneiro aconteceu em Brasília, entre 22 e 25 de outubro de 1980, e teve mais de 500 participantes, a maioria pessoas com deficiência. Durante esse evento histórico, o movimento decidiu suas estratégias nacionais, criou a Coalizão Nacional Pró-Federação de Entidades de Pessoas Deficientes 2 (composta por 25 entidades de dez Estados brasileiros) e entregou ao presidente da República 3 um manifesto contra o fato de que não havia representantes das pessoas com deficiência na Comissão Nacional do Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Depois dessa e de outras manifestações, o governo incluiu, na qualidade de consultor da Comissão Nacional, José Gomes Blanco, representante da Coalizão Nacional. Em São Paulo, estimuladas pelo AIPD e seu lema, antigas associações juntaram esforços a novas organizações que surgiam por todo o Brasil. Desse modo, entidades que já atuavam há anos, tais como Associação Brasileira de Deficientes Físicos (Abradef), Associação de Assistência ao Deficiente Físico (AADF), Clube dos Paraplégicos de São Paulo (CPSP), Associação de Deficientes Visuais e Amigos (Adeva), Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes (FCD), Sociedade dos Deficientes Visuais do Brasil (Sodevibra) e Associação de Integração do Deficiente (Aide), se aliaram às recém-criadas organizações reivindicatórias que começavam a surgir, como, por exemplo, Núcleo de Integração de Deficientes (NID), Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes (MDPD), Associação dos Paraplégicos e Deficientes Físicos do Brasil (APDFB) e Associação de Paraplégicos de Taubaté (Aparte). Em 12 de dezembro de 1980, o movimento paulista de pessoas deficientes realizou o primeiro evento de lançamento do Ano Internacional das Pessoas Deficientes, em Ourinhos, cidade do interior de São Paulo. Também por iniciativa do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes, com apoio de diversas organizações paulistas, com a participação de cerca de 400 pessoas com deficiência, foi realizada a cerimônia oficial de abertura do AIPD, na Câmara Municipal de São Paulo, em 14 de março de 1981. No Brasil, o evento mais emblemático de 1981 foi o 1º Congresso Brasileiro de Pessoas Deficientes, realizado pela Coalizão Nacional, em Recife, cujo objetivo principal foi reivindicar mudanças nos serviços de reabilitação e exigir a eliminação das barreiras ambientais e sociais que impediam (e ainda impedem) a inclusão das pessoas com deficiência. Mas, assim como aconteceu em todo o mundo, aqui também o Ano Internacional foi marcado por um sem-número de reuniões, seminários, simpósios, mesas-redondas, debates e uma infinidade de palestras, notícias, entrevistas e reportagens divulgadas pela mídia.
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. Mais tarde, a Coalizão se desfez e foram criadas organizações nacionais focadas nos tipos de deficiência, sem que isso significasse o enfraquecimento do movimento. Ao contrário, isso possibilitou o maior desvelamento do caráter heterogêneo do movimento e o aprimoramento das reivindicações específicas, mantendo o segmento unido na luta comum por direitos. 3
. João Batista de Oliveira Figueiredo foi o 30º presidente do Brasil, no período de 1979 a 1985.
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Nenhuma oportunidade para ampliar a mobilização das pessoas deficientes e esclarecer a sociedade sobre suas reivindicações foi desperdiçada. A inédita visibilidade propiciada pelo AIPD contribuiu para levar à sociedade as primeiras reivindicações do movimento e para governos iniciarem discussões sobre políticas públicas. Sobretudo, serviu para conscientizar as próprias pessoas com deficiência e para multiplicar suas organizações representativas. As discussões em torno dos objetivos do AIPD serviram para conceber o novo discurso dos militantes e para fundamentar as reivindicações desse movimento recém-criado no Brasil. Desde o início, ficou claro que a construção da própria cidadania passava pela edificação de uma nova identidade e isso requeria a adoção de novos termos para substituir os até então utilizados: “defeituoso”, “inválidos” e “retardados” entre outras palavras carregadas de preconceitos, que reduziam os indivíduos à sua deficiência. Por inspiração do Ano Internacional, logo no começo do movimento, os ativistas brasileiros adotaram o termo “pessoas deficientes” para afirmar e exigir o reconhecimento de que antes da deficiência vem a pessoa, o ser humano, e assim inaugurar uma nova relação com a sociedade. O Ano Internacional também contribuiu para difundir para a sociedade o conceito de que, contrariando mitos, as pessoas deficientes não formam um segmento homogêneo, pois, pessoas com deficiência física, intelectual, visual, auditiva ou com múltipla deficiência enfrentam barreiras diferentes, de natureza distinta e que devem ser superadas de modos diversos. A partir das discussões suscitadas pelo AIPD, a deficiência deixou de ser considerada uma tragédia pessoal e passou a ser compreendida como uma condição que existe numa relação entre o meio ambiente e as pessoas deficientes, cabendo à sociedade eliminar todas as barreiras culturais, físicas ou sociais que impedem o acesso das pessoas com deficiência aos diversos sistemas que se encontram à disposição dos demais cidadãos. Por estímulo do Ano Internacional, do seu lema “Participação Plena e Igualdade” e das recomendações do Programa de Ação Mundial para as Pessoas com Deficiência, aprovado pela ONU, em 1982, embasado nas discussões motivadas pelo AIPD, o movimento das pessoas com deficiência conseguiu com que as questões que lhes diziam respeito, antes, historicamente ligadas à religião ou à medicina, fossem, enfim, deslocadas para o campo das Ciências Sociais e dos Direitos Humanos. Desse modo, o AIPD lançou as bases para a construção de uma sociedade inclusiva, na qual todos os cidadãos se beneficiam quando as pessoas com deficiência têm a oportunidade de liderar o seu próprio processo de desenvolvimento. Ciente disso, a Assembleia Geral da ONU adotou, em 2010, a resolução “A Realização dos Objetivos do Milênio para as Pessoas com Deficiência para 2015 e além” que levando em consideração a importância e alcance da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência promove a integração da deficiência nos Objetivos do Milênio, incentiva maior participação das pessoas com deficiência nos processos de desenvolvimento e apela para uma Reunião de Alto Nível sobre deficiência e desenvolvimento em 2012. Não por acaso, o tema do Dia Internacional das Pessoas com Deficiência deste ano será “Juntos por um mundo melhor para todos: Incluindo pessoas com deficiência no desenvolvimento”. Esse tema reforça a certeza de que os Objetivos do Milênio de acabar com a extrema pobreza e a fome, promover a igualdade entre os sexos, erradicar doenças que matam milhões, reduzir a mortalidade infantil, melhorar a saúde materna, atingir o ensino básico universal e fomentar novas bases para o desenvolvimento sustentável dos povos não podem ser
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alcançados sem a inclusão plena e efetiva das pessoas com deficiência e sua participação em todas as etapas do processo. Além disso, para nós do continente americano, há o compromisso de fazer avançar o respeito aos direitos e ampliar políticas públicas para as pessoas com deficiência, até 2016, último ano da Década das Américas pelos Direitos e pela Dignidade das Pessoas com Deficiência, com o lema “Igualdade, dignidade e participação”, declarada pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA). Portanto, celebrar os 30 anos do Ano Internacional das Pessoas Deficientes é mais do que honrar velhos líderes e resgatar antigas histórias, por mais importante que isso seja. Celebrar os 30 anos do AIPD é oferecer uma perspectiva histórica para que os novos ativistas estejam preparados para os próximos desafios. E apontar para o futuro. Neste livro, que celebra os 30 anos do AIPD, temos o capítulo “Memórias da Luta: Protagonistas do AIPD”, a partir de entrevistas com líderes, colhidas pelo Projeto História Oral, do Memorial da Inclusão, Crismere Gadelha, Suzana Ribeiro e Lia Crespo traçam um painel da história do movimento das pessoas com deficiência, no Brasil. No capítulo “Da exclusão à participação plena na sociedade: Um panorama internacional dos 30 anos do AIPD”, Romeu Sassaki nos traz um panorama com os mais importantes fatos e momentos que marcaram a história das pessoas com deficiência, desde antes, durante e depois de 1981, no Brasil e no mundo. No capítulo “A gênese do movimento das pessoas com deficiência no Brasil: A fase heroica, as associações pioneiras e os líderes fundamentais”, Lia Crespo discorre sobre a fase inicial e presta homenagem a alguns dos líderes do movimento. O capítulo “Fazendo história: O movimento social pela perspectiva de seus líderes” possibilita um mergulho em dez relatos, marcados pela emoção e pelo bom humor. São seis entrevistas colhidas pelo projeto de História Oral, do Memorial da Inclusão, e quatro relatos originalmente feitos para a tese de doutorado de Lia Crespo, “Da invisibilidade à construção da própria cidadania: Os obstáculos, as estratégias e as conquistas do movimento social das pessoas com deficiência no Brasil, através das histórias de vida de seus líderes”. O capítulo “O esporte na inclusão da pessoa com deficiência no Brasil”, escrito por Vanilton Senatore, trata da história do Paradesporto no Brasil e sua importância para a inclusão para as pessoas com deficiência. No capítulo “Memorial da Inclusão: Os caminhos das pessoas com deficiência”, Elza Ambrósio, Crismere Gadelha e Lia Crespo tratam da história da criação e dos principais documentos que compõem a exposição desse memorial. Esperamos que – através das informações e reflexões oferecidas pelos autores dos capítulos, dos relatos feitos pelos ativistas, dos documentos e fotografias aqui incluídos – o leitor possa vislumbrar como esses líderes pioneiros atuaram no movimento social e político das pessoas com deficiência e tornaram emblemática essa jornada iniciada há 30 anos.
Linamara Rizzo Battistella Secretária de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência
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Imagem. Carta para a Década de Oitenta. Rehabilitation International. Carta para a Década de Oitenta. “A CARTA PARA A DÉCADA DE OITENTA foi aprovada pela Assembléia Geral da Rehabilitation International, em seu 14º Congresso Mundial, realizado em Winnipeg, no Canadá, em junho de 1980. Está sendo apresentada ao mundo como uma importante contribuição para o ANO INTERNACIONAL DAS PESSOAS DEFICIENTES. Traduzida pela Comissão Estadual de Apoio e Estímulo ao Desenvolvimento do Ano Internacional das Pessoas Deficientes – São Paulo. DECLARAÇÃO. Hoje, mais de 500 milhões de pessoas são deficientes no mundo. Em cada país, uma em cada dez pessoas é deficiente devido a um problema físico, sensorial ou mental. Elas têm o mesmo direito que toda a humanidade tem de crescer e de aprender, de trabalhar e de criar, de amar e ser amado, mas vivem em sociedades que não aprenderam ainda a respeitar plenamente esses direitos para todos os seus cidadãos com deficiências. São-lhes muitas vezes negadas oportunidades e responsabilidades que deveriam ser suas. Mais de 350 milhões de pessoas com deficiência vivem sem a ajuda de que necessitam para viver uma vida plena. Elas vivem em todas as nações, em todas as partes do mundo, mas a grande maioria vive, sem dúvida, em áreas com incipiente desenvolvimento social e econômico. Nesses lugares a pobreza junta-se à deficiência para envenenar as esperanças e diminuir a vida das crianças, dos adultos e das famílias. Estimativamente 25% dos membros de qualquer comunidade estão impedidos pela existência de deficiências, da plena expressão das suas capacidades. Este percentual inclui não apenas pessoas deficientes, mas também famílias e aqueles que as assistem e as sustentam. Qualquer sociedade que não conseguir dar uma solução efetiva a esses problemas aceitará não apenas uma imensa perda de recursos humanos, mas também um cruel desperdício de potencial humano. Através da História, a humanidade tem levantado barreiras físicas e sociais que excluem da plena participação em suas comunidades as pessoas julgadas diferentes devido a alterações físicas ou mentais. Edifícios e meios de transporte são, na maioria dos casos, inacessíveis a muitas pessoas com deficiência. A informação e a beleza não alcançam aquelas cuja visão, ou audição, ou compreensão esteja prejudicada. O calor da associação humana é bloqueado para crianças e adultos cujas capacidades físicas ou mentais são diferentes da maioria das pessoas. Educação, emprego produtivo, serviços públicos, recreação e outras atividades humanas são negados a muitos ou permitidos apenas segregadamente. Para pessoas com deficiências as mais sérias, que jamais conseguirão ser capazes de atividade independente, muitas vezes tem havido absoluta negligência ou esforços insuficientes para ajudar em seu desenvolvimento pessoal e para melhorar a qualidade de suas vidas. Conhecimento e experiência já existem para capacitar cada nação a remover as barreiras que excluem as pessoas deficientes da vida de suas comunidades. É possível a cada nação abrir todas as suas instituições e sistemas a toda a sua população. O que está faltando muitas vezes é o desejo político de proclamar e de passar para a ação as orientações necessárias para concretizar esse objetivo. Uma nação que deixa de dar cobertura a esse desafio, fracassará na compreensão de seu real valor. Pobreza e guerra não causam apenas deficiência, mas também afetam a disponibilidade de recursos para sua prevenção e reabilitação. Os objetivos deste documento requerem, para sua plena concretização, portanto, uma distribuição mais equitativa dos recursos do mundo e relações entre nações, que sejam baseadas na razão e na cooperação. Nesta Década deve ser o objetivo de todas as nações reduzir a incidência da deficiência e desenvolver as sociedades para respeitarem os direitos das pessoas deficientes, dando boa acolhida á sua plena participação. Por essas razões é promulgada esta CARTA PARA A DÉCADA DE OITENTA. Seus objetivos, cada um de igual importância e prioridade, poderão ser alcançados apenas quando houver uma modificação básica das atitudes de cada sociedade para com a deficiência e de suas respostas aos problemas das pessoas deficientes. Os objetivos são: Deslanchar em cada nação um programa para a prevenção de tantas anomalias quanto possível, e assegurar que os serviços necessários de prevenção atinjam toda família e toda pessoa. Assegurar que toda pessoa com deficiência e toda família que tenha um membro deficiente recebam os serviços de reabilitação e outros tipos de apoio e assistência que sejam necessários para reduzir os efeitos incapacitantes da deficiência e tornar possível a cada pessoa viver uma vida plena e ter um papel construtivo na sociedade. Tomar todas as medidas necessárias para assegurar a integração mais completa possível e a participação equânime de pessoas deficientes em todos os aspectos da vida de suas comunidades. Disseminar informações quanto a pessoas deficientes e seu potencial, bem como a respeito das deficiências, sua prevenção e tratamento, a fim de aumentar o conhecimento público e a consciência desses problemas e de sua importância para toda a sociedade. É importante que cada país prepare um Plano Nacional completo para atingir esses objetivos à luz dos princípios enunciados neste documento e de suas próprias circunstâncias. O plano deveria envolver todos os setores mais significativos da vida nacional e ser um componente de alta prioridade em todos os programas de desenvolvimento nacional: deveria prover meios para a participação plena das pessoas com deficiências em tais programas. É essencial que cada nação tenha em seu governo uma repartição ou um indivíduo de nível elevado, diretamente responsável junto ao Chefe de Estado ou de Governo, conforme o caso, para dirigir a preparação de Plano Nacional e para coordenar a sua implementação. Essa repartição ou essa pessoa deveria ser auxiliada por um organismo consultor nacional, incluindo representantes de todos os departamentos governamentais relevantes, organizações de pessoas deficientes e grupos voluntários e profissionais. A CARTA PARA A DÉCADA DE OITENTA é uma declaração de consenso sobre medidas para possibilitar à humanidade garantir e incrementar os deveres e os direitos de toda pessoa, tanto aquela que é chamada de deficiente, quanto aquela que não é.” Colaboração Imprensa Oficial do Estado S/S – IMESP. Legenda: Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Cedipod.
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CAPÍTULO
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Memórias da Luta: Protagonistas do AIPD Crismere Gadelha, Lia Crespo e Suzana Ribeiro
Por inspiração do lema “Nada sobre nós, sem nós”, em meados de 2009, decidimos buscar, junto aos próprios protagonistas do movimento das pessoas com deficiência, os mais de 700 documentos que hoje compõem a Exposição Memorial da Inclusão: Os caminhos das pessoas com deficiência4. Enquanto o material era colhido, reproduzido e devolvido aos seus guardiões, tão concentrados estávamos nas tarefas de concretizar a exposição, que não notamos, de imediato, que semeávamos um campo fértil. Aos poucos, fomos sendo envolvidos pela narrativa dos duros embates para a conquista de direitos, das brigas entre amigos seguidas do reatar de laços, dos eventos recheados de histórias pitorescas, dos acampamentos memoráveis e das viagens inesquecíveis. Muitos dos militantes, familiares e representantes de instituições manifestaram o desejo de doar seus documentos, tão ciosamente guardados durante mais de 30 anos, para a formação de um acervo histórico disponível à consulta de pesquisadores e interessados no movimento social das pessoas com deficiência. Em 3 de dezembro de 2009, na inauguração oficial da Exposição do Memorial da Inclusão, durante o Seminário “Memórias, Conquistas e o Futuro do Movimento Social das Pessoas com Deficiência no Brasil”, boa parte dos personagens homenageados compartilhou com o público lembranças muito caras ao movimento. Ao concluir essa primeira fase (porque ela é uma obra aberta, em constante evolução), percebemos que a exposição Memorial da
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. www.memorialdainclusao.sp.gov.br.
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Imagem. Retratos coloridos dos 23 entrevistados contemplados no capítulo. Os retratos, no tamanho aproximado de 2 por 2, estão dispostos no interior de um quadro no formato oval, de cor laranja, tendo como marca d’água o logo do AIPD. Abaixo há a legenda e lista dos nomes: Adelino Ozores Neto Segundo; Ana Maria Morales Crespo (Lia Crespo); Antonio Carlos Munhoz (Tuca Munhoz); Aparecida Akiko Fukai; Célia Camargo Leão; Celso Zoppi; Cíntia de Souza Clausell; Cláudia Marques Maximino; Francisco Núncio Serignoni (Chico Pirata); Gonçalo Aparecido Pinto Borges; Ilda Mitico Saito; Iracema Alves Lazari; João Batista Cintra Ribas; Leila Bernaba Jorge Klas; Linamara Rizzo Battistella; Márcia Cruz; Maria Amélia Vampre Xavier; Maria de Lourdes Ribeiro; Marisa do Nascimento Paro; Marta de Almeida Machado; Nilza Lourdes da Silva; Suely Harumi Satow e Wanderley Ferreira dos Santos.
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Inclusão mostra uma história multifacetada, bordada como uma colcha de retalhos, na qual cartas, relatórios, cartazes, fotos, revistas e vídeos se entrelaçam a memórias e afetos que tais documentos fizeram emergir. Naquele momento, apresentou-se com vigor e clareza a necessidade premente de criarmos o Projeto de História Oral e o Banco de Memórias da Inclusão. Iniciamos a concretização desses projetos logo nos primeiros meses de 5 2010 . Na primeira fase do Projeto de História Oral, foram entrevistadas pessoas que atuaram desde o início do movimento e, especialmente, durante 1981, o Ano Internacional das Pessoas com Deficiência (AIPD). As entrevistas privilegiaram o diálogo com os colaboradores, considerando as memórias e subjetividades de cada um. Nesse processo de intervenção e mediação, deu-se a construção das narrativas relativas às vivências pessoais e às experiências do grupo formado em torno da identidade comum a todos, essencialmente marcada pela invisibilidade e pela busca da inclusão. Para a realização desse registro, foi elaborado um roteiro com perguntas sobre a infância, formação, envolvimento na militância, atuação durante o AIPD, vivência em relação à questão da deficiência e percepção quanto às conquistas e ao caminho trilhado. Apesar da existência desse roteiro inicial, o que prevaleceu, no momento do encontro, foi o respeito ao modo de os entrevistados tratarem os assuntos sugeridos e a importância que deram a eles. Desse modo, a propoºsta foi descobrir os temas relevantes nas diversas histórias de vida, sem precisar trazer à tona fatos históricos preestabelecidos (MEIHY, 2005 e RIBEIRO, 2007). Neste capítulo, apresentamos uma ínfima parte do tesouro colhido pelo Memorial da Inclusão.
Histórias dessa história A maior parte dos entrevistados, bem como suas famílias, foi fortemente marcada pelo quase completo desconhecimento e despreparo dos profissionais para lidar com suas deficiências e necessidades específicas. Além dessas dificuldades, as famílias também se viam às voltas com sentimentos contraditórios. Por um lado, havia o discernimento intuitivo para lidar com o filho deficiente, o desejo de estimular seu desenvolvimento para que tivesse um futuro. Por outro, não faltavam dúvidas, sentimentos de culpa, vergonha e medo decorrentes do desconhecimento das causas e significados da deficiência: Meu filho nasceu com síndrome de Down, alteração no cromossomo 21, e encarei, na hora, com uma revolta tão grande... Até então, eu era completamente independente. Enfrentava muito bem as calçadas, andava com aparelho ortopédico, mas com muita desenvoltura. Frequentava festas e namorei bastante, não nego. “Qual é o problema do bebê?” Naquele tempo, o termo era mongoloide, então, falei: “Ele é mongoloide.” A funcionária do hospital respondeu: “A senhora está no lugar errado, porque aqui só cuidamos de loucos. Não conheço mongoloide.” Perguntei: “Então, se você não conhece, não tem algum médico a quem possa perguntar para onde eu devo ir?” (...) Aí, começou a minha luta, porque não perdoei que esse hospital do governo não tivesse funcionários capacitados para falar comigo e me dar uma resposta. Ela insistia: “Ele é louco?” Eu falei: “Não, que eu saiba.
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. O Memorial da Inclusão realizou 32 entrevistas em 2010, as quais compõem o Banco de Memórias da Inclusão. Essas entrevistas foram conduzidas por Suzana Lopes Salgado Ribeiro. O Banco é complementado pelas 6 entrevistas realizadas por Ana Maria Morales Crespo, a Lia Crespo, por ocasião de sua pesquisa de doutoramento em História Social, na Universidade de São Paulo. Lia Crespo doou suas entrevistas ao Projeto Memorial da Inclusão.
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Não! Não é louco. Ele tem mongolismo e precisa ser tratado.” Disseram: “Mas nós não sabemos como!” E o Heitor rindo, brincando com a chupeta, com o ursinho e com a girafinha. (Iracema Alves Lazzari) Um médico deitou o Ricardo, para tirar radiografia, e me disse assim: “A cabeça desse menino não tem nada que funcione. Nada! Ele tem a cabeça de um velho.” (...) A minha ideia era fugir com o Ricardo para algum lugar longe, onde ninguém nos conhecesse. Foi a minha primeira grande crise de angustia! Passei a noite virando de um lado para o outro. (...) Quando fundamos a Apae de São Paulo, em 1960, havia o chamado modelo médico, então os pais e mães eram totalmente ignorados. Por exemplo, os médicos da época (não os ligados à Apae e à PUC, porque esses eram de outro tipo) diziam assim: “Quantos filhos o senhor tem?” Se o pai respondesse: “Ah, tenho três.” O médico dizia: “Pois é, então, esqueça este aqui, porque não vai dar em nada. Vai ser como um vegetal. Coloque em algum lugar, um internato qualquer e esqueça que ele existe.” Como se isso fosse possível para um pai e uma mãe. Os pais ficavam apavorados. As famílias grã-finas, de fazendeiros, escondiam o filho que nasceu com deficiência. Botavam lá em São Carlos, bem longe, com uma pessoa tomando conta dele. Muitas vezes, os filhos, os outros irmãos, não sabiam que tinha nascido uma criança com deficiência. Acontecia tudo isso! Quer dizer, havia uma vergonha. Era uma coisa horrorosa ter um filho com deficiência. Era porque alguma coisa de mal tinha sido feito, sinal que algo seu estava errado. (...) Daí, surgiu o Projeto Momento da Notícia, da Apae. (Maria Amélia Vampré) Até os 17 ou 18 anos, tinha muito preconceito com relação à minha própria deficiência. É até possível entender um pouco o motivo. Até os 40 e poucos anos, usei aparelho ortopédico. Um equipamento pesado, que passou por poucas atualizações. (Nesse sentido, as órteses se desenvolveram muito menos do que as próteses.) Era um aparelho que me machucava e causava ferimentos. Por usar aparelhos, passei minha infância e adolescência ouvindo da minha família inteira: “O meu filho se livrou da cadeira de rodas.” Como se ela fosse um objeto horrível. Ainda hoje, existe uma imagem preconceituosa em relação a ela. No imaginário popular, é tida como uma prisão. Mas, na verdade, é o contrário! A cadeira de rodas é a liberdade! Então, apenas depois dos 40 anos tive uma cadeira de rodas. (João Baptista Cintra Ribas) Lembro que, na minha infância, morava no décimo andar de um prédio, na Avenida São João. Quando nasci, foi aquele choque. Foi um susto, pois minha irmã não tinha nada. Eu era a segunda filha e nasci sem pernas e sem braços. Minha mãe dizia que queria muito me jogar pela janela e pular em seguida! Não fez isso porque tinha a minha irmãzinha dois anos mais velha. (...) Fiquei internada na AACD (Associação de Assistência à Criança Defeituosa). Na verdade, minha mãe começou minha reabilitação com 8 meses, porque nasci com os pés grudados, os quais ela teve uma percepção brilhante de pedir para o médico tirar para que eu pudesse usar as próteses. Os médicos falavam: “Imagina, a senhora é louca! Sua filha nunca vai andar!” Não se sabia as perspectivas de vida das vítimas da talidomida. Mesmo quando nasci, o médico se perguntou: “O que aconteceu?” Começaram a fazer uma pesquisa. Minha mãe falou que passou muito mal com enjoos: “O médico me receitou e tomei dez comprimidos.” Minha mãe não teve nenhum enjoo na primeira gravidez, só passou mal na minha. (Cláudia Marques Maximino) Lembro que eu não queria estudar por causa da minha mão, que não tinha coordenação fina para escrever. Uma vez, minha mãe teve um ataque de nervos e jogou todos os meus livros para o alto: “Se você não quiser ser nada na vida, não estuda mais, fica aí jogada num canto.” Chorei pra caramba, recolhi todos os meus livros e cadernos falando: “Não. Eu quero estudar!”(...) Fiz o colegial e depois entrei na PUC para fazer Filosofia, em 1972. Essa era uma época brava! (...) Lia todos os textos de Filosofia e também coisas como literatura. Todo mundo ficava espantado: “Puxa, essa menina lê e faz tudo isso!” Depois de seis meses, começou a me dar uma dor de cabeça que não
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passava com nada. Se fizesse um pouquinho mais de esforço, parecia que o crânio ia esmagar o meu cérebro. (...) Eu e minha mãe fomos procurar médicos. Foi quando um médico perguntou: “A sua filha faz coisas perigosas, tipo subir no telhado? A sua filha deixa as roupas espalhadas pela casa?” E foi continuando com essas perguntas. Aí, a minha mãe falou: “Calma. Não é nada disso que o senhor está pensando. Uma ‘retardada mental’ não consegue chegar até o segundo ano de Filosofia, na PUC, em São Paulo.” (Suely Harumi Satow)
Muitos dos entrevistados mantêm uma relação indissociável com os centros de reabilitação, nos quais estiveram internados, durante a infância e adolescência. Criados nas décadas de 1920-1930, com seu auge nas décadas de 1960 e 1970, os centros de reabilitação continuam ativos até hoje. São instituições baseadas na disciplina rígida, apoiadas no atendimento conforme os tipos de deficiência (que na maior parte das vezes desconsidera necessidades e desejos individuais) e, profundamente, calcadas no “modelo médico da deficiência e no discurso científico tido como verdade absoluta, que desqualifica todas as outras possibilidades de entendimento e todos os outros conhecimentos tidos como não científicos” (NALLIN, 1994, p.39)6. Os entrevistados se deram conta de que a reabilitação física e o conforto arquitetônico das entidades de assistência à pessoa com deficiência não garantiam a inclusão. Fora dos muros dos centros de reabilitação e das associações de assistência – com suas dependências acessíveis –, as pessoas com deficiência se deparavam com o contexto social totalmente inacessível e, quase sempre, preconceituoso. Ainda que algumas pessoas tivessem conhecimento de como a questão da deficiência era tratada em outros países, sob a égide do paradigma da integração, ninguém questionava que a responsabilidade de mudar essa realidade era inteiramente do indivíduo: Na AACD era tudo acessível: rampa, cama adaptada, cadeira de roda, banheiro espaçoso, cadeira de banho. Nesse mundo, você tem certa independência. Aí, você vai para casa e encontra degrau, não dá pra subir ao quarto, tem que dormir na sala, no banheiro não cabe a cadeira, é degrau em tudo quanto é lado, não tem rampa, as pessoas não sabem te pegar, ninguém treinou a família para você ir para casa. “Opa, espera lá, vamos ter que ver isso aqui! Vamos ter que mudar essa realidade. As pessoas vão ter que aprender a lidar comigo e eu vou ter que aprender a lidar com os ambientes!” Mas, em 1976, o movimento das pessoas deficientes ainda não existia no Brasil. Nossa atuação ainda era muito individual. As únicas associações que existiam eram a AACD e a Apae. Mas, elas não brigavam pelos direitos das pessoas com deficiência. Elas se preocupavam só com o tratamento, em mandar a pessoa para casa. Mas, sem a preocupação de saber se a pessoa seria produtiva. Quando saí da AACD, em 1976, a exclusão da pessoa com deficiência era total. Você não tinha direito de trabalhar, de estudar. Mas, a gente sabia da realidade das pessoas com deficiências no mundo, através do contato com o pessoal que vinha fazer intercâmbio na AACD. Vinha gente do Chile, da Colômbia, do Peru, de Portugal, da Espanha. A gente começou a ver os movimentos dos EUA, por conta, inclusive, da guerra do Vietnã e de outras guerras que estavam acontecendo. As pessoas com deficiência, nos EUA, já em 1975, começaram a se impor perguntando pelos seus direitos. Isso acabou gerando reflexos no Brasil. Em 1980 começou o movimento. Eu estava fora do hospital havia quatro anos. (Adelino Ozores)
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. CRESPO, Ana Maria Morales. Da invisibilidade à construção da própria cidadania. Os obstáculos, as estratégias e as conquistas do movimento social das pessoas com deficiência no Brasil, através das histórias de vida de seus líderes. Tese de doutorado, FFLCH/USP, 2009.
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Dentro da AACD, a gente tomava contato com os outros paraplégicos. Sempre falavam: “Aqui dentro é uma beleza, não tem escada, tem banheiro adaptado. As entidades são muito boas com a gente aqui, mas, lá fora, não têm nenhuma representatividade. Não mudam o mundo lá fora.” Fui tomando contato. Eu me lembro da Akemi, uma japonesa que morava lá dentro da AACD. Ela me apresentou o MDPD. Ela falou: “Esse pessoal formou um movimento que está fazendo reivindicações, lutando para que aconteçam algumas coisas. Quando você sair daqui, vai ver a realidade. Não vai ter ônibus. Provavelmente, na escola em que você estuda, não vai ter banheiro. Não vai ter adaptações. Você vai ver que tudo é diferente. Se isso não começar a ser mudado, nunca vai mudar.” Isso foi em 1980. (Wanderley Ferreira dos Santos) Minhas cirurgias foram feitas no HC (Hospital das Clínicas). Mas, a preparação dos aparelhos ortopédicos e a reabilitação sempre foram feitos na AACD, onde aprendi a nadar. Mas, a minha relação com as outras crianças com deficiência era distante, como se a deficiência nos distanciasse, em vez de nos aproximar. Não era uma relação gostosa. Acho que eu não via a minha própria deficiência de uma maneira boa também. Não via de uma maneira positiva. (Tuca Munhoz)
Redemocratização, movimento e preparação para o AIPD A “fase heroica” do movimento das pessoas com deficiência coincide com o mandado do general João Batista Figueiredo (1979-1985). Durante seu governo, foi dada continuidade à abertura política, iniciada no governo de Ernesto Geisel (1974-1979), e foi promulgada a Lei da Anistia7. Em 30 de abril de 1981, ocorreu o chamado atentado do Riocentro, um frustrado ataque à bomba, durante um show comemorativo do Dia do Trabalhador. Foi nesse contexto, a exemplo de inúmeros setores da sociedade – como os negros, as mulheres, os homossexuais, os semterra (GOHN, 1997 e 2003) –, que as pessoas com deficiência também se mobilizaram por direitos. A invisibilidade social dessas pessoas também foi uma das marcas dos anos de ditadura no Brasil. A mídia evitava veicular imagens de pessoas com deficiência e as instituições prestadoras de serviço para essas pessoas as representavam perante todas as instâncias. Assim, ainda que a sociedade estivesse em processo de abertura, é interessante notar que o regime militar mantinha vigilância sobre todos aqueles que se destacavam pelo inconformismo em relação ao status quo. Prova disso é que o Memorial da Inclusão, em pesquisa no Arquivo Público do Estado, descobriu que não apenas o militante do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes (MDPD), Cândido Pinto de Melo (19478 9 2002) , foi vigiado pelo Dops . Também, há registro da atuação de Isaura Helena Pozzatti e Maria de Lourdes Guarda (1928-1996), ambas, à época, da coordenação da Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência. Ainda que pareça inacreditável, de acordo com a documentação encontrada, os 7
. Nome popular da Lei n° 6.683, promulgada em de 28 de agosto de 1979, graças à Campanha da Anistia, organizada pela sociedade brasileira. 8
. Cândido tornou-se paraplégico, no dia 28 de abril de 1969, aos 22 anos, quando sofreu um atentado desferido pelas forças do regime militar. Ele era presidente da União dos Estudantes de Pernambuco (UEP), entidade cassada pela ditadura. 9
. Departamento de Ordem Política e Social (Dops), criado em 1924, foi o órgão do governo brasileiro, utilizado principalmente durante o Estado Novo e mais tarde no Regime Militar de 1964, cujo objetivo era controlar e reprimir movimentos políticos e sociais contrários ao regime no poder.
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“arapongas” estiveram presentes, colheram e anexaram em seu relatório os folhetos distribuídos durante o primeiro ato público realizado pelo movimento, em 1981, em frente ao Teatro Municipal, no centro da cidade de São Paulo. Portanto, não julguemos como mera paranoia ou fantasia os receios dos ativistas em defesa dos direitos das pessoas com deficiência: Acho que em 1979 ou 80, fazíamos reunião da equipe de coordenação da FCD, na igreja do Carmo, lá na Rua Monsenhor Passalacqua. Naquela ocasião, tínhamos que pedir licença para o Dops. Sim, pedir licença para o Dops, mandar a relação dos nomes dos participantes e dizer o motivo da reunião! Em uma ocasião, estávamos em Parelheiros, acho que num encontro de formação ou coisa parecida, e a gente começou a aprender a letra daquela música Caminhando (Pra não dizer que não falei das flores), do Geraldo Vandré. Um dos participantes era medroso que só e falou: “Não! Essa música a gente não deve cantar porque se o Dops aparece por aqui o que vai acontecer? Todos os aleijadinhos vão ser presos!” Tinha repressão, sim! Nossa Senhora! (Ilda Mitico Saito) O MDPD se caracterizou mais por elaborar as leis. Tinha o Cândido Pinto de Melo que vinha do movimento estudantil. Ele era uma pessoa com muita visão política. Quando houve aquele encontro, no sítio em Ibiúna10, o exército cercou os estudantes e ele foi preso. Cândido contava isso para mim. Esse fato inclusive é relatado no livro do Zuenir Ventura, chamado “1968: o ano que não acabou”. O Cândido, às vezes, contava essas histórias. Via também, pela personalidade dele, muita liderança e conhecimento. Sem dúvida o Cândido era o grande líder em todos esses eventos. Era bom para conversar com políticos. Ele conversava de igual para igual. As pessoas o reconheciam como um líder. (Wanderley Ferreira dos Santos) Em 1975, quando começam as Declarações de Direitos e começava a existir um movimento de ação mundial, o Brasil vivia o auge do período revolucionário. Por mais que tivéssemos conexão com o mundo de fora, as repercussões internas sobre qualquer ação mundial eram muito tímidas. Havia algum tipo de temor com relação à organização dos movimentos comunitários. Não era bem visto ter uma associação de bairro, ou um centro acadêmico. Certamente, numa fase de pouca liberdade, uma questão como essa acaba ficando muito diluída. Acho que desaprendemos, em algum momento, a participar e olhar para o outro. O sentido de alteridade fica diminuído quando se é privado de liberdade. E não era uma privação ostensiva, explícita. Em 1975, não se via mais ninguém sendo preso. A movimentação estudantil começava a ser um pouco mais normal, mas ainda existia muito temor, essa era a verdade. 1981 sinaliza uma coisa que é maior do que o movimento de luta pelos direitos das pessoas com deficiência. Era mais do que um movimento de luta, era um movimento que reuniu efetivamente toda a sociedade. Acho que teve uma importância grande para as famílias e associações que trabalhavam com a deficiência intelectual e acho que foi um momento importante para esse grupo de pessoas. Porque, se de um lado, as questões que envolvem a deficiência física e até a visual tinham uma razoável aceitação social, a deficiência intelectual ainda estava muito circunscrita às entidades. (Linamara Rizzo Battistella)
Em função da preparação para o Ano Internacional das Pessoas Deficientes e para a década mundialmente dedicada às pessoas com deficiência, sob a proteção da Carta para a Década de Oitenta, da Reabilitation Internacional, muitos grupos se uniram e passaram a atuar juntos.
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. Cerca de mil estudantes que participavam do 30º Congresso da UNE, iniciado clandestinamente num sítio, em Ibiúna, no sul do Estado, foram presos por soldados da Força Pública e policiais do Dops. Publicado na Folha de S. Paulo, domingo, 13 de outubro de 1968, (http://almanaque.folha.uol.com.br/brasil_13out1968.htm).
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Passaram-se os anos, tinha uma entidade aqui outra ali. Havia o NID, a Associação de Integração do Deficiente (Aide), a FCD e outras. Éramos pequenos, então por que não nos unirmos para uma coisa maior, fazer um movimento de luta por direitos? Então nós fundimos, unimos todas essas entidades, viramos um movimento. O MDPD foi fundado! Entreguei a Aide para o MDPD. Começamos a exigir que o metrô tivesse elevadores, rampas, que as calçadas fossem modificadas, que o ensino do braile fosse feito nas escolas como obrigatoriedade, como lei, exigindo salas brailes, livros confeccionados gratuitamente e professores itinerantes. Uma porção de exigências. (...) Quando o movimento começou, eram oito coordenadores. Tinha o Cândido, o Rui, o Gilberto e outras pessoas. Acho que a Lourdes estava e eu também fazia parte. Nós nos reuníamos uma vez por mês. Quando o movimento começou a tomar vulto, fomos participar, em Brasília, de alguns eventos. A coisa começou a pegar em vários Estados e começamos a fazer parte de uma executiva nacional. (Leila Bernaba Jorge Klas) Em 1979 e 80, a turma se reunia. Era um grupo maravilhoso, não havia briga, era só discussão dos problemas, das leis. Porque as leis eram feitas de cima para baixo, mandando na gente. Quisemos acabar com isso. No movimento, formaram-se os grupos de trabalho: barreiras arquitetônicas, saúde, transporte, cultura. Eu peguei o grupo de transporte e barreiras arquitetônicas. A gente começou a lutar juntos. (Nilza Lourdes da Silva) O Romeu já sabia de entidades que tinham sido formadas e convidou o pessoal do NID para participar das reuniões. O movimento estava bem ativo mesmo. Uma vez por mês, nós nos reuníamos numa sala de aula, nas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), ou onde fosse possível. Sempre havia mais de 80 pessoas, a maioria com deficiência, que se colocavam em círculos concêntricos. Vinha gente do interior participar. Isso aconteceu, regularmente e sem falhas, durante um ou dois anos seguidos, até a criação do Conselho Estadual, em 1984. Foi o Romeu quem trouxe a novidade do Ano Internacional para a gente. Em 1980, fizemos, em São Paulo, vários encontros paulistas e nacionais, preparatórios para o Ano Internacional, que envolveram muita gente e foram bem interessantes. (Lia Crespo)
O movimento social ampliou e recriou o espaço público, bem como transformou a imagem das pessoas com deficiência, ao dispensar seus antigos porta-vozes (os médicos, os padres, os políticos) e passar a falar por si mesmos. E, o mais importante, se fizeram ouvir. E isso só foi possível, como grupo ou coletivo, por meio da “cidadanização” de seus membros. Passei realmente a me ver como uma cidadã. Não mais como indivíduo, que deveria estar resolvendo as coisas isoladamente, mas como uma cidadã que tinha direitos e que deveria exigir que os direitos fossem respeitados. (Lia Crespo)
Excetuando-se aqueles poucos que já tinham uma atuação política anterior ao movimento, todas as outras aprenderam as habilidades para negociar e harmonizar interesses diferentes, participando das reuniões. Algo, por vezes, impensável na vida dessas pessoas, antes da entrada no movimento social. Assim, os militantes repensaram uma concepção de Estado e Sociedade em termos contemporâneos. Ultrapassaram a esfera de suas preocupações particulares e se empenharam ativamente em modificar a realidade de todas as pessoas que enfrentavam dificuldades semelhantes. Sabem que seus destinos estão atrelados à sorte dos demais cidadãos. Portanto, é natural que os militantes do movimento das pessoas com deficiência se interessem ativamente pelo que se passa na sociedade em geral. Assim, é natural que “esses mesmos homens e mulheres” se tornem “sujeitos ativos da política explícita”
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(Castoriadis, 1992, p.113). Desse modo, extrapolando os limites das necessidades das pessoas com deficiência e, ao mesmo tempo, elevando os interesses dessas pessoas a patamares mais altos, diversos militantes, treinados nas lides do movimento, seguiram a vida política. Entre os entrevistados temos os exemplos da deputada estadual Célia Leão e do vereador Celso Zoppi.
Estratégias de luta Como um movimento multifacetado, os diversos grupos de pessoas com deficiência tinham estratégias diferentes de atuação que se completavam. O NID, além de dedicar-se a disseminar sua filosofia de atuação, através de um bemhumorado jornal, e elaborar políticas públicas, também se destacava por “forçar” o acesso e o atendimento às pessoas com deficiência, enquanto consumidoras que são, ao reunir-se em teatros, cinemas e eventos culturais diversos. A FCD notabilizou-se por buscar as pessoas com deficiência onde quer estivessem em situação de marginalidade (prisões, asilos, hospitais e, mesmo, residências familiares), para “resgatar” a autoestima e mobilizá-las para a causa. O MDPD teve forte atuação na elaboração de leis para assegurar direitos, discutiu profundamente as principais questões e travou o bom combate contra o modelo médico da deficiência. E todos organizaram e participaram de várias manifestações públicas em protesto contra a falta de acesso, algumas consideradas hoje simbólicas, como a realizada no metrô, durante a qual uma militante se acidentou na escada rolante, e a passeata em frente ao Teatro Municipal, no centro de São Paulo. Às vezes, Romeu, Ana Rita e eu varávamos a noite escrevendo documentos, como, por exemplo, propostas para a criação de um órgão que coordenasse a política para as pessoas com deficiência no Estado de São Paulo. (...) Em 1982, houve as primeiras eleições democráticas para governador, senador, deputados estaduais e federais, depois da abertura política. Foi uma época bastante fervilhante. O NID organizou mesas-redondas, com os principais partidos políticos, para discutir a questão da pessoa com deficiência. Fizemos uma série de reivindicações e reclamações quanto à falta de acesso aos locais de votação. Fui muitas vezes a Brasília para levar nossas reivindicações aos políticos. (Lia Crespo) Saíamos juntos, íamos à feira de Utilidades Domésticas (UD), ao cinema, ao teatro. Íamos a lugares mais amplos, numa turma, para chamar a atenção mesmo! Estávamos lá para ser vistos e aceitos. A gente passava na rua e as pessoas olhavam e admiravam. Chocava um pouco. (...) Diziam: “Nossa! O que esse bando está fazendo aqui? Vão pedir esmola?” Esse tipo de comentário pejorativo era comum, pois as pessoas deficientes que normalmente eram vistas nas ruas pediam esmolas. Queríamos mudar essa percepção, para uma imagem em que se visse que temos a limitação, mas, no restante, somos humanos, com tantos interesses quanto os outros. Podemos gostar de cinema, de teatro, de shows como qualquer outro. (...) Eram frequentes as nossas atividades e eventos. Em 1981, no Ano Internacional, o NID participou de uma feira de artesanato, realizada na Praça Roosevelt. Quem quisesse podia expor. A gente fez algo sobre barreiras arquitetônicas. (Marisa do Nascimento Parro) A lei da talidomida era de 1982 e me dava direito a quatro salários mínimos. Só que o governo, durante o processo inflacionário, deixou de aplicar a correção monetária e o valor foi desvalorizado. No passado, existia só uma associação de pais e amigos das vítimas, a ABTV (Associação Brasileira das Vítimas de Talidomida), do Rio Grande do Sul, com regionais em Minas e São Paulo. Essa associação era forte. Eu ligava e perguntava: “O que vocês estão fazendo? Por que a nossa pensão está assim?” Eles respondiam, fazendo corpo mole: “Estamos entrando com ação, mas...” (...) Falei “Já
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que esse povo não faz nada eu vou fazer!” Consegui colocar, de graça, um anúncio no jornal, com o título “Vitima da talidomida faça parte do grupo” e divulguei meu telefone. (...) Meia dúzia de pessoas me telefonou. Estava todo mundo com uma pensão pior do que a minha, pois isso depende do grau da limitação da pessoa. Comecei a andar atrás de políticos. Sentava nos gabinetes e falava: “Não saio daqui enquanto não conseguir contar e comprovar minha triste história.” Eu dizia: “Olha, eu fiz uma faculdade, mas não consigo emprego por conta de transporte e outras dificuldades. Como é que eu vou fazer?” Sentei lá com o senador, que disse que ia me arrumar uma audiência com o ministro da Previdência. Mas, era muito engraçado, porque quem era a Cláudia? Quem era essa associação de São Paulo? (Cláudia Marques Maximino) Em 1980 e 1981, no Ano Internacional, tivemos as mesas-redondas, durante as quais se discutiu todos os problemas. O grupo de transportes, do qual fiz parte, se reunia toda sexta-feira, durante muito tempo na ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). Tinha muita gente da USP, sociólogos, médicos, pessoas especializadas em barreiras arquitetônicas. A discussão era grande e bem movimentada. Foi um movimento que abriu para a participação de todos. A primeira vez em que a gente fez uma manifestação, pela implantação da acessibilidade no metrô, uma amiga batalhadora, a Helena Melo de Oliva, caiu da escada rolante, porque o segurança não soube levá-la. Foi terrível! Ela tinha feito quimioterapia. Usava peruca, que foi longe. Tudo foi muito constrangedor e triste. Estávamos mostrando ao povo que precisávamos de acessibilidade. Precisávamos que as barreiras fossem eliminadas! (Nilza Lourdes da Silva) Em 1981 tivemos o Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Tínhamos uma luta muito grande. O NID tinha um jornalzinho chamado “O Saci”. Eu fazia a ilustração e a diagramação, a Lia fazia os textos. Ela é uma excelente jornalista, tem uma cabeça maravilhosa. Ana Rita cedia a casa dela, em Pinheiros, perto da USP, para que a gente fizesse “O Sacizinho”. A gente varava a noite. Algumas pessoas rodavam os originais no mimeógrafo, para podermos espalhar o jornal. A gente fazia da nossa vida uma sátira, era muito gozado. Fazíamos piada das nossas aventuras, das nossas loucuras, das nossas reuniões. (Gonçalo Aparecido Pinto Borges) O metrô chegou em São Paulo e não fez acesso para deficiente. Daí eu falei: “Gente, não adianta ficar pedindo, a gente tem que entrar com uma ação na Justiça.” Acho que foi a primeira ação pelos direitos que o movimento moveu, contra a Companhia do Metrô. (Márcia Cruz) Durante o Ano Internacional do Deficiente, a Fraternidade fez um encontro, que durou uns nove dias, se não me engano. Ficamos na casa de retiro São José, que foi emprestada. Fiquei lá, com todo mundo, fazendo as coisas. Era festa de São João. Ah, foi muito lindo! Vieram os deficientes visuais, o pessoal do Sul. Todo mundo! Vieram também os hansenianos, entre eles, um moço, cujo apelido era Bacurau. Ele fazia muitas músicas, escrevia e cantava muito bem. Foi muito lindo este Ano Internacional! (...) Levamos os deficientes para o metrô. Eles perguntavam: “Por que não tem rampa?” Naquele dia, o metrô atrasou três horas. Tinha uma moça que estava com câncer que rolou pela escada, porque o segurança não soube segurá-la. Daí, os outros não queriam descer. Um deficiente chamado Edson, de Campinas, que tinha uma fragilidade óssea, falava para mim: “Lourdes, manda parar a escada rolante para eu descer.” Falei para o segurança: “Para a escada para ele descer, porque agora eles estão com medo.” Porque não dava para passar. Não tinha banheiro adaptado, nem elevador. Nada. A partir daí, começaram a pôr elevador, fazer rampa, a agilizar as coisas. Melhorou um pouco. Esse é o tipo de trabalho que os colaboradores da FCD, como eu, fizeram de coração. (...) Foi logo que a gente começou a Fraternidade. Ah, como eu gostei desse trabalho! (Maria de Lourdes de Ribeiro) Em 1981, houve muita manifestação de rua. A gente parava o trânsito na Avenida Paulista. Era para que as pessoas nos vissem, porque elas diziam: “Cadê? Não existe deficiente!” Aí, a gente ia,
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todo mundo, para a rua, para que a sociedade nos visse. Para o governo ver que a gente estava lá. (Aparecida Akiko Fukai) A gente foi conquistando os caminhos. As leis foram obrigando as empresas a abrirem vagas de trabalho, fazendo as escolas serem inclusivas, forçando os bancos e as igrejas a terem acessibilidade. Às vezes, tínhamos de fazer um barraco. Lembro que uma vez eu queria entrar no banco. Disseram que não estavam achando a chave. Perguntaram se podiam me atender lá fora. Até poderia. Mas, e se eu precisasse mesmo entrar? E se acontecesse o mesmo com uma pessoa que não conhecesse seu direito? Em função disso, pensei: “Hora do barraco. Então, vamos pro barraco!” Dei 5 minutos para acharem a chave. A menina não achou e chamei a polícia. Foi engraçado porque a polícia chegou em 3 minutos e, junto com ela, acharam a chave. Naquela época, não entrei com processo, mas, soube de pessoas que entraram. (...) Por isso, digo que, quando exerço meu direito, estou exercendo o direito de todas as pessoas com deficiência. Não posso me omitir, às vezes, até de fazer um barraco. Estou exercitando o meu direito por conta daquele que desconhece o direito dele. A gente está brigando e conquistando direitos. A gente milita 24 horas. Tem outras passagens e situações interessantes. Vou num restaurante e faço o garçom e o proprietário me carregarem pelas escadas. Faço isso uma vez, duas, três vezes. Quando põem a rampa, vou “trabalhar” outro restaurante. Porque cansei de ser carregado, como aqueles heróis românticos, subindo e descendo escada com minha cadeira, dando tchau pra todo mundo. Quer dizer, virando o centro das atenções. Quero entrar como cidadão comum em um restaurante, cinema ou qualquer lugar, pela porta da frente, como todo mundo faz, sem ter que entrar pela cozinha. (Adelino Ozores) Julgo que o Ano Internacional foi muito importante para a tomada de consciência da pessoa com deficiência. Mostrou que era preciso deixar aquela vida de reclusão, deixar de ficar dentro de casa, entre quatro paredes. Quando se via na rua uma pessoa com deficiência, ela estava esmolando ou indo para o hospital. Fora isso, não se via pessoa com deficiência no dia a dia da cidade. Então, essa tomada de consciência fez com que a pessoa com deficiência fosse à luta, começasse a participar e motivar outras pessoas a também saírem de casa. A FCD tinha e tem o objetivo de visitar a pessoa com deficiência. Para nós, essa questão da visita, do contato pessoal, é fundamental. Além de levar esperança, leva experiência. Uma coisa é uma pessoa visitar um deficiente e esse pensar: “Ela fala isso porque não está na minha pele!” Agora, quando a pessoa com deficiência visita outras pessoas com deficiência, esse argumento cai por terra. (Celso Zoppi)
A luta desse movimento social “foi o confronto violento não apenas de interesses, mas de mundos contraditórios.” (Rancière, 1996, 375) É importante refletir o significado do simples fato de pessoas deficientes estarem nas ruas e suas demandas serem objeto de discussão pública. O que isso representou em um país com uma estrutura social e cultural como a brasileira. Os na época considerados “deficientes” enfrentaram conscientemente esse debate e com isso alargaram o espaço público de sua atuação, pois ela passa a ser ao mesmo tempo ação “perturbadora” e política. Criando sujeitos capazes de mediar o mundo em conflito no qual vivem e direcionar suas escolhas por meio de suas experiências.
Convivência integrada Nossos entrevistados viveram a infância, a adolescência e o começo da idade adulta, durante o paradigma da integração. De acordo com esse modelo, a deficiência era uma tragédia pessoal, que podia ser minorada se o indivíduo se submetesse ao processo de
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reabilitação indicado pelos especialistas. Somente depois de devidamente “consertada” – para ficar o mais “normal” possível –, e após ter adquirido a educação e a qualificação profissional compatíveis com suas limitações e potencialidades, a pessoa com deficiência estaria apta para conviver na sociedade, sem que esta fosse instada a mudar o que quer que fosse. Claro que essa “permissão” implicava que a pessoa deveria estar equipada e disposta a enfrentar e vencer todas as barreiras que encontrasse pelo caminho. Sem dúvida, estavam mais bem preparadas para enfrentar esses desafios as pessoas que contavam com o empenho, o apoio e o estímulo da família. Evidentemente, só as mais aptas – física e psicologicamente – e as habilitadas (ou reabilitadas) conseguiram desfrutar dos benefícios da convivência integrada nos mais variados ambientes socioculturais, tendo a oportunidade de desenvolver sua independência e autonomia: Desde pequenininha, acho que aprendi isso com meus pais, porque eles também sempre falaram: “Você vai ser igual, vai estudar, vai ser alguém!” E, se não fizesse, tomava castigo, não fui tratada com diferença. Era arteira, quando aprontava, era punida. “Ah, não vai estudar? Não vai ter férias!” O meu medo era não ter minhas férias no interior! Então, tinha que estudar. Hoje lembro com alegria disso! Acho que a família é tudo. (...) Não me via como deficiente, eu me via – lógico – diferente, precisando de algumas coisas, mas, uma pessoa que tem que viver, trabalhar, se divertir, estudar, que tem obrigações e deveres. Então, a família foi tudo. E não tem que superproteger, nem tratar diferente. (Cláudia Marques Maximino) Minha mãe era uma pessoa muito inteligente e sempre me encaminhou. Fez o possível para que eu tivesse acesso a tudo. (...) Eu tinha uma vida absolutamente normal. Minha mãe me incentivava a subir no balanço sozinha, mesmo usando aparelho nas duas pernas. Nunca me senti excluída de nada. Ela sempre procurava formar um ambiente, conversar com as pessoas. Estudei na mesma escola a vida toda, na Caetano de Campos. Depois, fiz secretariado no Mackenzie, fiz concurso público e comecei a trabalhar logo. (Marcia Cruz) Tive várias pessoas que me auxiliaram, mas o maior mérito é do meu pai e a da minha mãe. Foram as pessoas que me alavancaram, me empurraram e me ajudaram muito. Quando nasci, eles foram aconselhados, aqui em São Paulo, por psicólogos, a não me tratar com superproteção. Isso foi uma grande vantagem. Hoje, sou uma pessoa atrevida, extrovertida. (Gonçalo Aparecido Pinto Borges) Quando eu tinha por volta de 14 anos, meu pai chegou em casa com um equipamento de encadernação. Não sei se é isso, mas, o que consigo entender hoje é que talvez ele não soubesse muito em que eu poderia trabalhar. Comprou um equipamento para um trabalho realizado sentado. Comecei a fazer um pouco daquilo, mas, encostei o equipamento rapidamente. Logo depois, ele me trouxe uma máquina de escrever – que também é usada para trabalhos sentados –, e uma série de fichas do banco, onde ele trabalhava, para que fossem datilografadas. Com cada ficha daquela eu tirava uns centavinhos. Foi o primeiro dinheirinho que ganhei trabalhando. Lembro que comprei um casaco! Essa história é muito interessante porque meu pai não sabia muito bem se eu poderia trabalhar ou não, mas, mesmo assim, foi arriscando possibilidades. (João Baptista Cintra Ribas) Fui muito bem acolhida pelas irmãs de São José, no Pavilhão Fernandinho, da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. E delas recebi importante orientação de comportamento diante da vida. A essas alturas, eu já tinha uma deficiência física, que nem sei explicar para você a razão. Também, não fui informada. (...) As irmãs me explicaram que, com o tempo, ela poderia evoluir para pior e que eu deveria me preparar para me manter independentemente. (...) Há tantos anos já se preocupavam com a acessibilidade! (...) Elas me disseram: “É melhor escolher uma profissão que,
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se você não puder ir, as pessoas possam vir até você, de modo a que você possa trabalhar, inclusive, em casa”. Então, foi o que aconteceu. Eu me tornei jornalista. (Iracema Alves Lazzari)
Quando jovem, frequentei a biblioteca Monteiro Lobato, onde o pessoal do Instituto Padre Chico também frequentava. Depois, no Colégio Caetano de Campos, onde estudei, também convivi com cegos. (...) A Clélia Ferraz, irmã de um vizinho que estudava comigo, tinha pólio. A gente brincava junto. (...) Acho que essa convivência resultou em alguma coisa. Quando eu soube que não ia melhorar do acidente, não foi tão traumático. (Adelino Ozores)
O apoio familiar relatado pela maior parte dos entrevistados não impediu que tivessem ciência de que grande parte das pessoas com deficiência vivia (e ainda vive) totalmente à margem da sociedade. Diante dessa avassaladora realidade, o movimento organizado lançou estratégias para mobilizar pessoas com deficiência asiladas em instituições ou isoladas em suas próprias casas. Para isso, era preciso começar por reconhecer e proclamar sua dignidade como ser humano, independentemente de qual fosse a sua deficiência e o grau de comprometimento cognitivo, sensorial e/ou físico: Minusvalido, em espanhol, significa deficiente. Mas, no nosso caso, tem outro significado. Se alguém disser que você é menos válido, como vai se sentir? Escutando isso, repetidas vezes na sua vida, você acaba até achando que realmente não vale nada. (...) Então, como falar para a pessoa e para a família que ela precisa sair de casa? A família vai dizer: “Pra quê? O que você quer fazer lá? Você é menos válido, só vai dar trabalho! Por que você vai querer sair?” Acho que uma das questões mais difíceis é a da família. (...) E isso é muito cruel porque, sem o apoio familiar, em que o deficiente vai se apoiar?! (...) Então, um dos objetivos da FCD era tirar o deficiente de dentro de casa. Como tirar? Não era esperando que o deficiente fosse até a Associação ou procurasse o Movimento. O Movimento ia até ele. Com isso, havia a oportunidade de conhecer o deficiente no seu meio familiar e trabalhar, ao mesmo tempo, a família. Era uma coisa muito difícil e continua sendo. Dessa forma, garimpávamos os fraternistas. (...) Saindo de casa, a pessoa começa a enxergar o mundo através de uma perspectiva diferente. O primeiro passo é fazer com que a pessoa se sinta valorizada como ser humano, perceba que tem capacidade para a vida, para a luta. E, através dessa valorização, você começa a procurar outras possibilidades que a vida oferece ou pode oferecer. Essa é a principal proposta da FCD. (Ilda Mitico Saito)
As narrativas sugerem que o engajamento dos entrevistados na luta por direitos foi motivado pela solidariedade aos que não puderam, como eles, vivenciar contextos familiares e sociais positivos. Nunca tive o problema de barreiras! Meus pais me criaram de tal forma que nunca ouvi: “Não faça isso porque você é deficiente.” Para mim a deficiência era coisa mais natural, quer dizer, isso não era motivo, nunca serviu de bengala para mim. Em 1976, através de uma reportagem no jornal Folha de S.Paulo, fiquei sabendo de pessoas portadoras de deficiência que estavam se constituindo num grupo. Tinha um número para contato e telefonei. Eu tinha que ajudar o outro. (Ilda Mitico Saito) Eu me lembro que, na década de 1980, quando começaram aqueles movimentos, as pessoas estavam batalhando por emprego. Eu brincava dizendo que tinha que batalhar por aposentadoria, porque já estava perto de me aposentar. (...) Nessa época, eu andava só de aparelho ortopédico, sem bengalas, sem nada. Então, falava: “Não tenho muito que reivindicar, minha vida está pronta, é só viver, curtir, enfrentar os problemas, resolver.” Mas, depois de tanto a Neuza falar, um dia pensei: “Vamos nessa reunião, vou pra ver.” Gostei muito do Cândido. Ele tinha uma cabeça muito boa.
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Falei: “Acho que posso ajudar.” A gente fazia aqueles ofícios para entidades e organizações, que não tinham acesso, para hotéis que não tinham rampa, essas coisas básicas de acessibilidade. Comecei a participar do Movimento pelos Direitos das Pessoas com Deficiências. (Márcia Cruz)
Todavia, a militância no movimento também se deu em virtude de vivências pessoais relacionadas ao preconceito e à discriminação. Pois, ficar livre dessas experiências desagradáveis não fazia parte do “contrato de adesão” à sociedade integrada. Quando fui reprovada pelo departamento médico da Prefeitura de São Paulo, procurei a direção da AACD. Eu era professora estagiária, na AACD, na época. Também procurei ajuda do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes (MDPD). O coordenador, Cândido Pinto de Melo, me aconselhou a entrar com uma ação, como uma bandeira contra o preconceito em relação à pessoa com deficiência. O MDPD fez um relatório para o Departamento Médico e a Secretaria de Higiene e Saúde – a assinatura é do Gilberto Frachetta. Mesmo com carta do Movimento e do diretor clínico da AACD, fui considerada inapta pela segunda vez. Tive de entrar com recurso. Foi quando uma junta médica da AACD fez um relatório dizendo que minha ataxia espinocerebelar encontrava-se, até o momento, estacionada. O médico da Prefeitura dizia: “E se você ficar numa cadeira de rodas? Como é que vai fazer?” (...) Só fui considerada apta, para o exercício do magistério na rede municipal, por determinação do Mario Covas, que era o prefeito naquele período. Na época, tinha ainda esse preconceito. Hoje, ainda existe. Mas, naqueles tempos, o deficiente era alguém que tinha de ficar em casa. Eram pessoas que não estavam no mercado de trabalho. (Marta de Almeida Machado)
Além daqueles que entraram na luta a partir da criação de pequenos grupos de amigos ou “companheiros de reabilitação”, há os que foram convidados a participar das reuniões por um conhecido e aqueles que encontraram na mídia, sobretudo a partir de 1981, a chamada para participar do movimento. Até então, muitos não conviviam com outras pessoas com deficiência, fora dos centros de reabilitação: Fiz, em 1979, uma viagem de turismo, pelos Estados Unidos, com minha sobrinha de 11 anos de idade. Estivemos em todos os parques de diversão que existiam naquele país. Todos tinham acesso. Havia muitas pessoas com deficiência por todos os lugares. Pensei: “Por que no Brasil não posso ter as mesmas facilidades?” Fiquei com isso na cabeça. No final daquele ano, ao prestar o vestibular da PUC, conheci um rapaz com paralisia cerebral impedido de fazer a prova de redação porque não podia escrever. Ana Rita de Paula (que também fazia o exame) e eu achamos aquilo muito injusto. Tentamos resolver o problema, mas, não conseguimos. Contei a ela sobre minha viagem. Isso despertou na gente o desejo de mudar a realidade vivida no Brasil. No começo de 1980, ela me convidou para uma reunião em sua casa. Fomos eu, meu irmão e minha prima. Ana Rita convidou uma garota que conhecera no vestibular da USP: a Nia (Maria Cristina Correia). Esta conhecia a Marisa Paro que, por sua vez, era amiga da Araci Nallin, que já havia feito contato com o Romeu Sassaki e assim por diante. Romeu trouxe a notícia de outros grupos, formados na mesma época, que se reuniam em um determinado lugar. Com os outros grupos a história foi meio parecida. Pessoas que, até então, não conheciam outras pessoas com deficiência, de repente, por causa do movimento, passaram a se conhecer, trocar experiências e juntar forças. (Lia Crespo) No local onde fazíamos reabilitação, havia uns 50 deficientes. Havia cegos, surdos, amputados, com hanseníase, enfim, gente com todo tipo de deficiência. Todos faziam sua reabilitação com os mesmos terapeutas. Pegamos uma amizade muito grande. Senti que poderíamos nos unir e fazer uma entidade, alguma coisa forte, para lutar pelos direitos das pessoas deficientes. Eu havia prestado e passado num concurso público e eles me rejeitaram por causa da deficiência. (...) Dali, surgiu a
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vontade, a gana de fazer alguma coisa por todos. Não só pelos cegos, mas, por todos os deficientes. Afinal, onde estávamos, aquele que tinha paraplegia ajudava o outro que não enxergava. O que não enxergava ajudava a levar uma cadeira. Havia aquela troca boa de ser humano! A gente nunca é deficiente. Tem apenas um pedaço que não está dando certo, mas, o outro vem e completa. Conhecemos a Lourdes Guarda, que era uma deficiente maravilhosa que vivia deitada numa maca e morava num hospital. (...) Eu de um lado, ela, do outro, fizemos uma assembleia. Participaram vários deficientes. (...) E assim começamos a participar do movimento. (Leila Bernaba Jorge Klas) Comecei a participar do movimento em 1980. O Rui tinha uma associação, a Aide. (...) Eu me especializei em legislação do portador de deficiência e escrevi uma matéria que saiu na Folha de S.Paulo. O Rui leu e me telefonou: “Olha, tenho uma entidade. Você participa de algum grupo?” Respondi que não. “Então, vem aqui na reunião!” (Cintia de Souza Clausell) Em 1981, ainda não tinha me envolvido em nenhum movimento. Li no jornal algumas coisas sobre o Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes (MDPD). Fui ver do que se tratava. Dentre os participantes, com vários tipos de deficiência, só tinha eu e mais uma menina com paralisia cerebral (PC). Aí, o “vírus” me pegou e fui em frente na minha militância. (Suely Harumi Satow) Um belo dia, a Lia escreveu uma carta que foi publicada num jornal. Ela estava muito brava porque os outros não davam nada pela gente! Falei para minha mãe: “Quero conhecer essa menina.” Passou, não procurei... Um pouco depois, chegou o Ano Internacional das Pessoas Deficientes. A Ilda Mitico anunciou no jornal que ia ter um grande encontro organizado pela Fraternidade. Falei para meus pais: “Eu vou nesse encontro!” Eles ajudaram e me deixaram lá, de manhã. Foram passear no clube e, à tarde, lá pelas 5 ou 6 horas, foram me buscar. Esse encontro era pelo Ano Internacional, tinha umas mil pessoas. (...) Fui com a cara e a coragem, nunca tinha saído sozinha de casa. Foi bom, eu era tão caipira! As pessoas diziam: “Cida, entra na Fraternidade, vai ter reunião, vai lá!” Entrei na Fraternidade, fiquei alguns anos, mesmo que algumas coisas não tivessem nada a ver comigo. Mas, fiquei. Queria sair de casa e pensei: “Preciso me esforçar”. (Aparecida Akiko Fukai) No dia 26 de março de 1981 – eu me lembro muito bem, foi um domingo –, minha amiga Isaura me convidou para participar de uma assembleia que ia ter no colégio Anchietano, em São Paulo. Ia ter muitos deficientes, gente de cabeça para cima, otimista e, aí, eu fui. Na época, pegava ônibus, usava muleta canadense. No Anchietano é que tomei contato com um grande número de pessoas com deficiência. Tinha a Lourdes Guarda, a Neuza, a Ilda, a Célia Leão, o Chico Pirata. Tinha o José Carlos Barbosa, também muito atuante. Todos tinham tomado em suas mãos esse compromisso de luta. Foi muito legal! Não foi assustador ver muitas pessoas com deficiência, porque a minha cabeça já tinha sido trabalhada antes. (Celso Zoppi) Até começar a ter vida social mais intensa, conhecia poucas pessoas, quase ninguém. A não ser na escola, que tinha uma ou outra pessoa com deficiência. Apenas, quando resolvi entrar para o movimento, pude conhecer muito mais portadores de deficiência. Isso foi em 1981. Quando aconteceu o Ano Internacional das Pessoas com Deficiência. Ouvia falar muito sobre um movimento organizado. Mas não tinha a clareza que tenho hoje. Foi quando me perguntei: “Por que não? Por que tenho que ficar excluído, se também tenho deficiência?” Ninguém me chamava de deficiente na minha casa. Pelo contrário, quando resolvi ingressar, acho que toda minha família levou um susto, como se eu não fosse “daquela turma”. E, obviamente, eu sou. Minha primeira experiência no movimento foi muito interessante. Havia lido num jornal um anúncio de uma palestra sobre sexualidade daquela sexóloga Maria Helena Matarazzo. Se não me engano, era a faculdade onde o Romeu Sassaki dava aula de Serviço Social para deficientes. Fui lá. Confesso que a minha primeira impressão foi de susto, quando cheguei e vi uma sala que tinha 50 pessoas, todas deficientes. Mesmo assim, não desisti.
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Fiquei muito apreensivo ao assistir aquilo porque, na verdade, era como se eu estivesse ingressando no mundo de pessoas com a identidade parecida com a minha. Lembro muito nitidamente que as três primeiras figuras que vi dentro do movimento: foram a Lia; o irmão dela, o Kico, e o Romeu Sassaki. Depois, entrei para o NID e comecei, aos poucos, a me relacionar com essas pessoas. (João Baptista Cintra Ribas) Busquei trabalhar um pouco em casa e, junto com algumas outras pessoas, criamos um movimento que se chamava Movimento de Cidadania do Deficiente. Na época, não se falava “pessoa”. Nesse movimento, fizemos várias cartas para Brasília, para os consulados, pedindo informações de como era nos outros países. Recebemos alguns retornos da Holanda. Não tive, assim, uma militância muito em grupo com o pessoal, até porque tinha muita dificuldade de locomoção, na época, por ser tetra e estar na cadeira. Também não tinha quem me levasse. Trabalhava em casa, tentando desenvolver outras coisas, mas acabava fazendo uma militância no sentido de estar informado e informando. (Adelino Ozores)
No caso dos narradores deste projeto, essa luta política tem plataforma definida. A busca dos iguais e de uma vida mais participativa motiva a formação e as ações do grupo. Isso pode ser notado nas palavras dos narradores, que apresentam sua entrada na luta, como formadora de si. É a partir daí que passam a sentir-se parte e a significar suas vidas. Ou seja, a militância lhes deu segurança e foi a saída, não só para o narrar, mas para o viver de forma plena. Nesse sentido, pensando na possibilidade de escolha, pode-se dizer que na luta política homens e mulheres trilham um caminho para a conquista da cidadania, para o alargamento de um espaço público (CHAUÍ, 1996).
Tragédia pessoal x fenômeno social A vivência da deficiência é um processo transversal à classe social. Assim, a troca de experiências entre pessoas com diferentes níveis de escolaridade e condição econômica diversa, mas, ao mesmo tempo, com histórias de vida muito semelhantes, promoveu uma nova maneira de perceber a própria deficiência e a sociedade: Eu lia muito, sempre fui muito próximo da leitura, desde pequeno. (...) Todo dia lia o Jornal da Tarde e o Estadão. Aos 19 anos, um dia, lendo o Estadão, vi uma notinha sobre uma reunião com pessoas com deficiência. Fiquei curioso e decidi participar. Pedi para uma tia, que tinha carro, me levar. Foi ali que conheci a Lia e a Ana Rita. Nessa reunião, comecei a ver a deficiência de maneira diferente. Foi meu rito de passagem. Eu trabalhava no Banco Real. Ia de ônibus, de São Caetano até a Avenida Paulista, todos os dias. Sempre precisava de ajuda, seja do motorista ou de outra pessoa, para subir no ônibus. Achava isso horrível e me causava um mal muito grande. Eu me culpava muito por isso. Pensava: “Sou uma pessoa errada, carrego um problema.” Até que, um dia, nessa relação com outras pessoas com deficiência, passei a ver que o errado era o ônibus e não eu. Foi quando a ficha caiu pela primeira vez! Isso é o que a gente chama hoje de ver a deficiência enquanto um fenômeno social e não uma tragédia pessoal. Essa primeira reunião a que eu fui deu origem ao antigo NID (Núcleo de Integração de Deficientes). (Tuca Munhoz) Considerava a minha deficiência por pólio apenas uma fatalidade, uma dessas coisas que acontecem. A deficiência do meu irmão gêmeo, o Kiko, também tinha sido uma fatalidade de natureza diferente. A gente achava que não havia responsáveis, nem culpados pela nossa deficiência. A gente
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não se considerava vítima de nada. Pelo contrário, éramos super-heróis. Pela primeira vez, no NID e no movimento, estávamos discutindo nossas questões e como resolver problemas com outras pessoas que tinham vivência semelhante. De repente, a gente começou a perceber que a coisa não era bem assim. Não éramos vítimas, mas havia responsáveis. A pólio ainda estava atacando muitas pessoas e o governo não controlava a doença. Ou seja, deixamos de pensar a deficiência como algo individual ou pessoal, para pensá-la como um fenômeno coletivo, muito mais amplo. Isso mudou a nossa cabeça. Demos o salto: paramos de pensar a deficiência como uma situação que a gente tinha que resolver sozinha. Começamos a perceber que a deficiência era mais da sociedade do que da gente. Isso é uma coisa que se diz hoje, mas já dizia na “era jurássica”, só que, talvez, não usássemos as mesmas palavras. A gente realmente pode dividir a vida entre antes e depois do movimento, porque há uma diferença muito grande na forma como a gente se via, via o mundo e via o outro. (Lia Crespo) Passei a assumir a deficiência. Digo assumir, porque a Lourdes Guarda falou uma vez no movimento: “O deficiente não tem que aceitar a deficiência, tem que assumir a deficiência.” Isso me marcou muito. (...) No finalzinho de 1980 e começo de 1981, eu conheci a FCD. Na época era chamada Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes. Agora, chama-se Fraternidade Cristã das Pessoas com Deficiência. Aquele ano de 1981 foi marcante na minha vida porque comecei a viver, a conhecer um foco diferente. Esse se comprometer com o outro, se envolver numa causa foi muito importante. Conheci Maria de Lourdes Guarda, uma pessoa fabulosa! Além dela, muitas outras pessoas me fizeram aprofundar aquela tomada de consciência que estava tendo ao assumir a deficiência. (Celso Zoppi)
Embate paradigmático Os entrevistados concordam que o Ano Internacional das Pessoas Deficientes foi de enorme valor para tornar a pessoa com deficiência e suas reivindicações visíveis para a sociedade. O movimento social, pelo grau de maturidade de seus trabalhos e capacidade de mobilização, soube aproveitar a visibilidade do Ano Internacional para pressionar as instâncias políticas e sociais a atenderem suas necessidades. Durante o Ano Internacional, se revelaram mais claramente as questões ligadas ao paradigma da integração, sustentado ideologicamente pelo modelo médico da deficiência, vigente desde a criação dos centros de reabilitação, nos anos 1920/1930. Para o modelo médico, a deficiência é um “problema” do indivíduo. O atendimento dos profissionais da área de reabilitação tem por objetivo obter a cura ou a adaptação, da maneira mais “normal” possível, da pessoa ao ambiente. Ou seja, pelo modelo médico, cabe à pessoa a tarefa de tornar-se apta a participar da sociedade tal qual existe. O modelo social da deficiência começou na década de 1960, no Reino Unido e Estados Unidos, em contraponto às abordagens biomédicas. O modelo social sustenta ideologicamente o paradigma da inclusão, que passou a ser disseminado a partir de 1990. Esse modelo entende a deficiência como uma questão eminentemente social e transfere para a sociedade a responsabilidade pelas desvantagens enfrentadas pelos indivíduos deficientes. Para o modelo social da deficiência, o “defeito” numa estrutura do corpo (ou a ausência parcial ou total de um membro ou órgão) é a “lesão” – uma característica como o sexo ou a cor da pele. Já a deficiência é considerada uma categoria social tal como gênero, classe e etnia, portanto, sujeita a mecanismos de exclusão. A deficiência é a desvantagem resultante do preconceito, da discriminação, da falta de acessibilidade da sociedade. De acordo com esse
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conceito, a desvantagem vivida pelo indivíduo depende muito mais das condições do ambiente social do que dos “defeitos” que o corpo da pessoa possa apresentar. Estimular uma pessoa com deficiência recém-adquirida a se aposentar, ainda em idade ativa, por exemplo, pode ter boas intenções, porém reflete um conjunto de valores sociais contrários ao lema do AIPD, “participação plena e igualdade”, ou seja, participação plena na sociedade e igualdade de direitos e equiparação de oportunidades. Esse embate paradigmático transparece nas entrevistas como intrínseco ao atendimento médico e educacional oferecido pelas prestadoras de serviço e pelo governo, bem como, aos valores culturais e às dificuldades na conquista dos direitos sociais. Assim, emerge também a diferença assistencialismo/paternalismo e participação social, entidades “para” e entidades “de” deficientes: Era época da integração da pessoa portadora de deficiência, que era obrigada a entrar naquela estrutura já existente sem nenhuma adaptação para conseguir um lugar, um emprego. Era um sacrifício muito grande porque não tinha um toalete adaptado, as portas eram estreitas. Tudo era muito difícil! Mas, se não aceitasse essa condição, não tinha como conseguir trabalho. (...) Na concepção da inclusão, o meio é obrigado a fornecer as condições necessárias para eu desempenhar meu trabalho. Na integração, não. Tinha que se adaptar à condição que existia. Não tinha nem um toalete, por exemplo, que é o mínimo, uma questão de respeito ao ser humano. (Ilda Mitico Saito) Naquele tempo, era o modelo médico. Quer dizer, os médicos não falavam comigo. Ou melhor, falavam assim: “O filho da senhora tem disritmia paroxística difusa.” Eu não entendia nada daquilo. O tempo foi passando, as associações de pais e as próprias pessoas com deficiência foram se arregimentando e formando outras associações. Hoje existem muitas. (...) A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2008, foi uma das coisas mais importantes que fizeram. Foi um divisor de águas, entre o chamado modelo médico, que existia durante muito tempo, e o chamado modelo social, que é o modelo de hoje. Não é que ignore a deficiência da pessoa, mas a deficiência depende muito do entorno da pessoa. (Maria Amélia Vampré) Eu me acidentei no dia 8 de junho de 1980. Tinha 25 anos de idade, estava no último ano de faculdade e era Oficial de Justiça, já há seis anos. (...) O juiz da vara na qual trabalhava me orientou: “A melhor coisa é você se aposentar. Aqui dentro, não tem como você trabalhar. A estrutura aqui não comporta uma pessoa em cadeira de rodas. Não tem banheiro.” Falei: “Mas, não dá para mudar isso?” Ele falou: “Não, você sabe que nunca teve ninguém de cadeira de rodas aqui!” Acabaram me aposentando. Ele ainda argumentou: “Como você virá trabalhar? Você vai ter que ter carro.” Fui vendo que caía muito o meu rendimento. Eu tinha que ser aposentado mesmo. Mas, vi que me aposentar foi muito ruim para mim, porque fiquei à parte. (Wanderley Ferreira dos Santos) A gente tinha que derrubar a barreira do preconceito. A gente batia muito nisso, desde 1981. Naquele começo, a sociedade se incomodava com as pessoas com deficiência indo para a rua, indo a clubes, igrejas, festas, enfim, fazendo as atividades do dia a dia. A sociedade não estava acostumada com aquilo. Foram necessários vários anos para derrubar essa barreira. Por quê? O que era marcante na mentalidade do povo? Era o assistencialismo, o paternalismo. Para a sociedade, era muito mais cômodo, ao invés de permitir o acesso na escola, dizer: “Você não precisa ir à escola. A gente pega lá o livro pra você.” Era muito marcante essa questão do paternalismo e do assistencialismo. E não era nem por mal, era a cultura que vinha de muitos e muitos anos, séculos. E como derrubar? (Celso Zoppi) Não se usava “inclusão” ou os conceitos “modelo médico da deficiência” e “modelo social da deficiência”. Mas nós percebemos que o “modelo médico” era extremamente injusto, e deveria ser colocado outro paradigma para equacionar esses problemas. Foi extremamente importante! (Lia Crespo)
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O Ano Internacional das Pessoas Deficientes Com o lema “Participação Plena e Igualdade”, o AIPD é considerado um marco no movimento das pessoas com deficiência. Serviu para que as entidades das pessoas com deficiência, com a cobertura da mídia, levassem até a sociedade suas reivindicações. Simultaneamente, através de eventos com centenas de participantes, os militantes lançaram suas estratégias de ação e seus objetivos para o futuro. O movimento social das pessoas com deficiência soube aproveitar a atenção que as esferas governamentais, empresarial e a mídia concederam ao tema proposto pela ONU para o ano de 1981. Tais esferas e a própria sociedade, até então, acostumadas a encontrar nas instituições e entidades para pessoas com deficiência a representação de suas necessidades, foram surpreendidas por um discurso tão desconhecido quanto novo, inaugurado pelas próprias pessoas com deficiência, que reivindicavam não assistência, mas direitos. O AIPD mudou a forma como os profissionais de reabilitação e a sociedade percebiam esse segmento da população. Quando trabalhava, não sei quem sugeriu que eu fizesse uma imagem para a Globo. Foi feita uma gravação em que eu aparecia trabalhando na farmácia. Essa imagem, com outras de vários deficientes trabalhando, foi veiculada, durante o ano inteiro do Ano Internacional. Isso para provar que a pessoa com deficiência era capaz de trabalhar, de ser independente. (...) A repercussão foi tão grande que isso foi parar num show do Roberto Carlos, quando foi lançado o Ano Internacional, no réveillon. No dia seguinte, dia de Ano Novo, estava dando plantão na farmácia, quando meu primo – que mora no Paraná, em Foz do Iguaçu – me telefonou: “Eu te vi, prima.” Quer dizer, foi uma repercussão muito positiva. Abriram muitas portas de trabalho para os deficientes. Mas, acontece que os deficientes não estavam preparados. (Ilda Mitico Saito) Durante o Ano Internacional, a TV Globo ligava para a Lourdes, por exemplo, dizendo: “Precisamos de deficientes, pois vão inaugurar um ônibus acessível na Paulista.” Isso de madrugada! A gente chegava lá e não era o ônibus, mas, o motorista é que havia sido treinado para carregar pessoas deficientes. Cada roubada! E a gente aceitava, tinha que aproveitar a oportunidade. Se a Globo chamava, como dizer não? (Lia Crespo) Em 1980, quando ainda era secretário do Bem-Estar Social de Piracicaba/SP, recebi a visita de um grupo de pessoas com deficiência que veio pedir apoio para a organização do Ano Internacional, em 1981. Era um grupo da Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência (FCD), de Piracicaba. Disse: “Eu apoio. Vamos lá.” Naquela época, não tinha muita consciência dessas coisas da área da pessoa com deficiência. Eu tinha uma deficiência, mas nunca tinha trabalhado em nada nesse sentido. Tinha sofrido alguns preconceitos e alguma discriminação, mas nada que considerasse significativo. Nada disso acontecia dentro da minha família, nem com os amigos. Logo, deixei a Secretaria, mas, continuei com o grupo e me engajei na Fraternidade. Organizamos o Ano Internacional e fizemos um grande evento na Câmara Municipal, que não tinha elevador. Era uma escadaria enorme para chegar ao Salão Nobre. Mesmo assim, enchemos o local com pessoas com deficiência e pessoas sem deficiência. (Chico Pirata) Aquele ano de 1981 foi marcante na minha vida porque comecei a viver, a conhecer um foco diferente de vida. Esse se comprometer com o outro, se envolver numa causa foi muito importante. Como era o Ano Internacional, tudo estava fervilhando. Eram muitas entidades, muitos movimentos surgindo, a pessoa com deficiência aparecia em flashes na televisão com o objetivo de uma conscientização da sociedade. Costumo dizer que aquele Ano Internacional não serviu para os governantes
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implantarem programas de atenção às pessoas com deficiência. Nesse aspecto, acho que os governantes, nos três níveis, ficaram restritos a essa campanha que mostrou que a pessoa com deficiência fazia parte da sociedade e que esta deveria se modificar para reverter aquela situação excludente. Valorizo muito o Ano Internacional. Foi uma forma de despertar a pessoa com deficiência para ir à luta. (...) Aquele ano foi muito importante, tanto que muitos núcleos da FCD foram formados. No Brasil, chegou a cerca de 280 núcleos. Foi o momento de militância, um movimento de base! A proposta do Ano Internacional era na mesma linha da proposta da FCD: entender a pessoa com deficiência como agente transformador da sociedade, como protagonista! (Celso Zoppi) No Ano Internacional, eu fazia parte de uma subcomissão nacional. Deram umas 12 passagens aéreas para participarmos das reuniões em Brasília. A subcomissão era ligada à parte jurídica. Como era advogada e deficiente, eu tinha alguns projetos de lei na cabeça. Havia feito um projeto grande com todos os itens: reabilitação, saúde, a parte técnica, barreiras arquitetônicas. Tudo. Até fiz parte de uma subcomissão da confecção de leis no Ministério da Justiça. Uma vez por mês, tinha reuniões, eram muito bonitas e tal, mas nunca vi nada produtivo ou concreto sair dali. (Leila Bernaba Jorge Klas) O presidente não veio falar conosco, nem nos recebeu. Estávamos em mais de 200 deficientes. Naquela época, ele foi falar em cadeia de TV: “Hoje estamos comemorando o Ano Internacional do Deficiente Físico”. Quer dizer, o sensorial não existia. Na verdade, tínhamos consciência que portador de deficiência no Brasil era um grupo à parte. A igualdade na Legislação só veio a partir de 1988. (Gonçalo Aparecido Pinto Borges) Vendo esses recortes de programas voltados para as pessoas com deficiência no mundo inteiro, comecei a entender melhor o significado do Ano Internacional. A ideia é que, quando as Nações Unidas fazem uma ação como essa, estão longe de almejar resolver o problema. Mas, sim, despertar a competência da população e dos governantes. Acho que tivemos um ano de sucesso porque a discussão foi a tônica e se a gente não conseguia ter resposta para todos os problemas pelo menos descobrimos quais eram os problemas. Importante lembrar o fato de, a partir do Ano Internacional, termos tido a década da pessoa com deficiência. Isso nos ajudou porque um ano é muito pouco tempo. (Linamara Rizzo Battistella)
Encontros, congressos, coalizão nacional e entidades Dois eventos nacionais são especialmente lembrados pelos protagonistas do AIPD. O primeiro deles foi o 1º Encontro Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes, realizado entre 22 e 25 outubro de 1980, em Brasília. Tornou-se um marco histórico por reunir mais de 500 participantes para discutir a política nacional relativa às pessoas com deficiência. Outro evento emblemático foi o 2° Encontro Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes, realizado de 25 a 30 de outubro de 1981, simultaneamente, ao 1° Congresso Brasileiro de Pessoas Deficientes, em Recife (PE). Messias Tavares de Souza, um dos organizadores, declarou na ocasião, ao jornal O Estado de S.Paulo, que o objetivo desse evento, com mais de 600 deficientes, foi “reivindicar mudanças no sistema de atendimento aos deficientes, nos programas de reabilitação e na luta contra as barreiras ambientais e sociais”. Ambos os encontros nacionais foram precedidos de reuniões preparatórias nos vários Estados e em Brasília. O 1° Encontro de Delegados de Pessoas Deficientes, que aconteceu em Vitória (ES, 16-18 de julho de 1982), decidiu que o 3° Encontro Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes
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seria realizado em São Bernardo do Campo (13-17 de julho de 1983). A partir do 3º Encontro Nacional, a Coalizão Pró-Federação Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes (oficializada em 1980, em Brasília) foi praticamente extinta. Em seu lugar, foram criadas as organizações nacionais separadas por tipos de deficiências: Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis, 1987); Organização Nacional das Entidades de Deficientes Físicos (Onedef, 1984); Federação Brasileira de Entidades de e para Cegos (Febec, 1984). Essas organizações nacionais se aliaram ao Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), que havia sido criado em 1981. O Encontro Nacional que houve em Brasília foi um encontro épico. Viajamos 18 horas num ônibus com motorista que a Lourdes arrumou com algumas empresas. Lotou de pessoas com deficiência. Ela mesma foi na maca. Foi muito sacrificado. Assim como nós, pessoas, do Brasil inteiro, também foram com muita dificuldade. Esse Encontro foi memorável. A gente já tinha participado de vários encontros com pessoas com deficiência. Mas, é grande o choque cultural que se tem quando entra num recinto e vê 500 pessoas com deficiência! Foram discutidos vários assuntos. Houve embates políticos, discussões e divergências de opinião. A parte da logística ficou com o pessoal de Brasília. Tiveram muita dificuldade. O pessoal estava alojado em exército, em convento, em clubes, casas de família, de amigos. Quando nosso ônibus chegou, não havia alojamento para nós. Mas, deram um jeito e começaram a espalhar a gente por Brasília. Só que os ônibus eram poucos, nenhum acessível. Rodava, rodava, rodava e parava: “Fulano, agora é você!” Desciam o Romeu e o motorista. Tiravam a cadeira de rodas do cara. Tiravam o cara. Botavam o cara na cadeira de roda. Romeu e o motorista entravam no ônibus e começava de novo. Rodava, rodava, parava: “Agora, é você, Sicrano!” Havia umas 15 pessoas no ônibus. Como era noite e todos os prédios se parecem em Brasília, a impressão que se tinha era que o ônibus rodava, rodava, rodava e parava sempre em frente ao mesmo prédio. Eu me senti num episódio daquela antiga série de TV “Além da Imaginação” 11. Fomos os últimos a ser entregues. Era madrugada. Lembro-me do Romeu deitado no meio do ônibus, no chão, exausto, depois de ter trabalhado o dia inteiro. (Lia Crespo) No encontro nacional de Brasília, foi criada a Coalizão Nacional, que reunia entidades de todos os tipos de deficiência. Em Recife, no Congresso Brasileiro, as quatro áreas de deficiência disputavam espaço. Mas, era uma disputa saudável. Não era para atender o ego de ninguém, nem de nenhuma instituição. É que cada um queria ver a sua luta atendida. Havia os deficientes visuais, os deficientes auditivos, os deficientes físicos e o pessoal do Morhan (dos hansenianos). Os deficientes mentais, como eram chamados, na época, não participaram. Essa disputa já apontava para as quatro organizações nacionais, separadas por áreas de deficiência, criadas após a dissolução da Coalizão Nacional. Foi quando surgiu a Onedef (Organização Nacional de Entidades de Deficientes Físicos), da qual o Rui e eu fizemos parte da coordenação. (Celso Zoppi) Fui para Brasília, em outubro de 1980, para o Congresso Nacional. (...) Já estava reabilitada! Fui com a minha cadeirinha, tinha 25 anos. (...) Aí, vi como era bom viver na cadeira de rodas! Vi como minha cadeira de rodas era linda, como bengalas eram bonitas, como surdos que faziam sinais eram felizes. Vi o cego que dava trombada na parede e ria! Quem tinha deficiência mental nos ajudava muito. Todos ali eram como todo mundo, com alegria e tristeza, com anseios, sonhos e desejos! Deu mais vontade de viver. Uma amiga minha, Isaura Pozzatti, disse: “Célia, tem um amigo meu do Rio que quer fazer uma entrevista sobre mercado de trabalho para a pessoa com deficiência. Quer
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. Além da Imaginação (The Twilight Zone) é uma série de televisão americana criada, em 1959, por Rod Sterling e dirigida por Stuart Rosenberg, apresentando histórias de ficção científica, suspense, fantasia e terror.
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entrevistar pessoas que tenham ficado deficientes para saber se estão trabalhando ou não. (...) Ele contou que tinha uma pesquisa, que mostrava que, de fato, não tinha mercado de trabalho para deficiente. Empregador, empresário não empregava deficiente, além disso, tinha a falta de escolaridade. Então falei: “Acho que estou no caminho certo por estar neste Congresso!”(Célia Leão)
Reuniões, seminários, conselho estadual e Constituinte Depois do AIPD, o movimento das pessoas com deficiência se mobilizou para a criação de organismos estaduais e municipais, integrados por organizações representativas da sociedade civil, que coordenassem as políticas públicas para esse segmento social. Existem vários documentos, e até notícias de jornal, contando como o NID começou a discutir a criação de um órgão estadual, em 1982. O movimento fez reuniões mensais, entre 1983 e 1984, para organizar um seminário, durante o qual se discutiria a política estadual para as pessoas deficientes e como deveria ser esse órgão estadual. Em 1984, foi realizado esse seminário, aqui em São Paulo, que reuniu toda a comunidade engajada – 300 ou 400 pessoas –, representantes de entidades de e para deficientes. Se não me engano foi na AACD. No próprio seminário, elegemos nossos representantes para o Conselho. Em 1984, o governador Franco Montoro, num decreto, criou o Conselho Estadual para Assuntos da Pessoa Deficiente que, depois de alguns anos, virou Conselho Estadual para Assuntos da Pessoa Portadora de Deficiência e agora se chama Conselho Estadual para Assuntos da Pessoa com Deficiência. (Lia Crespo) Incentivamos, divulgamos e implementamos, junto a outras pessoas, o Fórum das organizações de pessoas com deficiência, daqui de São Paulo, do qual participavam Romeu Sassaki e Robinson de Carvalho (médico já falecido, de Ourinhos), além de representantes de Taubaté; eu, de Piracicaba, e o pessoal das entidades de São Paulo: Fraternidade, MDPD, NID e vários movimentos. Logo depois do Ano Internacional, nós demos continuidade a esse fórum, que resultou no 1º Seminário Estadual das Pessoas com Deficiência, depois da eleição do Franco Montoro, em 1983. (Chico Pirata)
Entre 1987 e 1988, o país se preparava para escrever a nova Constituição Federal. Nos primeiros anos da década de 1980, o movimento social trabalhou e preparou as propostas que iriam ser apresentadas aos constituintes. O contexto social brasileiro era bastante propício. Com o fim do regime militar e a redemocratização, muitos grupos se organizavam e lutavam para serem representados e contemplados na nova Carta Magna do país. As leis que orientam o tratamento e asseguram os direitos das pessoas com deficiência presentes na Constituição, promulgada em 1988, são resultado da movimentação social dos anos anteriores. São herdeiras da organização e mobilização inspiradas no AIPD. Surge o movimento pela Constituinte. Fizemos uma coisa muito interessante, com o apoio, inclusive, do governo Montoro: realizamos reuniões setoriais para discutir o deficiente na Constituinte. Nós tivemos 19 reuniões. Na época, tínhamos 500 e poucos municípios. Fizemos 19 reuniões em diferentes regiões do Estado. A primeira e a última foram aqui em São Paulo, para discutir o que deveria estar contemplado na Constituinte. (Linamara Rizzo Battistella) No ano internacional, não participei dando palestras. Fiquei direcionada para a legislação do portador de deficiência. (...) Em 1988, coletamos assinaturas dos portadores de deficiência ou de não
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deficientes, para que nossas propostas fossem incluídas na Constituição. Nessa época, fui falar de legislação em Recife, Fortaleza, Manaus, Brasília, Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro. Havia pessoas que nunca tinham ouvido falar nisso. (...) Toda a parte de legislação, eu compilei. Uma pessoa trabalhava comigo e eu coordenava. O Fundo Social de Solidariedade me pediu permissão para editar o meu trabalho. Falei que sim. (...) Foi feito um livreto sobre direitos das pessoas portadoras de deficiência, com trechos da Constituição do Estado de São Paulo, da Lei Orgânica do Município de São Paulo e mais alguma coisa do Estatuto da Criança e do Adolescente. O título ficou sendo “Direito das Pessoas Deficientes”. Tenho até um exemplar daqueles antigos. (...) Foram feitos mais de 30 mil livretos. A gente viajava e levava. Fez muito sucesso o livreto. (Cintia de Souza Clausell) Cada entidade nacional fez um fórum. Houve reuniões em Minas Gerais e Belo Horizonte. Houve, também, uma grande reunião em Manaus, durante a qual foi feito o fechamento das propostas que seriam encaminhadas por duas pessoas de cada área de deficiência. Dois deficientes físicos, que eram da Onedef, dois da Federação dos Cegos, dois da dos deficientes auditivos e dois do Morhan. Esse foi um momento marcante. A maioria daquelas propostas foi contemplada e faz parte hoje da Constituição Federal. Até o Ano Internacional, havia uma postura da sociedade. A partir de 1981, havia outra postura e nova Constituição. (Celso Zoppi) A partir do Ano Internacional, tudo foi se consolidando. Foram sendo criados conselhos. O primeiro foi no Estado de São Paulo. Depois começaram a surgir os outros conselhos estaduais e municipais também, em Pernambuco, no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais e em outros Estados. Discutimos e aprovamos 14 propostas para serem encaminhadas para fazer parte da Constituição. E todas foram aprovadas. Lógico que tinha outras propostas individuais dos deputados e de outros grupos. Mas, o movimento organizado apresentou 14 propostas, que passaram a fazer parte da Constituição, promulgada em 4 de outubro de 1988. (Chico Pirata)
A mobilização mundial A mobilização mundial em torno do Ano Internacional foi muito intensa. A troca de experiência entre pessoas com deficiência de diferentes países estabeleceu novos parâmetros para a mobilização e universalizou. A internacionalização da luta teve continuidade para além do AIPD. Soube do 1º Congresso Mundial da Pessoa Deficiente, organizado pelas Nações Unidas e pela DPI (Disabled People International, que seria realizado no Canadá. Escrevi dizendo que gostaria de participar. Mas, não tinha recursos. Quando retornei do 1º Congresso, em Recife, recebi um telegrama comunicando que mandariam uma passagem. Tive que ir sozinho, com a cara e a coragem. Foi uma experiência difícil, mas muito bonita. Nunca tinha saído do país. Mas, tinha força adquirida na FCD. Formamos o Conselho Mundial das Pessoas Deficientes e os Conselhos Continentais. Como era só eu do Brasil, acabei fazendo parte do Conselho Latino-Americano e, depois, simultaneamente, do Conselho Mundial. Foi um choque saber que estaria assumindo tamanha responsabilidade. Não sabia se teria força e condições de desenvolver. Mas, felizmente, depois, houve todo um acompanhamento. A gente se comunicava muito com o Canadá e com Singapura. As reuniões eram anuais. E, assim, foi-se delineando o que a pessoa com deficiência queria da sociedade e dos governantes. O básico mesmo era a questão da acessibilidade. Depois, a gente foi perceber que era uma questão muito restrita à pessoa com deficiência física. Ao mesmo tempo, no Congresso Mundial, tinha ficado estabelecido que a questão da comunicação era fundamental: o braile e a língua de sinais, inclusive com intérpretes presentes nos eventos. Na época, não havia a preocupação de
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detalhar por temas (educação, saúde, transporte etc.) o que hoje a gente chama de políticas públicas. O grande arcabouço era a acessibilidade. E, a partir daí, se fazer presente na sociedade. Eu passava, aos militantes de vários Estados do Brasil, as informações sobre as discussões do Congresso Mundial e do Conselho Latino-Americano. Na época, lembro que Rosangela Berman também estava muito atuante, no Rio de Janeiro. Aqui, além de outras pessoas da FCD, havia o saudoso amigo Rui Bianchi. (Celso Zoppi) Participei, em 1990, de um seminário, no Vaticano, a respeito das pessoas com deficiência. Esse seminário foi fruto do Ano Internacional, da melhoria de consciência em nível internacional. A Igreja também começou a se manifestar. (Chico Pirata)
O movimento, o AIPD e seu legado de mudanças A atuação do movimento, inspirado pelo AIPD, deixou um legado de mudanças lembrado pelos entrevistados. A sociedade mudou muito, do começo do movimento para cá. Houve a aprovação de leis que acabaram modificando não só a paisagem arquitetônica, mas, também, a própria cultura. Na medida em que passou a conviver com mais pessoas com deficiência, a sociedade se transformou. Isso transformou as próprias pessoas com deficiência, mesmo aquelas que não participavam do movimento. Elas usufruem dessa nova condição. Essa é a principal conquista que a gente teve! Essa nova maneira de ver as pessoas com deficiência. (Lia Crespo) A maioria dos Estados que tinham entidades de pessoas com deficiência atuou junto às assembleias legislativas para, também, ver contempladas suas questões na Constituição Estadual. E nós, aqui em Americana, também fizemos esse trabalho, em 1990, quando foi elaborada a Lei Orgânica do Município. Nós, da FCD, naquele momento, tivemos uma atuação muito forte, muito importante, tanto que a maioria das propostas que apresentamos foi contemplada na nossa Lei Orgânica. Não importa se em Americana tinha 10, 100 ou mil deficientes. Acontece que o acesso tem que ser para todos e isso precisava ser um direito constitucional. Esses três instrumentos legais: Constituição Federal, Estadual e Lei Orgânica são muito importantes para o segmento. É uma base sólida que permite que a gente possa falar de transporte acessível ou de transporte adaptado, no caso da frota existente. Permite que se fale da inclusão do aluno com deficiência na rede regular de ensino, de práticas esportivas acessíveis e de saúde. (...) Batemos em muitas portas. Muitos bateram a porta na nossa cara. Mas, tenho certeza de que a gente conseguiu, de 1981 até agora, grandes conquistas num curto espaço de tempo. A sociedade está ideal? Não, não está. Toda essa inclusão está acontecendo? Não está da maneira como deveria ser. Mas, se compararmos 1981 e 2011, houve um avanço muito grande, num curto espaço de tempo. (Celso Zoppi)
As relações entre o antes e o depois do contato com a luta política, entre discurso pessoal e discurso militante, entre passado e presente aparecem o tempo todo nas falas dos entrevistados. É mostrando essas relações que as narrativas fazem sentido. Assim, parece afirmar que só é suportável lembrar de tudo aquilo acontecido no passado, porque o presente é diferente. E aqui é importante explicar o que é diferente. O que parece relevante é a transformação do assumirse e do passar a ser. É no ser que a diferença se define. Em um novo ser, com uma identidade de grupo, mais autoconfiante que, ao narrar sua história, reafirma sua capacidade
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de atuar para mudar sua realidade. É olhando por esse prisma que se pode entender a ação do grupo e a importância de tudo que foi realizado, que vai além da conquista de direitos ou da aprovação de leis.
As pessoas com deficiência e a mobilização hoje Da leitura dessas histórias, podemos concluir que a inclusão é uma luta de todos e que nossa sociedade fica melhor quando convive com pessoas que nos ensinam o exercício da cidadania e sobre ser um cidadão com direitos. Podemos, certamente, constatar a mudança social operada por esse conjunto de pessoas com deficiência, mas é importante salientar que o caminho deve continuar a ser percorrido. O artigo foi escrito pelo Brasil. Estávamos, em Brasília, 40 pessoas, (...) todo mundo trabalhando junto, discutindo, e desenhamos para a Convenção da Pessoa com Deficiência um artigo que define o que é a pessoa com deficiência. (...) Ficou escrito ali que todas as deficiências são agravadas pelo meio físico. Se o ambiente estiver ajustado, sou menos deficiente ou não sou deficiente. Deixo de ser deficiente, dependendo da situação, porque o meio físico é totalmente acessível. Veja você como o conceito de deficiência muda. Quer dizer, sou uma pessoa com deficiência que passa a ser totalmente integrada de acordo com o meio físico. Essa questão tem que ser vista, lida e assimilada. É uma questão nova, aprovada e sancionada, agora, em 2009, 2008. (...) As pessoas têm que ter essa consciência, entender o peso dos artigos da Convenção. Temos que (...) começar a discutir a questão da cidadania e colocar isso na grade curricular das escolas, das faculdades. (Adelino Ozores) Com o passar do tempo, com a conquista da redemocratização, os movimentos populares caíram um pouco. (...) Também, por causa das conquistas legais, os movimentos se desarticularam e partiram para outro nível de luta, que é mais atuar junto ao Legislativo, Judiciário e Ministério Público. Portanto, a organização das pessoas com deficiência se modificou. O Brasil tem as melhores leis do mundo. Acho que a grande luta das pessoas com deficiência hoje é fazer com que as leis que já existem sejam cumpridas. Não se trata de privilégios. Não queremos privilégios. Queremos direitos. Somos diferentes e a lei tem de tratar diferentemente os diferentes. Isso para todos os grupos. (...) Caso a gente se prepare para tentar acolher os mais frágeis, acolhemos todos. Acho que essas duas coisas são marcantes no atual desenvolvimento do movimento das pessoas com deficiência: cumprir as leis que já existem e ter cuidado com a acessibilidade para que todos possam ser acolhidos nessa sociedade. (Chico Pirata) Essas conquistas são muito importantes. Mas, na verdade, nem todas as pessoas com deficiência usufruem delas. Como era antes e continua sendo, a maioria das pessoas com deficiência ainda está totalmente isolada, internada em instituições, ou escondida dentro de casa. Quer dizer, mudamos muita coisa. Mudamos o discurso, principalmente. Mas, ainda há muito preconceito, há muito a ser feito, ainda há barreiras a serem eliminadas. Muita gente não tem reabilitação, muita gente que não tem uma cadeira de rodas para sair de casa. Muitos não frequentam a escola porque não têm como ir. (Lia Crespo)
Ainda que essa possibilidade de acesso a bens sociais e culturais não seja desfrutada por todas as pessoas com deficiências, em um livro que celebra os 30 anos do Ano Internacional das Pessoas Deficientes, importa lembrar a relevância do registro das memórias que
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remetem a uma história do cotidiano e da vida privada. E, neste caso, também, revela – por uma perspectiva diversa – outra história. Desse modo, pluraliza a possibilidade da construção do conhecimento sobre um grupo de pessoas a partir, e não à parte, de suas próprias reflexões. Um conhecimento é construído no diálogo, levando em conta identidades e convicções. As entrevistas que geraram as reflexões expressas neste capítulo, por sua natureza mais subjetiva, humaniza toda uma história e nos ajuda a compreender uma luta que foi, em si, também humanizadora de seus sujeitos. Esse exercício, portanto, passa a ser válido, na medida em que preserva e divulga narrativas e memórias de um momento central de nossa história contemporânea. Mas, para além disso, as histórias de vida dos protagonistas do AIPD relembram o legado e a identidade desse grupo, ao retomar sua pertença a um movimento que se formou e enraizou em torno da luta pelo “direito de ser”. Esse direito foi conquistado pela luta das pessoas que este texto apresentou. No mais, cabe ainda assegurar que os direitos sejam respeitados por todos.
Referências bibliográficas CASTORIADIS, C. Os intelectuais e a história. In: As encruzilhadas do labirinto 13. O mundo fragmentado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. CHAUÍ, M. Público, privado, despotismo. In: Novaes, A. (org.) Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p.345 – 390. CRESPO, A. M. M. Da invisibilidade à construção da própria cidadania. Os obstáculos, as estratégias e as conquistas do movimento social das pessoas com deficiência no Brasil, através das histórias de vida de seus líderes. Tese de doutorado, FFLCH/USP, 2009. GOHN, M. G. Teoria dos movimentos sociais. Paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Loyola, 1997. __________. Conselhos gestores e participação sociopolítica. São Paulo: Cortez, 2003. MEIHY, J. C. S. B. Manual de História Oral. São Paulo: Loyola, 2005. NALLIN, A. Reabilitação em instituição: suas razões e procedimentos. Análise de representação do discurso. Brasília: Corde - Coordenadoria Nacional para integração da pessoa portadora de deficiência, 1994. RANCIÈRE, J. O dissenso. In: NOVAES, A. (org). A crise da razão. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. RIBEIRO, S. L. S. Visões e perspectivas: documento em história oral. Oralidades, São Paulo, nº. 2 – jun/dez 2007, pp. 35-45.
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Seguem 40 páginas de documentos do Departamento de Ordem Política e Social – DOPS. Tais páginas não constituem um único documento. São páginas dispersas da documentação do DOPS, atualmente sob a guarda do Arquivo Público do Estado de São Paulo. A maior parte dos documentos referese a Cândido Pinto de Melo; há também referência a Maria de Lourdes Guarda e a Isaura Helena Pozzatti; e reprodução de material do movimento social da pessoa com deficiência, coletado pelo DOPS.
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Imagem. Capa da Ficha de Cândido Pinto de Melo, fl1. Contém Brasão do Estado de São Paulo e carimbos: “Ordem Política” e “Fichado”. Secretaria Segurança Pública Departamento de Ordem Pública Social Campos para preenchimento: Nº; Ano 196_; Interessado; Procedência; Assunto e Data de Distribuição. Contém carimbo no campo Nº: “145050” Campo “interessado” consta nome completo de Cândido escrito à mão. Campo “assunto” consta os nomes dos pais de Cândido, escritos à mão: “Álvaro Quintino de Souza Melo, Elionor Pinto Pessoa de Melo”.
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Imagem. Secretaria de Segurança Pública Dependência “Sistema de Informação” (D.O.P.S.) Contém carimbo no formato de três quadrados para preenchimento, com numeração manuscrita: 52-Z 0 9588 Cândido Pinto de Melo Filho de: Álvaro Quintino de Souza Melo e Dna Elinor Pinto Pessoa de Melo. Nasc. em 04/05/1.947 - Nat. de João Pessoa – PB. Res; Rua Estevam de Oliveira, 105 – B. Vista – Recife. 50-Z-9-11380 Consta arquivado neste S.I., enviado pela Secr. da Seg. Pública de Recife, seus antecedentes; Em 04/04/1.966, o epigrafado foi preso pela polícia local para aveguações e identificado sob o n° 36.131, por exercer atividades subversivas. Na mesma data, foi apreendida na residência do citado, máterial de caráter subversivo, constando no auto da apreensão. Em 04/04/1.966, foi remetido o ofício s/n°, tendo ficado à disposição das autoridades e posterior foi posto em liberdade. Em 29/04/1.967, foi condenado pelo Cons. Permanente de Justiça do Exercito, a pena de um (1) ano de prisão, sob acusação de haver tentado subverter a ordem pública social do País. Em 12/10/1.968, foi preso na companhia de outros estudantes na cidade de Ibiúna/SP, quando participava do XXX Congresso da UNE. Em 26/02/1.970, foi remetido ao Dr. Auditor da 7° Região Militar o inquerito instaurado contra o citado, por infringir o dispositivo da Lei da Seg. Nacional. Em 10/03/1.970, o Cons. Permanente da Justiça do Exército decretou a prisão preventiva. 50-Z-694/657/658/656. O jornal “Última Hora”, publicou que na cidade de Recife, foram apreendidos grandes quantidades de máterial subversivo e diverso exemplares da “Carta Aberta aos Professores”, firmada pelo epigrafado, presidente da UEP, entidade estudantil fechada por decisão do Governo da República. 50-Z-9-13172. S.G.SS.P Mod 27
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Imagem. Arquivo Geral – DOPS – Informação n° 2323/76 DSS Em atendimento ao que foi solicitado no OF. n.° 76 do HOSPITAL DAS CLINICAS DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, e com data de 03.12.76, temos a informar: Cândido Pinto de Melo. Consta neste Arquivo, o nome de CÂNDIDO PINTO DE MELO, filho de Álvaro Quintino de Sousa Melo e de Elinor Pinto Pessoa de Melo, natural de João Pessoa – Paraíba, solteiro, nascido aos 4.5.1947, engenheiro, residente à Praça Benedito Calixto, n°186 – ap.104. Capital - São Paulo. R.G. n°4.036.788. Acha-se aqui prontuariado desde 12.10.1968, ocasião em que foi preso como incurso na LEI DE SEGURANÇA NACIONAL (caso de Ibiúna). Foi indiciado em inquérito policial juntamente com outros estudantes. Os autos foram remetidos à Justiça Militar da 2ª auditoria da 2ª H. H. Mem. 18.10.1968. Apresentou 4 (quatro) Certidões, como segue: 1ª Auditoria da 2ª CJM, data de 24.1.74, certificando NADA CONSTAR, contra CANDIDO PINTO DE MELO; 3ª Auditoria da 2ª CJM, data de 23.1.74, certificando NADA CONSTAR, contra CANDIDO PINTO DE MELO; 2ª Auditoria da 2ª CJM, data de 24.1.74, certificando que, o requerente figurou como acusado no processo 67/68, versando sobre a realização do XXX Congresso da extinta UNE, tendo sido declarada EXTINTA A PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO DA AÇÃO PENAL, em decisão do Conselho Permanente de Justiça da 2ª. Auditoria da 2ª CJM, datada de 15.12.72, já transitada em julgado. Certifica, ainda, não constar naquela Auditoria, qualquer condenação, ação penal ou inquérito em andamento, com relação ao já referido CANDIDO PINTO DE MELO; -segue-
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Imagem. Continuação do documento anterior. -2Arquivo Geral – DOPS Cont.da Informação n° 2323/76 Auditoria da 7° C.J.M. - Recife/PE, datada de 1.2.74, certificando que CANDIDO PINTO DE MELO, não tem, no momento, nenhum processo tramitado naquela Auditoria, tendo, todavia, respondido naquele Juízo, aos processos n° 80/66 e 15/70, sendo em 1° Instância condenado no 1° a pena de 1 ano de detenção como incurso no artigo 33, inciso IV, do DL 314/67 e absolvido no segundo, enquanto que, em 2ª Instância, foi absolvido no primeiro e teve a sentença confirmada no segundo processo, CERTIFICANDO, ainda, que CANDIDO PINTO DE MELO, também figurou ser o indiciado nos processos n°s 01/68 e 91/70, originados de inquérito instaurados para apurar atividades subversivas, mas não chegou a ser denunciado. É o que temos a informar. Porém, não podemos afirmar tratar-se do solicitado, pois não nos foram fornecidos dados qualificativos do mesmo. Quanto aos demais, NADA CONSTA. São Paulo, 8 de dezembro de 1976. Astolfo Castro Ferraz Enc. do setor
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Imagem. Arquivo Geral MM/51 Informação N° 347/74 [numeração escrita à mão] ATESTADO N° 024653/74 CANDIDO PINTO DE MELO, filho de Alvaro Quintino de Sousa de Melo e de Elinor Pinto Pessoa de Melo, natural de João Pessoa-Paraíba, solteiro, nascido aos 4.5.1947, engenheiro, residente à Praça Benedito Calixto, n° 186 - apto. 104 Capital/São Paulo. ° R.G. nº 4.036.788. Acha-se aqui prontuariado desde 12.10.1968, ocasião em que foi prêso como incurso na LEI DE SEGURANÇA NACIONAL (caso de Ibiúna). Foi indiciado em Inquérito Policial juntamente com os outros estudantes. Os autos foram remetidos à Justiça Militar da 2° Auditoria da 2° PN, em 18.10.68. Apresentou 4(quatro) CERTIDÕES, como segue: 1ª Auditoria da 2ª C.J.M., datada de 24.1.74, certificando NADA CONSTAR, contra CANDIDO PINTO DE MELO; 3ª Auditoria da 2ª C.J.M., datada de 23.1.74, certificando NADA CONSTAR, contra CANDIDO PINTO DE MELO; 2ª Auditoria da 2ª C.J.M., datada de 24.1.74, certificando que, o requerente figurou como acusado no Processo 67/68, versando sôbre a realização do XXX Congresso da extinta UNE, tendo sido declarada EXTINTA A PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO DA AÇÃO PENAL, em decisão do Conselho Permanente de Justiça da 2ª Auditoria da 2ª C.J.M., datada de 15.12.72, já transitada em julgado. Certifica, ainda, não constar naquela Auditoria, qualquer condenação, ação penal ou inquérito em andamento, com relação ao já referido CANDIDO PINTO DE MELO; Autoria da 7ª C.J.M., Recife/PE, datada de 1.2.74, certificando que CANDIDO PINTO DE MELO, não tem, no momento, nenhum processo tramitando naquela Auditoria, tendo todavia, respondido naquele Juízo, aos processos n°s 80/66 e 15/70, sendo os 1ª Instância condenado na 1ª pena de 1 ano de detenção como incurso no artigo 33, inciso IV, do DL 314/67 e absolvido no segundo, enquanto que, em 2ª Instância, foi absolvido no primeiro e teve a sentença confirmada no segundo processo, CERTIFICANDO, ainda, que CANDIDO PINTO DE MELO, também figurou como indiciado nos processos n°s 01/68 e 91/70, ori- - segue-
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Imagem. Continuação documento anterior. Arquivo Geral (continuação da informação n° 347/74 [numeração escrita à mão]). originados por inquéritos instaurados para apurar atividades subversivas, mas não chegou a ser denunciado. Informado por Marcial Macias, São Paulo, 10 de Outubro de 1974. Argemiro Laurindo Carbonelli. Chefe de Arquivo Geral – DOPS.
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Imagem. Departamento de Ordem Política Social NMR Informação n° 592/70 Arquivo Geral Atendendo Ofício 238 – DSS/70 de 15 de maio p.p., da Delegacia de Segurança Nacional – Secção Administrativa, passamos a informar o seguinte. “Acha-se aqui prontuário desde ................. 12.10.1968, CÂNDIDO PINTO DE MELO, filho de Alvaro Quentino de Souza Melo e Elinor P. Pessoa de Melo, nasc. aos 4.5.1947 – Nat. João Pessoa – Paraíba, ocasião em que foi preso como incurso na LSN (Caso Ibiúna). Indiciado em inquérito policial juntamente com outros estudantes, os autos foram remetidos à Justiça Militar da 2ª Auditoria da 2ª RM, em 18.10.68..-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-. São Paulo, 4 junho de 1970 CHEFE DO ARQUIVO GERAL DEOPS ARGEMIRO LAURINDO CARBONELLI
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Imagem. Documento com itens para preenchimento de dados. Dados datilografados. SECRETARIA DA SEGURANÇA PÚBLICA Departamento de Investigação Serviço de Identificação Delegacia: Departamento de Ordem Política e Social REGISTRO GERAL Nº .......... Nome: CÂNDIDO PINTO DE MELO Vulgo: ......... Filiação: (pai) ALVARO QUENTINO DE SOUZA MELO e (mãe) ELINOR P. PESSOA DE MELO Idade: (declarada ou aparente) 21 anos. (Sabendo o dia em que nasceu, convém registrar) Nascido no dia 4 de maio de 1947 Estado civil: solteiro Profissão: (declarada) estudante Nacionalidade: vrasileira Lugar onde nasceu: JOÃO PESSOA – Paraíba (sendo estrangeiro, há quanto tempo veiu para o país e a data, sabendo-a) Instrução: superior Residência: (declarada) rua estavao de oliveira, 105 RE Data da prisão: 12 – 10 – 1968 Data da identificação: 16 – 10 – 1968 Motivo da prisão: LEI DE SEG. NACIONAL Forma da prisão: (em flagrante, por mandado, etc.) PORTARIA Está sendo processado: SIM Estado em que se acha o processo: ........... Juízo Criminal do processo ou da sentença: ........ Notas sobre a marcha do processo: ....... Religião: CATÓLICA Conduta: ....... Observações: - Os dados acima devem ser todos obrigatóriamente preenchidos. Assinatura da autoridade policial HAVENDO FOTOGRAFIA, COLOCAR AQUI IMPRESSÕES DA MÃO DIREITA
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Imagem. Documento com itens para preenchimento de dados. Dados datilografados. CARACTERES CROMÁTICOS, ETC. Cutis branca Cabelos castanhos Barba raspada Bigodes raspado Sobrancelhas sim Olhos castanhos Estatura: (sendo possível, em centímetros) 1,72 Corpo: normal MARCAS PARTICULARES, CICATRIZES E TATUAGENS Notas e informações diversas sobre prisões, processos, condenações, identificações anteriores, lugares onde tem residido nos últimos cinco anos, etc. ASSINATURA DO IDENTIFICADO [consta assinatura de Cândido Pinto de Melo].
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Imagem. Documento com itens para preenchimento de dados, em três campos. Dados datilografados. 1º Campo. Topo da página. D.F.S.P. Logo do Governo de São Paulo. Instituto Nacional de Identificação. Contém campo para as digitais de ambas as mãos, preenchido. Campo Ano de Nascimento consta a “1947”. 2º Campo. Itens para preenchimento, número 38 a 55. Aqui reproduzido apenas os preenchidos. Sigla Estadual: PE; Reg. Estadual: 631.377-Recife; delegacia: DOPS; Data: 12-10-1968; Nome: Candido Pinto de Melo; Pai: Alvaro Quintino de Sousa Melo; Mãe: Elinor Pinto Pessôa de Melo; Data de Nasc.: 4-5-1947; Nacionalidade: Brás.; Naturalidade: J.Pessoa-PB; Sexo: masc.; Cor: branca; 1,72; Residência: R. Estevão de Oliveira, 105- Boa Vista Pernambuco; Incidência Penal: Lei de Segurança Nacional; Estado civil: Solteiro; Grau de instrução: Superior inc.; Data do fato: 12/10/1968; Hora: 7 hs; Local da ocorrência: Ibiúna. 3º Campo. Informações Policiais. Motivo da detenção: Reunião proibida por lei; Local: Ibiúna – Est. De S.Paulo; Data: 12-10-1968; Hora: 7hs; Documento de identidade: Diversos. Consta assinatura do “Responsável pelas Informações” 4º VIA Cópia para o arquivo da Delegacia de Polícia. S.G.-2-68 – S.A.C. – S.S.P. – Mod. 158 – 40.000
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Imagem. Continuação do documento anterior; também em três campos. 1º Campo. Topo da página. Seg. Estadual: 631.377 – recife; Delegacia: DOPS; Data: 12-10-1968; Nome: Candido Pinto de Melo; Incidência Penal: reunião proibida por Lei; Assinatura do identificado [consta assinatura de Candido]. Mão Esquerda [consta digitais da ponta e da extensão dos dedos]; Polegares [consta digitais]; Mão Direita [consta digitais da ponta e da extensão dos dedos]. 2º Campo. Itens para preenchimento, número 56 a 71. Aqui reproduzido apenas os preenchidos. Cútis: Branca; Olhos: Castanhos escuros; Cabelos: Castanhos; Tipo de Cabelo: Ondulado; Bigos ou barba: raspados; Altura: 1,71-1,75; Compleição: Médio; 3º Campo. Para Uso do Instituto Nacional de Identificação. Consta as digitais do Polegar Direito e do Polegar Esquerdo.
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Imagem. Seis retratos de pessoas fichadas pelo DOPS, entre elas Cândido Pinto de Melo, jovem. Abaixo do retrato consta o número 101. Nesta publicação, os demais retratos estão fora de foco, para preservar suas identidades.
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Imagem. Doze retratos de pessoas fichadas pelo DOPS, entre elas Cândido Pinto de Melo, mais velho que no documento anterior. No retrato consta o número 236. Nesta publicação, os demais retratos estão fora de foco, para preservar suas identidades.
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Imagem. Lista de nomes, numeração de 207 a 266. Na frente dos nomes figura a informação “banido” ou “preso”. Os nomes estão ticados a caneta, nas cores azul e vermelha. O número 236 corresponde a “Cândido Pinto de Melo (“Hilton”) – Preso”. Nesta publicação, os demais nomes estão fora de foco para preservar suas identidades.
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Imagem. Documento em quatro tópicos, para preenchimento de informações. Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo Departamento Estadual da Ordem Política Social N° 101 I – Qualificação. Nome: Cândido Pinto de Melo; Codinome: [nada consta]; Nacionalidade: Brasileira; Onde Nasceu: João Pessoa; Estado: Paraíba; Estado Civil: Solteiro; Idade: 25 Nascido aos 04.05.1947; Filiação: Alvaro Quintino de Sousa Melo e de Elinor Pinto Pessoa de Melo; Residência: Rua Estevam de Oliveira, 105 – Boa Vista – Recife; Profissão: Estudante; Lugar onde Exerce Atividade: [nada cosnta]. II – Doc. Identidade. Cart. Identidade: RG 4.036.788; Titulo eleitor: [nada consta]; Certidão Militar: [nada consta]. III – Organização. UNE IV – Histórico. Estudante da Escola de Engenharia da Universidade de Pernambuco...// Indiciado no Inquérito Policial n°15/68 instaurado por esta DEOP, por infração da Lei de Segurança Nacional, como participante do 30° Congresso da extinta UNE. Autos remetidos a Justiça Militar aos 13.10.1968..../// 23.2.1973 - Conforme ofício n. 358, da 2º Auditoria, o epigrafado teve declarado extinta sua punibilidade pela prescrição da ação penal, já transitada em julgado.../// Ordem Social informa: Oficio n. de 15.5.70, da Delegacia de Segurança Social de Recife, e ofício do P.J. de Recife, que manda recolher o fichado, por se encontrar internado no Hospital da Assistência da Criança Defeituosa do Estado de São Paulo, solicitando ainda sêja preso e recolhido à prisão competente, podendo o mesmo ficar detido no Hospital, desde que sejam permitidos reais condições para tal. Solicita, ainda, que seja informado do cumprimento daquele mandado de prisão...//// Informação da PM de São Paulo: 1970 – Figura, juntamente com Alan de Melo Marinho de Albuquerque e outros, em Inquérito, contendo nomes de terroristas localizados em “aparelhos” desbaratados pela polícia. Tal inquérito refere-se à organização subversiva ALN.../// 29/DEZEMBRO/71 – Nesta data, Ney Francisco do Vale, prestou declarações no DOI, dizendo quando o nominado, militante do PCBR fôra baleado em Recife, ficando paralítico...// No rodapé da página consta carimbo com numeração manuscrita: 50C 22 8227.
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Imagem. Documento. Original no modo paisagem. Seu nome consta do livrete “Torturas e Mortes de Presos Políticos” Doc. Pasta Diversos Pasta 17 Doc. 7 Fls.18
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Imagem. Fotocópia da capa e contracapa de livro. BRASIL: Tortura e Morte de Presos Políticos. 1970. Na borda da fotocópia consta manuscrito: Fichario e Arquivo O.S. p/anotar e arquivar. Doc 7.
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Imagem. Fotocópia das páginas 34 e 35 do livro BRASIL: Tortura e Morte de Presos Políticos. BELO HORIZONTE. No dia 28 de novembro de 1968 foram presos no Bairro do Hôrto, em Belo Horizonte, e levados para a 4º Companhia de Comunicações, os Padres Assumpcionistas Michel Marie Le Ven, Francisco Xavier Berthou, Hervé Croguenae e o diácono José Geraldo da Cruz. Segundo o advogado Ariosvaldo de Campos Pires, encarregado pela arquidiocese de Belo Horizonte para fazer a defesa, “êles foram mantidos em regime de absoluta incomunicabilidade, enquanto eram submetidos a longos e penosos interrogatórios”. O Arcebispo de Belo Horizonte D. João Rezende Costa denunciou publicamente o fato de os acusados terem respondido aos inquéritos, completamente nus e debaixo da pressão de constantes torturas. Notas oficiais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (7 de dezembro de 1968, assinada pelo Secretário Geral D. Aluísio Lorscheider) e da Conferência dos Religiosos do Brasil (10 de dezembro de 1968, assinada pela diretoria), protestaram em vão contra a prisão e contra as torturas infligidas aos padres presos. Houve notas oficiais de protesto por parte de todos os setores, inclusive dos cardeais Jaime de Barros Câmara, do Rio de janeiro, Agnello Rossi de São Paulo e Vicente Scherer de Pôrto Alegre. Os padres acusados continuam respondendo a intermináveis inquéritos. Como conseqüência da prisão dos padres assumpcionistas em Belo Horizonte, foi aberto um processo contra a Juventude Operária Católica (JOC) envolvendo ao todo 800 líderes católicos de todo o Brasil. Dêstes, foram ouvidos até o momento cerca de 100, entre os quais o Presidente Nacional, Gibor Sullik, que foi preso por soldados armados de metralhadora, na sede da Conferência dos Bispos do Brasil, no Rio de Janeiro, Ladeira da Glória, 98. Pe. Henrique. O Pe. Antônio Henrique Pereira Neto foi morto, nas ruas da cidade de Recife na noite do dia 26 de maio de 1969. Era assessor do Arcebispo de Olinda e Recife, D. Helder Câmara para assuntos de juventude. Uma nota divulgada no dia 27 de maio de 1969, assinada por D. Helder Câmara e pelo Conselho Presbiteral da Arquiodiocese afir- 34 – ma que “a vítima, entre outras torturas, foi amarrada, arrastada e recebeu três tiros na cabeça”. Antes da morte do Pe. Henrique, o Palácio de Manguinhos, sede do arcebispado foi pichada com inscrições pró-govêrno militar. A casa da Rua Giriquiti, onde funciona o Secretariado regional da Conferência dos Bispos, foi crivada de balas durante a noite. A residência de D. Helder Câmara, na Igreja das Fronteiras, em Recife, foi alvejada e pichada. O líder estudantil Cândido Pinto de Melo, amigo de D. Helder Câmara, foi alvejado em plena rua central de Recife. Sua medula ficou seccionada e por isto o estudante ficou inutilizado para o resto da sua vida. Depois da morte do Pe. Henrique, D. Helder Câmara disse à imprensa que existe uma lista de mais de 30 pessoas, encabeçadas pelo seu nome, de pessoas que devem ser eliminadas da mesma forma como o foi o Pe. Henrique. A existência da lista foi comunicada a D. Helder Câmara, através de ameaças telefônicas anônimas. Volta Redonda. O Secretário Geral do Sindicato dos Metalúrgicos, Sr. Genival dos Santos, está há seis meses internado porque seu estado de saúde é precário como conseqüência das torturas que sofreu durante os quatro meses em que esteve preso durante o ano de 1969. Genival dos Santos teve seu cargo no Sindicato cassado e foi demitido como funcionário da Companhia Siderúrgica Nacional, por ato assinado pelo Presidente Costa e Silva. A denúncia contra as torturas que sofreu Genival dos Santos, foi levada à imprensa pelo Bispo de Volta Redonda D. Waldir Calheiros de Novaes. Em conseqüência destas denúncias, D. Waldir Calheiros foi acusado de difamação contra as Fôrças Armadas. Atualmente está correndo um IPM contra D. Waldir acusado de difamar as Fôrças Armadas. Os bispos que integram a Comissão Central da Conferência dos Bispos do Brasil, lideradas pelos Cardeais Agnello Rossi de São Paulo, Jaime de Barros Câmara do Rio de Janeiro, Vicente Scherer de Pôrto Alegre, e Eugênio Salles do Salvador, enviaram a D. Waldir no dia 20 de setembro de 1969 uma carta na qual se afirma entre outras coisas: “aqui lhe estamos trazendo nossa palavra de fraterna e inteira solidariedade, diante dos sofrimentos que o têm amargurado - 35 –
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Imagem. Página de documento constando 7 nomes de servidores do Hospital das Clínicas/SP, entre eles o de Cândido. Os demais nomes estão ocultados nesta publicação para preservar suas identidades. No topo da página, manuscrito “arquive-se”. Hospital das Clínicas – Faculdade de Med. Da Univ. de S.Paulo. RELAÇÃO de serv. Recém admitidos no Hosp. das Clínicas da Fac. de Med. De S. Paulo: CÂNDIDO PINTO DE MELO, Portador da Cédula de Identidade nº 4.036.788, expedida em S.P. aos 25/10/1971, filho de Alvaro Quintino de Souza Melo e de Elinor Pinto Pessoa de Melo, nascido em 4/5/1947 na Cidade de Joao Pessoa – Estado da Paraíba, e residente à Casa do Ator, nº 107 – V. Olimpia – S.P. No rodapé consta carimbo com numeração manuscrita: 50C 118 220.
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Imagem. Documento. Original no modo paisagem. Ficha N° 1. 516 MELO, Candido Pinto de Brasileiro, nat. João Pessoa, PB, solteiro, 21 anos, filho de Alvaro Quintino de Souza Melo e de Elinor Pinto Pessoa de Melo, residente a Rua Estevão de Oliveira, 105 – Boa Vista – Recife. Estudante da Escola de Engenharia da Universidade de Pernambuco. 18.10.68 – Indiciado em inquérito policial n° 15/68, instaurado por esta DEOP, por infração da Lei de Segurança Nacional, como participante do 30° Congresso da extinta UNE. Autos remetidos nesta data à Justiça Militar. Indiciados nestes inquéritos: 694 elementos V.Verso
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Imagem. Documento. Original no modo paisagem. MELO, CANDIDO PINTO DE Ficha n°2 Recife 2/6/78 – Inf. Folha de São Paulo: A 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Recife, decidiu por unanimidade acolher o recurso do Promotor Paulo Amazonas, para processar o major José Ferreira dos Anjos, da Policia Militar de Pernambuco, como o responsável pela prática de violências e lesões corporais gravíssimas contra o nominado fato ocorrido a 28/4/1969. Doc. na pasta Justiça, digo, Diversos.
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Imagem. Documento. Original no modo paisagem. MELO – Candido Pinto Vulgo “Hilton” [manuscrito] Preso Vulgo Preso 30-z-160-14893
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Imagem. Documento. Original no modo paisagem. MELO – Cândido Pinto de filho de Alvaro Quintino De Souza Melo e de Elinor Pnto Pessoa de Melo. INF. p/o DOPS, em 7/5/74; 52-Z-0-9588
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Imagem. Documento. Original no modo paisagem. 23/2/73 – Conf.. o ofício n° 358 da 2ª Auditoria o epigrafado teve declarada extinta sua punibilidade pela prescrição da ação penal, já transitada em julgado. 05/10/73 – Conforme relação n/data da Sec.Seg. Pública do Estado de Pernambuco: o Conselho Permanente de Justiça do Exército decretou a prisão preventiva do epigrafado, conf. of. 199 de 11/3/70, da Auditoria da 7ª Reg. Militar, em 26/08/1970, o inquérito policial foi remetido à Auditoria da 7° Reg. Militar por haver o epigrafado incorrido na Lei de Seg. Nacional, como elemento ligado à A.L.N. (Aliança Libertadora Nacional) e que participou, de assaltos, terrorismo e outro atentado ao regime da Lei vigente no País. Conf.of. 439 de 13/5/70 encontra-se recolhido no Hospital da Associação da Criança Defeituosa, no Estado de São Paulo. - (Documento PB 12/73- encaminhado ao S.I.-)
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Imagem. Documento. Original no modo paisagem. MELO – Cândido Pinto de ref. Ao Mov. De Ibiúna=1968= QUAL: 50-C-22-8227
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Imagem. Documento. Original no modo paisagem. MELO - Candido Pinto Filho de Alvaro Quintino de Souza Melo e de Elionor Pinto Pessoa de Melo, 21 anos, natural de João Pessoa, PB, solteiro, Estudante da Escola de Engenharia da Univ. de Pernambuco, residente à R. Estevão de Oliveira, 105 – Boa Vista – Recife. Assunto – 18.10.68 – Indiciado no inquérito policial n° 15/68 instaurado por esta DEOP, por infração da L.S.N., como participante do 30° Congresso da extinta UNE. Autos remetidos nesta data à Justiça Militar. Indiciados deste inquérito: 694 elementos. 23.2.73 – Conf.. of. 358 da 2ª Auditoria o epigrafado teve declarada extinta sua punibilidade pela prescrição da Ação Penal, já transitada em julgado. 05.10.73 – Cof. relação n/data da Sec. de (vide verso)
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Imagem. Documento. Original no modo paisagem. 05.10.73 - Conf. relação n/data da Sec.Seg.Publica do Estado de Pernambuco: O Conselho Permanente de Justiça do Exército decretou a prisão preventiva do epigrafado, conf. of. 1999 de 11/3/70, da Auditoria da 7ª RM, em 26/8/70, o inquérito policial foi remetido à Auditoria da 7ª RM por haver o epigrafado incorrido na L.S.N, como elemento ligado à ALN (Aliança Libertadora Nacional) e que participou de assaltos, terrorismos e outros atentados ao regime da Lei vigente no país. Cof. of. 439 de 13 de maio/ 1970, encontra-se recolhido no Hospital da Associação da Criança Defeituosa do Est. de S. Paulo. Assunto: Em 4.4.74 requereu um atestado de seus antecedentes políticos-sociais. Anexou em seu pedido três certidões das 22 das Auditoria sendo que na 1ª e 3ª CJM nada consta e 2ª CJM consta que o processo 67/68 em que o nominado figurou como acusado teve sua pena segue
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Imagem. Documento. Original no modo paisagem. MELO CANDIDO PINTO Ficha 2 Cont.- em que o nominado figurou como acusado, teve extinta a puniblidade, digo punibilidade pela prescrição da pena. Anexou, ainda, uma certidão da 7ª CJM = Recife-PE-, na qual consta que respondeu naquela Juízo aos processos 80/66 e 15/70 sendo que no primeiro foi condenado a pena de hum ano de detenção e absolvido no segundo processo. Que figurou como indiciado nos processos 01/68 e 91/70 mas não chegou a ser denunciado. Em suas petições dirigidas às Auditorias, declarou ser Engenheiro, residente à Rua Humaitá, 18 – Botafogo – Guanabara. Em 28/06/1974 – O Hospital das Clinicas solicitou informações declarando que o epigrafado reside - À casa do Autor n° 107 – Vila Olímpia –SP- Capital. Foi informado a respeito o Hospital das Clínicas com a informação de n°592/74
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Imagem. Documento. Original no modo paisagem. MELO – Cândido Pinto de Func. Do Hosp. Das Clínicas / qaulif 50-Z-118-220
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Imagem. Documento. Original no modo paisagem. MELO – Cândido Pinto de Em 8/80 – componente da chapa 1 – cand. ao Sind. Engenheiros – anexo a info. 638-B/80 DI/DOPS 20-C-44-11863 1c
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Imagem. Documento. Original no modo paisagem. MELO – Cãndido Pinto de Em 8/80 – componente da chapa 1 – cand. Sind. Engenheiros-anexo a info. 638-B/80-DI/DOPS 20-C-44-11861 1c
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Imagem. Documento. Original no modo paisagem. MELO – Cãndido Pinto de S/qualif. Prof. Termo de declarações 29.03.77 50-K-104-2685 50-K-104-2684
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Imagem. Folder. Sindicato dos Engenheiros Chapa 1 Diretoria. Titulares: Horácio Ortiz/ Cid Barbosa Lima Jr./ Luiz Dias Ferreira / Eduardo Albertin/ Antonio Marsiglia Neto / Hilton Barlach. Suplentes: Jacob Teubl / Roberto Ribeiro dos Santos / Antonio Carlos Thereso Mattos / Geraldo Leite / José Augusto Ramos Soares / Allen Habert. Oposição e Renovação Conselho Fiscal Titulares: José Ivandro Dourado Rodrigues / Wolfgang Stein / Candido Pinto de Melo. Suplentes: Antonio de Souza / Clara Emilia Lima Hartmann / Samuel Ribeiro Giordano. Delegados representantes junto à Federação Nacional dos Engenheiros. Titulares: Antonio Octaviano / Francisco Marsiglia. Suplentes: Antonio Luiz Rigo / Ald Lommez. Eleições em primeira convocação: dias 30 de junho, 1º e 2/7. Regularize seu pagamento até 19/6. Vote para renovar. Consta no topo do folder inscrição manuscrita: Prezado colega cumprimentando-o cordialmente, venho, solicitar seu honroso apoio à chapa 1 – “Oposição e Renovação” por nós liderada. É um grande instrumento na luta pela profissão e pelo país. Contando com seu entusiasmo abraço-o.” Assina Horácio Ortiz. Rodapé consta carimbo com numeração manuscrita: 20-C-44-11863 Todos os nomes do folder estão ticados com caneta nas cores vermelho e azul.
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Imagem. Folder. Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo Consta lista de candidatos da Chapa 1 e da Chapa 2, para os cargos de Diretoria: efetivos e suplentes; Conselho Fiscal: efetivos e suplentes; Delegados Representantes à Federação Nacional dos Engenheiros. Todos os nomes estão ticados com caneta nas cores vermelho e azul. Há o número 529 e 239 manuscrito junto à expressão Chapa 1 e Chapa 2, respectivamente. Rodapé do documento consta carimbo com numeração manuscrita: 11-861.
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Imagem. Capa de documento com carimbo de “CONFIDENCIAL”. Contém Brasão do Estado de São Paulo, Secretaria da Segurança Pública. Departamento Estadual de Ordem Política e Social – DEOPS Serviço de Informações São Paulo, em 07/Abril/81 1. Assunto: Manifestação de Pessoas Portadoras de Defeitos Físicos 2. Origem: A Fonte 3. Classificação: 4. Difusão: À comunidade de informações 5. Referência: 6. Difusão desde a origem: 7. Anexo: INFORM ação Nº 188=B/81 Anexo xerox de relatório deste DOPS, sobre manifestação de Pessoas Portadoras de Defeitos Físicos, realizada hoje, nas escadarias do Teatro Municipal – Capital. Foram distribuídos na ocasião, os panfletos “MOVIMENTO PELOS DIREITOS DAS PESSOAS DEFICIENTES”, “NENHUM PAÍS É SUFICIENTEMENTE RICO PARA DISPENSAR A MÃO-DE-OBRA DAS PESSOAS DEFICIENTES” da Associação Brasileira dos Deficientes Físicos – ABRADEF, e “DIA NACIONAL DE CONCENTRAÇÃO”. Consta carimbo com numeração manuscrita: 20-C 44 16514
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Imagem. Panfleto do MDPD. Movimento Pelos Direitos Das Pessoas Deficientes Breve Histórico Em meados de 1979, visando analisar e propor soluções para os problemas que afligem os portadores de deficiência, um grupo de pessoas deficientes iniciou contatos com indivíduos e entidades interessados neste assunto. Este grupo surgiu em um momento onde o amadurecimento de pessoas portadoras de deficiência levou-as a manifestações públicas a respeito das injustiças sociais que recaem sobre elas, fruto de atitudes preconceituosas de toda sociedade. Desse modo, a imagem equivocada sobre a pessoa deficiente começou a mudar graças à união e coordenação de esforços. A organização inicial desse grupo constava de reuniões mensais regulares onde os participantes, em clima descontraído e fraterno, expunham seus pontos-de-vista e indicavam os caminhos básicos do movimento. Chegou-se à conclusão de que não se tratava da necessidade de formar uma nova entidade, mas um movimento flexível, ágil e atuante no sentido de levar as pessoas deficientes a se organizarem na luta pelos seus direitos. Em dezembro desse ano, com as bases de atuação definidas, com o nome de Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes, o grupo lançou sua Carta-Programa e elegeu, por um ano, uma coordenação geral, que foi apresentada oficialmente à imprensa na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. A história do MDPD – Movimento dos Direitos das Pessoas Deficientes, é a história de todo movimento popular autêntico que nasce pela raiz. Nasceu pequeno e cresce à medida em que pessoas deficientes tomam consciência de que devem lutar por seus direitos de cidadania e exigir em plena participação e igualdade social. O MDPD É APOIADO POR 12 ENTIDADES: AADF (Ourinhos), ABRADEF (SP), AIDE (SP), CEDRIS (SP), CPSP (SP), FCD/SP, FLCB (SP), NID (SP), QUINTA RODA (SP), SODEVIBRA (SP), SORRI (Bauru), UNADEF (SP). Correspondência: Rua Joaquim Antunes 611/53 05415 São Paulo SP Contatos: Lourdes (284-5493) – Leila (65-6739) Na lateral do documento consta data e carimbo com numeração manuscritos: 7/4/81 12:00hs, 20-C 44 16513
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Imagem. Panfleto da FCD. Dia Nacional de Concentração Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes (FCD) 1981 – Ano Internacional das Pessoas Deficientes A Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes promove esta concentração, no âmbito internacional (5 continentes). Visa com isto a conscientização, ou seja, transmitir à população o fato de que as pessoas deficientes (físico, mental, sensorial...), como cidadãos íntegros e participantes da vida na sociedade, têm direito ao transporte, estudo, trabalho, reabilitação e lazer, direito este fundamental a pessoa humana, deficiente ou não. A própria ONU (Organização das Nações Unidas) instituiu que, nos países membros, 1981 seja o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, com tema: Plena Participação e Igualdade. Tendo uma limitação física, sensorial ou mental, o deficiente não está limitado de ser uma pessoa normal, que possa trabalhar, estudar, passear, casar, enfim, não está limitado de viver. UM POUCO DE HISTÓRIA... A FCD é um movimento internacional, ecumênico, nascido em 1.942 na cidade de VUrdun, França, através Monsenhor Henry François. Ele, com mais 50 deficientes, perceberam juntos que a deficiência não lhes havia tirado os valores e capacidades e, com todas as limitações, estavam vivos e esta vida deveria ser vivida com intensidade. No Brasil, iniciou-se em 1.972, no Rio Grande do Sul. Contamos atualmente com mais de 70 núcleos, em vários Estados. OBJETIVOS DA FCD... Pretende o desenvolvimento integral dos doentes e deficientes, tanto no plano humano como espiritual. Contribui para que nós deficientes nos integremos com outros deficientes, com a sociedade, uma vez que também somos sociedade. Atualmente nosso trabalho se estende aos Hansenianos (leprosos). Não os evite, são pessoas como nós, que podem viver normalmente na sociedade pois, a hanseníase tem cura, não precisando ficar isolados em leprosários. Visite-os. Acreditamos que a luta dos deficientes, é a mesma luta do negro, índio, operário, etc..., ambos marginalizados. Esperamos que, unidos e conscientes, consigamos reconquistar o nosso lugar e os nossos direitos, para uma vida digna na sociedade. Convidamos você, deficiente ou não, a participar e ajudar na construção de um mundo melhor, mais justo e humano. Entidades que apóiam a Fraternidade: ADEVA- Associação dos Deficientes Visuais e Amigos Clube dos Paraplégicos de São Paulo ARPDB- Associação de Reabilitação Profissional do Deficiente do Brasil ABRADEF - Associação Brasileira dos Deficientes Físicos SODEVIBRA – Sociedade dos Deficientes Visuais no Brasil NID – Núcleo de Integração dos Deficientes QUINTA RODA MDPD – Movimento dos Direitos das Pessoas Deficientes UNADEF – União Nacional dos Deficientes Físicos AIDE – Associação de Integração dos Deficientes Maiores Informações: Equipe Nacional: Maria de Lourdes Guarda (Coordenadora). Fone: 284-5493 Equipe Regional: Isaura Helena Pozzatti (Coordenadora). Fone: 251-3433 No canto inferior direito consta carimbo do Departamento de Ordem Política e Social com numeração manuscrita: 20-C 44 16511. Os nomes de Maria de Lourdes e Isaura estão ticados a caneta nas cores azul e vermelha.
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Imagem, Folder da ABRADEF. Contém símbolo do AIPD e logo da Associação: um pirata com perna de pau, gancho na mão direita e um tapa-olho. Sorrindo ele levanta com o braço esquerdo uma bandeira escrita ABRADEF ABRADEF – Associação Brasileira dos Deficientes Físicos. (Ex-Associação dos Deficientes Físicos do Est. São Paulo) Fundada em 11-10-61 Registrada no Serviço Social do Estado de São Paulo e Secretária da Promoção Social Rua Rio Grande nº 71 – Fone 71-7186 – Vila Mariana – Cep 04018 – São Paulo “Nenhum país é suficientemente rico para dispensar a mão de obra das pessoas deficientes”. Tendo em vista o ANO INTERNACIONAL DAS PESSOAS DEFICIENTES, neste ano de 1981, proclamado pela ONU Assembléia Geral das Nações Unidas, a ABRADEF – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DEFICIENTES FÍSICOS, nos seus 20 anos de existência, lança a CAMPANHA ADOTE UM DEFICIENTE, para a construção de sua sede própria OFICINA ABRIGADA DE TRABALHO. ABRADEF – é uma entidade com objetivos de promover a reintegração social do deficiente físico, através da defesa de seus direitos e colocação no mercado de trabalho da mão de obra do deficiente. ENTIDADE – dirigida por pessoas deficientes e para pessoas deficientes: da assistência a um elevado numero de deficientes, sem sede própria, subsistindo tão somente das mensalidades de associados, e dentro de nossas possibilidades lutamos para poder proporcionar melhores condições de vida ao deficiente, quanto: trabalho, alimentação, vestuário, habitação, previdência, transporte, educação, recreação, esporte etc... SEDE PRÓPRIA: todas as pessoas deficientes tem direito a segurança econômica e social e um nível de vida decente e, de acordo com suas capacidades, desenvolvendo atividades, produtivas e remuneradas, assim sendo temos como meta construir uma grande oficina abrigada de trabalho, para deficientes. Não esquecendo que o número de pessoas deficientes em nosso país, ultrapassa a população de qualquer país da América Latina. AJUDE-NOS A AJUDAR AS PESSOAS DEFICIENTES Na lateral direita do documento consta carimbo do Departamento de Ordem Política e Social com numeração manuscrita: 20-C 44 16512.
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Imagem. Documento. Original no modo paisagem. POZZATTI – Isaura Helena 4.81- da Equipe Nac. da Campanha da Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes 20-C-44-16511 b
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Imagem. Documento. Original no modo paisagem. GUARDA – Maria de Lourdes 4.81 – coordenadora – ref. Dia Nacional de Concentração.-Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes. Fone:-284-5493 20-C-44-16511
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CAPÍTULO
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Da exclusão à participação plena na sociedade: Um panorama internacional dos 30 anos do AIPD Romeu Kazumi Sassaki
Com certeza, as atividades comemorativas do Ano Internacional das Pessoas Deficientes (AIPD), realizadas em 1981, contribuíram decisivamente para o avanço do processo de conscientização de todos os povos a respeito dos direitos das pessoas com deficiência. Em que sentido essa contribuição foi decisiva? É o que será apresentado no presente texto, subdividido em três partes: I–Antes do AIPD. 2–Durante o AIPD. 3–Depois do AIPD.
Antes do AIPD É justo e oportuno que se resgate o importantíssimo papel desempenhado, principalmente no campo da educação e do trabalho para pessoas com deficiência, por milhares de profissionais e organizações durante cerca de 50 anos antes do AIPD.
Décadas de 1940 a 60: Cooperação técnica da ONU A Organização das Nações Unidas (ONU) – que, na sua Assembleia Geral de 1976, proclamou 1981 como o AIPD – iniciou trabalhos de promoção do bem-estar e dos direitos das pessoas com deficiência já na década de 40 do século 20, prosseguindo-os por 30 anos até o início dos anos 80. E ampliou cada vez mais a sua área de atuação por todo o ano de 1981,
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por toda a Década das Nações Unidas das Pessoas com Deficiência (1983-1992), pelo restante do século 20 e até os dias de hoje, em que o mundo comemora o 30° aniversário do AIPD. A atuação da ONU no Brasil – através da assistência técnica provida por peritos internacionais em prevenção de deficiências, educação e reabilitação física e profissional – foi desenvolvida nas décadas de 1950 e 60, realizando seminários e estudos em grupo, disseminando publicações técnicas, capacitando equipes, implantando centros de reabilitação e concedendo bolsas de estudos (no meu caso, obtidas para estagiar em programas de reabilitação profissional nos EUA em 1966 e no Reino Unido em 1967).
1970/1980: Década da Reabilitação
Imagem. Logo da Década da Reabilitação. No interior de um quadrado amarelo, medalhão de bronze com relevo: homem em cadeira de rodas cercado por pessoas em pé: um casal de idosos, um rapaz jovem e três crianças, uma delas acarecia um cachorro. O Medalhão é circundado pela expressão “A Década da Reabilitação 1970 – 1980”
Proclamada pela Rehabilitation International, a Década das Nações Unidas das Pessoas com Deficiência foi comemorada mundialmente, dando destaque à importância dos programas de reabilitação física, psicológica, social e profissional. Essa década foi importante por ter provocado o surgimento do conceito de “reintegração das pessoas reabilitadas” na sociedade, ainda, portanto, sob a inspiração do “modelo médico da deficiência”, formulado por especialistas. Note-se que o conceito “modelo social da deficiência”, cuja formulação foi efetuada por ativistas com deficiência, começou a ser disseminado somente no início da década de 1990. (SASSAKI, 2010, p. 44-48) Durante essa Década, foram adotados pela Assembleia Geral da ONU dois documentos: em 1971, a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes Mentais (sim, exatamente com estas palavras) e, em 1975, a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (também com estes termos), ambas as quais foram consideradas revolucionárias naqueles tempos. Nelas ficou estampada a ideia de que pessoas com deficiência intelectual ou com deficiência de qualquer tipo eram titulares dos mesmos direitos humanos que quaisquer outras pessoas
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tinham, além de terem direito a usufruir medidas específicas correspondentes às necessidades especiais resultantes do tipo de deficiência de cada pessoa. Entre essas medidas específicas, constavam aquelas referentes à proteção contra a exploração, aos procedimentos jurídicos, ao acesso a serviços comuns, ao desenvolvimento de suas habilidades e à aceleração do processo de sua integração na sociedade. Também conhecido como “integração social”, esse processo foi praticado nas décadas de 1960 e 70 e significava que poucas pessoas com deficiência já reabilitadas (e, de preferência, com certa escolaridade e alguma qualificação profissional) podiam ser integradas na sociedade, ou seja, encaixadas nos espaços delimitados por barreiras arquitetônicas e atitudinais da escola comum ou da empresa comum, por exemplo. Note-se que o paradigma da “inclusão” só surgiria 20 anos depois.
1974: Primeiras demonstrações públicas
Imagem. Foto em preto e branco. Legenda: Cidadãos com deficiência protestam nas ruas centrais de Nova York. Foto: United Cerebral Palsy of New York City
Pessoas com deficiência da cidade de Nova York bloquearam o trânsito para protestar contra o programa de racionamento de gasolina, que havia sido implantado pelo Governo do Estado de Nova York em 1974. A demonstração resultou vitoriosa, pois eles obtiveram isenção do programa, o que lhes propiciou continuarem comprando gasolina sem restrições e, consequentemente, dirigirem – e/ou serem conduzidos em – automóveis adaptados. Esse fato teve como tema central para as pessoas com deficiência a garantia de sua mobilidade por meio do transporte movido a gasolina. Em outras palavras, foi defendido o direito de ir e vir. A importância histórica desse fato, que poderia ter outros temas centrais e ocorrido em outras cidades dos EUA, pode ser mais bem entendida se considerarmos que, naqueles tempos, não havia coordenação de esforços tanto das próprias pessoas com deficiência quanto dos governos, esforços no sentido de atender a todos os direitos humanos e liberdades fundamentais desse segmento populacional; e, mesmo assim, aquelas pessoas conseguiram exercer uma pressão bem-sucedida sobre o governo. (REHABILITATION INTERNATIONAL, 1975, p.9)
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Imagem. Capa da publicação “News From the Iypd Secretariat”, com logo da ONU para o AIPD. Contém foto em branco e preto de quatro pessoas, dois homens e duas mulheres, uma delas em cadeira de rodas, com legenda: “The Secretary-General talking to Mrs. Adamson (in wheel chair). Right: Mr. Ripert (Under Secretary-General, Department of International Economic and Social Affairs). Centre: Mrs. Z. L. N’ Kanza (Executive Secretary of Iypd).” NEWS FROM THE IYDP SECRETARIAT. International Year Of Disabled Persons 1981 Full Participation And Equality, n. 2, p. 45, Aug. 1980. Legenda: Capa do livreto da ONU sobre o AIPD, de agosto/1980
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Imagem. Logo da ONU (nas cores rosa e vermelho): “International Year of Disabled Persons 1981”
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1976: Proclamação do AIPD A Assembleia Geral da ONU, em sua 102ª reunião plenária, proclamou 1981 como o “International Year for Disabled Persons” (IYDP), através da Resolução 31/123, de 16/12/76. Esse nome foi traduzido no Brasil como “Ano Internacional para Pessoas Deficientes” (AIPD). Como se observa, nessa resolução e em todos os outros documentos elaborados e disseminados pela ONU a respeito do AIPD nos anos de 1976 a 1979, o nome oficial adotado foi “International Year for Disabled Persons”. Entretanto, a preposição inglesa “for” comporta duas traduções para o português: “para” e “por”. “Para” indica direcionalidade: de algo (ano internacional) para alguém (pessoas com deficiência). “Por” indica motivação: algo em favor de alguém. Então, além de “Ano Internacional para Pessoas Deficientes”, a tradução poderia ser “Ano Internacional por Pessoas Deficientes”. Entretanto, ambas as traduções e a expressão em inglês causaram protestos, porque elas se refletiam numa atitude de condescendência, complacência, benevolência – coisa que as pessoas com deficiência já não aceitavam mais. Sugestões que circularam pelo mundo durante o mencionado período levaram a ONU a corrigir o nome do ano. Assim, a partir de 1980, o nome foi alterado para “International Year of Disabled Persons” (Ano Internacional das Pessoas Deficientes”). A preposição inglesa “of” indica procedência, ponto de partida (Donde saiu? De quem partiu? Das pessoas com deficiência.) e posse (De quem é? Das pessoas com deficiência.). Seguem exemplos do uso do novo nome nos boletins circulares sobre o AIPD, na série de livretos “News from the IYDP Secretariat” e na divulgação do símbolo do AIPD.
1977: Direitos das pessoas surdocegas A Conferência Mundial Helen Keller sobre Serviços para Jovens e Adultos Surdocegos, realizada em Nova York, EUA, adotou em 16/9/1977 a Declaração dos Direitos das Pessoas Surdocegas. Assinaram esse documento diversas organizações não-governamentais ligadas a pessoas surdocegas. O Conselho Econômico e Social da ONU decidiu, em sua primeira sessão de 1979, submeter essa declaração à 34ª sessão plenária da Assembleia Geral como parte da documentação do AIPD. (UNITED NATIONS, 1979)
1979: Divulgação do símbolo do AIPD
Imagem. Logo da ONU para o AIPD, na cor azul.
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Em 1979, a ONU lançou o livro oficial para divulgar as programações do AIPD. O símbolo do AIPD representa duas pessoas, sendo que uma delas não tem deficiência e a outra tem. Elas se dão as mãos, numa atitude mútua de solidariedade e de apoio em plano de igualdade, circundadas pelos dois ramos de loureiro do emblema da ONU. O fato de uma pessoa com deficiência e uma pessoa sem deficiência estarem posicionadas no mesmo nível chamou muita atenção, porque até então a sociedade sempre imaginava a pessoa com deficiência em um nível inferior ao de outras pessoas.
1979: Tema do AIPD Quando a ONU proclamou o AIPD, o tema era apenas Participação Plena. (UNITED NATIONS, 1977) Mas, diante de várias manifestações, a ONU decidiu expandir o tema original para Participação Plena e Igualdade, através da Resolução 34/154, de 17/12/1979, que também adotou o Plano de Ação do AIPD. Para explicar o motivo da expansão do tema do AIPD, a Assembleia Geral destacou que Participação Plena significava “participação das pessoas com deficiência em todos os aspectos da vida da sociedade e no desenvolvimento da sociedade onde elas vivem”; e que Igualdade se referia “às condições de vida iguais às de outros cidadãos da mesma sociedade e ao igual compartilhamento da melhoria das condições de vida resultantes do desenvolvimento social e econômico”. Além disso, “estes conceitos deveriam ser aplicados de igual maneira e com igual urgência a todos os países, independentemente do nível de desenvolvimento de cada um”. (UNITED NATIONS, 1980).
1979: O início do movimento e o AIPD Até 1979, as associações de pessoas com deficiência (PcD) atuavam de forma isolada e separada uma da outra e os objetivos eram mais voltados à sobrevivência pessoal de seus membros ou assistidos. Contrapondo-se a essa situação, realizou-se em 1979, em São Paulo, a primeira reunião de organização do movimento de luta em defesa dos direitos das pessoas com deficiência. A primeira reunião foi realizada com 15 pessoas fortemente motivadas pelo desejo de organizar o movimento em defesa dos direitos das pessoas com deficiência. Rapidamente, em poucos meses, as reuniões mensais atraíram o interesse de mais de 50 pessoas. Esse movimento de lutas já havia caminhado algumas semanas quando incluímos o Plano de Ação da ONU para o AIPD. Eu tinha sido bolsista da ONU em 1966 e 1967, e, desde então, recebia publicações da ONU. Otto Marques da Silva tinha sido funcionário da ONU em Nova York e também recebia muitas informações. Vivíamos trazendo novidade para o pessoal. Em 1979, quando começamos as reuniões, levamos todo o material da ONU e começamos a discutir: “Olha, 1981 vai ser o Ano Internacional das Pessoas Deficientes.” Nós já havíamos decidido criar o movimento quando, em 1979, soubemos que 1981 seria o Ano Internacional. Acho que, no Brasil, nós fomos pioneiros em divulgar o Ano Internacional, primeiro em São Paulo e, depois, no resto do País. (SASSAKI, in LANNA JR, 2010, p. 409)
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Imagem. Foto colorida. Várias pessoas em reunião, sentadas em círculo. Maria de Lourdes Guarda na maca. Legenda: David Bastos, Sergio Del Grande, José Bistafa, Evaldo Doin, Heloísa Chagas, Tom Frist, Lourdes Guarda e Vinicius Andrade. Foto: R.Sassaki.
Imagem. Foto colorida. Dois homens sentados em cadeira escolar. Legenda: Tom Frist e Robinson de Carvalho. Foto: R.Sassaki.
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1980: Primeiro debate sobre o AIPD Em 10/5/1980, a Coalizão Pró-Federação Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes realizou o primeiro evento específico para debater o Plano de Ação da ONU para o AIPD.
Imagem. Foto em preto e branco. Três pessoas, um homem e uma mulher, em cadeiras de rodas, com papel e caneta. Legenda: Isaura Pozzatti, Candido Melo e Heloísa Chagas. Foto: R.Sassaki.
Imagem. Foto em preto e branco de reunião. Várias pessoas com deficiência em círculo. Legenda: Maria de Lourdes Guarda, Isaura Helena Pozzatti, Rui Bianchi do Nascimento, Otto Marques da Silva, José Evaldo de Melo Doin, Candido Pinto de Melo, Sergio Del Grande, Araci Nallin, Lia Crespo, Kico Crespo, Luiz Alfabeti (em pé), (moça não identificada), Thomas Ferran Frist, João Bistafa, (talvez) Heloísa Chagas, Claudio Vereza. Foto: R.Sassaki.
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1980: Comissão Nacional do AIPD O governo brasileiro, através do Decreto 84.919, de 15/7/1980, criou a Comissão Nacional do Ano Internacional das Pessoas Deficientes e nomeou seus membros. Mas, paradoxalmente, nenhuma pessoa com deficiência havia sido incluída, muito menos para representar todo o segmento das pessoas com deficiência, estimado em 12 milhões de pessoas. Diante de tamanho absurdo, a Coalizão Pró-Federação Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes, reunida em Brasília em 22 a 25 de outubro de 1980, decidiu entregar pessoalmente uma carta de protesto ao presidente da República, João Batista Oliveira Figueiredo.
Foto em branco e preto. Na quadra de basquete da Universidade de Brasília, vê-se centenas de pessoas sentadas juntas, várias delas em cadeira de rodas. Uma rampa de madeira comprida ocupa quase toda a parede do fundo. Legenda: Abertura do Encontro Nacional em Brasília. Foto: R.Sassaki
Dizia a carta: “... resolve solicitar a Vossa Excelência providências legais no sentido de que sejam incluídos representantes desta Coalizão na Comissão Nacional do Ano Internacional das Pessoas Deficientes”. As fotos mostram as assinaturas dos líderes e Cândido Pinto de Melo:
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Imagens. Foto em preto e branco de Cândido Pinto de Melo; e página de assinaturas da Carta de Protesto ao Presidente da República, João Batista Oliveira Figueiredo. Associação Brasileira dos Deficientes Físicos (SP) Associação dos Deficientes Motores (PE) Associação Riograndense de Paralíticos e Amputados (RS) Núcleo de Integração de Deficientes (SP) Sociedade dos Deficientes Visuais no Brasil (SP) Associação dos Deficientes Físicos de Brasília (DF) Associação dos Deficientes Visuais e Amigos (SP) Associação de Integração dos Deficientes (SP) Associação dos Deficientes Físicos do Paraná (PR) Associação dos Deficientes Físicos do Mato Grosso do Sul (MS) Fraternidade Cristã dos Doentes e Deficientes Físicos (PE) Clube dos Amigos da Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (RJ) Fraternidade Cristã dos Doentes e Deficientes Físicos (RS) Fraternidade Cristã dos Doentes e Deficientes Físicos (SP) Associação de Assistência ao Deficiente Físico (SP) Sociedade Amigos do Deficiente Físico (RJ) Organização Nacional de Reabilitação e Assistência ao Excepcional (RS) Fraternidade Cristã dos Doentes e Deficientes Físicos (SC) Associação Brasileira dos Deficientes Físicos e Sensoriais (SC) Associação dos Deficientes Físicos do Estado do Rio de Janeiro (RJ) À Sua Excelência Senhor General João Batista Oliveira Figueiredo Digníssimo Presidente da República Federativa do Brasil Legenda: Todos os principais jornais destacaram esta carta. O Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes (MDPD) também divulgou o fato.
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Imagem. Jornal O Globo, de 11 de agosto de 1980; e, ao lado, detalhe do Boletim MDPD, 1981 Ano 1– nº 1. O GLOBO - ANO LVI – Rio de Janeiro, segunda-feira, 11 de agosto de 1980 – Nº 17.094 Deficientes pedem a Figueiredo para mudar Decreto SÃO PAULO (O GLOBO) - A elaboração de um documento para pedir ao presidente João Figueiredo de uma mudança no decreto 84.919, que institui a Comissão Nacional do Ano Internacional das Pessoas Deficientes, foi um dos resultados da reunião da Coalizão Pró-Federação Nacional das Pessoas Deficientes, terminada ontem. De acordo com Heloisa Chagas, do Movimento da Pessoa Deficiente do Estado de São Paulo, a ONU, ao instituir o Ano Internacional da Pessoa Deficiente, em 1981, recomendou aos governos que, ao criarem uma comissão para o evento, incluíssem um deficiente. — No decreto não há a inclusão de representantes dos deficientes, o que achamos errado. Mas nosso pedido não é para incluir qualquer deficiente, é para que um membro da Coalizão dela participe — explicou Heloísa. Ela justificou o pedido afirmando que a Coalizão é a única entidade a nível nacional que congrega representantes das pessoas deficientes, com 23 organizações de nove Estados, mais o Distrito Federal. Paulo Roberto Guimarães Moreira, da Associação dos Deficientes Físicos do Estado do Rio de Janeiro, disse que a principal reivindicação da Coalizão é pelos direitos do deficiente: — Falta uma assistência de direito para nós. Não queremos favores, nem que tenham pena de nós, apenas queremos ter o direito que outros cidadãos têm. Apesar de pagarmos impostos e encargos sociais como qualquer um, não podemos, a maior parte de nós, nos locomover, com facilidade nos ônibus, por exemplo. Outro participante da reunião, Messias Tavares de Souza, da Fraternidade Cristão do Doente e Deficientes Físicos, explicou que a Coalizão é aberta a qualquer entidade interessada. Ele fez um apelo, para que os interessados escrevam para Caixa Posta 11.180, em Brasília, a fim de obter informações sobre a organização. Boletim MDPD, 1981 Ano 1 – nº 1. O nosso protesto Em nossa última reunião geral de 8/2, o plenário protestou de forma veemente quanto ao comportamento da presidente da Comissão Nacional para o AIPD que quase não se dirigiu às PD e não quis receber os Coordenadores do MDPD presentes na Abertura do AIPD em Bauru-SP. Tendo em vista estes acontecimentos e os anteriores, que refletem a forma como esta Comissão foi nomeada, imposta e sem participação de representantes de Pessoas Deficientes, o plenário, por maioria de votos, resolveu renegá-la. Entretanto, visando aprofundar a discussão, a Coordenação resolveu incluir o assunto na pauta da próxima reunião (21/03 FMU - Av. Stº Amaro), para definir-se a forma de como será traduzida esta decisão.”
E deu certo, pois o Decreto foi modificado e incluiu o representante da Coalizão Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes, José Gomes Blanco, apesar de colocá-lo como Consultor, conforme mostra o Relatório Final da Comissão Nacional do AIPD. Em todo o caso, foi uma vitória do segmento das pessoas com deficiência:
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Imagem. Detalhe do Relatório Final da Comissão Nacional do AIPD. Consultores Doutor Francisco José da Costa Almeida Assessor da Direção Geral do Centro Nacional de Educação Especial – MEC Doutor Hilton Baptista Vice-Presidente da Rehabilitation Internacional para a América Latina Senhor José Gomes Blanco Representante da Coalizão Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes Coronel Luiz Gonzaga de Barcellos Cerqueira
1980: Missão brasileira às Nações Unidas Dorina de Gouveia Nowill, representando a Delegação Brasileira na Assembleia Geral da ONU, em outubro de 1980, quando discursou sobre o tema do AIPD, destacou-se pelo detalhamento dos conceitos de “Participação Plena” e de “Igualdade”. Foi cuidadosamente preservado, no acervo do AIPD, o texto desse discurso nas versões em braile e impressa (foto abaixo).
Imagem. Capa de publicação. Brazilian Mission To The United Nations Iii Committee Statement By The Adviser Of The Delegation Of Brazil Ms. Dorina Nowill On Item 79: International Year For The Disables In The Thirty-Fifth Session Of The General Assembly New York, October 1980 747 Third Avenue – New York, N.Y. 10017
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1980: Primeira cidade brasileira a abrir o AIPD “Como parte da preparação para o ano seguinte, Ano Internacional das Pessoas Deficientes, em 12 de dezembro de 1980, a cidade de Ourinhos/SP realizava o primeiro evento de abertura do AIPD, com palestra de Romeu Sassaki”. (CRESPO, 2009, p. 129-130)
Imagem. Foto colorida. Mesa de abertura do AIPD, em Ourinhos, com quatro participantes. Atrás da mesa faixa com logo da ONU: “1981 Ano Internacional das Pessoas Deficientes – Participação Plena e Igualdade”. Legenda: Romeu Sassaki faz palestra de abertura do AIPD.
Durante o AIPD Um dos aspectos do AIPD que causou grande impacto na sociedade foi o próprio nome do ano. Enquanto o conhecimento da Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes Mentais (Resolução 2.856-XXVI, de 20/12/1971) e da Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (Resolução 3.447-XXX, de 9/12/1975; Resolução 31/82, de 13/12/1976, sobre a implementação dessa declaração) ficava restrito aos meios especializados, o nome “Ano Internacional das Pessoas Deficientes” foi divulgado ampla e constantemente por todas as mídias, daí despertando a atenção da sociedade para o termo “Pessoas Deficientes”. Era comum atendermos jornalistas e outros profissionais que, para publicar entrevistas e artigos técnicos, nos perguntavam com certa perplexidade e curiosidade: “Então, os deficientes são pessoas? Por quê?” Nada surpreendente para nós. Para eles, sim, pois até então a sociedade sempre se referiu às pessoas com deficiência sem acrescentar a palavra “pessoas”. Por exemplo: “os deficientes”, “os incapacitados”, “os inválidos”, “os aleijados”, “os excepcionais”, “os defeituosos”, “os coitadinhos”, “os subnormais”, “os infradotados”, “os retardados” e assim por diante.
1981: Acessibilidade arquitetônica Tendo como gancho o AIPD, a Federação do Comércio do Estado de São Paulo convidou o Núcleo de Integração de Deficientes (NID) para dar uma capacitação a todos os
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engenheiros e arquitetos do órgão, sobre acessibilidade arquitetônica, com a finalidade de adaptar os prédios do Serviço Social do Comércio (Sesc) existentes e de projetar com acesso suas futuras unidades.
Imagem. Foto colorida. Numa sala ampla, 16 pessoas se reúnem em volta de uma mesa oval. Legenda: Lia Crespo, Romeu Sassaki, Alice Mory e Nia Corrêa capacitando engenheiros e arquitetos. Foto: Sesc.
1981: Uma rampa histórica Também apoiado nas comemorações do AIPD, aconteceu um fato inédito em julho de 1981, em São Paulo. O Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes (MDPD) conseguiu que o secretário municipal de Cultura, Mário Chamie, autorizasse a construção de uma rampa provisória, feita de madeira, na entrada do Teatro Municipal de São Paulo. Embora fosse provisória, aquela rampa representou uma conquista. Para nós, essa foi uma vitória porque foi a única maneira de as pessoas com deficiência poderem entrar e assistir, como todo mundo, a uma apresentação do maestro Isaac Karabtchevsky. O ator Renato Consorte foi um dos nossos grandes apoiadores. Foi ele quem nos apresentou ao secretário para convencê-lo a fazer a rampa.
Imagem. Foto colorida. Detalhe externo do Teatro Municipal de São Paulo. Porta de ferro, escadaria e rampa. Um homem em cadeira de rodas desce a rampa com a ajuda de outro homem, ao lado uma pessoa desce a escada. Legenda: Rampa provisória no Teatro Municipal. Foto: R.Sassaki
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1981: O AIPD em São Paulo O governo paulista nomeou os 17 membros da Comissão Estadual de Apoio e Estímulo ao Desenvolvimento do Ano Internacional das Pessoas Deficientes, sendo 11 representantes de órgãos do governo, quatro representantes de instituições particulares de reabilitação, um representante do Centro de Desenvolvimento de Recursos para Integração Social (Luís Celso Marcondes de Moura) e um representante do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes (José Evaldo de Mello Doin). Essa comissão trabalhou duramente realizando reuniões temáticas, produzindo materiais de divulgação, coletando ideias e soluções, disseminando informações etc. O resultado, que foi positivo em todos os sentidos, foi todo colocado no relatório final.
Imagem. Capa de relatório oficial. Sob fundo azul, logo da ONU para o AIPD, na cor branca. Informações da capa: Casa Civil do Governador. Relatório da Comissão Estadual de Apoio e Estímulo ao Desenvolvimento do Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Legenda: Capa do relatório da comissão paulista
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Em 12/9/1981, foi realizado o 1º Encontro Estadual de Pessoas Deficientes com a participação de várias lideranças da capital e do interior do Estado de São Paulo, bem como de outros Estados.
Imagem. Duas fotos coloridas. A da esquerda, círculo de pessoas em reunião. Foto da direita, numa sala ampla, lotada de pessoas, quatro pessoas posam para foto. Legenda: Ativistas Luís Celso de Moura, Carlos Burle, Thereza Stummer, Romeu Sassaki
1981: O MDPD no AIPD O Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes (MDPD) organizou a sessão de abertura oficial do AIPD, ocorrida em março de 1981 na Câmara Municipal de São Paulo. Iniciando a sessão, a ativista cega Odete Cláudia Nascimento fez a leitura do texto em braile da Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, da ONU, após o que recebeu intensos aplausos. No numeroso público estavam representados quase todos os Estados do País. O presidente do MDPD, Cândido Pinto de Melo, ocupou a coordenação da mesa dos trabalhos. Participaram o juiz Renato Talli, o jurista Dalmo Dallari e o secretário dom Luciano Mendes, da CNBB, entre outras autoridades. Foi lida a carta do representante residente da ONU no Brasil, P. Koenz, que apoiou o evento e aprovou a Carta-Programa do MDPD.
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Imagem. Foto reproduzida de jornal em tom amarelado. Informações sobre a foto: “A abertura oficial brasileira do Ano Internacional dos Deficientes foi feita neste fim de semana”. Legenda: A Câmara Municipal, lotada para cerimônia.
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1981: O AIPD em Bauru No dia 17 de janeiro de 1981, na cidade de Bauru/SP, foi inaugurada a sede própria da Sorri-Bauru, com 3 mil metros quadrados de área construída. Na mesma ocasião, foi realizada a abertura do AIPD daquela região, com a presença de autoridades e centenas de pessoas procedentes de diversas cidades.
Imagem. Foto em preto e branco. Detalhe da mesa de abertura do AIPD, em Bauru. Atrás dos integrantes da mesa, faixa do AIPD. Legenda: Roger Ackley, presidente da ALM (EUA); Helena Bandeira de Figueiredo, presidente da Comissão Nacional para o AIPD; Oswaldo Sbeghen, prefeito de Bauru; Silas Braga Reis, presidente da Sorri-Bauru; Hein Schaapveld, embaixador da Holanda; e Abrahim Dabus, deputado estadual. Foto: Jornal da Sorri, ano I, n.1
Imagem. Foto em preto e branco. Em ambiente externo, vinte pessoas aproximadamente posam para foto. Legenda: Líderes paulistanos do movimento das pessoas com deficiência.
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1981: O AIPD na TV A Rede Globo produziu e, em 31/12/80, apresentou vinhetas para a abertura do Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Tive a oportunidade de realizar uma análise das vinhetas e publicá-la para uso do MDPD e alunos de cursos de jornalismo. A maioria dos filmes não conseguiu o intento de contribuir para educar o telespectador, de acordo com a Declaração de Sundberg.
Imagem. Capa de publicação. Ilustração de uma pessoa em cadeira de rodas em frente a uma escadaria. Título: “Pessoas Deficientes e TV: Análise de uma reportagem”. Contém logo do AIPD. Legenda: Livreto com análise das vinhetas
1981: O AIPD com humor A fim de mostrar uma síntese do AIPD, destaquei dois cartuns, dentre os milhares que refletiram as situações das pessoas com deficiência no Brasil e publicados durante o ano de 1981. O primeiro deles, de autoria de Jota, mostra um batalhão de profissionais da mídia entrevistando uma pessoa com deficiência sob a luz de fortes holofotes, enquanto uma criança que se aproximava para vender balinhas é afastada por um jornalista que diz: “Nem vem! O teu ano já passou!”, referindo-se ao ano de 1979, o Ano Internacional da Criança (AIC). O cartum previa que, assim como a criança voltou a ser esquecida logo que acabou o AIC, a pessoa com deficiência, em destaque durante o AIPD, poderia vir a acabar no esquecimento.
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Imagem. Cartum. Legenda: Cartunista: Jota 1981
O outro cartum, de autoria de Ricardo Ferraz, um dos militantes com deficiência, mostra o segmento das pessoas com deficiência impedido por barreiras (arquitetônicas, culturais e sistêmicas) de participar na vida da sociedade.
Imagem. Cartum. Um homem em cadeiras de rodas está parado em frente a escultura da palavra não, cuja altura é superior a do homem. Legenda: Cartunista: Ricardo Ferraz 1981
1981: Papel da mídia Em 1981, a Unesco aprovou a Declaração de Sundberg que, no artigo 10, diz: “Tendo em vista da influência da mídia sobre as atitudes do público e com vistas a aumentar o nível de consciência e solidariedade públicas, o conteúdo das informações disseminadas pela mídia, assim como
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o treinamento dos profissionais da mídia, precisam incluir aspectos correspondentes aos interesses e necessidades das pessoas com deficiência e ser preparados consultando suas associações.” O nome do documento foi dado em tributo a Nils-Ivar Sundberg, que morreu naquele ano, após dirigir a Unesco por 13 anos seguidos, sempre demonstrando interesse pela situação das pessoas com deficiência (Unesco, 1981).
1981: A mídia repercutindo atividades do AIPD Começando em 1980, a mídia esteve bastante ocupada e alvoroçada para preparar noticiários e matérias jornalísticas (impressas, radiofônicas ou televisadas) sobre a comemoração do AIPD. Sem comentários, destaco uma pequena amostra da enorme quantidade desses noticiários e reportagens: • “Em 1981, a atenção da ONU para 400 milhões” (Jornal do Brasil, 24/1/80). • “1981, o ‘Ano Internacional dos Deficientes’” (Gazeta da Zona Norte, 16/3/80). • “No Brasil, deficientes físicos continuam sendo discriminados” (Folha de S.Paulo, 27/4/80). “Em SP, 25 mutilados por dia” (Folha de S.Paulo, 27/4/80). • • “Deficientes se reúnem e se preparam para um encontro nacional, em outubro” (Correio Braziliense, 24/6/80). • “Problemas dos deficientes físicos debatidos em SP” (Folha de S.Paulo, 22/7/80). • “Deficientes físicos: Eles são 12 milhões de esquecidos reclamando contra a discriminação” (Diário Popular, 22/7/80). “O pedido desses homens: igualdade” (Jornal da Tarde, 22/7/80). • • “Congresso discute propostas” (Folha de S.Paulo, 23/7/80). • “Congresso termina com recomendações sobre deficientes” (Folha de S.Paulo, 24/7/80). “Deficientes físicos: Discutidas todas as dificuldades, prossegue luta pela • reabilitação” (Diário Popular, 24/7/80). “Deficientes e discriminação” (O Estado de S.Paulo, 24/7/80). • • “Deficientes físicos na luta pela integração na sociedade” (Diário Popular, 10/8/80). • “Deficientes pedem a Figueiredo para mudar Decreto” (O Globo, 11/8/80). • “Os 28 milhões de paraplégicos reivindicam seus direitos” (A Gazeta, 28/9/80). • “Deficientes pedem o fim da discriminação” (O Estado de S.Paulo, 19/10/80). • “Nos Estados, quadro de quase esquecimento” (O Estado de S.Paulo, 19/10/80). • “Meta: federação nacional” (O Estado de S.Paulo, 19/10/80). • “Deficientes querem participação na comissão do governo” (Folha de S.Paulo, 25/10/80). • “Cegos: Eles se preparam para o Ano Internacional dos Deficientes” (Jornal da Tarde, 28/11/80).
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• “Movimento aprova programa para defesa dos deficientes” (O Globo, 7/12/80). • “Deficientes aprovam os planos de ação para 1981” (O Estado de S.Paulo, 7/12/80). • “Paraplégicos querem ajuda do governo para acabar com obstáculos” (A Gazeta, 7/12/80). • “Deficientes querem respeito e Justiça” (Diário Popular, 7/12/80). • “81, Ano do Deficiente Físico” (O Estado de S.Paulo, 16/12/80). • “Deficientes: plano global com Ludwig” (O Estado de S.Paulo, 19/12/80). • “Comissão faz plano para Ano do Deficiente” (Folha de S.Paulo, 19/12/80). • “Um ano de luta pelos direitos do deficiente” (Folha de S.Paulo, 1°/1/81). • “Um símbolo para 1981, o Ano Internacional dos Deficientes” (Jornal da Tarde, 2/1/81). “Começa um ano de muita luta para os deficientes” (Shopping News, 4/1/81). • • “Questão de direito” (Folha de S.Paulo, 5/1/81). • “Deficientes” (Folha de S.Paulo, 9/1/81). • “1981 Ano Internacional das Pessoas Deficientes” (Página Um, 10/1/81). • “Deficientes lutam para acabar com paternalismo” (Folha de S.Paulo, 14/1/81). • “Ano do deficiente físico” (Folha de S.Paulo, 16/1/81). • “Promoção do Ano Internacional da Pessoa Deficiente em Ribeirão Preto” (A Cidade, 20/1/81). “Deficientes físicos: nem inúteis, nem coitados” (Folhetin, Folha de S.Paulo, • 25/1/81). • “Aviso à consciência no ano do deficiente” (Folha de S.Paulo, 25/1/81). • “Agora, a luta política” (Folhetin, edição Folha de S.Paulo, 25/1/81). • “A batalha do moinho de vento” (Folhetin, Folha de S.Paulo, 25/1/81). • “Mais iguais” (Folha de S.Paulo, 28/1/81). • “Deficientes acusam comissão nacional” (Folha de S.Paulo, 28/1/81). • “12 milhões de brasileiros são deficientes físicos” (O Recado, 12/2/81). • “Deficientes intensificam a luta por seus direitos” (Folha de S.Paulo, 14/2/81). • “Deficientes mostram valor e coragem na luta pelos seus direitos” (Gazeta de Santo Amaro, 21/2/81). • “Independência para os deficientes” (Folha de S.Paulo, 28/2/81). • “Pouco de concreto” (Folha de S.Paulo, 3/3/81). • “A campanha pelos direitos dos deficientes” (Jornal da Tarde, 13/3/81). • “Deficientes divulgarão programa para este ano” (Folha de S.Paulo, 13/3/81). • “Ano Internacional: 1981, das Pessoas Deficientes” (Diário Nippak, 13/3/81). • “Deficientes intensificam a luta por seus direitos” (Folha de S.Paulo, 14/3/81). • “Deficientes iniciam a campanha” (O Estado de S.Paulo, 14/3/81).
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• “Um mundo físico difícil de ser conhecido e enfrentado a cada dia” (Folha de S.Paulo, 14/3/81). • “Cegos se unem para derrubar preconceitos” (Shopping News, 15/3/81). • “Declaração dos Direitos abre Ano do Deficiente” (Folha de S.Paulo, 15/3/81). • “O NID contesta a Globo” (Folhetin, Folha de S.Paulo, 15/3/81). • “Aberto o Ano do Deficiente” (O Estado de S.Paulo, 15/3/81). • “Deficientes não querem concessões” (Diário Popular, 15/3/81). • “Em defesa dos deficientes: A abertura oficial brasileira do Ano Internacional dos Deficientes foi feita neste fim de semana” (Jornal da Tarde, 16/3/81). • “Deficientes iniciam Ano Internacional” (Folha da Tarde, 16/3/81). • “Deficientes promovem passeata” (A Tribuna, 21/3/81). • “Deficientes fazem passeata por maior integração” (A Gazeta, 21/3/81). • “Deficientes querem o fim da discriminação” (A Tribuna, 21/3/81). • “Deficientes físicos realizam passeata e fazem comício” (A Gazeta, 21/3/81). • “Grupo quer fim da discriminação a cegos no trabalho” (Folha de S. Paulo, 22/3/81). • “Deficientes mobilizam-se” (Folha de S. Paulo, 25/3/81). • “Deficiente não pede favor, só iguais oportunidades” (Dirigente Industrial, São Paulo, v. XXII, n.4, abril/81). “Deficientes, uni-vos” (O Estado de S. Paulo, 12/4/81). • • “Deficientes: professor repudia discriminação” (Folha da Tarde, 12/5/81). • “Deficientes terão seu 1° Congresso” (Folha de S. Paulo, 14/8/81). • “Deficientes vêem o país consciente do problema” (O Estado de S. Paulo, 23/3/82).
1981: O apagar das luzes do AIPD À medida que se aproximava o fim do ano de 1981, percebíamos que o período de 12 meses seria muito curto para que o AIPD realizasse todas as ações planejadas. Mas, também relembramos que a proposta do AIPD nunca foi a de resolver, no espaço de um ano, todos os problemas relacionados à situação das pessoas com deficiência. Nesse sentido, constatamos que a principal finalidade do AIPD foi muito bem alcançada, ou seja, conseguimos despertar a atenção da sociedade para a dura e complexa realidade vivida pelas pessoas com deficiência, assim como conscientizá-la sobre a sua responsabilidade de mudar essa realidade. Em 1981, acabamos transformando o AIPD na base sólida a partir da qual foi iniciado o longo processo de reconstrução da sociedade ao longo de muitas décadas pela frente. No AIPD, acabamos aprendendo a identificar, analisar, equacionar e solucionar corretamente os desafios oferecidos pelas pessoas com deficiência à sociedade como um todo.
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Depois do AIPD Muitos foram os desdobramentos produzidos pelo AIPD, importantes para uma série de finalidades: Dar continuidade às ações de médio e longo prazos iniciadas em 1981, concluir ações inacabadas, iniciar ações em lugares que não foram contemplados em 1981 e outras mais. Os problemas levantados durante o AIPD foram tantos que ninguém duvidava que seriam necessários vários anos ou décadas para solucioná-los. Soluções em forma de documentos e em forma de ações – é o que veremos na parte III deste capítulo.
1982: Programa de Ação Mundial Em 3/12/1982, a Assembleia Geral da ONU adotou o Programa de Ação Mundial para Pessoas com Deficiência, através da Resolução 37/52. Um dos mais densos documentos da ONU, esse Programa trouxe diretrizes para a elaboração de estratégias mundiais de promoção da “participação plena” e da “igualdade” por parte das pessoas com deficiência na vida social e no desenvolvimento de cada país. Trata-se, portanto, do primeiro resultado direto das ações do AIPD. Considerado avançado para a época, o Programa Ação Mundial para Pessoas com Deficiência serviu como uma das fontes de referência, 20 anos mais tarde, para a elaboração do rascunho da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ou 24 anos mais tarde, para a sua adoção pela Assembleia Geral da ONU. De fato, o rascunho absorveu conceitos como o de equiparação de oportunidades e o da relação entre a deficiência e o ambiente .
1983-1992: Década das Pessoas com Deficiência Outro importante produto do AIPD foi a proclamação da Década das Nações Unidas das Pessoas com Deficiência, através da Resolução 37/53, de 3/12/1982. A Década serviu como parâmetro de tempo destinado à implementação do Programa de Ação Mundial para Pessoas com Deficiência. O então secretário-geral da ONU, Javier Perez de Cuellar, disse em nota de imprensa publicada em 19/4/1983: “Esta proclamação salienta a determinação da comunidade internacional de levar adiante o ímpeto dado pelo Ano Internacional das Pessoas Deficientes em 1981 para a prevenção da deficiência e a equiparação de oportunidades para as pessoas com deficiência, assim como a sua reabilitação na sociedade. Nós temos a responsabilidade de encorajar e ajudar pessoas com deficiência a conduzirem vida útil e significativa. Isto não pode ser feito como um ato de caridade e sim porque é o direito delas e porque a sociedade como um todo pode progredir somente se a cada um de seus membros forem dados pleno reconhecimento e respeito à sua dignidade e ao seu valor inerentes”. (CUELLAR, 1983)
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1985: Criação do CEAPD A primeira Diretoria do Conselho Estadual para Assuntos da Pessoa Deficiente (CEAPD), de São Paulo, tomou posse em 1°/2/1985, no Palácio dos Bandeirantes.
Imagem. Foto em preto e branco. Mesa de evento com seis membros. Legenda: Ativista Araci Nallin discursa. Foto: R.Sassaki
Bem sabiam os ativistas de direitos das pessoas com deficiência como, por exemplo, Araci Nallin, que a sua participação neste Conselho estava diretamente relacionada com as propostas contidas no Programa de Ação Mundial para Pessoas com Deficiência, da ONU, conforme segue: “Participação de pessoas com deficiência na tomada de decisões. (91) Os estadosmembros devem aumentar sua assistência às organizações de pessoas com deficiência e ajudá-las a organizar e coordenar a representação de seus interesses e de suas preocupações. (92) Os estados-membros devem procurar estimular ativamente e por todos os meios possíveis o desenvolvimento de organizações de pessoas com deficiência ou que as representem. Em muitos países existem organizações, em cuja composição e órgãos de direção exercem influência decisiva as próprias pessoas com deficiência ou, em alguns casos, suas famílias. Muitas dessas organizações não têm meios de exercer influência e de lutar por seus direitos. (93) os estados-membros devem estabelecer contatos diretos com essas organizações e lhes proporcionar canais para que possam exercer influência sobre as políticas e decisões governamentais em todos os campos que lhe concernem. Os estadosmembros devem prestar o apoio financeiro que, nesse sentido, seja necessário às organizações de pessoas com deficiência. (94) As organizações e outras entidades de todos os níveis devem assegurar que as pessoas com deficiência possam participar de suas atividades na medida mais ampla possível”. (NAÇÕES UNIDAS, 2001, p. 39)
1988: Pessoas com Deficiência na Constituinte Tivemos uma participação grande na Assembleia Constituinte. Nós, do movimento, trabalhamos no ano de 1987 inteiro em âmbito nacional. Acontece que o anteprojeto da Constituição, escrito pela Câmara Federal, já estava pronto em 1986, sem termos sido consultados.
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Imagem. Jornal Etapa, 1987. “Emenda Popular é defendida por Messias na Constituinte”. Contém foto em preto e branco de Messias Tavares, com legenda: “Messias Tavares de Souza Coordenador da ONEDEF foi o indicado para defender a Emenda dos deficientes”. Em Brasília, no dia 28 de agosto, por ocasião da apresentação da Emenda Popular pelo Movimento das Pessoas Portadoras de Deficiências à Constituinte, o Coordenador da ONEDEF, Messias Tavares, indicado pelo grupo para defender o documento, proferiu o seguinte discurso: PERSPECTIVA HISTÓRICA DA CIDADANIA. Exmº Deputado Ulysses Guimarães – Presidente da Assembléia Nacional Constituinte, Exmºs parlamentares constituintes, demais autoridades, Senhores, Senhoras, Companheiros de luta. Todo nosso esforço, até aqui, de luta pela inserção social, conquistas dos direitos do cidadão burguês, mínima necessária a nossa dignidade contemporânea, tem sido bloqueado pela insensibilidade de uma sociedade hostil, violenta e insensata. Mais uma vez verificamos nossas conquistas darem alguns passos para a frente e outros para trás: a sociedade brasileira, representada pelas suas autoridades, realmente se recusa a compreender a importância de nossa luta, que não é absolutamente nossa, mas dela (dessa sociedade) como um todo. Gostaríamos de lembrar que a nossa lua por cidadania não é separada de nenhum segmento igualmente injustiçado. Tanto que nem gostaríamos de chamar a atenção para o fato de que ninguém é cidadão cercado de meios-cidadãos por todos os lados: “É impossível ser feliz se os outros não o forem”, dizia Hegel”. A Polis grega antiga fundamenta a cidadania na escravidão, onde os cidadãos são iguais, mas nem todos são cidadãos. A Polis romana segue o mesmo caminho. O mundo feudal não possui cidades nos seus 1000 anos de obscurantismo e lenta acumulação de capital. O Burgo, fruto das trocas, impostas por essa acumulação milenar, criará a cidade, o indivíduo, a família burguesa, o cidadão que é aquele que pode ir e vir, neste território sem dono particular. É nesse território, burgo ou cidade, que se exercerá a cidadania burguesa, a liberdade abstrata, conquistada pela revolução industrial inglesa, em termos econômicos, e pela revolução política francesa com a Queda da Bastilha. Liberdade abstrata, porque se pode ser ou ter, apenas no papel, ou na imaginação, mas o modo de produção e distribuição não permite que isto se realize, de fato. O cidadão socialista não é escravo dos particulares capitalistas, mas é da universalidade do Estado. Há que se encontrar, no socialismo autogestionário ou no capitalismo do bem-estar social, o respeito à identidade e à diferença. Há que se construir uma Constituição sob o pano de fundo da necessidade contemporânea de se respeitar o ser humano, nos seus aspectos universais, particulares e singulares, sob pena de não se respeitar o cidadão em todas as dimensões. É por isso que nós, os portadores de deficiências, aceitamos ser iguais, bem como exigimos o respeito às nossas particularidades e singularidades, que não é privilégio nosso, mas um atributo próprio de todos os seres. A CONSTITUINTE E OS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA A organização de entidade de cunho assistencial e paternalistas, no Brasil, começou há mais de 30 anos. Cabe a ela, historicamente e ainda hoje, desafogar a consciência pesada, coletiva, do sistema “feudal” e capitalistas emergente, provocada pela miséria progressiva e a crescente perda do valor do ser humano, em prol do culto à máquina, ao capital. No decorrer dos anos 50 e 60, a miséria causada pela pobreza e deficiências, se organiza nos grandes centros. A esmola disfarçada ou o subemprego, como a venda organizada de balas, vêm criar as primeiras iniciativas de organização, sem liberdade ou usando a exploração, o que perdura até hoje. Na década de 70, os portadores de deficiência, bem como os negros, as mulheres e outros grupos da sociedade civil, resolvem se organizar, por uma questão de sobrevivência. O abandono e a atomização, pelos quais passam as minorias, chegam a um grau insuportável. Surgem, então, pelos recantos mais politizados do País, associações que, ainda usando o lazer como pretexto, promovem a conscientização, comandadas por líderes eventuais e raros. Implantam-se então as discussões regionais, sem que cada um saiba da existência dos outros. De 1979 até nossos dias, formam-se as organizações nacionais de cegos, hansenianos, portadores de deficiências físicas, surdos ostomizados, talassêmicos, diabéticos, renais crônicos, paralisados cerebrais, entre outros, sem que haja uma representação geral destes segmentos, como resposta a uma necessidade, que já se faz sentir. Entretanto, surgem algumas conquistas de poder governamental, que já não é eventual, nos vários tipos e níveis, mas se esboça, como início de uma conquista sistemática, em resposta à consciência, da necessidade de se ocupar o poder, para se alterar a realidade. O trabalho integrado, entre o movimento nacional dos portadores de deficiência e alguns representantes do Governo, permite uma preparação para a Constituinte. Em todas as regiões do País se trava uma discussão, tendo como objetivo a Constituinte. A primeira polêmica se estabelece em torno da forma, como a Constituição deveria tratar do assunto. Seria em um espaço especial em que tudo que dissesse respeito ao segmento fosse contemplado, criando-se assim marginalização magna? Ou se colocaria as especificidades em cada artigo ou assunto a elas relacionados? Os conservadores, reacionários e desinformados queriam a “facilidade” das “tutelas especiais”, os progressistas queriam compatibilizar a identidade com a diferença, caso a caso. Em outubro de 1986, realizou-se em Belo Horizonte a “III Reunião de Entidades Nacionais, Conselhos e Coordenadorias das Pessoas Portadoras de Deficiência”, em que se fundiram, em plenário, duas propostas longamente trabalhadas: uma, realizada, sob a coordenação do Cenesp – Centro de Ensino Especial – e Instituto Benjamin Constant, que trazia o tom do movimento nacional de cegos; e outra coordenada pelo MDPD – Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes de São Paulo - e defendida pelo Programa de Cultura e Portadores de Deficiência do Ministério da Cultura, que trazia o tom do movimento nacional dos portadores de deficiência física. A fusão dessas propostas, trabalhadas em plenário, originou um documento de 14 itens com inúmeros signatários, que conseguiu substancial aceitação, sendo finalmente ratificado, em Brasília, na “IV Reunião de Entidades Nacionais, Conselhos e Coordenadorias de Pessoas Portadoras de Deficiência”, em março de 1987. Este documento, que deveria ser entregue ao presidente da Assembléia Nacional Constituinte, acabou sendo oficialmente entregue ao presidente da Subcomissão do Negro, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias, deputado Ivo Lech, em razão do não comparecimento do deputado Ulysses Guimarães. O Relatório inicial da Subcomissão, acima citada, tinha o tom do relatório da Federação Nacional das Apaes – Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais. Estava em jogo a vitória do passado assistencialista e paternalista e o presente de luta por direitos burgueses, mínimos e necessários à cidadania, à possibilidade de sermos sujeitos além de objetos, das políticas da sociedade e do governo. Vieram a Brasília, mais uma vez, as lideranças mais significativas do movimento nacional de portadores de deficiência para pressionar os constituintes, ou antes, esclarecer seus argumentos e a imperiosa necessidade de mudança. Dezesseis páginas de emendas foram propostas e aceitas em sua maioria, o que trouxe, como resultado, um relatório avançado, sem, no entanto, desmerecer as reivindicações assistenciais. O Substituto da Comissão da Ordem Social ratificou a tendência em se manter a luta por cidadania ou direitos como objetiva os 14 itens da proposta do movimento nacional dos portadores de deficiência. Representou, além disso, um corte substancial nos artigos assistencialistas e paternalistas, que permaneceram no relatório da Subcomissão das Minorias. Retirou-se, contudo, o artigo que protege o portador de deficiência, realmente pobre e incapaz, de prover sua subsistência, isenta de tributos todas as instituições que lidam com a questão dos portadores de deficiência. Ambas as incorreções deverão ser objeto de emendas no decorrer do processo constitucional. Mesmo assim, o substituto da Ordem Social mostra um avanço que as forças progressistas não esperavam. O RETROCESSO O substitutivo do Relator Constituinte Bernardo Cabral, de agosto de 1987, representa um golpe rude em quase todas as nossas conquistas na Constituinte. Anos, décadas de discussões, avanços, crescentes consciência, transformação do preconceito em conceito se esvai, frustrando compromissos unânimes dos parlamentares que, em Assembléia, tecem a Constituição. Eis as perdas: 1A) Nos Direitos Individuais voltamos a deixar de existir juridicamente, constitucionalmente, para retornar ao campo aberto da injustiça e discriminações. B) A prevenção das deficiências escapa novamente da responsabilidade do poder público. C) Não há mais atribuições de responsabilidades impostas por leis, àquelas que produzem, em larga escala as deficiências, no trabalho desprotegido, na violência das políticas atentas ao ativo e fugidias ao passivo, que elas acarretam. 2- Nos dão um presente de grego, quando querem que os “deficientes físicos” se eximam do voto. Muito obrigado, mas os portadores de deficiência, portam-na apenas, como diz a terminologia adequada, e somos suficientemente eficientes para votar, e os acessos e os processos de votação não forem deficientes: o voto, para nós, é um direito, não um dever. 3- Ter que tolerar a assistência social para quem já tomou consciência de seus direitos civis é um incômodo, pois ela tem um ranço do paternalismo e assistencialismo, que não está sendo repugnado apenas, em nosso discurso, mas nas seqüelas que nos marcam dia a dia: o assistencialismo é crime hipócrita que procura esconder as responsabilidades políticas. Mesmo assim, com o caráter de habilitação e reabilitação, com vistas à integração na vida econômica e social do país, este assistencialismo ainda era palatável: dava para ser digerido. No entanto, no Novo Relatório ele se torna restrito à habilitação e fala em integração à vida comunitária. Não queremos as festinhas para nos alegrar como fazem, também de forma distorcida, com os velhos, queremos e vamos participar da vida econômica e social do país. 4 – Um dos primeiros direitos de qualquer animal ainda mais do ser humano é o direito natural do ir e vir. É um direito que tem que ser Constitucional. Como se poderá viver, se não se pode locomover-se? Até isto nos retiraram neste Novo Relatório. 5 – As isenções de tributos à pesquisa, ensino, habilitação e reabilitação e tratamento, relativas aos portadores de deficiência não são privilégio, é sim uma pequena compensação às 24horas de preconceito nos 365 dias do ano, ao longo de toda nossa história. É um pequeno reparo às múltiplas injustiças que nos fazem exilados internos dos palácios, das ruas, das instituições, de nossas próprias casas. 6 – No que se refere à educação, queremos dizer que não temos por meta a educação especial, mas as técnicas especiais de educação. A educação deve ser uma só, não deve haver duas educações, mas particularidades na sua transmissão. Na esperança de que nossa indignação seja direcionada para a correção dos recentes descaminhos que a Constituição tomou em relação aos portadores de deficiências, confiamos na competência, seriedade e compromisso social dos Senhores Constituintes. Muito Obrigado! Legenda: Jornal Etapa set’87p.3
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Se compararmos o anteprojeto de 1986 com a Constituição que veio a ser aprovada em 1988, veremos a grande diferença, o quanto nós conseguimos interferir. O anteprojeto era muito fraco, com aquela visão antiga, paternalista, sobre pessoas com deficiência. Ali, realmente, nós crescemos. Tanto que constituímos uma comissão e fizemos várias reuniões para fechar nossas propostas para a Constituição. Cândido Pinto de Melo foi o coordenador aqui em São Paulo, Carlos Burle Cardoso, em Porto Alegre, e Messias Tavares de Souza foi nosso porta-voz no Congresso Nacional, em Brasília. Eu era o secretário, fazia as atas. Viajamos bastante. Fechávamos cada artigo e o entregávamos ao Messias, que ia para Brasília brigar com os deputados federais e os senadores. Todo mundo sabia que Messias não era apenas uma pessoa, ele era o representante do movimento. Foi, realmente, uma vitória muito grande. (SASSAKI, in LANNA JR, 2010, p. 410)
1992: Dia Internacional das Pessoas com Deficiência Através da Resolução 47/3, a Assembleia Geral da ONU, em sua 37ª reunião plenária, em 14/10/1992, declarou o dia 3 de dezembro de cada ano como o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. Na referida resolução, constou o nome “International Day of Disabled Persons” (Dia Internacional das Pessoas Deficientes). E assim ficou até 2007, quando então a ONU comunicou a substituição do termo “Disabled Persons” por “Persons with Disabilities”. Desde então utilizamos o nome oficial “Dia Internacional das Pessoas com Deficiência”. Essa data comemorativa foi instituída no último ano da Década das Nações Unidas das Pessoas com Deficiência. Nos considerandos da Declaração do Dia 3 de Dezembro como o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, é citado que: “a Década das Nações Unidas das Pessoas com Deficiência foi um período para a tomada de consciência e de medidas de ação orientadas a contribuir com o melhoramento contínuo da situação das pessoas com deficiência e a equiparação de oportunidades para elas; a necessidade de ações mais vigorosas e mais amplas em todos os níveis para satisfazer os objetivos da Década e o Programa Mundial de Ação para Pessoas com Deficiência; a importância do desenvolvimento e o cumprimento das estratégias de longo prazo para a completa colocação em prática do Programa de Ação Mundial para Pessoas com Deficiência para além da Década, com o objetivo de construir uma sociedade para todos para o ano 2010”. (NAÇÕES UNIDAS, 1992)
A ativista Agnes Fletcher escreveu: “Nós temos direitos, necessidades e habilidades como quaisquer outras pessoas. Daqui para a frente, nós temos o nosso Dia Internacional todos os anos para falarmos ao mundo sobre estes direitos, necessidades e habilidades e assegurarmo-nos de que eles serão respeitados”. (FLETCHER, 1996, p. 5)
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1993: Normas sobre a Equiparação de Oportunidades Um dos produtos diretos da Década das Nações Unidas das Pessoas com Deficiência foi a adoção do documento Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiência. Ele foi adotado pela Assembleia Geral da ONU na 48ª sessão em 20/12/1993, através da Resolução 48/96. O documento traz 22 normas agrupadas em três áreas: I – Requisitos para a igualdade de participação; II – Áreas-alvo para a igualdade de participação; III – Medidas de implementação. Segundo o documento: “(24) O termo ‘equiparação de oportunidades’ significa o processo através do qual os diversos sistemas da sociedade e do ambiente, tais como serviços, atividades, informações e documentação, são tornados disponíveis para todos, particularmente para pessoas com deficiência. (25) O princípio de direitos iguais implica que as necessidades de cada um e de todos são de igual importância e que essas necessidades devem ser utilizadas como base para o planejamento das comunidades e que todos os recursos precisam ser empregados de tal modo que garantam que cada pessoa tenha oportunidade igual de participação. (26) Pessoas com deficiência são membros da sociedade e têm o direito de permanecer em suas comunidades locais. Elas devem receber o apoio que necessitam dentro das estruturas comuns de educação, saúde, emprego e serviços sociais. (27) Na medida em que as pessoas com deficiência conquistam direitos iguais, elas devem também ter deveres iguais. À medida que esses direitos estão sendo conquistados, as sociedades devem aumentar suas expectativas em relação às pessoas com deficiência. Como parte do processo de equiparação de oportunidades, devem ser tomadas medidas que auxiliem pessoas com deficiência a assumir plena responsabilidade como membros da sociedade”. (NAÇÕES UNIDAS, 1996, p. 14-15)
2006: Os 25 anos do AIPD O Centro de Vida Independente Araci Nallin (CVI-AN), com apoio de alguns parceiros, organizou e realizou o Seminário “O AIPD 25 Anos Depois. 1981: Ano Internacional das Pessoas Deficientes. 2006: As Memórias, as Conquistas e o Futuro”, no Hotel Novotel Jaraguá Convention, em São Paulo/SP, nos dias 3 e 4 de dezembro de 2006. Como membro do CVI-AN e também como coorganizador das atividades do AIPD em 1981, tive o privilégio de ser designado para ministrar a palestra de abertura do citado seminário. A palestra foi intitulada como “Memórias do Ano Internacional das Pessoas Deficientes: Pessoas, Histórias e Conquistas”. Foi uma experiência profundamente gratificante preparar o texto da palestra e intercalá-lo com imagens ocupando 72 slides em PowerPoint. À medida que me lembrava das pessoas que, como eu, viveram o dia a dia do AIPD, fui tomado por emoções de todas as tonalidades. Minha memória registrou muitos fatos engraçados, tristes, agradáveis e desagradáveis que aconteceram em 1981. Para me lembrar de tudo, contribuíram bastante as fotos, os livros, as revistas, os recortes de jornais, as cartas datilografadas (não existia computador, não!) e outros materiais, que colecionei sistematicamente. Batia uma saudade enorme quando eu via fotos de companheiros que morreram
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ou que simplesmente sumiram do movimento. As emoções não se restringiram às longas horas de preparação da palestra. Elas foram multiplicadas e tomaram conta de mim enquanto eu apresentava a palestra, reconhecendo na plateia a presença de várias das pessoas cujas fotos estavam sendo projetadas e explicadas por mim. Haja coração! A respeito daquele seminário, vou acrescentar aqui alguns depoimentos obtidos pela Lia (Ana Maria Morales Crespo) para a tese de doutorado em História que ela defendeu em 29/1/2010. De cada depoimento selecionei a parte que se refere àquele seminário. “Pude encontrar pessoas que não via há muitos anos. Encontrar esses amigos e ver essas pessoas realizadas, cada uma na sua área, foi uma coisa muito emocionante. Ao mesmo tempo, também me emocionei ao ver as pessoas que ingressaram no movimento muito tempo depois. Elas também estavam lá se solidarizando e confraternizando com os ditos ‘jurássicos’. Foi um processo muito legal que reacendeu em mim aqueles ideais que me movimentaram na época do ingresso no vestibular. Pude reencontrar essa energia, essa utopia que me moveu e que continua me movendo”. (DE PAULA, in CRESPO, 2009, p. 211) “Considero de grande importância a realização do seminário comemorativo dos 25 anos do Ano Internacional das Pessoas Deficientes, que aconteceu em dezembro de 2006, em São Paulo, por iniciativa do Centro de Vida Independente Araci Nallin, com apoio de outras organizações, entre elas, a Sorri-Brasil. Durante o evento, pudemos ouvir o relato das lideranças ‘jurássicas’, primeira geração do movimento pela defesa dos direitos das pessoas com deficiência, compartilhando com as novas gerações a compreensão histórica e as conquistas”. (BUENO, in CRESPO, 2009, p. 234) “O Brasil tem problemas com a história, sobretudo a recente. Não é preciso saudosismo, mas é necessário saber o que já foi feito para fazer algo novo. Além de resgatar, é preciso apontar para a frente. Por isso, o evento comemorativo dos 25 anos do AIPD foi fabuloso! A gente reviu a história do movimento, os colegas e a própria trajetória. Coisas que a gente deixa para trás, mas que, na verdade, contribuíram para a nossa própria personalidade. Resta saber em que medida aquele resgate foi só um reconhecimento ou se também impulsionou algumas ações que vieram em seguida e se vai inspirar as que devem vir”. (BAGGIO NETO, in CRESPO, 2009, p. 257) “O evento comemorativo dos 25 anos do AIPD, realizado em 2006, em São Paulo, foi como uma viagem no tempo. Foi emocionante reencontrar os velhos companheiros e saber que aqueles que já se foram não foram esquecidos. Acho que poucas vezes na vida tive emoções tão fortes. As amizades que fizemos naquela época ainda se mantêm vivas, porque foram construídas sobre um movimento solidário”. (DE FREITAS, in CRESPO, 2009, p. 278)
2006: Enfim, a Convenção da ONU Vinte e cinco anos depois do AIPD, o Comitê Ad Hoc instituído pela ONU aprovou, em 25/8/2006, o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), que levou cerca de quatro anos para ser elaborado. Em 13/12/2006, a Assembleia Geral da ONU adotou a CDPD através da Resolução A/61/106. Em 3/5/2008, a CDPD entrou em vigor no mundo.
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2007-2009: O Brasil e a Convenção da ONU Em 30/3/2007, o Brasil assinou a CDPD na sede da ONU, em Nova York. Em 9/7/2008, o Senado e a Câmara Federal ratificaram a CDPD com equivalência de emenda constitucional, através do Decreto Legislativo n. 186. Em 1/8/2008, o Brasil depositou a ratificação da CDPD na sede da ONU. Em 25/8/2009, o Brasil promulgou a CDPD através do Decreto nº 6.949. O Artigo 8 da CDPD, que trata da conscientização, é semelhante ao Artigo 10 da Declaração de Sundberg, citado anteriormente, mas com a vantagem de que, no Brasil, a CDPD foi incorporada à Constituição Federal. Ele diz o seguinte: “Os Estados Partes se comprometem a adotar medidas imediatas, efetivas e apropriadas para: (a) Conscientizar toda a sociedade, inclusive as famílias, sobre as condições das pessoas com deficiência e fomentar o respeito pelos direitos e pela dignidade; (b) Combater estereótipos, preconceitos e práticas nocivas em relação a pessoas com deficiência, inclusive aqueles relacionados a sexo e idade, em todas as áreas da vida; (c) Promover a conscientização sobre as capacidades e contribuições das pessoas com deficiência”. (NAÇÕES UNIDAS, in BRASIL, 2010, p. 26)
E prossegue estabelecendo que as medidas para esses três objetivos incluem, por exemplo, o incentivo a todos os órgãos da mídia para retratar as pessoas com deficiência de maneira compatível com o propósito da CDPD.
Da exclusão (1981) à participação plena na sociedade (2011)? A grosso modo, sim. No Brasil, em 1981, os estudos propiciados pelo AIPD nos permitiram constatar que as pessoas com deficiência se encontravam muito excluídas da maior parte das oportunidades desfrutadas por pessoas sem deficiência. Em 2011, constatamos que as pessoas com deficiência estão tendo mais acesso aos sistemas comuns da sociedade; portanto, há mais participação hoje do que 30 anos atrás. Contudo, se passarmos um pente fino nessas constatações, verificamos que a exclusão ainda não foi extinta e que a maioria das pessoas com deficiência ainda não está participando nem um pouco das oportunidades disponíveis ao restante da população geral. Como se explica isso? Ao longo dos últimos 30 anos, a qualidade e a quantidade dos bens melhoraram de fato a qualidade de vida de uma pequena quantidade de pessoas com deficiência. Estivemos sempre buscando e valorizando a qualidade dos serviços, programas, equipamentos e outros bens, mas raramente (talvez nunca) estivemos investindo em recursos e estratégias capazes de levar essa qualidade para a totalidade das pessoas com deficiência. Temos conseguido beneficiar, na melhor das hipóteses, 20% dessa totalidade. Resultado: em pleno século 21, vários milhões de pessoas com deficiência residentes no Brasil estão excluídos tanto quanto os poucos milhões de pessoas com deficiência que existiam em 1981. Talvez nós tenhamos estado equivocados ao acreditar que legislações e políticas públicas, automaticamente, fariam chegar os bens a TODAS as pessoas com deficiência. Se não criarmos, com urgência, os recursos e estratégias para atingir todo o segmento, correremos o risco de constatar esse mesmo tipo de desigualdade social daqui a 30 anos.
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Referências bibliográficas BRASIL. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e Protocolo Facultativo. Brasília: Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, 2010. CRESPO, Ana Maria Morales. Da invisibilidade à construção da própria cidadania. Os obstáculos, as estratégias e as conquistas do movimento social das pessoas com deficiência no Brasil, através das histórias de vida de seus líderes. Tese de doutorado em História, apresentada à Universidade de São Paulo e aprovada em 29/1/2010. São Paulo, 2009. CUELLAR, Javier Perez. Mensagem do Secretário-Geral da ONU. Carta-Circular n. 2, de 19/4/1983. Nova York: Nações Unidas, 1983. FLETCHER, Agnes. Ideias práticas em apoio ao Dia Internacional das Pessoas com Deficiência; 3 de Dezembro. (Original publicado em Londres em 1993). São Paulo: Prodef/Apade, 1996. LANNA JR, Mário Cléber Martins (comp.). História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos. Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, 2010. NAÇÕES UNIDAS. Programa de Ação Mundial para as Pessoas com Deficiência. 2ed. Brasília: Corde, 2001. NAÇÕES UNIDAS. Normas sobre a equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência. (Original publicado pela ONU em Nova York em 1994). São Paulo: Apade/CVI-AN, 1996. NAÇÕES UNIDAS. Declaração do Dia 3 de Dezembro como o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. Nova York: Nações Unidas, 1992. REHABILITATION INTERNATIONAL. Barrier free design: a report of a United Nations Expert Group Meeting. International Rehabilitation Review, Nova York, primeiro trimestre de 1975, vol. XXVI, n. 1, edição especial. SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. 8ª ed. Rio de Janeiro: WVA, 2010. UNESCO. Declaração de Sundberg. (Aprovada na Conferência Mundial sobre Ações e Estratégias para Educação, Prevenção e Integração, organizada pelo Governo Espanhol em cooperação com a Unesco e realizada em Torremolinos, Málaga, Reino da Espanha, nos dias 2 a 7 de novembro de 1981). UNITED NATIONS. IYDP Plan of action – Resolution 34/158, June 13, 1979. Nova York: Division for Economic and Social Information, 29 julho 1980. UNITED NATIONS. IYDP Liaison Circular 3/79. Genebra: Centro de Desenvolvimento Social e Assuntos Humanitários da ONU, setembro de 1979. UNITED NATIONS. International Year for Disabled Persons – Resolution 31/123, December 16, 1976. Nova York: Assembleia Geral, 2 fevereiro 1977.
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Imagem. Jornal Folha de S. Paulo, Quinta-feira, 1º de janeiro de 1981. Um ano de luta pelos direitos do deficiente. Ligia Sanches. Segundo determinação da ONU, este é o Ano Internacional da Pessoa Deficiente, e deverão ser discutidos todos os problemas ligados ao transporte, legislação, reabilitação, prevenção e atendimento hospitalar, em todos os países. O Brasil já tem uma comissão nacional nomeada pelo presidente para o Ano, que entretanto ainda não se pronunciou a respeito do que vai ser desenvolvido. Por isso mesmo — e apesar da ONU procurar a união dessa população — as iniciativas estão sendo isoladas. No início de dezembro, Ourinhos já abriu seu Ano Internacional, formando uma comissão paritária com deficientes e não, e em São Paulo o Movimento Pelos Direitos das Pessoas Deficientes, que congrega 12 entidades paulistas, anuncia para este mês uma campanha de conscientização da entidade. Em seguida serão realizadas mesasredondas, a primeira marcada para 21 de fevereiro, em local a ser confirmado na rua Joaquim Antunes, 611, ap.53. Como tantas situações de gravidade, a do deficiente físico não é observada pela comunidade e, principalmente, pelos responsáveis pelo bem estar de toda a população. Ele não pode, salvo em raríssimas oportunidades, assistir a um filme ou peça de teatro, sessões no Municipal, freqüentar uma biblioteca ou visitar um museu. Um deficiente que utilize cadeira de rodas não pode, jamais utilizar os transportes públicos: os ônibus têm portas estreitas demais e degraus muito altos, e o metrô só pode ser alcançado por escadarias ou escadas rolantes. São Paulo tem 2 milhões e duzentos mil deficientes físicos, o Brasil todo tem 12 milhões deles que, na grande maioria dos casos, estão jogados em asilos, escondidos em suas casas, ou por vergonha da família ou sem condição alguma de locomoção, e estão ainda em raros e não tão eficientes centros de reabilitação. Já a minoria, que pode ser contada sem grande cansaço, está nas ruas como vendedores ambulantes, ou, privilegiados, nas escolas e em algum emprego. Um centro. O Núcleo de Integração de Deficientes foi criado por três deficientes, jovens que, casualmente, se encontraram no começo do ano passado prestando vestibular. Do primeiro contato veio a amizade e dela a necessidade de discussão de seus problemas e daí a formação de um núcleo que lutasse por uma série de direitos dos deficientes. O NID, agora com 30 integrantes, está pronto a receber mais gente, e os contatos podem ser feitos durante a semana pelos telefones 813-1130, 70-3847 e 263-2624. Maria Cristina Correa, Ana Rita de Paula, Ana Maria Morales Crespo e seu irmão José Francisco Morales Crespo são alguns dos iniciantes do NID que, atualmente, luta por coisas bem específicas: conscientizar a sociedade e o deficiente de seus direitos civis e humanos promovendo a divulgação desses direitos; fazer o levantamento da legislação atual referente aos direitos dessas pessoas e lutar por seu cumprimento; denunciar e lutar contra a discriminação; derrubar os esteriótipos existentes em relação à pessoa deficiente construindo uma imagem mais real, onde ela não apareça como super-herói ou coitadinho; e tornar evidente a existência dessas pessoas, incentivando-as a saírem às ruas, terem vida social. É justamente para promover o desenclausuramento dos deficientes que eles estão fazendo um levantamento dos locais públicos e suas condições de utilização: “Somos cidadãos como todos os outros” — diz Cristina — “nossos pais pagam impostos e temos direito a tudo que as outras pessoas têm. Só que a gente sabe que os transportes coletivos não oferecem condições mínimas de segurança para os deficientes, que é difícil circular pelas ruas com cadeiras de rodas porque as guias são altas, que os táxis, quando não se recusam ao transporte dos deficientes, cobram mais caro que deveriam. Por outro lado, diversão também é proibida para nós quase sempre, visto que a maioria dos cinemas têm escadas difíceis, não têm rampas de acesso, e quando podem ser atingidos, não têm banheiros de tamanho suficiente para o acesso da cadeira de rodas”. Discriminação. Outra denúncia que o NID quer fazer é contra as empresas, que geralmente (apesar de existir uma lei determinando que cada uma deve admitir de 2 a 5% de empregados deficientes), são discriminatórias, deixando sempre de lado o deficiente, de maneira velada, dizendo que a vaga já foi preenchida etc.: “A gente sempre aparece como um D. Quixote, um super-herói que tem que vencer todas as dificuldades e, se conseguimos emprego, temos que ser mais abnegados que os outros, mais produtivos”, diz Ana Maria. “Acontece que a sociedade tem que absorver o deficiente, encará-lo como uma pessoa para poder se desenvolver como as outras. A colocação do “coitadinho” é errada, como do super-herói. As empresas devem ter honestidade suficiente para admitir um deficiente quando seu teste demonstrou que tem mais capacidade que uma pessoa normal e também não admiti-lo se não for bom. Só não pode ignorá-lo arbitrariamente”. O Núcleo participou, em Brasília, do 1º Encontro Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes, quando 39 entidades foram representadas e aprovaram propostas que vão desde as lutas pelo direito ao trabalho — com reivindicação de aposentadoria com 100% do salário por não terem outra fonte de renda e concessão de Bolsas de Estudos vinculadas a programas de reabilitação — até pedidos de acessos públicos fáceis, urbanização de áreas de periferia, revisão da sinalização do trânsito e reserva de vagas especiais identificadas pelo símbolo internacional em todos os transportes coletivos que tenham entrada facilitada; assistência médico-hospitalar, divulgação e cumprimento das leis em benefício dos deficientes e criação de um departamento Esportivo que abranja esse grande público. Já existe a idéia da formação de uma federação das entidades, para que todas as lutas sejam levadas a nível nacional mas, como diz Cristina, “ela só deve ser feita em bases sólidas, bem discutida e planejada, para ser efetiva; e ainda é um pouco cedo para acontecer. Então, por enquanto, continuamos atuando pelo NID e mantendo contato com outras entidades daqui. O que queremos deixar claro é que o Núcleo não é fechado, aliás sermos abertos é uma plataforma. Acreditamos que a integração tem que começar por nós, então estamos prontos tanto a receber deficientes como não deficientes, porque afinal há muitas pessoas que querem ajudar, e ser deficiente também não é atestado de idoneidade. Sabemos que outros grupos não aceitam pessoas normais e que existe uma fobia de serem manipulados, o que dá para entender por que já surgiram até entidades fantasmas de deficientes, enganando muita gente”. A mãe de Cristina, dona Dora, chama a atenção de que o Censo não aproveitou a chance de recensear os deficientes e localizá-los, “pois eles estão escondidos, muitas vezes nem trabalham nem estudam, acabando como párias da sociedade. A sociedade discrimina, os amigos discriminam e muitas vezes uma família não recebe convites por ter um deficiente entre seus membros, Então acho que junto com entidades de deficientes devem existir outras para os pais de deficientes, para que saibam o que é realmente o deficiente, como agir e como viver”. Outro ponto para o qual eles querem chamar a atenção se refere aos meios de divulgação, como a TV: “Afinal, diz Francisco, “ela tem que deixar de mostrar o deficiente como uma pessoa sem direito a nada, nem ao amor, ao sexo, e colocá-lo como pessoa real, com seus problemas, e não deixar passar e reforçar mais os preconceitos, como foi feito pela promotora Maria Cláudia Foz num programa da Hebe Camargo”. Legenda: Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
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Imagem. Jornal Folha de S. Paulo, de 14 de janeiro de 1981. Deficientes lutam para acabar com paternalismo. Cecília Pires. Contém três fotos em preto e branco: 1. Homem falando. Com os braços sobre uma mesa ele gesticula com a mão direita. Legenda: José Evaldo de Mello Doin; 2. Lia Crespo, sentada numa cadeira comum, muleta canadense sob a cadeira, escreve numa máquina de escrever. Legenda: Não importa o problema, mas sim o trabalho; 3. Num saguão, dois homens orientam a colocação da faixa “1981 Ano Internacional das Pessoas Deficientes – Participação Plena e Igualdade” e Lia Crespo escreve numa máquina de escrever sobre mesa redonda. Legenda: 1981 foi declarado pela ONU o Ano Internacional dos Deficientes Físicos. Desmascarar a atitude paternalista com relação ao deficiente físico e recuperar todas as suas prerrogativas enquanto cidadão participante da sociedade é o principal objetivo do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes, sediado em São Paulo, que está organizando uma série de eventos para marcar a passagem do Ano Internacional das Pessoas Deficientes. O tema central escolhido pela Organização das Nações Unidas (ONU) para o debate em torno dos deficientes é “Participação Plena e Igualdade”. E neste título está contida toda uma nova visão com relação ao deficiente físico, que resultou da revisão de antigos valores estabelecidos, desde o modelo médico imposto ao deficiente, até sua segregação na comunidade. Esta segregação, na opinião de José Evaldo de Mello Doin, um dos coordenadores do Movimento, não é simples questão de retórica, mas uma constatação real, que parte dos próprios organismos governamentais e termina na família, último elo da corrente que separa, aprisiona e oprime o deficiente. Basta dizer que um fundo da ONU destinado à recuperação dessas pessoas, no valor de US$ 450 milhões está congelado, porque o Brasil não decretou prioridade para a reabilitação dos deficientes. A situação deste grupo peculiar de pessoas, calculado no Brasil em torno de 12 milhões, é particularmente agravado nos países do Terceiro Mundo, onde as condições de vida são duplamente sacrificadas para os grupos minoritários. A dificuldade de acesso a qualquer tipo de participação dos grupos oprimidos fica muito clara neste único exemplo: o Brasil desconheceu a existência dos deficientes físicos no Censo Demográfico realizado no ano passado, o que impede que se calcule exatamente o número e as características dessa camada da população brasileira. Organização. Como única saída para retirar o deficiente físico brasileiro de sua condição de segregado, José Evaldo de Mello Doin defende a conscientização deste grupo de pessoas e sua organização para defesa de seus direitos. A luta apenas começou, pois, segundo Doin, “90 por cento dos deficientes brasileiros não se consideram cidadãos”. O processo de conscientização do deficiente em qualquer país subdesenvolvido é naturalmente mais difícil, em função das barreiras econômicas que a maioria enfrenta no caminho de superação dos entraves à sua participação. Uma prótese (substituição de um órgão deficiente por um aparelho art ificial), por exemplo, está custando em torno de Cr$ 140 mil. “Como um deficiente pode considerar-se um cidadão, se ele não tem condições nem ao menos de andar, pois não pode comprar um aparelho?” — pergunta Doin. Os problemas de saúde do deficiente são os mesmos de qualquer brasileiro, diferentes apenas na proporção. Não existe qualquer programa de saúde a nível nacional. Por isso, segundo Doin, os integrantes do Movimento defendem a criação de uma política nacional de reabilitação e integração social, para que o Estado assuma suas responsabilidades, fornecendo assistência médica digna para seus deficientes, e acessível a todas as camadas da população. Exemplo de Ourinhos. A primeira grande vitória da organização dos deficientes é o início de um projeto-piloto na cidade de Ourinhos destinado à reabilitação e integração dos deficientes. Na semana passada, foi decretada nesta cidade a prioridade para este tipo de programa e criado um fundo de integração social, com a destinação de um prédio na periferia para a implantação da Reabilitação Simplificada. “O termo Reabilitação Simplificada deverá ser muito ouvido, daqui por diante” — explica Romeu Kazumi Sassaki, especialista em reabilitação e consultor do Centro de Desenvolvimento de Recursos para Integração Social (Cedris). “Após 60 anos de programas de reabilitação nos moldes tradicionais, os técnicos começam a descobrir que o trabalho tradicional de reabilitação é muito sofisticado, de custos altíssimos e poucos centros são capazes de oferecer”. Além disso, o tratamento tradicional atingia uma parcela insignificante de deficientes. Segundo estudos da Onu, em termos mundiais,
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do total de 500 milhões de pessoas portadoras de deficiências físicas cerca de 300 milhões não estão recebendo serviços de reabilitação. Vivem em meio à pobreza, fome, ignorância, doença, miséria e desesperança. “A tecnologia simplificada de reabilitação consiste basicamente na utilização de métodos, equipamentos e pessoal que envolvam a participação do público no processo de reabilitação, utilizando uma programação dinâmica mas suficientemente simples para que a comunidade a acompanhe. Utilizam-se recursos materiais da própria realidade local me termos de equipamentos e aparelhagens auxiliares mais simples e em termos de participação da pessoa deficiente nas escolas, no trabalho, no lazer e na família” — explica o técnico. A tecnologia simplificada de reabilitação está sendo implantada no México sob o patrocínio da Organização Panamericana da Saúde e assemelha-se aos projetos realizados em países como Uganda, Quênia, Zâmbia e Tanzânia. O fato de ele ter surgido na África explica a tentativa de resposta das comunidades pobres mundiais à falta de instrumentos, especialmente econômicos, para atender aos deficientes. O método, que agora será aplicado em Ourinhos, implica na participação do deficiente como cliente, como consumidor, no livre exercício de seus direitos. Ele agora não será um mero objeto da assistência médica, onde os técnicos impingem o tratamento. Na moderna tendência, os clientes de reabilitação têm uma atitude crítica, discutem e planejam com técnico o tratamento que mais lhes convém. Comunidade. “O mais importante nesse novo processo, é que toda a comunidade participa da reabilitação, a começar pela própria família” — conta Kazumi. Isto significa a reabilitação total, psicossocial, econômica, profissional, educacional, familiar, cultural. Para isso, pesquisamos o que a comunidade tem em termos de artesanato, escola, programas de saúde. Tudo é colocado em função da reabilitação, para a integração completa do deficiente enquanto cidadão”. Neste caminho de reabilitação, a comunidade aprende a conviver com o deficiente e vê a pessoa se transformar, acompanhando sua recuperação e integração ao meio. Em Ourinhos, o Movimento pretende contratar uma série de profissionais para criar uma equipe multidisciplinar de trabalho. Para isso, está reivindicando verbas, fundos e legislação específica ao programa, como parte dos direitos que a comunidade de deficientes brasileiros não pretende apenas pleitear, mas exigir. No trabalho, a realização. “Recusei-me a passar a vida numa mesa de operações. Minha opção de vida foi a profissionalização, a carreira universitária. Escolhi ser cidadão, ocupar meu espaço, participar integralmente”. Nesta filosofia de vida, José Evaldo de Mello Doin resume todo o conceito de integração do deficiente à sociedade, defendido pelo Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes. Professor universitário de História Econômica, Doin está preparando sua tese de doutorado, sem desligar-se de suas raízes, do próprio processo de conscientização que o levou a optar pela profissão, estudando a História da Reabilitação. “Existe um modelo médico, Foi sempre a partir deste modelo que se estudou o paraplégico, o deficiente físico, E para o médico, naturalmente, o que interessa é a fisiologia. Mas nunca nos perguntaram qual a parte de nós mesmos que queríamos reabilitar. E nós queremos uma reabilitação integral. Muitas vezes, optamos por sacrificar a estética, para uma participação social maior. É preciso dar o direito ao deficiente de escolher o tipo de reabilitação que ele quer. Ser operado a vida toda ou não, seguir uma carreira ou não. Queremos discutir a terapêutica”. Radicalmente contra as campanhas “de amparo”, como aquelas destinadas à doação de cadeira de rodas, Doin defende os direitos e prerrogativas dos deficientes, que pagam impostos, e portanto se credenciam a exigir que o Estado cumpra sua obrigação, fornecendo os instrumentos necessários para a integração deste grupo na comunidade. “Se eu sou um cidadão, portanto uma pessoa integrada à sociedade, participante do processo de produção, eu pago impostos, gero rendas. Portanto, tenho direitos. É necessário que a comunidade se conscientize que as necessidades diferenciadas de um deficiente não podem ser atendidas em forma de dádiva ou de esmola, como também, por outro lado, não podem ser encaradas como privilégios”.
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Isto também é com você: a luta é de todos nós. Construir rampas em lugar de escadas, colocar elevadores em ônibus, criar mecanismos legais de integração do deficiente na sociedade, como por exemplo, uma lei que torne obrigatória a contratação de uma determinada parcela de deficientes em cada empresa, este é o caminho defendido pelo Movimento pelos Direitos das pessoas Deficientes. “Pretendemos criar um movimento informal, sem a preocupação de formular estatutos, para congregar pessoas interessadas nessa problemática, no sentido de fortalecer as reivindicações e o poder de pressão dos deficientes. Nosso objetivo é modificar as instituições que cerceiam a participação dessa parcela da população e o próprio comportamento da comunidade em relação a esse segmento social. Por isso, procuramos inserir o problema do deficiente na problemática maior da realidade brasileira”. Nesse processo de conscientização, que deve partir do deficiente e envolver toda a sociedade para a participação democrática de todo indivíduo em seu meio, Doin chama particularmente a atenção da família para o problema do paraplégico. “Algumas famílias escondem seu deficiente de todo o meio social, com vergonha da aparência física. Geralmente, a atitude da família é a de repulsa, diante do ser que não tem uma estética agradável à vista. Outros apostam no sucesso profissional de seu parente deficiente, e o utilizam como um trunfo, numa visão preconceituosa e alienante. É preciso que essa visão seja radicalmente mudada, a partir da própria família. O deficiente é um ser diferenciado, não incompleto. Ele não exige pena, mas respeito, Ele não quer superproteção, nem atitudes paternalistas, mas reivindica apoio e amor”. Para lembrar. “A honestidade não é apenas a melhor política. É a única que pode dar certo. Não há atalhos ou sistemas que nos salvem. Esperança de adulto começa com a consciência da realidade.” Legenda: Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
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Imagem. Jornal Folha de S. Paulo — Um jornal a serviço do Brasil —. Sexta-feira, 16 de janeiro de 1981. Editorial. Ano do deficiente físico Depois do Ano Internacional da Criança, a Organização das Nações Unidas escolheu, para uma campanha de esclarecimento e valorização, o deficiente físico. Este, além das dificuldades específicas que enfrenta, encontra obstáculos ainda maiores em preconceitos e atitudes sociais, resultantes da ignorância e da insensibilidade que ainda prevalecem entre nós. O deficiente físico se vê assim retiro à margem da sociedade, muitas vezes segregado em grupos homogêneos, sendo alienado progressivamente do convívio com o resto da humanidade. O próprio direito ao trabalho lhe é, com freqüência, negado, reservando-se-lhe tarefas menores e mal remuneradas. Seu direito à cidadania é, de fato, negado pela negligência com que meios necessários à sua educação lhe são oferecidos. Sua mobilidade é reduzida pela carência de meios propícios à sua locomoção e seu amor próprio ofendido pelo tratamento complacente a que é submetido. Há, portanto, um longo caminho a percorrer. E este Ano Internacional do Deficiente Físico será um primeiro passo para que cheguemos onde deveríamos ter começado. Legenda: Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
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Imagem. Jornal Folha de S. Paulo – Folhetim – 15 de março de 1981. O NID contesta a Globo Em carta publicada no Folhetim nº 213, a coordenadora da campanha da Rede Globo relativa ao Ano Internacional da Pessoa Deficiente, Virgínia Cavalcanti, fez várias acusações ao NID — Núcleo de Integração de Deficientes. Sentimo-nos na obrigação e no direito de esclarecer os leitores deste jornal sobre os fatos. Não é verdade a alegação de Virgínia Cavalcante de que o NID “resolveu sabotar” o trabalho da Coalizão Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes. O NID reconhece a representatividade e o trabalho dessa entidade. O NID funcionou apenas como intermediário entre a equipe de Virgínia Cavalcante, por sugestão dela mesma, e as outras entidades de São Paulo. Portanto, não e verdade que o NID tentou “convencê-la a entrevistar somente pessoas de outros Estados que fechassem politicamente com o NID”. Outros Estados sequer foram cogitados em nossas sugestões. Em nenhum momento o NID sugeriu que fossem filmados apenas deficientes “universitários, freqüentadores de museus”. Sugerimos, isso sim, que cenas desse tipo fossem também mostradas, pois de fato existem deficientes que freqüentam museus, tanto quando existem deficientes que vendem chiclés nos semáforos das avenidas. Seria discriminação excluir qualquer um dos dois. Por outro lado, a afirmação de Virginia Cavalcante de que “todas as outras entidades concordaram em que a campanha deveria ser principalmente dirigida ao deficiente carente”, resultou no fato de que apenas 23% das pessoas mostradas são carentes. Não é verdade, também, que o NID tenha feito reivindicações elitistas do tipo “gasolina mais barata para deficientes”. Isso seria privilégio, e quem conhece o NID sabe que não reivindicamos privilégios, mas direitos. O roteiro que Virginia Cavalcanti alega ter seguido, “exceto nas situações irreais”, não foi elaborado apenas pelo NID, mas foi fruto de uma reunião das seguintes entidades: FCD, Adeva, Unadef, Aide, Quinta Roda e pessoas não vinculadas a entidades. Embora tivéssemos expressado verbalmente o desejo de participar do trabalho de edição, não é verdade que o NID recebeu convite com essa finalidade e recusou. O Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes (MDPD), em carta enviada a João Carlos Magaldi, da diretoria da Globo, expressou desejo de “opinar sobre as imagens antes de irem ao ar”, preocupado “quanto à possibilidade de veicular imagens conflitantes com os desejos e anseios das pessoas deficientes”. Nem mesmo após essa carta, o NID ou qualquer entidade de São Paulo, pôde participar do trabalho de edição. A Globo, em ofício nº 854/80 de 2/12/80, deixou claro que este trabalho era de exclusiva competência da Comissão Nacional do Aipd, competência, aliás, que o NID coloca publicamente em dúvida, se levarmos em conta o desastroso resultado final da campanha. NID — Núcleo de Integração de Deficientes. Legenda: Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
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Imagem. Reprodução completa do Folhetim nº 210, de 25 de janeiro de 1981, constituído de 16 páginas. Capa. Folhetim. São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 1981. Ilustração: imagem de três pessoas no formato negativo fotográfico, nas cores vermelha e rosa. No primeiro plano, homem de costas para o observador, em cadeiras de rodas. Na diagonal, cruzado nas costas da pessoa com deficiência, o título do Folhetim “Deficientes físicos nem inúteis, nem coitadinhos”. Página 1
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Ilustração. Ao lado da estátua Vênus de Milo, um senhor, de terno, barba e óculos, com o dedo em riste fala com outro senhor, de uniforme e chapéu: “O nome dela é Vênus de Milo! Se não quiser ser demitido pare de apresentá-la aos turistas como ‘miss acidente do trabalho!’”. Que tudo não se acabe em 31 de dezembro... Depois das Mulheres e das Crianças, chegou a vez dos deficientes terem o seu Ano Internacional, instituído pela ONU. Assim, nos próximo doze meses, eles serão assunto na imprensa, enquanto a televisão aproveita para sensibilizar os telespectadores que se imobilizam diante dela. Surgirão, talvez, algumas campanhas comovidas com o problema e muitos discursos encherão páginas e páginas de anais, enquanto o trânsito e os acidentes de trabalho continuarão a sua trágica tarefa de gerar, dia após dia, exércitos de mutilados sob a complacência de todos nós. Entretanto, entre ter o ano internacional dos deficientes físicos e não ter anda, melhor assim. No mínimo haverá uma chance de despertar as atenções para o tema, acender discussões e estabelecer, quem sabe, algumas metas a serem alcançadas no sentido de que o deficiente tenha seu lugar na sociedade, contribuindo na produção de riquezas e lutando, como todos, por uma justa distribuição dos benefícios. Quase sempre os preconceitos servem, neste e nos demais casos, para encobrir o problema, para minimizar a sua gravidade e para manter, principalmente, um quadro geral de injustiça. Os preconceitos que insistem em separar o deficiente dos demais têm suas raízes plantadas na nossa cultura e não será fácil eliminá-los. Mas, se deixarmos de tratar os deficientes como um “coitadinho” ou como um inútil ou como um super-herói, preferindo reconhecer a sua deficiência e respeitá-lo como um cidadão nosso igual, dando-lhe o direito de realizar-se como pessoa, talvez consigamos caminhar bastante no sentido de superar os sentimentos preconceituosos que, é bom que se repita, existem de ambos os lados. Neste Folhetim procuramos não apenas levantar os problemas mais urgentes que estão na pauta das reivindicações e luta dos deficientes físicos no Brasil, mas dar a eles a palavra. Através das suas histórias pessoais, como as do deputado Thales Ramalho e da Guta da TV Globo, ou como, no outro extremo, as histórias dos deficientes confinados na penitenciária do Estado, o leitor poderá observar as dimensões mais amplas do problema. E verá, assim, que não se trata de uma questão a ser equacionada num simples e simbólico Ano Internacional, e que os direitos reclamados pelos deficientes físicos são, na sua natureza, os direitos a que todo cidadão deve ter acesso, independente de suas limitações e deficiências de qualquer espécie. (O.M.) Cartas Um inimigo de John Lennon. A carta de Maurício F. Masson, no Folhetim n.208, me deixou curioso. O que Lennon e os Beatles fizeram de tão importante para revolucionar a cultura dos anos 60? E por que nosso povo – e todos os povos – fizeram tanto rebu com a morte de Lennon? Para mim, não passou de uma pessoa como nós e pior: um gringo aproveitador da nossa ignorância como outros tantos. LUCIANO STURBA (São Paulo, Capital) Uma discussão sobre o inimigo de Lennon. “Sturba, não perturba” O Luciano não pertence à geração dos “trintões” que curtiu a beatlemania ou, em bom português, ele está cuspindo no prato que comeu. Até o seu sobrenome Sturba vem rimar com não perturba, meu irmão. LUIZ CARLOS BATISTA DE MOURA (Indaiatuba, SP) A origem do senso crítico. Quando encontro pessoas como Luciano Sturba, incapazes de entender a obra de Lennon e dos Beatles e a revolução cultural que eles provocaram no mundo, respondo de uma maneira simples, mas real: se não fosse por Lennon e os Bealtes, ele provavelmente, nem teria condições de desenvolver o senso crítico necessário para escrever a idiotice sobre o tal “gringo”. EDUARDO LEÃO WAISMAN (São Paulo, Capital) Uma atitude grosseira. Com relação à carta do Sr. Luciano Sturba (Folhetim n.209), gostaria de salientar o seguinte: concordo em partes com a opinião dele, por exemplo, quando pergunta o que os Bealtes fizeram de tão importante para revolucionar a cultura nos anos 60. Contudo, não posso aceitar quando ele, grosseiramente, diz que Lennon não passou de um gringo aproveitador da ignorância alheia. SÉRGIO LOUREIRO FILHO (Paranaguá, PR) Ah, enfim inteligência. Até que enfim surgiu entre a correspondência dos leitores, um cara esclarecido, o Sr. Luciano Sturba, que não viu motivo de tanto rebu com a morte de John Lennon. A morte em si é um acontecimento triste, seja lá de quem for, mas merece maior manifestação de pesar quando se trata de vultos que deixaram atrás de si grandes realizações em prol da humanidade. Até mesmo os plantadores de feijão, que falta ao nosso povo, devem ser homenageados depois de mortos. Muito mais do que um simples guitarrista. JOSIAS DE PAULA BUENO (Campinas, SP) Uma página de Beatles. Como leitor assíduo do Folhetim, gostaria que vocês publicassem uma página inteira sobre os imortais Beatles, principalmente sobre John Lennon. MARCELO ALTERMAQUIAN (Osasco, SP) Música também é arte e cultura. Em sua carta sobre Lennon (Folhetim n.209), Luciano Sturba deixou bem clara a sua ignorância. Se ele não sabe que música é arte e arte é cultura, então não está com nada. Deu para perceber que ele não sabe nada sobre Beatles. Simplesmente, Lennon e os Beatles foram chave da abertura para a música pop, o que é, por si só, uma revolução. NESTOR ABICAIR (Piraçununga, SP) Uma ajuda na campanha. Que felicidade encontrar alguém como Luciano Sturba. Concordo plenamente com a sua respeitável opinião: John Lennon é mesmo um “gringo aproveitador”. Aliás, vou até ajudar o Luciano em sua campanha antigringo, fornecendo-lhe nomes de outros “gringos aproveitadores” já falecidos: Martin Luther King, Gandhi, Jimmi Hendrix, Janis Joplin, João 23, Saint-Exupéry e, porque não, o filho do Criador, Jesus Cristo, nascido no distante Oriente Médio e que nunca veio ao Brasil, apesar dos brasileiros, até hoje lamentarem a sua morte. YOLE SAKIAMA (São Paulo, Capital). No fundo, ele gostava de John. Entre as besteiras escritas por Luciano Sturba, em carta para o Folhetim n.209 sobre John Lennon, havia uma coisa certa: “... e por que nosso povo – e todos os povos – fizeram tanto rebu com a morte de Lennon?” Realmente, isso só não aconteceu com uma minoria que vive fora do mundo, como o Luciano. Basta perguntar para qualquer pessoa (da maioria pensante, é claro), o porquê do rebu. E ela vai explicar que a mensagem dos Beatles não esteve restrita aos EUA ou Inglaterra, mas influenciou o mundo inteiro, até mesmo a MPB, eu e o Luciano. AUGUSTA MARIA BERTOLDI (Ribeirão Preto, SP). Canções de Paz e Amor. Li no Folhetim n.207 uma leitora que escreveu a respeito da morte de John Lennon. Ela diz que foi um bom começo e que não deveria ter recebido as homenagens que lhes foram prestadas. Discordo dessa leitora, pois Lennon, juntamente com Paul, George e Ringo, deixou uma obra indescritível. Jamais o mundo esquecerá as canções em favor da paz que os Beatles cantaram. CARLOS HENRIQUE PIRES BORGES (Uberaba, MG) São Paulo emocionante. Como em todos os domingos, li com atenção o Folhetim n.209, e como este trouxe tanta coisa relacionada a São Paulo, foi uma motivação maior para ler e reler... E não posso deixar de dizer: o texto de Carlos Queiroz Teles, sob o título “Mobilizações Paulistanas”, me emocionou profundamente. Maravilhoso! Obrigado, Carlos. CELIA M. STUNQUI (São Paulo, Capital). Para comprar o folhetim 1. Escrevo para pedir um favor. Quando saiu o Folhetim sobre John Lennon, meu pai não comprou o jornal. Se for possível gostaria de receber o exemplar. YLARA ALMEIDA (São Paulo, SP). 2. Perdi o Folhetim n.205, sobre o consumo. Eu gostaria muito que vocês enviassem esse exemplar. LUCAS DE OLIVEIRA (São Bernardo do Campo, SP) 3. N. do R. – Os números atrasados da “Folha” podem ser adquiridos no Departamento de Venda Avulsa, Rua Barão de Campinas, 346, CEP 01202, São Paulo, Capital. Os jornais são guardador durante 60 dias a partir da data de publicação e vendidos pelo dobro do preço do últ imo exemplar nas bancas. Os interessados do interior podem pedir a remessa do jornal por carta, mas não devem esquecer de anexar o pagamento correspondente ao número de exemplares pedidos. O seqüestro salvador. Uma sugestão ao ministro Delfim Neto, grátis e eficaz como Doril. No início da semana, 52 reféns norte-americanos foram libertados pelos revolucionários iranianos, graças ao pagamento de 10 bilhões de dólares. Daí imaginei que aí pode estar o fim dos problemas brasileiros. O Delfim sugere, o grupo palaciano aprova e o pessoal do Alto Araguaia, como bons brasileiros, parte imediatamente para a ação e, num ato heróico, entramos para a história mundial. Se 52 norte-americanos valem 10 bilhões de dólares, 310 valem 60 bilhões. Ora, 310 pessoas não são nada, são menos do que a lotação de vagão de subúrbio paulista. REINALDO FRANCISCO BEINOTTI (Araras, SP). A vergonhosa mulher-macaco. No Parque Dom Pedro, aqui em São Paulo, há espetáculos horrendos. São pessoas que ganham a vida explorando a classe baixa, através de diversões inescrupulosas. No princípio de janeiro, pude presenciar um tumulto no local: pessoas correndo como loucas após assistirem uma mulher se transformar em macaco. E por incrível que pareça as pessoas pagavam para assistir tal vexame. E as autoridades onde estão? Por que não tomam uma atitude? Será que a população não tem nada melhor para fazer? MARCIA LACYS (São Paulo, Capital) Troco ou vendo. Gostaria de trocar ou vender os seguintes Folhetim: 141, 142, 144, 149, 151, 152, 153, 154, 155, 166, 168, 175, 176, 178, 180, 197 , 198, 192 e 209. JOSÉ CARLOS FRANCISCO DE PAULA (Cx. Postal 135, Poá, SP). Todas correspondência deve ser endereçada a: Folha de S. Paulo – FOLHETIM – Alameda Barão de Limeira, 425 – São Paulo, Capital – CEP 01202 Página 2
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Ilustração. Desenho em preto e branco, composto de várias imagens, assinado por Petrucio. Rosto de criança com balão de fala vazio; quadro com reprodução de janela de ferro com vidros, entre os quais há um onde os personagens de quadrinhos Mandrake e Lothar conversam; quadro com a reprodução de personagem de quadrinhos: figura toda de preto, chapéu e só aparecem os olhos; num piso quadriculado, no formato de um tabuleiro de xadrez, homem em cadeira de rodas. O amigo paraplégico do mocinho, por Marcos Rey. Creio que entre todos os personagens que bolei, o mais dinâmico, alegre e otimista é o Gino, um órfão de dezoito anos de idade, neto de italianos, que vive com a tia numa velha casa do Bixiga. Poucos o conhecem porque ainda está em fase de revisão e montagem. Só em março é que injetarão em suas veias de papel o sangue negro das impressoras quando começará a circular em sua cadeira de rodas. Falei em bolação mas na verdade Gino é o mais impremeditado tipo que coloquei em letra de forma. A princípio não passava dum figurante, sem recheio nem perfil, criado apenas para dialogar com o seu primo, Leo Fantini, este, sim, um personagem de corpo inteiro, com sombra, hálito e carteira de identidade. Nem paraplégico o Gino ainda era, identificado holywoodessamente como o “amigo do mocinho”, que num momento da história, um romance infanto-juvenil, ajudava o primo a escapar duma perigosa quadrilha de contrabandistas de tóxicos. Mero dialogador, faltavam-lhe o guarda-roupa e as características de personagem. Lembrei então dos amigos das grandes criações da ficção. Desde Sexta-Feira, o companheiro de Robson Crusoé, que eles existem com grande vigor. Vejam, isto dá até uma idéia que talvez merecesse um estudo? Os amigos dos Mocinhos. Se não me engano Erich Von Muller abordou o tema. Certamente num trabalho assim Dr. Watson, gordo e tardo, ocuparia todo um capítulo, amigo fidelíssimo que foi de Sherlock Holmes. Lothar, fâmulo e braço direito de Mandrake, estaria na lista. Os sete anões, amiguinhos de Branca de Neve, diriam presente. Chita compareceria como amiga ideal do Tarzã, mais leal que a própria Jane, acho. Jim das Selvas era tão ligado a Chandú que alguém o chamou o Gide das Selvas. Isso sem falar dos amigos ursos, saudações polares, como Escobar foi de Bentinho. Mas em todos casos, observem, havia ou há uma grande diferença anatômica entre os heróis e seus amigos e de temperamento também. Decidi então que o amigo-primo de Leo Fantini, o herói do livro, deveria ter suas marca própria, que não fosse, como nos casos aludidos, por gordura, cor, sexo ou tamanho. Rejeitei também tipos caricatos, colonizados e psicológica ou financeiramente dependentes. Nasceu então o Gino paraplégico. Mas uma deficiência física não basta para caracterizar uma personagem. Nem para santificá-lo. Por outro lado não quis fazer dele um caso excepcional, um campeão de basquete sobre rodas capaz de encestar todas as suas dificuldades. Qualquer escritor que se preza não desenha personagens exemplares, Gino, portanto, seria um rapaz com as pernas paralisadas e não um modelo ou protótipo. Com muita energia represada Gino foi para Leo mais que um ouvinte. Leo não deveria apenas fugir dos contrabandistas mas também contraatacar. Jogador de xadrez, era um lutador aparentemente tranqüilo que aprendera a fazer lances dissimuladores e perigosos. A imobilidade forçada ensinara-lhe muita coisa e não ter pressa fora a mais importante. Sabia que um xeque, mesmo não mortal, pode sacudir um rei e desnorteá-lo. Entraram num acordo. Gino participaria com a cabeça e Leo com as pernas até a vitória final contra a quadrilha. A essa altura, é claro, tive de segurar o personagem paraplégico para que não ficasse mais sedutor que o próprio herói. Mesmo sem as pernas ameaçava centralizar toda a ação do enredo. Tive então que me demorar em suas dificuldades físicas para que passasse o bastão para Leo. Um descuido de minha parte e ele viraria um mocinho de enlatado. Gino porém tinha uma barreira: as escadas. Seu inimigo mais direto: o degrau. Sua cadeira de rodas era um veículo confortável e não queimava gasolina mas não valia nada ante uma diferença de nível. “Se não fosse as escadas eu seria até mais ligeiro que as pessoas que têm boas pernas”, costumava dizer. E todo seu bom-humor ia para o brejo ao chegar a uma esquina. Passeios só ao redor do quarteirão. Em elevadores podia entrar mas como fazer para apertar o botão do vigésimo andar? Cinema, só pela televisão. Em toda a parte sempre os degraus para atrapalhar. - São os degraus que me impedem de vencer na vida – dizia ao primo. – Para ir a qualquer emprego teria que subir escadas. - Você é tradutor, ganha dinheiro sem sair de casa. - Mas às vezes gostaria de sair – respondia. Não se faz carreira dentro de um único quarteirão. Enquanto combatiam os contrabandistas, que pretendiam acabar com a vida de Leo, testemunha dum crime num hotel de luxo onde trabalhava como bell boy, Gino lançava indagações à procura duma profissão de futuro para um paraplégico. Bem informado, garantia ao primo que todas as faculdades tinham escadas, o que o impedia de ser advogado, médico ou engenheiro sem depender dos outros. Mas devia haver um grande emprego ou uma profissão que lhe permitisse uma subida sem ter que galgar degraus. Um dia em que esse era o assunto, Gino deu um largo sorriso, e à sua maneira brincalhona, anunciou ao primo e herói do livro: - já sei o que vou ser, caro Leo. As aflições acabaram. - O que você vai ser? - Presidente da República. -? A solução só podia ser arquitetônica: - Parece que existe uma rampa no Palácio da Alvorada... Arquitetos: embelezem com rampas seus edifícios. Marcos Rey, romancista e contista, publicou entre outros livros “Café na Cama”, “Soy Loco por Ti, América” e “Malditos Paulistas”. Para crianças, “Não era uma vez”. Tem no prelo um infanto-juvenil, tema deste artigo, “O Mistério do Cinco Estrelas”. Página 3
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Disputando a Olimpíada dos Deficientes, Beatriz conquistou três medalhas de ouro para o Brasil As medalhas olímpicas da paralítica Beatriz. Beatriz Schneider Santos teve poliomelite aos sete meses e ficou com ao membros inferiores atrofiados. Grávida, ela está sentada na sala de sua casa. Uma sala decoradas com medalhas e troféus. Porque Beatriz já participou de três olimpíadas para deficientes físicos, entre 1974 e 1976. Na primeira , na Inglaterra, venceu em três modalidade de natação e ganhou três medalhas de ouro, além de algumas de prata e bronze. Vitórias difíceis, mas não sofridas. — Se eu não estivesse bem estruturada psicologicamente teria me desesperado em 1974. Quando fui convidada para participar do campeonato Olímpico da Inglaterra, a AACD conseguiu que a ACM cedesse sua piscina aquecida para treinar. Já que estávamos no inverno. Treinava às 6 horas da manhã. Entusiasmei-me pela Associação e procurei tornar-me sócia. Depois de muitas desculpas comecei a desconfiar de alguma coisa. Por fim, a secretária muito sem jeito disse que o diretor rejeitou minha proposta, porque uma pessoa como eu iria impressionar os demais sócios. Permitiram que treinasse atendendo a um pedido especial. Aí entendi porque seis horas da manhã. Fui também barrada numa companhia de aviação. Beatriz não quis dizer o nome, porque, hoje, conhece deficientes que trabalham lá. A bibliotecária Silvia Kairalla, com o mesmo problema, foi também rejeitada, devido à sua deficiência física e esta é mínima. “Prestei concurso de bibliotecária da Prefeitura, entre centenas de candidatos fui classificada, porém, não fui admitida por ser deficiente física.” Perigosa solidão. Outro problema gravíssimo que o deficiente enfrenta ao chegar a adulto é em nível afetivo. “A crianças percebe, mas de uma forma ou de outra está protegida de alguma maneira pelo simples fato de ser criança – diz Sílvia. Falo das crianças de bom nível social, porque a criança não deficiente de nível baixo já é rejeitada e sofre por outros motivos.” Para Silvia Kairalla, é muito difícil falar dos deficientes de maneira geral, porque teve pouco contato com eles. Beatriz, no entanto, que freqüentou a AACD durante 12 anos como externa, onde fazia sua reabilitação, “acha que os valores humanos estão se perdendo e é claro que isto apareça mais, em relação ao deficiente. É importante para a vida do deficiente que ele não se isole, que lute pelos seus direitos como lutei pelos meus. O deficiente deve procurar freqüentar ambientes diferentes do seu, conviver e participar de reuniões de pessoas não deficientes, mesmo que isto lhe custe um grande sacrifício e seja marginalizado muitas vezes. Não deve pensar: porque sou deficiente me é negado o amor e devo namorar só deficientes. Deve encarar sua vida afetiva e sexual normalmente. Muitos podem dizer que falo assim, porque casei com um não deficiente, mas sempre pensei desta forma”. “Não perdi as esperanças de implantar o esporte obrigatório para o deficiente brasileiro. É preciso conscientizarmo-nos de que o esporte é saudável, útil e vai ajudar muito na reabilitação do deficiente. Talvez não seja fácil colocar em execução, devido a diversos componentes como custos, mão-de-obra especializada, trabalho, adaptações que não temos. Quando voltei das olimpíadas voltei encantada com que vi. Havia piscinas, onde a pessoa podia entrar com cadeira de rodas ou bengalas. Todos desde o paraplégico até o deficiente com problemas mentais fazem ginástica, jogam pingue-pongue, basquete, praticam natação.” Difícil de carregar. As olimpíadas para deficientes existem desde 1952 e ocorrem logo em seguida à Olimpíada normal. O Brasil começou a participar em 1974. - O tratamento e atenção que o deficiente recebe na Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Suécia, países que visitei, é maravilho so. Lá o deficiente freqüenta qualquer lugar ou clube. Aqui, quando os dirigentes não impedem são os acessos aos recintos que dificultam sua participação. Tanto Beatriz como Silvia acham que “integrar não é criar centros especiais para o deficiente. Integração é unir o deficiente junto a pessoas normais, adaptar os clubes também para deficientes, dando condições de um melhor entrosamento entre eles. Desta forma diminuiriam os preconceitos, as piedades, as misérias humanas e as pessoas passariam a conviver e a ver o deficiente como alguém tão capaz e agradável quanto ele”. Silvia acha que “não há preocupação por parte da sociedade de entender e se ligar ao deficiente. Isso é percebido nas próprias manifestações públicas e em filmes ligados ao problema do deficiente. No filme “Amargo Regresso” as pessoas riram na cena do sexo. Uma cena foi uma coisa linda, pois mostrou que, apesar de paraplégico, ele pode fazer sexo dentro de suas limitações e satisfez a pessoas da mesma forma, o filme mostrava que era possível. Tive vontade de matá-las”. Elas admitem que existe tanta coisa errada, que “não vemos como integrar bem o deficiente”. O que o deficiente espera em seu ano é o apoio por parte do governo e da comunidade que o cerca. O homem deve ter em mente que a deficiência não ocorre só com os outros, ele ou alguém de sua família podem adquirir um tipo qualquer de deficiência, que os impeça também de gozar a liberdade de poder correr, ouvir ou ver a luz das estrelas. É desta conscientização e luta harmônica entre deficientes e não deficientes que se conseguirá uma melhor qualidade de vida para o portador de defeitos físicos ou mentais. Reuniões sociais, bazares e discursos pomposos podem ser muito gratificantes para quem organiza, mas o deficiente precisa de muito mais. Ele precisa viver numa comunidade que o aceite, entenda e o ajude a lutar por seus direitos, que em última análise dão os direitos do Homem. R.N. Um acidente de carro e João Carlos Pecci teve de recomeçar a vida Profissão: andar. Foi tudo muito rápido, ansioso por ver a namorada que passava uns dias banhando-se nas praias do Cabo Frio, João Carlos Pecci pegou o automóvel e se foi estrada afora. De repente, a curva, a derrapada, o brusco movimento de pescoço e o deslocamento da sexta vértebra de sua coluna vertebral: a medula atingida. Tudo isso aconteceu em 1968, quando o economista Pecci tinha 26 anos de idade, quando não perdia uma oportunidade sequer de estar junto aos amigos, “de agarrar a vida como todo jovem”. E essa sede não se acabou quando deitado, vislumbrando apenas o teto branco do hospital, recebeu a informação de que estava paralisado e que os diagnósticos médicos não eram nada animadores em relação à sua recuperação. — A partir desse dia – relata Pecci em seu livro “Minha profissão é andar” -, eu continuaria a ser homem, mas teria de construir uma natureza nova. Aquela que eu possuíra durante 26 anos, atirou-se fora. Assim como se joga no chão um papel de bala. A disposição de Pecci, contudo, de recuperar tudo aquilo que seu corpo ainda pudesse proporcionar transformou-se num elemento básico para que pudesse circular mais ou menos livremente pela cidade, atualmente. Esforço. — Foi muita ginástica, muita teimosia e muito apoio moral da família que jamais procurou me esconder. A família ajudou no que foi e é necessário mas jamais tentou bloquear minha personalidade. Para Pecci, “essas são as condições mínimas que um deficiente físico deve ter para buscar a reintegração”. — Entretanto – ressalta – é evidente que a minha condição social, privilegiada em relação à esmagadora maioria da população, e por conseguinte dos deficientes, deume oportunidade para que pudesse me sentir recuperado. Porém, como nem todos têm essa possibilidade, acho que essas condições mínimas só podem ser garantidas a todos se ocorrer uma reformulação completa na estrutura social do país. Profissão. Além da recuperação física, ele considera igualmente importante o aspecto psicológico do paciente, cuja recuperação “Só pode acontecer a partir do momento em que o deficiente passe a ser produtivo, a partir do trabalho”. Pecci, por exemplo, incapacitado de exercer a profissão de economista – “ eu teria de ficar muito tempo sentado e isso prejudicaria meus exercícios físicos” – tratou logo de arranjar outra profissão. E acabou despertando seu potencial artístico, durante muitos anos adormecido na insensibilidade de conhecer suas próprias virtude. - Acredito – diz ele – que o grande problema do deficiente é o delimitar de suas capacidades. A gente tem de alterar muitos hábito arraigados e isso nem sempre é fácil. Contudo, se a gente puder se dedicar a atividade para as quais podemos utilizar todas as nossas energias, sem dúvida fica mais fácil. Se não podemos praticar o futebol, praticamos o xadrez; se não podemos ser vendedores, podemos ser artistas. O número Mesmo assim, Pecci lembra que nada adianta o esforço do deficiente na superação de alguns problemas se não se dispõe de hospitais e centros apropriados para a recuperação, mesmo que parcial, de um defeito físico. Por isso, ele acha que o Ano Internacional do Deficiente pode ser produtivo se “o Estado se conscientizar de sua responsabilidade social e se as pessoas se conscientizarem de que uma pessoa deficiente possui partes ativas em seu corpo, de eficiência limitada”. Ele defende também a organização dos deficientes em associações realmente representativas, capazes de reivindicar melhores condições de vida. - Que reivindique, pelo menos, o direito de saber quanto somos em todo o país, visto que as estimativas existentes são totalmente furadas, versando em torno de 15 milhões em todo o Brasil. (J.B.) Ilustração da página. Rodapé com quadrinho, assinado por Nilson. Um homem sentado numa mesa entrevista candidatos a um emprego. Primeiro candidato: um homem com muletas. Entrevistador diz: “O senhor não tem as pernas perfeitas? Sinto muito, não posso empregá-lo! Afinal isto é uma firma estatal e não um órgão de caridade! Segundo candidato: uma mulher cega, com bengala. Entrevistador diz: “Não tem visão? Sinto muito! Não posso empregá-la!” Terceiro candidato: um homem faz sinais em libras. Entrevistador diz: “Não tem a fala? Sinto muito...”. Quarto candidato: um homem todo de preto com um sorrisinho nos lábios. Entrevistador diz, apertando a mão do candidato: “Não tem caráter? O emprego é seu!”. Página 4
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Advogado paraplégico diz que Estado é responsável pela reintegração social do deficiente. A falsa liberdade. Há, no Brasil, cerca de 28 milhões de deficientes físicos, a maior parte de baixa renda. Nesta fantástica estatística – que representa mais de 30% da população do País – não se encontram incluídos os chamados portadores de “mazelas” interiores, como a debilidade mental, a surdez e a mudez, por exemplo. Na verdade, perto de 1 milhão de brasileiros usam muletas, quase 160 mil tem braços ou pernas artificiais, 4 milhões são deficientes cardíacos e 20 milhões de pessoas sofrem de lesões permanentes que afetam o sistema muscular e os órgãos sensoriais. Uma legião que compõe o alarmante exército de 500 milhões de “diferentes” espalhados por todo o mundo. A reunião destes dados é resultado de um paciente trabalho de pesquisa – com freqüentes consultas aos arquivos da Organização das Nações Unidas – feito pelo capitão-de-mar-e-guerra reformado Wilson Leitão Quintela, nos último 16 anos. Quintela, um ex-campeão em diversos esportes, hoje com 50 anos, está incluído nestes números: ele é paraplégico, conseqüência de uma queda domiciliar que o obrigou a trocar a subchefia de Logística na Marinha, pela prática de advocacia filantrópica. Isso, após infrutíferas tentativas de conseguir um emprego digno. Previdência Imprevidente Quintela faz severa críticas ao sistema oficial de assistência ao deficiente físico, que ele prefere chamar de “diferente”. As pessoas portadoras de uma “anomalia sensória, emocional ou outro tipo de lesão ou fraqueza caracterizável que iniba ou perturbe o desempenhar de suas funções básicas” – segundo definição da ONU – recebem o mínimo de atenção por parte do Ministério da Assistência e Previdência Social não exatamente por falta de recursos, pois o orçamento do Maps para este ano é de Cr$ 1 trilhão. “No Brasil, previdência é sinônimo de imprevidência”, constata o militar, enumerando nos dedos os centros especializados em reabilitação no País. Ele cita como “entidades idôneas” apenas o Sarah Kubitschek, de Brasília, o Pan, do Inamps, e o Centro Naval Marcílio Dias, ambos no Rio. “Estes centros são bem intencionados, mas esbarram nas dificuldades do Sistema Previdenciário Brasileiro – onde a maioria das pessoas só pensa em tirar proveitos, e não em ajudar. No dia em que não houver mais aqueles que se dediquem às causa filantrópicas, será decretada a falência da previdência oficial no país.” Quintela estende suas críticas ao total desinteresse do governo em criar condições que facilitem a sobrevivência do deficiente. Em sua opinião, é fundamental que se coloque em prática uma série de normas técnicas – já em poder da Secretaria de Obras Públicas do Rio – que incluem: estacionamento cobertos próximos aos centros de emprego e comércio; pisos de caimentos certos e estáveis; rampas com caimento de 6%; patamares a cada 10 metros; portas abrindo sempre para fora, com batentes formando seu prolongamento; corrimãos prolongados com empunhadura de 5 cm; lavatórios onde caibam cadeiras de roda, com barras e alças para facilitar os movimentos; sinalização em fundo escuro e audiovisual etc. — No Brasil, entrar num aeroporto, no metrô ou sair de casa é briga de cego em tiroteio – desabafa Quintela. Contra o paternalismo. Quintela – pai de cinco filhos e avô de três netos – entende que chegou a hora do governo assumir a responsabilidade pela assistência aos deficientes físicos. — Nós sempre somos utilizados em função de angariar fundos para campanhas de fins inconfessos – diz ele, numa crítica velada às promoções de entidades que se dizem especializadas no gênero. Ele chama a atenção para a força de trabalho que representam os diferentes no Brasil embora só 1% deles chegue a ocupar tarefas remuneradas, assim mesmo em condições de subemprego. Estudos da ONU, no entanto, já provaram que os surdos são paranormais de grande produtividade em máquinas barulhentas ou em serviços que demandem plena atenção, os cegos são excelentes para trabalhos com computação eletrônica, os daltônicos foram os melhores observadores aéreos nos últimos conflitos, e quase tudo o que se faz de pé, pode-se fazer sentado. Por tudo isso, ele quer ver regulamentada a emenda constitucional, elaborada pelo também deficiente deputado Thales Ramalho (PP-PE), e a criação do Fundo Financeiro Nacional para Reabilitação e Amparo aos Deficientes, um anteprojeto de lei elaborado pelo instituto dos Advogados do Brasil, que deverá entrar em discussão ainda este ano. Este fundo possibilitaria a instalação de vários “escritórios” por todo o País, onde um grupo especializado agiria em função de orientar, alocar trabalho e preparar uma lei básica para a defesa dos direitos dos excepcionais. Isto já existe nos Estados Unidos com o nome de “evocate for the disable”. Socialista de direita. Quintela, ex-funcionário da Legião Brasileira de Assistência – e que se auto-define como “socialista de direita” – ainda sonha com a liberação da Área do Posto 6, em Copacabana, no Rio, para a construção da primeira praia para deficientes e velhos do Brasil. Este projeto, elaborado pelo arquiteto Paulo Penna Firmo, da prefeitura carioca, depois de receber o aval das autoridades que ingerem no assunto – inclusive o do presidente da República – tropeçou numa insólita alegação “técnica” do secretário de Segurança do Rio, general Edmundo Murgel: a de que os aleijados atrapalham o livre trânsito das ambulâncias do serviço de Salvamento do Posto 6. Resignado com este insucesso que espera ser parcial, Quintela prefere lembrar duas vitórias: a inauguração da Praça Garota de Ipanema, também no Rio, apropriada para o deficiente físico e a criação – que realizou junto com uma equipe da Marinha – de uma cadeira de rodas adaptada aos padrões brasileiros, produzida a um custo equivalente a 1/8 da similar americana, pela Baxman, de São Paulo. “Ninguém vive sem gostar de si próprio”, por Maria Rosa Pecorelli Se no Brasil ser mulher já significa um problema, imagine se esta mulher for uma deficiente física: agora, se ela conseguiu ocupar posições que muito homem gostaria de atingir, mas não teve competência para tal, então é que a barra pesa, a pressão aumenta. A gente incomoda mesmo, e eles não no aceitam Longe de ser um desabafo sofrido, este tipo de confissão é pouico comum vindo da psiquiatra Wanya Lopes Cançado. Apesar de ter sido vítima de uma paralisia infantil aos três anos de idade, ela conta que jamais deixou o problema torná-la uma pessoa amarga, mesmo enfrentando uma séria discriminação. — No nosso país – diz ela – existe uma coisa que não ocorre na maior parte do mundo: o preconceito contra o diferente. Um absurdo, se pensarmos que Roosevelt governou os Estados Unidos sobre uma cadeira de rodas. Wanya parece acostumada à discriminação, embora seja detentora de vários títulos em sua especialidade, como o de psiquiatria preventiva, obtido em Amsterdã, na Holanda, ou o de especialização, da Universidade de Roma. — Ao retornar da Europa, lá por 62, tentei um emprego no Banco do Brasil. Eles, porém, não aceitavam deficientes físicos, como creio que ainda faz o Itamarati. Acabei, então, sendo indicada pelo catedrático Leme Lopes para o antigo Iapc, onde trabalhei de 63 a 79, como qualquer pessoa normal, cumprindo expediente e fazendo plantão. Os Privilegiados Calmamente instalada em sua clínica de psicoterapia, em Ipanema, no Rio, Wanya se considera, hoje, uma mulher realizada. No entanto, garante ter plena consciência de integrar uma minoria privilegiada, que teve oportunidade de sair do Brasil para se tratar no exterior. —Temos de admitir que somos um país subdesenvolvido também em matéria de reabilitação. – Quem é pobre, ou fica entrevado numa cama, ou encontra pouquíssimas opções de centros beneficentes de tratamento. Lugares, inclusive, pouco aparelhados para dar um atendimento correto. O que falta, segundo ela, é uma política nacional de conscientização das pessoas e, principalmente, dos legisladores, criar e regulamentar leis que protejam o excepcional, será a garantia de uma nova concepção de vida, no que diz respeito até mesmo à arquitetura e à urbanização das cidades. — Este é um bom ano para começarmos a pensar em conjunto, já que estamos no Ano Internacional do Deficiente Físico. Em Brasília, por exemplo, o diretor da Empresa Brasileira de Transportes Urbanos, Gil Cesar Moreira de Abreu, regulamentou o ônibus padronizado, com entradas baixas para as cadeiras de roda. Embora excelente, continua sendo uma medida isolada. É preciso criar os escritórios de defesa do excepcional em todo o País. É preciso conscientizar a população. No caminho da vida A filha do ex-médico do Botafogo do Rio e titular desse e da seleção do Brasil em 1938, o “Nariz”, acabou sendo a causa do afastamento de seu pai do futebol. Em 41, a família tentaria uma vaga para Wanya – que fora vítima de uma epidemia de pólio que se espalhou pelo Brasil em 39 – num hospital de Nova York, em meio aos mutilados da Segunda Guerra. O jeito foi seguir para a Geórgia, e sofrer um tratamento – de seis meses – no mesmo hospital onde Roosevelt passava suas férias. De alguém que sequer andava, a futura psiquiatra passou a praticar equitação e a nadar, esporte que cultiva até hoje, por considerar o melhor exercício terapêutico para os paraplégicos, uma vez que mexe com todos os músculos. Já de volta, depois de rejeitada como aluna pelo Colégio Bennet, no Rio, terminou seus estudos em Belo Horizonte, onde nasceu. Durante o 5 ano de medicina da Faculdade do Triângulo Mineiro, Wanya voltaria aos Estados Unidos não mais como alguém carente, mas como a “embaixatriz da gratidão” do povo brasileiro a Jonas Salk, descobridor da vacina contra a paralisia infantil. Mesmo sendo obrigada a ter uma vida um pouco sedentária, Wanya se locomove com certa facilidade sobre suas muletas. Vive cercada de amigos, mantém uma vida intelectual intensa, gosta de sentar num bar pra bater um bom papo, e chegou mesmo a casar e ser mãe de uma menina. Segundo ela, a vida sexual daqueles que sofrem paralisia infantil é normal, uma vez que seu problema se concentra na área motora e não na sensitiva. Ao contrário do que ocorre com aqueles que sofreram uma secção no corno posterior da medula, os paraplégicos. — Minha gravidez foi normal, até o quinto mês pude trabalhar, só afastando-me por me sentir muito pesada. Fiz cesariana no oitavo mês, e dei à luz a uma menina linda, perfeita, hoje com 8 anos. Como psicoterapeuta, Wanya Cançado garante não sofrer qualquer discriminação por parte dos clientes “normais”. Mas ela já tratou de alguns casos de pacientes com deficiências físicas, que a procuravam, principalmente, por não se adaptarem ao meio social — Na verdade, não queremos que a sociedade nos aceite: nós é que a aceitamos. Meu maior objetivo com os pacientes diferentes era torná-los integrados a eles mesmos, cientes de suas potencialidades e incapacidades, para depois integrá-los ao meio ambiente. Porque não existe ninguém, nem os ditos perfeitos fisicamente, que consiga viver em sociedade sem gostar de si mesmo. Página 5
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Totalmente cego desde os 35 anos de idade, o professor Azis Simão, titular de Sociologia da Universidade de São Paulo, lembra que “uma coisa é ser deficiente, outra é ter uma deficiência”. Para ele, deficiente é também o astrônomo, que precisa de instrumentos para realizar o seu trabalho. Somos todos deficientes. Contém retrato em preto e branco do professor Azis Simão, de perfil, segurando uma cigarrilha entre os lábios. Não adianta insistir. O professor Azis Simão, titular de sociologia da USP, não irá dizer uma só palavra a respeito da sua experiência como deficiente visual. Uma porque, como este é o ano dos deficientes, ele acha que poderiam pensar que estaria se aproveitando da promoção da ONU, para fazer sua própria promoção pessoal. Mas o motivo principal, ele revela entre dois sorrisos francamente maliciosos: — Uma coisa é ser deficiente, outra é ter uma deficiência. Há diferenças, percebe? Deficiente também é o astrônomo que precisa de instrumentos. Então, todos, de uma forma ou de outra, são deficientes. Mesmo assim, numa conversa mais informal, ele poderá fazer pequenas confidências. Aí ele dirá, por exemplo, que seu problema – o tipo de problema, isso ninguém consegue arrancar dele – começou quando ele tinha por volta de seus 25 anos. Depois, durante dez anos, mesmo com o problema das vistas, pode andar sem precisar da ajuda de outras pessoas. No fim deste tempo ficou totalmente cego: — Ora, mas aí eu já estava intelectualmente desenvolvido. Com um lugar na sociedade. Quanto ao Ano Internacional do Deficiente, acho uma iniciativa interessante na medida em que possa conscientizar a população, principalmente de países subdesenvolvidos, para o deficiente. E fazer com que essa população veja, nele, um cidadão comum com direitos iguais de participar de coisas como produção e renda. A uniformidade e os preconceitos. Ex-chefe do departamento de Ciências Sociais, os alunos mais antigos do professor Azis contam dele histórias a respeito de sua incrível memória. É comum, no meio de aula, algum aluno fazer-lhe alguma pergunta e não ser logo atendido. Quem não conhece, pode pensar que foi distração do velho professor. Nada disso pois, lá pelas tantas, e isso depois que o aluno até esqueceu da pergunta, ele virá com uma resposta perfeita, detalhada. E ainda dirá o nome do aluno que fez a pergunta. — Acontece que hoje é de reconhecimento geral que a questão das chamadas “pessoas deficientes” deve ser tratada considerados os dois aspectos solidários da vida de qualquer pessoa: o social e o individual. A especificidade dessas “pessoas deficientes”, não lhes retira os fundamentos da condição humana comuns a todos, nem os reduz a uma categoria uniforme, mesmo quando portadores de igual deficiência. E aí é que está o problema, pois a abstração daquela condição comum e a aceitação da idéia e uniformidade acarreta as variadas formas de preconceitos que sofrem. Essas coisas, bem que o professor – atualmente, ele é presidente da Comissão de Pós Graduação da Faculdade de Filosofia – gostaria de estar dizendo de uma outra maneira: “por escrito”, como fazia há um bom tempo. Bem, mas isso foi quando ele ainda colaborava para os jornais. Alguns já extintos, como “A Platéia” ou “A Hora”. Além daqueles artigos em jornais, o professor Azis também publicou em 1966, o livro “Sindicato e Estado”, cuja segunda edição está no prelo. — Além disso, as tecnologias especiais vêm, cada dia mais, fornecendo valiosos recursos materiais, educacionais e psicológicos para a adequação a que nos referimos. Contudo, é chocante o atraso social quanto às possibilidades de acesso a tais recursos, o que é reconhecido pela própria inst ituição do Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Uma sala de aula para deficientes Agora, se alguém quiser fazer o professor feliz da vida, pergunte-lhe a quantas anda o projeto para a implantação de uma sala de aula, na USP, especialmente para os alunos deficientes visuais. Verdade que esse projeto – que, por sinal, já está concluído, pois a sala poderá ser entregue já neste primeiro semestre – foi coordenado por Victor Ivan Toro, diretor da Divisão de Promoção Social da Coseas – Coordenadoria da Saúde e Assistência Social da escola. Mas o professor Azis foi um dos seus maiores incentivadores: — Imagine uma sala de aula só para deficientes... Uma sala muito especial, inteiramente adaptada aos alunos. Os móveis, por exemplo, não têm bordas com ângulos agudos, alguns são mesmo fixos na parede. Haverá locais para gravações de aulas, um outro só para audição. E tudo partiu de sugestões dos próprios alunos, que, isso em 1976, reclamaram do despreparo da USP para recebê-los. Onde, afinal, estavam as salas, o material didático adequado? Mas o assunto deste espaço é outro. Mas abrangente. E o professor reata o fio de sua conversa: — Certamente, os deficientes visuais não representam a única área da sociedade em que se observam discriminações de categoria e dificuldades na participação nos bens materiais e culturais. Para o professor, isso coloca a questão dos deficientes menos privilegiados, economicamente, “como um caso particular de uma situação geral”: — Suas limitações pessoais são agravadas por sua situação de classe social. Daí, suas reivindicações deverem ser entendidas não como pedidos de vítimas do destino, mas como reclamação de cidadãos que têm o direito de participar da produção e da renda. E de quem deve partir a iniciativa do reconhecimento dos deficientes como cidadãos comuns? — O próprio Estado deve reconhecê-los assim, limpando as leis, regulamentos, praxes de disposição e efeitos marginalizantes. Em segundo lugar, é preciso que a questão seja tratada seriamente nos planos e orçamentos, globais ou setoriais. Sem isso, o Ano Internacional das Pessoas Deficientes poderá terminar com ínfimos resultados: reuniões de especialistas, projetos arquivados, programas sentimentais na TV e construção de algumas rampas. Neste caso, conclui o professor Azis Simão, poderá haver a repetição do que aconteceu no Ano Internacional da Criança: — Muito barulho que, no fim, deu em nada. (Entrevista a José Paulo Borges) Cego desde os 15 anos, Roberto Isnard é hoje um bem sucedido profissional na área de telecomunicações. O radioamadorismo fez a fama de Roberto Quando os russos soltaram seu primeiro Sputinik, ele entrou em contato com um colega em Leningrado e conseguiu matérias, para jornalistas amigos seus, com tantas informações que um jornal paulista parou suas máquinas para mudar a primeira página. Quando a primeira mulher foi colocada numa nave espacial, também foi graças à sua ajuda que os brasileiros puderam acompanhar o assunto. Hoje, Roberto Isnard, aos 54 anos, não se considera mais um homem do radioamadorismo, mas das telecomunicações. Mas ele ainda opera seu equipamento na faixa PY todas as manhãs, antes de ir ao trabalho e, às vezes, à noite depois do jantar. Ficou popular como radioamador, atividade que desenvolve desde 1954, quando a tecnologia era bastante precária. Gravando os discursos de Carlos Lacerda Há 7 anos, Isnard trabalha como Diretor de Relações Públicas da GTE, uma empresa de telecomunicações. E assessora o governo do Estado na área há muitos anos. Em 60 foi parar no Palácio do Governo pelas mãos de Carvalho Pinto. O equipamento de comunicações do Palácio era muito obsoleto, só a partir de 67/68 as microondas passaram a ser utilizadas. Mesmo assim, ele comenta, sem deixar transparecer orgulho ou arrependimento, que ajudou o movimento de 64: — Fiz parte da equipe de radioamadores. O Jango tinha cortado as comunicações, então o Lacerda discursava, eu gravava e passava para as rádios. O entusiasmo era tanto que Isnard foi conhecer Lacerda no aeroporto de Congonhas depois do episódio de 31 de março. E foi convidado para almoçar com Júlio de Mesquita e Carlos Lacerda. No dia seguinte a fotos dos três estava nos jornais. Assim, Isnard foi despedido por Adhemar de Barros, que justificou a demissão por Isnard ser “amigo dos meus inimigos”. Mais tarde, com Abreu Sodré, voltou ao Palácio Bandeirantes e criou um centro de comunicações com um conselho composto só de engenheiros de telecomunicações, excluindo-se a si mesmo. Na época já se queria dedicar mais exclusivamente ao trabalho de Relações Públicas na Ultragás. E já não tinha tempo paras seu “hobby”. Antes tinha um escritório particular e podia dispor do tempo que quisesse para se comunicar com o Brasil todo e com o resto do mundo. E como gosta de frisar, já não havia tanta necessidade de radioamadores para salvamentos ou socorros ou para veicular informações. Roberto Isnard é casado com dona Luiza, especialista em educação de excepcionais, responsável pela criação do Serviço Especial criado no governo Natel, que entrou em funcionamento no governo Sodré. Isnard diz que dona Luiza sempre defendeu a educação de excepcionais junto a crianças normais. Para o casal, a excepcionalidade ou a deficiência física não podem impedir a participação do indivíduo na sociedade. E é claro que ambos encaram com a maior naturalidade a cegueira de Isnard. Quando terminava o ginásio Mackenzie, em 41, ele foi vítima de uma infecção que atingiu o nervo ótico. A medicina ainda não conhecia o antibiótico e Isnard ficou cego. — É preciso que se encare o seguinte problema: não considerar o deficiente que atingiu tal posição, mas sim uma pessoa em tal posição que tem deficiência. Cada indivíduo dentro da sua profissão desenvolve sua capacidade de trabalho ou não, independente de uma deficiência física. Acho que cabe a mim ter uma conduta, comigo mesmo, de respeito. “É preciso ter mais senso de dignidade” Roberto Isnard garante que nunca ninguém colocou obstáculos ao seu trabalho por ele não enxergar. Ele se coloca como profissional competente, não se deixou estereotipar: — O indivíduo deficiente precisa ter mais senso de dignidade. Tem que deixar de vender o estereótipo. É preciso se respeitar para que os outros te respeitem. Cabe a cada um vencer suas próprias deficiências. Sei que há umas bem mais pesadas, como as dos deficientes mentais. E é claro que eu não podia ser piloto de avião. Isnard ri muito da própria observação, é bem-humorado e, evidentemente, se expressa facilmente. Em seu trabalho viaja para vários Estados, conversa com a área ministerial, faz tudo sozinho. Só para ir e voltar ao trabalho é que precisa da carona de um colega. E pode sempre contar com a boa vontade de dona Luiza caso precise de transporte. Isnard diz que no seu trabalho dentro da empresa e nas viagens jamais alguém perguntou se a falta de visão o atrapalha. Se atrapalha, ninguém percebe. — Não é o mundo que tem problemas com o excepcional. É ele que tem com a sua excepcionalidade. Essas obras de assistência social entraram por um caminho errado de supervalorização da deficiência. Essa campanha da tevê que, ouvi, parece mais preocupada em explorar a excepcionalidade, como sobras sociais, do que em melhorar a vida dos deficientes. Isnard conta que outro dia, um casal amigo estava vendo televisão com a filha pequena. Quando mostraram uma criança cega numa classe escolar normal, o casal achou magnífico. A criança teve uma atitude muito mais saudável que seus pais. Estranhou os comentários. Simplesmente achou aquilo supernormal. É por coisas como essa, que Isnard, com toda razão, debate contra a supervalorização das deficiências. Na empresa onde trabalha, por exemplo, ele não é o único empregado que apresenta deficiência. Na fábrica há cegos e surdos na linha de montagem de telefones. E eles trabalham tão bem quanto os outros. Diante dessa constatação, Roberto Isnard repete o que acha fundamental para um deficiente? — Respeitar-se, ter senso de dignidade, não se deixar explorar, se estereotipar. Ele conseguiu isso. É um profissional gabaritado que tem deficiência de visão. E não um cego que – nossa! – chegou a diretor de uma empresa. Página 6
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Um deputado em cadeira de rodas. O deputado Thales Ramalho (PMDB-PE) é um dos quatro parlamentares com deficiência física do Congresso Nacional. Contudo, mais do que qualquer outro, Thales, desde que se tornou paraplégico há oito anos, vem usando a tribuna em defesa dos 12 milhões de deficientes existentes no Brasil. Em 1978, ele propôs e conseguiu aprovar a emenda constitucional n. 12, assegurando direitos a esta minoria. Neste depoimento ao correspondente José do Patrocínio, em Recife, Thales Ramalho fala do problema da deficiência física no País Contém duas fotos de Thales Ramalho, em preto e branco. Uma no formato de retrato; e a outra, sentado na cadeira de rodas, cumprimentando o Presidente João Figueiredo, com legenda: “Na abertura do Ano Internacional do Deficiente Físico, Thales encontrou-se com Figueiredo”. “Eu me elegi pela primeira vez deputado federal em 66, mas tomei posse em 1967. E foram anos difíceis porque logo em 68 veio a decretação do Ato n.5, o Congresso foi posto em recesso e ficou fechado durante longos meses. E ele só reabriu, realmente, em 70, que era um ano eleitoral. Então, eu me candidatei a outro mandato e fui reeleito. Precisamente em abril de 71 fui eleito secretário do então MDB, encontrando um partido destroçado pelas cassações, pelas violências. Basta dizer que nos 4.000 municípios brasileiros o parido tinha diretório municipal somente em quinhentos e poucos. E não tinha sequer diretório regional em Goiás, no Mato Grosso e nos territórios. E foi uma luta imensa que o deputado Ulisses Guimarães e eu empreendemos, então, para levantar o partido. Fizemos juntos muitas viagens pelo País percorrendo território, Estado por Estado. Foi exatamente em abril de 72, um ano após minha eleição para a secretaria geral do partido, que tive um acidente vascular cerebral – uma trombose – que me tornou hemiplégico, totalmente paralisado do lado esquerdo. E foi, então, que conheci esse universo formidável, fantástico mas completamente ignorado, que é universo do deficiente. É um universo mesmo, inclusive pela sua amplitude porque pelas estatísticas mais responsáveis, como da Organização Mundial da Saúde, temos no Brasil cerca de 20 milhões de deficientes. A descoberta de um outro universo. Foi quando passei a conviver com deficientes tanto aqui como no Exterior, que comecei a me sensibilizar, primeiro, pela própria necessidade da minha reabilitação e, depois, pelo impacto que sofri, pois até então, eu como milhões de brasileiros hoje, não tinha noção do que é esse mundo dos deficientes. Os deficientes no Brasil vivem segregados, principalmente pelas barreiras físicas que o cercam, mas também pela falta de assistência e pelo preconceito. Fiquei quatro meses afastado da minha atividade parlamentar e da minha atividade partidária. Fui para uma cadeira de rodas, levantei-me e continuei minha atividade parlamentar sem limitação nenhuma. E continuei assim até que, em 76, sofri um acidente que atingiu exatamente o lado perfeito, a perna direita, que era a minha perna de sustentação. Ela foi arrebentada, fraturada onze vezes além de um esmagamento do fêmur, que me levou mais tarde, em 79, a fazer uma substituição do quadril. Hoje, tenho um quadril de acrílico e metal, portanto sou meio biônico. Eu gostaria de ressaltar que em nenhum instante deixei de exercer a minha atividade parlamentar e partidária, os compromissos e até a minha atividade social. Enfim, nunca me senti homem incapacitado para exercer as minhas atividades por causa das minhas limitações físicas O deficiente e a Constituição. Na verdade, a própria limitação da locomoção, leva o homem a repensar tudo. No meu caso, foi exatamente a partir de 1972, trabalhei mais e me senti mais útil no exercício do meu mandato, inclusive com relação à própria problemática do deficiente brasileiro. Não existia no Brasil, até 1978, nenhuma lei, nenhuma preocupação oficial com relação ao deficiente em geral, não somente ao deficiente físico, mas ao mental, aos hansenianos, por conviver com os deficientes, eu me comprometi comigo mesmo a me lançar de corpo e alma na defesa dos direitos dos deficientes. Foi então que idealizei e concretizei uma emenda à Constituição, assegurando os direitos constitucionais aos deficientes brasileiros. O Brasil é o sexto país do mundo a inscrever no seu texto constitucional direito às pessoas portadoras de deficiências. Apenas as Constituições mais modernas, da Espanha, Portugal, Alemanha Ocidental, Suécia e Noruega possuem similares. Mas em países como Inglaterra e Estados Unidos existem leis amplas de proteção aos deficientes. A Emenda n.12 hoje incorporada ao texto da Constituição Brasileira, assegura os seguintes direitos: 1º educação gratuita para a criança defeituosa. 2º - o direito de reabilitação, de reinserção no processo político, econômico e social do País. 3º - proíbe a discriminação com relação ao trabalho, à admissão no serviço público. 4 – o direito de acesso a qualquer lugar que é o direito que qualquer cidadão tem, sem que seja impedido – como nós os deficientes somos – pelas barreiras físicas são as piores e maiores do que as barreiras do preconceito, as barreiras sociais. Nós vivemos num mundo de granito. Brasília é uma cidade construída contra o deficiente, contra o velho, contra a criança. Não há degraus mais altos do que os das escadarias de Brasília. Os edifícios são cheios de campos, verdadeiros precipícios. Enfim, cito Brasília porque é uma cidade nova, com 21 anos, planejada, construída para ser adaptada ao terceiro milênio. No entanto, Brasília talvez seja, das cidades brasileiras, a mais cruel para os deficientes. Um novo homem com a deficiência. Considero o deputado Thales Ramalho depois do acidente muito mais atuante, mais voltado para a utilidade política e social do seu mandato e até mais amadurecido para a compreensão dos problemas do mundo. Na verdade, o deputado Thales Ramalho de minha simpatia pessoal é o deputado Thales Ramalho deficiente físico. Na verdade, procuro demonstrar que a deficiência não é fator limitativo, nem impeditivo para qualquer tipo de atividade. Eu poderia citar várias pessoas portadoras de deficiências física, que são pessoas que têm a maior projeção em setores da vida nacional. Por exemplo, Roberto Carlos que já era deficiente quando começou a carreira artística. O Wilson Martins, autor de uma das obras mais sérias publicadas neste País, “A História da Inteligência Brasileira”. O próprio ministro Golbery do Couto e Silva, que é deficiente visual. Ele tem apenas um olho e por esse olho tem visto o Brasil da maneira muito aguda e lúcida. E uma infinidade de outras pessoas. Enfim, o que queremos é a concretização dos direitos essenciais. À vida do deficiente, é regulamentar essa emenda Constitucional, e, através da legislação ordinária, ampliar as pequenas conquistas que nós já fizemos. Essa é a nossa luta e é uma luta que só poderá ter êxito se a comunidade brasileira for conscientizada do problema. O Ano Internacional do Deficiente foi instituído para isso, para chamar a atenção para esse tipo de problemas que, no caso brasileiro, atinge mais de 10% da população, são 20 milhões de deficientes.” Página 7
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[Páginas centrais do Folhetim] Ilustração colorida de um homem de muletas atravessando rua com circulação de carros. Assina Grilo 81. O Núcleo de Integração de Deficientes quer mudar a imagem do deficiente e recusa protecionismos “Nem coitadinhos nem super-heróis”, por Cristina Mucci. Em São Paulo, um grupo de deficientes físicos se une para lutar contra o preconceito e o paternalismo. “Nem coitadinho nem super-herói.” Este é o lema do NID – Núcleo de Integração de Deficientes – criado no ano de 80 com o objetivo de “promover a integração social da pessoa deficiente e desenvolver o respeito às suas capacidade e dificuldades”. Sem estatutos ou hierarquia “para não atrapalhar o bom funcionamento do grupo”, diferente de muitas outras entidades do gênero na sua concepção, o NID não presta serviços de atendimento em reabilitação física ou profissional, não funciona como agência de emprego, nem angaria fundos para a compra de distribuição e aparelhos ortopédicos, por exemplo. “Nosso trabalho, diz Ana Maria Morales Crespo, a Lia, coordenadora do NID, é conscientizar a comunidade e os próprios deficientes sobre os direitos que temos enquanto cidadãos e enquanto pessoas. É divulgar esses direitos, lutar por eles e denunciar a discriminação e o preconceito com que a sociedade sempre tratou seus deficientes.” E quais são esses direitos? “Direito a uma reabilitação decente, à educação, ao trabalho, direito de acesso aos lugares públicos através da construção de calçadas rebaixadas, de rampas ao invés de escadas, e portas largas o suficiente para permitirem a passagem de uma cadeira de rodas. Direito às garantias mínimas que todo cidadão deve ter. Afinal, apesar da sociedade e da maioria dos deficientes não estarem conscientes disso, nós somos cidadãos. Doze milhões deles, segundo estimativas da ONU para o Brasil. Dois milhões, só no Estado de São Paulo.” O peralta saci, um símbolo. Para lutar por seus objetivos o NID publica um jornalzinho, “O Saci”, personagem escolhido por ser negro e perneta, que “se não fosse lenda faria parte do bloco dos discriminados”; é umas das 12 entidades que fazem parte do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes do Estado de São Paulo e “sai a campo” sempre que necessário. Do ano passado para cá, várias vezes os membros do NID recorreram à seção de cartas dos jornais para protestar, fazer denúncias, como no caso do Dr. Sabin e a questão da erradicação da pólio no Brasil. “Estas cartas – conta Ana Maria – motivaram as pessoas interessadas e a imprensa a nos procurar.” As pessoas do NID são na sua maioria deficientes, o que não as impede de ir às ruas, aos lugares públicos para divulgar o Movimento. “No ano passado – diz Ana Rita de Paula, membro do NID –, estivemos na Bienal do Livro para distribuir nossos folhetos e jornais. Chamamos muito a atenção porque as pessoas não estão acostumadas a ver deficientes nas ruas ou em lugares públicos como qualquer ser humano normal, e aí está a raiz do preconceito: a comunidade não reconhece seus deficientes, não convive com eles.” E o que o NID quer afirmar é que a pessoa deficiente pode levar uma vida normal, desde que respeitadas as suas limitações. Mas as barreiras são muitas, a começar pela atitude de vergonha, constrangimento e pena com que a comunidade e a família têm para com eles. “A televisão, diz Ana Maria, que é um meio de comunicação tão poderoso, ao invés de nos ajudar a desfazer estereótipos e preconceitos, só tem mostrado a incapacidade, o lado ruim das deficiências.” E cita uma novela da Globo, “Chega Mais”, onde uma das personagens, uma ex-guerrilheira e ex-paraplégica, dizia para seu parceiro romântico, Toni Ramos: “Você estava habituado a me ver como uma pessoas reduzida a uma cama. Agora você me vê como uma mulher.” Uma campanha mal recebida. Nem a campanha da Globo para o Ano Internacional das Pessoas Deficientes escapa às críticas do NID. “Nós ficamos muito animados quando Da. Virgínia Cavalcanti, responsável pela campanha, nos pediu para darmos sugestões, para assessorá-la aqui em São Paulo – conta Ana Maria. Ela chegou a afirmar que os deficientes dariam o tom da campanha para o Ano Internacional. A partir de um pré-roteiro fornecido pela Globo, fizemos correções, sugerimos cenas mostrando coisas cotidianas na vida do deficiente, sem passar a imagem de coitadinho. Nas discussões ela se mostrou aberta mas na hora de fazer a campanha nada foi considerado e o resultado está aí.” “Nós achamos que uma campanha – continua Ana Maria – deve mostrar os problemas, as dificuldades, mas principalmente mobilizar a comunidade para resolvê-los, apontar as soluções. E isto a campanha não fez. Ela não convoca as pessoas a lutarem contra as barreiras para os deficientes. Funciona na base do coitadinho, mostrando o deficiente quase sempre isolado, a tristeza de ter um deficiente na família, o pavor de ter um filho deficiente, como se a prevenção dependesse exclusiva e principalmente da mãe. Alguns filmes “afirmam” que o deficiente pode ser integrado, mas o tom que permeia toda a campanha é: ser deficiente é horrível. Como lidar com duas idéias tão incompatíveis?” O pessoal do NID acha que se o tema principal do Ano é “Participação Plena e Igualdade”, todas as campanhas deveriam enfatizar os direitos à integração, motivar a comunidade para lutar por isso. O NID não quer leis protecionistas. “Que empresa acredita na capacidade de trabalho de um deficiente? Pergunta Ana Rita de Paula. “Para começar o deficiente não consegue nem se candidatar. Quando isto acontece e ele passa na seleção é fatal que perca o lugar para uma pessoa com a mesma capacidade, mas sem qualquer defeito físico. O empregador só dá trabalho a um deficiente para pagar um salário menor – que ele aceita por uma questão de sobrevivência e por acreditar que está recebendo um favor – ou quando o deficiente se mostra superempregado, exigindo-se dele um superdesempenho”. Para o NID, exigir superdesempenho também é discriminação, como é discriminação existirem leis especiais para os deficientes. No Brasil não há uma legislação especial para os deficientes, “mas tem de boa vontade, só que com uma visão nada clara dos problemas querendo impor, por exemplo, que as empresas dêem trabalho a um número “x” de deficientes só porque são deficientes”. “Nossa luta – diz Ana Maria Morales – é que as leis garantam os direitos que são de todo mundo, como acesso a lugares públicos, punição aos empregadores que não empregarem deficientes porque são deficientes, como não empregar um negro porque é negro. E antes de se pensar em leis, tão burladas no Brasil, o fundamental é conscientizar a comunidade. Leis impostas de cima para baixo, surgidas aleatoriamente têm efeitos duvidosos. Qualquer lei, para ser cumprida, deve ser conseqüência da luta, de uma necessidade real.” As barreiras arquitetônicas. Um dos principais problemas do deficiente que mora na cidade é conseguir sair de casa. As barreiras são muitas e quase instransponíveis. “uma rampa – explica Ana Maria – pode ajudar uma pessoa que anda em cadeira de rodas e não atrapalha ninguém. Um corrimão é fundamental numa escada, para quem usa muletas e também não atrapalha ninguém. Mas as cidades foram feitas para as pessoas normais. “O Código de Obras, continua, jamais deveria aprovar plantas de edifícios públicos que não possibilitassem o acesso aos deficientes. Alguns deputados, depois de uma reunião que tivemos com eles na Assembléia Legislativa, elaboraram um projeto, que deve ser discutido e votado este ano, para tornar “a casa do povo” um modelo de lugar acessível aos deficientes”. Os membros do NID sabem que a luta contra as barreiras arquitetônicas vai levar muito tempo, mas já começaram, com auxílio de uma arquiteta, a fazer um levantamento dos locais de lazer (teatro, cinema, museus, parque, etc) em São Paulo que são mais acessíveis às pessoas deficientes. Ano Internacional, mais um engodo? O Ano Internacional das Pessoas Deficientes foi instituído pela ONU, por sugestão da Líbia e seu tema principal é “Participação Plena e Igualdade”. A ONU estabeleceu que as pessoas deficientes deveriam ser consultadas e participar ativamente na organização das atividade do Ano, como membros das Comissões Nacionais de cada país. Segundo os membros do NID, no Brasil isto não está acontecendo. “Como sempre, as decisões são tomadas a nível de cúpula.” Nomeados pelo presidente da República, fazem parte da Comissão Nacional, vários membros dos Ministérios e a presidente é uma “prima do Figueiredo”, Helena Bandeira de Figueiredo. Subcomissões estavam previstas para funcionar como suporte da Comissão Nacional onde os deficientes teriam ampla participação. “Na verdade – reclama Ana Maria Morales, que oficiosamente faz parte de uma dessas subcomissões –, elas não estão trabalhando e a Comissão Nacional tem se reunido sem a participação destas pessoas. A presidente alega que não recebeu oficialmente nossa indicação e tudo continua como está. Até agora não fui apresentado para ninguém um plano de trabalho. Por isso não sabemos o que o governo está preparando para o Ano Internacional “Os deficientes não estão sendo consultados em nenhuma instância – acrescenta Ana Rita de Paula –, por mais que a Presidente afirme demagogicamente e o contrário. A Comissão Nacional tem, também, uma verba de Cr$ 50 milhões para distribuir entre as entidades ligadas aos deficientes. Temos sérias dúvidas quanto ao uso deste dinheiro. Quem será os beneficiados? Aqueles que contarem com as boas graças dos membros da Comissão Nacional. Se a atitude da Comissão prevalecer, o NID não acredita que o Ano Internacional vá trazer algum benefício aos deficientes, “como o Ano Internacional da Criança que nada trouxe de positivo para os principais interessados. “Temos esperança que o Ano Internacional das Pessoas Deficientes – conclui Ana Maria Morales –, seja um ponto de partida para que os deficientes ampliem seu movimento e desenvolvam um trabalho, independente de se contar com apoio oficial.” Para Ivan Ferraretto, da AACD, a luta pela integração é triste e difícil A batalha do moinho de vento, por Regina Nascimento. A pergunta que se faz no Ano Internacional do Deficiente é: quem é realmente o deficiente: o indivíduo portador de anomalia física, mental ou a família e a sociedade que o cercam?
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No Brasil, segundo a Organização Mundial da Saúde, vivem cerca de 20 milhões de deficientes, representando um grave problema social. A grande maioria é marginalizada, confinada em seus próprios lares ou nas poucas instituições beneficentes criadas, especialmente, para atendê-los. Entidades formadas por princípios religiosos como a Casa da Criança André Luís, que congrega uma população de 828 deficientes, todos excepcionais, com problemas de locomoção e coordenação motora e a Associação de Assistência à Criança Defeituosa, fundada pelo médico Renato Bonfim, falecido, com o intuito de tratar, reabilitar e educar o deficiente físico. A medicina tem se desenvolvido muito nestes últimos anos, procurando melhorar as condições físicas e psicológicas do deficiente, tornando-o capaz, sempre que o caso não vá a extremos, de se autoprovir e desta forma integrar-se na sociedade. Mas é neste ponto que todos os esforços médicos esbarram e revoltam. Como integrar o deficiente se não há uma infra-estrutura econômica, cultura e educacional? Para Ivan Ferrareto, diretor clínico e cirurgião chefe da Associação de Assistência à Criança Defeituosa (AACD) e convidado oficial do Ministério da Saúde do gabinete do presidente Ronald Reagan para representar a América do Sul no Simpósio organizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas em Reabilitação, o maior evento do Ano Internacional da Pessoa Deficiente, esta é uma pergunta fácil de responder, mas de difícil solução. “Reabilitar e integrar o deficiente é um dos problemas mais graves com que nos defrontamos. O deficiente só será integrado após um esforço sobre-humano dele próprio, se tiver sorte de encontrar um lugar que o aceite, porque ele não pode contar com o apoio dos órgãos públicos ou da sociedade.” “Hoje – afirma Ferraretto – conseguimos corrigir deformidades. Posso dizer sem medo que já conseguimos reabilitar o deficiente físico, a ponto de em muitos casos colocá-lo novamente de pé, andando. Contudo, a maior dificuldade em integrar o deficiente é cultural. A parte educacional fica relegada a segundo plano. Geralmente é entregue a entidades como a nossa e estas não têm condições de atender à imensa população de deficientes que as procuram. Lutamos com muitas dificuldades e o auxílio que recebemos do governo é mínimo.” A AACD foi fundada em 1950, com a finalidade de auxiliar e reabilitar o deficiente físico. Atualmente, possui 600 pacientes, interno e externos, com uma equipe de mais de 300 funcionários especializados. Ministra cursos anuais de nível internacional para a formação de técnicos em aparelhos ortopédicos. O curso dura seis meses e já formou técnicos vindos da África, Ásia, Europa e América. Os aparelhos fabricados na AACD são exportados para o Vietnã, América do Sul e Líbano. O dinheiro arrecadado é investido na própria AACD, entidade particular sem fins lucrativos. O paciente paga de acordo com suas possibilidades ou, em vários, casos, não paga nada. “É triste diz Dr. Ferraretto ver o sacrifício do deficiente e saber que está lutando contra moinhos de vento. O deficiente compete em condições de inferioridade, não porque seu potencial intelectual seja menor, mas porque foi-lhe negada a educação. De, modo geral, ele vem de camadas socais sem os mínimos recursos econômicos. Ele precisa de escolas especiais e as poucas existentes são caras. E sem apoio da família, sem o transporte para se locomover como estudar?” “O deficiente precisa de sua própria legislação” Ferraretto diz que “há casos de deficiente tão graves que não tem capacidade para trabalhar em indústrias comuns. Para eles, criou-se oficinas abrigadas, que funcionam em regime de contratos entre a entidade e a firma que oferece o serviço. O governo ainda não provê o esteio deste tipo de oficina e os gastos são muitos grandes. Além disso, elas não oferecem ao deficiente nenhuma garantia trabalhista, já que ele trabalha sem carteira profissional” Por tudo isto é preciso que neste Ano Internacional do Deficiente não fiquemos preocupados em organizar festinhas, mas juntemos nossos esforços por uma legislação, que regule o que está na Constituição em defesa do deficiente, observa Ferraretto. “Já foi encaminhado um projeto ao presidente João Figueiredo. A gente não pode ficar parado ou só desfrutando os donativos. Não podemos esperar que o patrão diga: “Vou ajudar o Brasil e vou proteger esse deficiente.” O patrão só se deixa comover, quando se mexe em seu bolso e se criarmos uma legislação adequada, que lhe traga vantagens, sem dúvida, ele utilizará mais serviços do deficiente. É preciso que o próprio deficiente e todos os que trabalham por ele se unam com um único ideal: melhores condições de vida para o deficiente. Gostaria de receber suas adesões para que, inclusive, possa representá-los bem nos Estados Unidos”. A psicóloga Eidemara Fadini Tavares, da AACD, lembra que “se o deficiente vítima de um acidente ou traumatismo ficar em casa sem trabalhar será um homem acabado, complexado, desesperado e provocará atritos em família.” Segundo ela, é muito difícil conseguir com que a pessoa aceite sua deficiência física após o acidente. “O trabalho de reabilitação, tanto psicológico como físico despende muitos gastos, esforços e energia do paciente e de quem trabalha com ele. É preciso muita força de vontade e tempo para que o paciente comece a aceitar sua nova condição de vida e a se interessar por outra atividade diferente da anterior.” “O centro de reabilitação propicia tudo isto, mas como o deficiente vai se sustentar – pergunta o Dr. Ferreretto – se o Inamps simplesmente o aposenta com 70% do salário que recebia e não providencia os demais recursos de reabilitação? Temos em nossa instituição centenas de aposentados pelo Inamps. Ora, um paciente paraplégico custa à associação cerca de 200 mil cruzeiros por mês. Quem vai pagar isto? O Inamps não paga. O doente não pode. Conclusão: acabamos financiando a entidade mais rica da Nação. E o último donativo que recebemos desse órgão foi de 50 mil cruzeiros há dois anos. Há três, lutamos para conseguir credenciamento do Inamps, mas não entendo por que, ainda, não recebemos.” Neste Ano Internacional do Deficiente, diz Dr. Ferraretto, “É preciso que o governo se conscientize do problema do deficiente, que não marche com os países desenvolvidos apenas na implantação de usinas nucleares, mas que siga as outras nações no programa de reabilitação do deficiente”. Amor, carinho, trabalho Na Casa André Luis, os três itens da integração. O Nosso Lar – Casa da Criança André Luis foi fundada em 1949 e funciona em Guarulhos. 40% de seus recursos vêm da verba de convênios com o Estado e recebe crianças da Febem e da Coordenadoria de Saúde Mental. Os outros 60% provém dos associados, donativos em espécie, doações em dinheiro, roupas. Não aceita nada dos pais das crianças internadas, nem mesmo trabalho para não dar idéia de paga em serviço. Possui atualmente 828 internos, tendo uma pajem para cada seis crianças. A filosofia da Casa André Luis é a reabilitação da criança, mesmo que seu cão seja tão grave, que esta não ultrapasse em 0,1% sua melhora. As crianças da Casa André Luis são, geralmente, muito pobres e o seu nível de excepcionalidade é grande. Segundo seu administrador, a Casa André Luis foi formada por um grupo de espíritas, sob orientação dos próprios espíritos, tendo mais tarde apoio de Chico Xavier, que achou muito boa a idéia de se cuidar de crianças com deficiências múltiplas. Ainda jovem, bonita, a médica Emilia Polverine, diretora clínica da Casa da Criança André Luis, há sete anos, dedica todo seu tempo às crianças ali internadas. Ela não tem fins de semana. “Considero estas crianças como meus filhos e olhe que o deficiente mais velho tem 38 anos. Você pode me perguntar por que 38 anos? E a resposta é muito triste. Pelos estatutos da nossa instituição a criança só deveria estar aqui até os 18 anos, mas como deixá-lo partir se a própria família não o aceita de volta e a sociedade não lhe oferece condições de vida?” “A nossa luta aqui no André Luis é muito árida. A maioria de nossas Páginas 8 e 9
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crianças apresenta um grau de excepcionalidade muito grande, tanto sensoriais como motoras e muitas delas aparentes, chegando a chocar a pessoa despreparada e que não está preparada para conviver com eles. Mas eles são criaturas incríveis cheias de amor para dar. “O problema do deficiente no Brasil é muito grave e no caso dos nossos internos a coisa pode ser catalogada como desesperadora. Só uma vontade muito grande nos faz continuar e buscar diariamente soluções para a melhor reabilitação e integração destas crianças. Os pais se envergonham de ter um filho deficiente. Ninguém aceita a idéia. Todos sonham com um filho presidente da República. As crianças são escondidas em casa, sem os mínimos recursos para sua reabilitação, já que a maioria pertence a um nível sócio-econômico muito baixo, que não tem condições sequer para sua subsistência.” A Casa André Luis existe porque muitas famílias não têm condições ou não querem assumir o filho excepcional. “É comum casos de pais que, simplesmente, abandonam e esquecem a idéia de um dia ter tido um filho deficiente. O que a gente nota também é aquele tipo de visita compulsória para descansar a consciência. Tudo isso é muito deprimente. A gente se sente lesado, sabendo que desde os dois anos trabalhou uma criança, reabilitou-a, aproveitou seus mínimos recursos potenciais e conseguiu fazer dela um ser capaz de se cuidar sozinho e depois de tanto esforço ninguém o quer. Nossa luta é diária, mas acreditamos que o Ano Internacional da Pessoa Deficiente conscientize pelo menos a Nação do grande drama que vive o deficiente.” Respeito e muito amor. Emília Polverini diz que “é muito difícil, por enquanto, integrar o deficiente na Casa André Luis, pois o atual esquema da Previdência Social não prevê uma ajuda substancial à criança com defeitos múltiplos”. — Nossas crianças e adolescentes não precisa, de piedade. Eles precisam de respeito e muito amor. Eles são muito queridos e têm excesso de amor para dar. Quando saímos para excursões a primeira reação das pessoas é de espanto, receio e curiosidade, mas eles se colocam tão à vontade, sorriem para eles com tanta doçura que em pouco tempo se integram plenamente. Então, por que ter medo e esconder a criança defeituosa? A solução não estará na maior integração entre deficientes e não deficientes. O que é comum torna-se natural? “Mas isto tudo não impede nossa preocupação – firam a médica. – Como criar condições de vida satisfatória para o adulto da Casa André Luis? Como dar-lhes um futuro tranqüilo se a família e a sociedade não os aceita? Como colocá-los dentro de uma empresa se há falta de empregos para os mais habilitados? A única alternativa está sendo estudada e posta em prática. Nossa luta é conseguir do governo apoio para a criação de novas oficinas abrigadas, onde nossos internos possam prestar seus serviços. Paralelo a isto formaremos pensionatos. Ali eles viverão e terão sua liberdade. Nosso deficiente precisa saber que é livre e como tal deve viver livremente.” “Claro que está longe de ser a solução ideal – diz Emília – mas até agora é a única maneira de dar melhores condições de vida para a criança que nos deu tanto amor e satisfação. Desta forma também estaremos abrindo mais lugares para tantos outros deficientes, que precisam ser reabilitados.” (R.N.) Ilustração em preto e branco. Três imagens de uma mesma pessoa em cadeira de rodas, com cartaz de reivindicação na mão: “Nossos Direitos”. (1) Foco sobre a mão com cartaz; (2) pessoa de corpo inteiro empunhando cartaz; (3) imagem anterior no formato de um selo para emissão de cartas. Assinatura de Fausto. Com o Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes, uma minoria de 12 milhões de pessoas começa a agir politicamente. Agora, a luta política Nos Estados Unidos, a organização do movimento foi mais fácil, durante os efervescentes anos sessenta. Em um país do Terceiro Mundo, como o Brasil – reconhece Romeu Kazumi Sassaki –, as barreiras para a participação social dos deficientes são maiores. Mas ainda assim, a semelhança de seus iguais norte-americanos, os deficientes físicos brasileiros estão dispostos a lutar por seus direitos de cidadania. Afinal, 12 milhões de pessoas formam uma respeitável minoria no País. Romeu trabalha há 20 anos como consultor em reabilitação de deficientes e faz parte da coordenação do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes do Estado de São Paulo, criando em 1979. — O Brasil começou a pensar em reabilitação só a partir de 1950. Os poucos centros que existem estão localizados nas grandes cidades e o primeiro obstáculo é chegar até ela. Quando os deficientes conseguem, ou não são atendidos ou sequer encontram o lugar adequado para o seu caso. Os poucos privilegiados se deparam com um atendimento quantitativamente insuficiente. As entidades não estão aparelhadas com recursos materiais, financeiros e humanos suficientes para satisfazer às necessidades individuais da clientela. Faltam pessoas adequadamente treinadas, os salários são baixos, falta know-how. Um centro de reabilitação, para dar um atendimento global, é um investimento caro, sofisticado, então fica mais fácil, como tem ocorrido aqui ultimamente, a proliferação de clínicas que dão atendimento isolado (fonoaudiológico, fisioterápico), que são bem mais lucrativas. “O relacionamento com o cliente dentro dos centros de recuperação é sempre de cima para baixo – reclama Romeu. Ninguém pergunta para ele como gostaria de ser reabilitado. O cliente é sempre um ser inferior.” Reabilitação simplificada. A resposta dos países em desenvolvimento, como México e a África, aos altos custos da reabilitação, tem sido descentralizar os serviços, atendendo aos deficientes na sua própria região utilizando técnicos e recursos próprios, com a participação ativa do cliente, da família e de setores da comunidade no processo de reabilitação. É por esta alternativa que o Movimento está lutando e, segundo Romeu, já conseguido a primeira vitória em Ourinhos, no estado de São Paulo, onde foi iniciado um projeto piloto destinado à reabilitação e integração dos deficientes. “Porque falar em prevenção de deficiências num país que não tem uma política nacional de saúde é ir um pouco longe demais –, diz Romeu. Só com uma política global haveria condições de se prevenir deficiências. As causas são tantas e a falta de segurança no trabalho, a subnutrição, a desnutrição, falta de atendimento à gestante, à infância, não são fatores negligenciáveis.” A pressão que os deficientes começam a fazer sobre as entidades que os atendem e sobre o Estado é, na opinião de Romeu, a resposta mais eficiente ao descaso com que foram tratados até agora. (C.M.) Os endereços do movimento. As entidades que fazem parte do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes são: Abradef – Associação Brasileira de Deficientes Físicos. Rua Rio Grande, 71, Vila mariana, fone 71-7186 — São Paulo, Capital — Presta assistência ao comerciante autônomo. AADF – Associação de Assistência ao Deficiente Físico. Rua José Esteves Mano Filho, 227, CERP 19.900, Ourinhos — São Paulo — Presta atendimento em reabilitação e colocação profissional. Aide – Associação de Integração dos Deficientes. Rua Raul Pompéia, 586, fone 65-6739, Pompéia, São Paulo, Capital — Presta serviço em colocação profissional. Cedris – Centro de Desenvolvimento de Recursos para Integração Social. Av. Bem-te-vi, 89, CEP 04524, São Paulo, Capital — Presta serviço em consultoria e atendimento de profissionais e entidades que desejem realizar projetos e pesquisas em reabilitação. CPSP – Clube dos Paraplégicos de São Paulo. Rua Homem da Costa, 44, fone 298-0585, Vila Paiva, CEP 0273, São Paulo, capital — Entidade voltada para a prática de esportes. FCD/SP – Fraternidade Cristã dos Doentes e Deficientes, Regional São Paulo. Hospital Matarazzo, quarto 259, AL. Rio Claro, 190, fone 284-5493, bela Vista, CEP 01332, São Paulo, Capital. — Presta vários tipos de assistência aos deficientes. NID – Núcleo de Integração de Deficientes. Rua Guaipá, 1263, Vila Leopoldina, fones: Dias úteis: 813-1130 — 70-3847 e 263-2624; sábados à partir das 13 horas: 260-3364 e 260-1478; Sodevibra – Sociedade dos Deficientes Visuais do Brasil. Praça da Sé, 300 — 4º andar s/407 — Centro, fone 34-1053, São Paulo, capital. — Presta serviços aos ambulantes cegos. Sorri – Sociedade para Reabilitação e Reintegração do Incapacitado. Rua Bolívia, 663, Bauru — Estado de São Paulo — Centro de Reabilitação. Unadef – União Nacional dos Deficientes. Av. São João, 324 — 7 — sala 701, fone 223-0755, São Paulo, capital. — Defesa dos vendedores ambulantes. Profissionalização do paraplégico “A Quinta Roda”. Av. Heitor Penteado, 1739/171. CEP 262-3456, São Paulo, Capital. Fundação para o Livro do Cego no Brasil. Rua Diogo de faria, 585 — São Paulo, Capital. Endereço do Movimento pelos Direitos das Pessoas deficientes: Rua Joaquim Antunes, 611/53, fone 284-5493, CEP 05415, São Paulo, Capital. Página 10
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Contém foto em preto e branco de homem pintando a lateral de um prédio, com a segurança de uma corda. Legenda: “A Previdência Social só paga a reabilitação em caso de acidente de trabalho”. A comunidade tem responsabilidade em relação ao deficiente físico, mesmo que ele não produza “Estamos falando de gente, não de tijolos”. Para o professor Doutor Fernando Boccolini, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Física e Reabilitação, “já é hora de deixar de tratar o deficiente físico como um simples tijolo, uma peça produtiva facilmente substituível, e passarmos a tratá-los como um ser vivo”. Nesta entrevista ao repórter João de Barros, Boccolini fala de suas experiências, analisa a situação brasileira e diz temer, neste Ano Internacional do Deficiente, “a ação dos políticos que empunha bandeiras coloridas de esperança em troca de promoção pessoal”. FOLHETIM – Qual o panorama do deficiente, sua situação, no Brasil? BUCCOLINI – O panorama geral do deficiente em todo o Brasil não é animador. Na realidade não se tem nenhum dado estatístico correto para se saber, pelo menos com uma aproximação aceitável o número de deficientes que existem e que precisam ser tratados. Todos os dados que atualmente são fornecidos por jornais, revistas e outros meios de comunicação e devem ser interpretados com certa cautela, pois não exprimem absolutamente a realidade. Nas cidades de maior porte, já existem centros de reabilitação, uns mais completos, outros mais rudimentares, que dão uma assistência total, embora às vezes precária, às pessoas que deles necessitem. São Paulo, que é um gigante, dispõe em sua Capital de grandes Centros de Reabilitação que atendem adultos e crianças. Estes Centros pertencem a entidades privadas e podem ser citados facilmente: Associação de Assistência à Criança Defeituosa, Lar Escola São Francisco, Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e o Serviço Social da Indústria com três grandes Centros de Reabilitação: Santo André, Ipiranga e Vila Leopoldina. O Hospital das Clínicas da Universidade de são Paulo mantém um Serviço de Medicina Física. Existem ainda Centros Especializados tais como o da Fundação para o Livro do Cego no Brasil, o Centro de Reabilitação de Hansenianos e um Centro de Reabilitação para Tuberculosos, parcialmente desativado. Um sem número de pequenos centros particulares existem que cuidam mais do aspecto físico e não são acessíveis a pessoas desprotegidas. Destaque especial merecem os centros de reabilitação profissional do INPS existentes em várias capitais do País que se restringem porém a pessoas acidentadas no trabalho – não trata de incapacidades resultantes de moléstias ou em pessoas que tenham tido acidentes ou moléstias fora do trabalho. Em outros Estados brasileiros, o panorama não é muito diferente: uns mais outros menos, existem centros que as vezes não são eficientes nem suficientes. Em outros países do mundo, especialmente aqueles que foram flagelados duramente pelas guerras, o atendimentos a deficientes é muito mais completo e numeroso pois os governos se viram obrigados a tratar com seriedade e eficiência os veteranos de guerra, a quem os mesmo governos devem assistência. Utopia brasileira. FOLHETIM – Qual a imagem que normalmente se faz de um deficiente? BUCCOLINI – A educação do povo com relação a deficiência física e mesmo mental, não existe entre nós. Para nós, um deficiente é um aleijado sem serventia alguma: falar em reabilitação de um acidentado com defeito físico, parece utopia em um País cuja mão de obra sobra e é barata. Não se considera o elemento homem como fator principal e primordial a ser reaproveitado. Lembramos uma máxima usada durante a guerra que “vale muito mais um piloto com um salário relativamente alto do que um avião muito mais caro, chegando a casa dos milhões de dólares” – um avião se faz em série e a vontade: um piloto experimental é muito mais difícil de se fazer. Nosso governo até agora não tem tomado nenhuma providência completa e enérgica ou pelo menos eficiente neste campo. Existem leis, existe barulho, mas resultados mesmo, não se vê em parte alguma. Na verdade, a reabilitação tem servido muito a políticos menos leais que, empunhando bandeiras coloridas de esperança, apenas buscam sua promoção pessoal para obtenção da simpatia e votos eleitorais do público. FOLHETIM – O “Ano Internacional das Pessoas Deficientes” pode alterar o quadro? BUCCOLINI – A atual campanha que se desenvolve com a denominação de “Ano Internacional do Deficiente Físico” é meritória e desejável. Vai chamar a atenção para os problemas desconhecidos do grande público, que ficará assim sabendo da realidade das coisas – meio caminho andado para se obter cooperação. Serve também para sensibilizar governos para que ajudem efetivamente na solução ou na ajuda devida aos deficientes. Ela será bandeira brilhante e cheia de esperanças, presa a um mastro alto e multicolorido que a colocará bem no alto de uma torre, para que possa ser vista por todo mundo. Particularmente a nós aqui no Brasil, o que nos está faltando na realidade, é uma torre sólida e compacta na qual possamos fincar este símbolo de esperanças. Atualmente estamos enfeitando e construindo o mastro, procurando desfraldar nossa bandeira, mas não estamos procurando saber quanto tijolos necessitaremos para construir esta torre que sem dúvida alguma será a base. Os tijolos desta torre de que falamos, simbolicamente representam o deficiente. Dados estatísticos completos devem ser obtidos por censo rigoroso, organizado e levado a efeito pelos governos federal, estadual e municipal para saber exatamente ou com uma aproximação bastante grande, quantos e quais deficientes precisarão ser atendidos. Como calcular e projetar atendimento representado por centros de reabilitação por tecnólogos para movê-los se não sabemos quantas pessoas precisam ser atendidas? A nosso ver urge que se projete e se execute um inquérito cuja unidade seja o Município, seguido pelo Estado e concluído pelo governo do País. Só assim teremos a certeza de que está bandeira de esperança presa a este mastro refulgente, não ficará encostada a um canto escuro de um ministério qualquer, mas certamente tremulará no alto desta torre construída com o rigor matemático que a engenharia requer para a solidez de sua estrutura - nem grande demais nem excessivamente pequena. Não devemos nos esquecer de que o acidentado ou o portador de defeito físico não é um simples tijolo mas sim um ser vivo que, privado do seu “status” por um defeito sério e grave, privado do direito de trabalhar, tolido por barreiras arquitetônicas quase insuperáveis, dependente de seus familiares a quem de início sustentava, espera nosso atendimento e compreensão para poder ocupar seu lugar na sociedade como qualquer ser humano “normal”. Suas frustrações, desilusões e preocupações deverão merecer da comunidade em que vive, não piedade, nem caridade, mas sim compreensão e ajuda moral para que possa, novamente sentir-se gente. Apenas para acidentes no trabalho O tratamento médico de um acidentado grave ou de qualquer deficiência física provocada por doença é feita pelo Inamps, em termos de assistência previdenciária. O INPS paga as diárias do segurado e caso ele registre seqüelas que o impedem de retornar à sua profissão, o paciente é submetido a uma perícia médica que determina sua invalidez ou capacidade de recuperação para o trabalho. Assim o deficiente fica aposentado pelo INPS ou passa pela reabilitação profissional do mesmo instituto. Na verdade, só os muito velhos com outras patologias são classificados como inválidos, também em função do mercado restrito de trabalho. Se não é caso de reabilitação, o paciente fica no Inamps. E se vai para o INPS, não pode contar com piscina, por exemplo, uma vez que a entidade não mantêm convênio com instituição bem equipada como o Sesi. Existe apenas um convênio, para deficientes visuais. O tratamento fisioterápico do serviço de reabilitação do INPS objetiva o fornecimento de condições de reeducação do segurado, no sentido de torná-lo capaz de trabalhar os deficientes fazem ginástica, exercícios e massagens para o desenvolvimento muscular, aplicações de aparelhos antiinflamatórios, aprende a andar em barras paralelas, é instruído a colocar e usar uma orótese no caso de mutilações. Há ainda forno de Bier, banhos de parafina, massagens no turbilhão, e aparelhos de ondas curtas e ultra-som. O problema, é claro, começa antes disso. Como o INPS hoje só cuida dos benefícios, onde está incluída a reabilitação, cabe ao Inamps a assistência médica propriamente dita. E não é qualquer segurado que pode recorrer ao INPS, mas apenas aqueles que são vítimas de acidentes de trabalho. Um acidente de trânsito grave, coisa bastante comum, não dá direito à reabilitação. A não ser que o paciente esteja em serviço. Se algum segurado perder a perna num passeio, só pode contar com o INPS para pagamento de suas despesas no Inamps. A prioridade é do acidentado de trabalho e nesse caso o atendimento do INPS é bem abrangente, incluindo doenças como dermatite de contato no item deficiências físicas. Em caso de acidente de trabalho o INPS paga inclusive auxílio acidente permanente através da perícia médica, independentemente do salário que o trabalhador venha a receber por outro trabalho, mas para receber o auxíliuo precisa ficar comprovada a necessidade de mudança de profissão No INPS os que precisam aprender uma nova profissão em função de uma deficiência contam com uma equipe multidisciplinar composta de médico, enfermeiro, psicólogo, sociólogo, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e da palavra, e professores, tanto de ensino básico para alfabetização como de ofícios. Os deficientes passam o dia todo no Instituto e têm transporte para casa. Recebem alimentação, medicamentos, instrumentos de trabalho e próteses, se for o caso. Só no primeiro trimestre do ano passado o centro de reabilitação do Ipiranga gastou quase 3 milhões de cruzeiros. O material, caríssimo, é todo importado. A previsão orçamentária para próteses para esse trimestre é de 8 milhões de cruzeiros, que serão aplicados no centro do Ipiranga e nos centros das cidades de Santos, Campinas e Bauru. Segundo funcionários do INPS que trabalham no setor, a maior dificuldade não é de verba, mas de pessoal. É que há poucos técnicos habilitados ao tratamento de deficientes, e a empresa privada paga melhores salários que a entidade previdenciária. E o volume de trabalho é bem grande, dizem os funcionários, uma vez que o técnico, além de saber uma profissão, tem que ensiná-la e saber tratar com deficientes. Um bom torneiro, por exemplo, prefere trabalhar numa fábrica. Mais de três mil deficientes foram submetidos à reabilitação profissional pelo INPS só no primeiro semestre de 1980. Quase metade conseguiu recuperação para o trabalho, mas a grande maioria em funções menores do que as exercidas antes do acidente. Alguns abandonaram a reabilitação. Outros, em maior número, constam no relatório como casos encerrados por outras complicações de saúde, paralelas à deficiência principal. (V.A.) Página 11
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Ilustração em preto e branco. Homem com chapéu, máscara e nariz de palhaço, sem os antebraços, escreve com caneta tinteiro num papel sobre um tripé. Vários homens com paletó e gravata observam. Assinado por Petrucio. O pequeno comércio ambulante garante a sobrevivência de uma minoria marginalizada Olha o rapa! por João de Barros Logo cedinho, após aquecer o peito com um cafezinho feito pela patroa, José Roberto Nascimento, 30 anos, vendedor de bijouterias toma assento em sua máquina, uma surrada cadeira de rodas, e qual um piloto motorizado desliza seu automóvel pelas ruas e avenidas que separam o Bairro do Limão da Praça do Patriarca, no centro da cidade. Quase ao mesmo tempo, o pernambucano Manuel Jacinto de Oliveira, 25 anos, deixa a pensão onde mora, no Largo Coração de Jesus, Campos Elíseos, auxiliado por um colega de quarto que o conduz até o ponto de ônibus. Com um pouco de sorte ele conseguirá um banco vazio na condução – às vezes alguém cede o lugar – caso contrário Mané terá de ajoelhar-se num canto qualquer por quinze minutos, tempo que normalmente demora para chegar ao centro da cidade. Lá, seu ajudante José Antônio o espera com a banca improvisada sobre a cadeira de rodas. José Roberto e Manuel Jacinto, ambos vítimas de paralisia infantil, trabalham a menos de duzentos metros um do outro e se conhecem apenas de “oi”, “oba”, “tchau”. Mas, há outras inúmeras identidades entre eles. No trabalho, por exemplo, padecem do mesmo problema: perseguição da Prefeitura. Os dois já batalhavam bastante uma licença com o administrador regional da Sé, Vitor Davi, mas até agora nada. Aconteceu até uma “coisa incrível”, diz José Roberto: - A prefeitura, mesmo sabendo que sou deficiente e tenho dificuldade de locomoção, concedeu-me licença de ambulante, o que quer dizer que eu não posso desfrutar de um “ponto” para o meu comércio. Em outras palavras: querem que eu circule com a minha cadeira de rodas pela cidade. Já pensou eu pilotando a “máquina” em plena rua Direita apinhada de gente? Olha o chaveiro e cuidado com o rapa! Jacinto teve ainda sorte pior: não deram licença alguma. Por isso, quando chegam os fiscais o sufoco é enorme porque muitas vezes o plano de emergência bolado por ele para tais ocasiões – que é sigiloso – não dá certo. Quando isso ocorre o jeito é pagar a multa da Prefeitura se quiser continuar a profissão para a qual foi empurrado após sucessivas negativas das empresas em contratá-lo para uma função burocrática qualquer. Sem alternativas, longe dos pais que o abandonaram com uma tia aos 12 anos de idade, ele se viu obrigado a vender doces na Praça da Sé. E se tornou um “verdadeiro comerciante”. - Olha o chaveiro gravado. É só setenta o chaveiro gravado. Com José Roberto aconteceu de maneira diferente. Há nove anos atrás, depois de freqüentar muito a quadra da Escola de Samba Mocidade Alegre do Bairro do Limão, Zé Roberto arriscou “um passo importante na vida”. Chegou perto da “bela Wilma” e, sem titubear, arriscou: - A gente precisa sair dessa e casar, juntar os trapos, enfim, fazer alguma coisa. - É pra já – respondeu ela com convicção. José Roberto sabia que o amor dos dois era coisa séria porque já transavam há algum tempo “numa boa”. Porém, uma resposta assim, tão incisiva, o desconcertou. Não que ele não quisesse viver com ela. Queria e muito. Mas aquele “é pra já” lançou uma dúvida terrível em sua mente: “Será que eu quero isso mesmo?” Querendo ou não, não havia escapatória. Ele sempre acreditou que “quem pergunta quer resposta, seja ela qual for”. E se a resposta era um sim, e ele havia tomado a iniciativa de pedi-la em casamento, já não podia vacilar. Marcou o casamento para pouco tempo depois. Teve que dar um duro danado e vender bilhetes adoidado pelas ruas para equipar uma minúscula casa no bairro mesmo. E que felicidade aqueles primeiros meses de casório. Era amorzinho daqui, queridinha pra lá. Um ano depois pintou uma criança para aumentar a satisfação. Entretanto, com o passar dos anos, a chama inicial daquele amor foi-se apagando, “principalmente por problemas financeiros”. Até que depois de oito anos juntos, Wilma, com a mesma segurança de uns anos atrás, desabafou: - Vou me mandar. Acho que não dá mais para a gente viver junto. A partir de hoje, cada um na sua E desapareceu José passou um tempo numa fossa danada embora soubesse que a vida entre os dois estava se arrastando. E resolveu tocar a bola pra frente, “mas avancei nem até o meio-campo”. - Eu estava tranqüilo, trabalhava normalmente não esquentava muito a cabeça. Aí apareceu a maravilhosa Nair, uma mulher extremamente compreensiva, legal, que conseguiu me amarrar. Mendigos ou explorados? Com a nova parceira, José Roberto já está há dois anos em “perfeita harmonia” porque “ela trata muito bem o filho do primeiro casamento, sem falar, lógico, do nosso bebê que é uma graça”. Jacintho, por sua vez, é mais arredio. Sem dúvida, tímido. Não gosta muito de falar da sua vida sentimental e garante que “vive apenas para o trabalho”. Lazer, só televisão. - O diabo – conta Jacintho – é que os vinte mil cruzeiros que ganho por mês estão contados. Nunca sobra nada. Quando sobra a gente tem que pagar as multas da prefeitura porque não consegue um meio de regularizar a situação. - “Temos direito ao trabalho” – esbravejam os dois que, embalados, aproveitam a oportunidade para criticar o “tratamento dispensado aos deficientes físicos do País”. - Nós enfrentamos o trânsito perigoso, não dispomos de alguns serviços indispensáveis – passarelas, telefones etc – e somos tratados como seres inúteis pelas autoridades. Tudo isso sem falar que a assistência médica dispensada aos deficientes é, por incrível que pareça, muito pior que àquela dispensada aos demais brasileiros. Por isso, embora permaneçam céticos em relação ao que possa vir a acontecer neste ano Internacional da Pessoa Deficiente, eles esperam que a Prefeitura deixe de tratálos como “marreteiros”. Aliás, o administrador Vitor Davi costuma dizer que “muitos dos que possuem um “ponto” para trabalhar no Centro acabam alugando as bancas para os exploradores profissionais”. - Isso – continua – sem citar os que, mesmo com ponto garantido, passam, além de vender seus produtos, a esmolar em praça pública, transformando-se em verdadeiros mendigos. Mendigos? Diz assustado Zé Roberto. “Ora, se eu tenho pouco é porque alguém está ficando com o meu” Os artistas sem mão A Editora dos Artistas Pintores sem Mãos tem apenas quatro associados – dois no Estado de São Paulo e dois no Rio de Janeiro. Mas não se trata de uma entidade sem importância. Funcionando desde 1962, a Editora faz parte de um movimento internacional de valorização do artista deficiente, daí sua vinculação à União de Artistas que Pintam com a Boca ou com o Pé (UAPBP), com sede na Suíça. É a UAPBP quem garante uma bolsa de estudo para todo associado da editora, que sobrevive graças à comercialização artística dos deficientes. E de nenhum outro tipo de auxílio financeiro, privado ou governamental. Na verdade, a Editora deposita algumas esperanças futuras no Estado, como explica a secretária Margarete Henrique Bastos: - Se nós conseguíssemos a isenção de impostos teríamos condições de abrir uma escola com professores para dar orientação. Então, os pintores de outros estados poderiam fazer estágio aqui. Mas isso é uma idéia para o futuro O artista O trabalhador autônomo em propaganda, Gonçalo Aparecido Pinto Borges é um dos associados da Editora. Ele começou a desenhar na Associação de Assistência à Criança Defeituosa, mas reconhece que foi a bolsa de estudo da Editora que permitiu seu desenvolvimento como artista. Aliás, estudar Arte nas escolas convencionais pode ser um obstáculo intransponível para um deficiente físico. Conta Gonçalo: - Quando a Editora tentou me colocar na Panamericana de Artes, eu fui fazer um teste e o rapaz disse: “Ele desenha mas não vai poder entrar, pois iria chamar a atenção dos outros e atrapalhar a aula”. Coisa mais imbecil. E eles queriam que eu fizesse o curso por correspondência! (Sandra de Souza) Página 12
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Eles são sete no Carandiru, duplamente presos: na cadeia e na cadeira de rodas Ilustração em preto e branco. No pátio de uma prisão, um homem em cadeira de rodas possui uma corrente em sua perna esquerda. Uma das rodas da cadeira de rodas é a bola de ferro da extremidade da corrente. Sobre o muro guardas fazem a vigilância. Duas vezes prisão, por José Paulo Fontes. Os deficientes físicos confinados a penitenciária do Estado, contam todas as histórias parecidas. Casos de enfrentamento com a polícia, de vítimas que reagiram de discussões e tiroteios na hora de dividir o dinheiro roubado. Um tiro na espinha, uma violenta pancada na cabeça, uma bala encravada no pulmão. Depois, a cadeira de rodas. Dos setes presos nessas condições – ou oito se contarmos aquele homem que chegou em dezembro e que fica de costas na cama, paralisado, consta que ainda com uma bala no pulmão direito – estão no hospital da Penitenciaria, todos eram homens fisicamente normais. Mas de todas essas histórias de violência, uma precisa ser contada. Não se pense que o personagem deste caso foi parar na cadeia sem maiores motivos. Ivan dos Santos, o personagem, hoje com 24 anos, deverá sair do presídio só daqui a vinte e tantos anos, caso cumpra pena integral. Ele foi preso por uns cavalarianos da PM, no Parque Dom Pedro, três dias depois do Carnaval de 1977, dentro de um ônibus. É ele quem conta. - Eu vinha de Santo André e estava indo para Vila Talarico, quando eles me pegaram. Dei azar, umas das minhas vítimas me reconheceu e me alcaguetou para os “homens”. Eu era foragido do Paraná, havia sido preso por assaltos, e me pegaram ali no ônibus, com as duas armas. Nem deu para reagir. Ivan foi levado para o 1° distrito policial, ali mesmo no parque D. Pedro. Ninguém sabia quem ele era. - Me puseram num pau-de-arara aí apareceu outra vítima e me reconheceu também. Quando os “homens” souberam quem eu era ficaram uma fera. Eles diziam que eu estava pensando que eu era mais esperto do que eles por não ter falado. E me puseram de novo no pau-de-arara. Ivan afirma que depois foi levado para o DOPS. Mais tarde para o DEIC, no Brigadeiro Tobias. - Fiquei na mão da policia uns 75 a 80 dias. E sempre no pau-de-arara. No princípio, eu ainda sentia as pernas. Um dia, não senti mais. Fiquei assim como sou hoje por causa daquelas torturas. Um homem revoltado, este Ivan. No começo de 1980 fez greve de fome, no presídio, por não concordar com as condições de tratamento, segundo ele. Por isso, foi “fechado”, de acordo com o jargão da cadeia. Ou seja, recebeu pena disciplinar: durante certo tempo, não pode sair da cela, para tomar sol com os outros. Ivan é o único preso deficiente do Hospital da Penitenciaria que trabalha. Ele costura bolas para uma fábrica. Para costurar uma bola, ele diz levar apenas duas horas. Se as remessas das fabricas forem boas, consegue ganhar uns dois mil cruzeiros por mês. Com esse dinheiro já conseguiu economizar 5.500 cruzeiros – ele pretende comprar um aparelho de fisioterapia. Mas eu gostaria era de cumprir pena em prisão domiciliar. Em casa posso trabalhar mais, contratar alguns moleques, costurar muito mais bolas, não depender só das remessas das fábricas. Se eu já estou preso na cadeira de rodas por que ficar na cadeia também? Presos na cadeia e na cadeira de rodas. Por que ficar na cadeia, também? Está questão é crucial, nos casos dos presos deficientes físicos. O próprio diretor da Penitenciária, doutor Bruno Irineu Vizotto, os define como duplamente presidiários da cadeia e da cadeira de rodas. Mas existe um entrave, digamos burocrático em tudo isso. Acontece que os presos estão divididos entre sentenciados e detentos provisórios. Os sentenciados pertencem realmente a penitenciária estão com sua situação carcerária ligada, diretamente aquele presídio. Já detentos provisórios, como a palavra define, não estão ligados burocraticamente a penitenciária. Não podem, por exemplo pedir transferência para algum albergue ou solicitar prisão domiciliar. Não podem nem mesmo trabalhar na cadeia. Dos presidiários deficientes apenas dois – e Ivan é um deles – são sentenciados. - De uns dois anos para cá, com a colaboração do Juiz Corregedor dos Presídios, Laércio Talli, conseguimos amenizar o problema dos presos deficientes, transferindo uns bons números deles para o regime de prisão domiciliar. A experiência tem sido boa, tanto que não tenho tido notícia de que eles tenham dado problemas lá fora. Pelo menos, dos que saíram nenhum voltou até agora. Esta afirmação é do diretor Bruno Irineu Vizotto. Ele concorda que o Hospital da Penitenciária não seja, realmente, o lugar ideal para os presos deficientes físicos. É verdade que no Hospital existe um serviço de fisioterapia, mas que não está inteiramente equipado para um tratamento que propiciasse o máximo de recuperação. - O ideal – continua o doutor Bruno – seria termos um local apropriado onde eles pudessem cumprir a pena. Um local dotado de todas as condições de fisioterapia. Esse lugar só não foi providenciado, talvez, por que o número de presos deficientes ainda não seja significativo. No Estado, não deve haver mais do que o número que temos na penitenciária, pois todos são enviados para cá. E os hospitais particulares por acaso não receberiam tais presos? - Eles não recebem – explica o diretor – evidentemente, por não querer ter em suas mãos um doente que, além de tudo , pode ser dotado de alta periculosidade. Estranhas, a situação penitenciária destes homens. Por não serem presos comuns, não podem ficar juntos com os outros sentenciados. Por isso ficam nas celas dos hospitais da cadeia. Mas lá acabam se transformando em outro problema, como explica o diretor da Divisão de saúde da Penitenciaria, Doutor Antônio Delfino Machado Neto. - Veja tivemos um preso deficiente que ficou dez anos aqui no Hospital. Durante esse tempo todo pode ser que ele tenha ocupado o lugar de um preso realmente doente, pois embora paralítico, seu problema era outro, de fisioterapia. Nosso tratamento de fisioterapia consiste em banhos quentes, massagens, mas claro que o hospital do presídio não é o local adequado para eles. No entanto, temos que mantê-los aqui, às vezes durante anos e anos. E eis que chegamos ao nó do problema dos presos deficientes físicos. Os hospitais particulares não recebem, não existe um tipo de prisão preparado para recebê-los, e no hospital da penitenciaria não há como tratá-los convenientemente. O que fazemos então com estes homens? Esta é uma pergunta que a não ser com a solução da prisão domiciliar, permanece sem resposta convincente. Bibi,o homem da canequinha. Mas voltemos ao hospital onde estão presos com problemas físicos. Ouçamos uma história famosa por aqui de um destes homens que passou anos e anos por aqui por estes lados da penitenciaria do Estado. Por sinal, hoje ele vive em prisão domiciliar, Bibi – digamos que esse seja este o seu apelido – tinha um estranho hábito. Ele ficava um tempo enorme curvado, olhando para uma caneca de metal que segurava com as mãos. Coisas de doente, diziam. E ninguém mais ligava para Bibi. De vez em quando acontecia da lata escapar de seus dedos e cair, fazendo barulho. Quando isso acontecia, os presos se agitavam em suas celas individuais. Mas logo aquele alvoroço passava e lá estava outra vez o homem contemplado a canequinha. Pois bem, um dia descobriram o motivo daquela agitação. Tratava-se de um sinal, o barulho feito por Bibi, comunicando aos presos a presença de algum funcionário. Em suas celas todos tratavam de esconder os cigarros de maconha. Hora do almoço. Claudio de Oliveira ou como todos conhecem esse preto, mirrado, baixinho, “Passo preto” se arrasta amparado no ombro de um funcionário para a sua cela. Impossível entender o que diz “Passo preto” (de “pássaro preto” aquele passarinho negro brilhoso). Contam que ele chegou a cadeia num estado deplorável. A metade da cabeça rachada.O homem ficou dias e dias em coma. Mais tarde, foi parar na cadeira de rodas. Reagiu e hoje não quer mais saber da cadeira. Só que praticamente perdeu a fala. Repare, também naquele outro negro, silencioso e forte numa cadeira de rodas. Os presos não souberam dizer seu nome. Mas a primeira coisa que se nota nele é um buraco fundo do lado esquerdo do crânio. Foi preso por estupro.Violentou uma menina mas foi descoberto. Levou uma tremenda surra que teve o crânio afundado. Depois disso, perdeu a voz, o sentido das coisas. É um vegetal sobre uma cadeira de rodas. Observe agora, Julmir Carlos Ferreira (branco, alto, 22 anos). Foi preso por assalto a um restaurante. O comerciante reagiu e acertou um tiro na espinha de Julmir. Seu parceiro de assalto conseguiu fugir, mas Julmir ficou paralítico. Solto passou a fumar maconha como nunca para esquecer aquela vida. A polícia o prendeu em flagrante com tóxicos. Mas o que não pode deixar de ser notado é o estado das cadeiras de rodas no presídio. Velhas cadeiras, algumas enferrujadas. Elas pertencem ao Estado apenas Claudio Rodrigues Dudu é o dono de sua cadeira. Mais nenhum outro preso. Assim quando saírem terão que deixar este instrumento na penitenciaria. Por isso eles pedem ao sairmos do hospital: - Faz um apelo para o pessoal para nos doar cadeiras. É só entrar em contato com a gente. - Dá uma força pra gente lá fora. E Romantiezer Feitosa dos Santos de 32 anos, ainda encontra tempo para dizer. - Eu até escrevi uma carta para o presidente da República, contando nossos problemas. Não sei se ele recebeu. Mas não recebi resposta até agora. Página 13
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A poliomielite não impediu que Alexandre Santos falasse com o mundo, como radioamador e radialista. Falando com o mundo, por José Paulo Borges Contém foto em preto e branco de Alexandre Santos. Legenda: Alexandre Santos, o melhor plantão esportivo durante dez anos. Pelo sim, ou pelo não é que o time de futebol dos meninos do Lar Escola São Francisco era mesmo um time de valentes. E olha que do goleiro ao ponta esquerdo eram todos meninos paraplégicos, fisicamente deficientes. Mesmo assim, não era lá um time de gostar de perder – do time dos meninos da rua. O mais engraçado acontecia em alguma dividida mais violenta entre os garotos “normais” e um dos internos do Lar Escola São Francisco. - O menino do time da rua logo pedia desculpas quando, sem querer, chutava um dos nossos na perna de pau. Ele nem imaginava que se doía, era nele mesmo. Memórias do senhor Antônio Hélio Spindolo, 39 anos, veterano de goleiro, do timinho do Lar Escola São Francisco. Antônio o quê...? Um cidadão anônimo, certamente. Mas se dissermos que esse Hélio Spindolo é um conhecido locutor esportivo da Rádio e Televisão Bandeirantes, Alexandre Santos, são a mesma pessoa aí sim tudo se esclarece. Mas a história de pseudônimo será contada logo em seguida. Por enquanto, basta que se recorde daquela tarde na fazenda São José, em São João da Barra, quando o menino Alexandre (fiquemos com o codinome famoso), então com 2 anos e meio sentiu-se mal. - Eu lembro que estava tentando pegar filhotes de uma porca, quando ela correu atrás de mim. Eu corri do chão quente do brejo para o frio do cimento. Depois falei para minha mãe que eu não estava bem. E não me recordo de mais nada. Era a paralisia infantil. Só na fazenda São José, das oitos crianças atacadas pelo mal – ainda não existia a vacina Sabin – apenas duas se salvaram. Fui tratado com o que chamavam de “banho de fumeração”, com ervas ferventes. Salve-me mas até ai pelos meus quatro anos eu era totalmente paralítico. Depois desta idade que eu pude me arrastar pelo chão. Mas nem por isso vou dizer que eu era uma criança infeliz. Fazia minhas traquinagens também. Certa vez Alexandre segurou com força o rabo de um bezerro e claro, foi arrastado pelo animal. Resultado: acabou batendo, vio lentamente, numa parede. - Minha mãe coitada, pensou que eu tivesse morrido. Na Escola. Em busca de um tratamento melhor para o filho paralítico, seus pais, os agricultores italianos Silvio e Maria Spindolo, mais os outros oitos filhos do casal, tiveram que abandonar a roça pela cidade grande. Em São Paulo, o velho Silvio trabalhou duro até internar Alexandre com 7 anos incompletos no Lar Escola São Francisco. - O Lar Escola é um trabalho muito importante, realizado pela sua criadora Maria Ecilda Campos Salgado, uma senhora que com o dinheiro de sua viuvez, montou uma instituição para deficientes físicos. Fui um dos seus cinqüentas primeiros alunos. Uma coisa que deixava o menino Alexandre louco da vida é quando ele chamava algum garoto que não fosse deficiente para a brigar e este, por causa do seu defeito não quisesse brigar. Para Alexandre, aquilo era mais que uma ofensa. - Preferiria brigar e não que sentissem pena de mim, pois era um menino com outro qualquer. O radialista sentiu na pele o drama do preconceito para com os deficientes físicos assim concluiu o primário no Lar Escola, e teve que procurar outro colégio. Num deles — um colégio de religiosos com certo nome na praça – foi recusado simplesmente, porque a escola prezava muito a sua tradição de fazer bonito nos desfiles. Assim não dava mesmo para aceitar aquele menino que com sua deficiência estragaria tudo na avenida. Finalmente foi aceito na Escola SENAI Roberto Simonsen. - Na época eu já gostava de locução. Imitava o Pedro Luiz irradiando nossas partidas de botão. Aí foi realizado um concurso para escolher o locutor do grêmio da escola. Eu me inscrevi e para minha surpresa, fui o vencedor. Não se pode dizer que a estréia de Alexandre – ou melhor, o desconhecido Antônio Hélio – numa festa da escola, tenha sido um sucesso. O rapaz tava tão nervoso que sua voz mal saía da garganta. Mas mesmo com o fracasso, ele persistiu. - Sou uma pessoa muito religiosa. Por isso pode ser coincidência ou não, mas depois fui a Tambaú, falar com padre Donizetti Lima, famoso pelas graças que consegue, topei com recorte de jornal que dizia: “Você quer ser locutor?” era o anúncio da escola de locução do professor Norme Pinheiro. Me inscrevi e depois de três meses já fazia locução em uma novela da rádio América como parte de uma espécie de estágio da escola. A Teimosia Valeu. O rapaz então foi procurar emprego na difusora. Lá o aconselharam a procurar emprego na Bandeirante. Justo a emissora onde brilhavam locutores como Edson Luiz, o Fiore Gigliotti. Dava para concorrer com esse pessoal? Mesmo assim fez o teste. Foi reprovado. Mas tarde na rua me encontrei com o Sergio Galvão e o Fiore. E não é que o Fiore me chamou pelo nome? Como ele havia me reconhecido, achei que devia voltar e fazer mais um teste. Sou uma pessoa muito persistente, teimosa mesmo. E quando eles me viram outra vez na emissora admiraram minha obstinação. Viram que eu queria trabalhar em rádio de qualquer maneira. Então para aprender me deram uma radioescuta. Depois fiz o plantão esportivo. Nesse ponto, Antônio Hélio Spindolo passa ser apenas um nome no registro de nascimento para dar lugar ao Alexandre Santos. E isso por que na época já havia outro locutor com o nome de Antônio Hélio. Escolhi Alexandre em homenagem ao meu irmão, falecido, e Santos por que contrai paralisia infantil justamente no dia de Todos os Santos. Isso a mais de 20 anos. E não demorou muito, seu nome passou a ser conhecido em todo Brasil. Durante dez anos, foi eleito o melhor plantão esportivo do país. Mas apesar do sucesso Alexandre Santos ainda ia conhecer outro tipo de preconceito. - Agora eu já ganhava um bom dinheiro, e resolvi que era hora de comprar um carro. Mas quem disse que as auto-escolas me aceitavam como aluno? Os instrutores não admitam que um deficiente físico pudesse dirigir. Alguns me aconselhavam a desistir. Diziam que eu jamais iria dirigir. Até por insistência minha consegui ser aceito numa auto-escola da Penha. (O locutor pede que se abra um parêntese em sua conversa. É que ele não poderia deixar de agradecer a um punhado de pessoas que o ajudaram em sua carreira. ”Gente que viu nele não um deficiente físico, mas o ser humano. Gente como o seu João Sayad, o Guga, o seu Samir, o Fiore, o Edson...” Com o que fechamos o parêntese) O Ídolo da Escola. Nas Festas e Comemorações do Lar Escola São Francisco, Alexandre Santos sempre aparece. E que o pessoal da escola o tem como ídolo. Exemplo até: - Lá estão pessoas com problemas maiores que o meu, mas que estão lutando para superá-los. Alguns me pedem “script” para que possa treinar e serem também gente de rádio um dia. Bem pelo menos eu sei que aqui na Bandeirantes eu sei que não existe nenhum preconceito em contratar deficientes físicos. Aliás hoje em dia neste meio de comunicação que é o rádio as coisas estão mais fáceis para esta gente. Quando comecei era mais difícil. Mas é evidente que prefiro citar nome dos lugares ou situações onde encontrei dificuldades. O locutor não gosta de comentar, mas contam-se algumas histórias a seu respeito. Pequenas histórias de preconceito e mesmo inveja. Como aquela do radialista, que certamente por não suportar o sucesso do Alexandre, tripudiava de sua deficiência física. Hoje essa pessoa sofre de uma terrível doença na garganta. Outro que desprezou o locutor – um funcionário subalterno – um dia teve um dos filhos com o mesmo mal. Mas é preciso que se contem duas ou três coisas mais a respeito deste homem. Fala-se por exemplo que Alexandre é um excelente nadador. Ele faz 50m em 36 segundos. Marca respeitável, como se vê. Ou então que dentro dos padrões aceitos de sucesso, ele só pode ser definido como uma pessoa bem sucedida. Basta que se mostre sua casa – esplendida casa - na fechadíssima Chácara Flora; nos seus dois carros e na sua bem sucedida carreira de publicitário. Mas não precisa comentar isso ai. Prefiro que se diga que tenho três filhos: o Mauricio de 8 anos, o Guilherme de 7 anos e a Ana Luiza de dois anos. E que os dois meninos são verdadeiros goleadores em seus times de futebol. Eles estão fazendo gols que eu não fiz e isso me realiza plenamente. Um dos seus caprichos foi comprar lá mesmo na Chácara Flora, um terreno só para os meninos jogarem bola. Às vezes Alexandre Santos volta a ser apenas Antônio Hélio Spindolo e joga também. No gol, naturalmente. Como nos bons tempos do Lar Escola São Francisco. Página 14
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O escritor André Carvalho, autor de “Menino Preso na Gaiola”, vê alguns perigos no Ano Internacional do Deficiente Físico Sem falsa piedade. “Se o ano servir para conscientizar a sociedade que o deficiente físico é muito mais marginalizado que o operário, o negro ou o semita ou ainda qualquer outro pária social, vamos conseguir momentos muito melhores”. A opinião é do jornalista, editor e escritor André Carvalho, ao falar sobre o ano Internacional do Deficiente Físico, instituído pela Organização das Nações Unidas. Deficiente físico e preso a uma cadeira de rodas durante sua infância e adolescência, André Carvalho acha que o deficiente “trai uma das coisas que o homem leva mais em consideração: o padrão físico”. E saliente que “o pobre agride a classe média ou a rica, num fato social, enquanto o deficiente agride a família num fato físico”. E lembra os padrões de beleza impostos pela sociedade até mesmo quando uma criança está fazendo alguma peraltice. A mãe repreende e tempo depois a criança pára. Ela logo diz “tá vendo como você é bonito, ao invés de dizer como você é inteligente”. Para André Carvalho, quando nasce uma criança deficiente, “a família se sente traída em suas expectativas mais íntimas”, pois todos – pais, tios, avós – estão condicionados a “esperar uma pessoa no padrão normal”. Daí sua afirmação de que eles são “os marginalizados de todos os marginais”. Aceitação. André Carvalho acha que a aceitação do deficiente físico deva se dar “no sentido mais amplo e irrestrito da palavra, condenando a abdicação dos pais à vida pelo filho deficiente”. A seu ver, essa é uma aceitação “pacífica e culposa”, quando eles deveriam “suprir naquilo que não podemos fazer”, pois o deficiente é uma pessoa diferente, mas não especial para merecer favores”. Daí ele destacar a necessidade de se incentivar os deficientes a encontrar “formas alternativas para resolver seus problemas”, como forma de viver o mais próximo do normal possível. E ressalta a força dada por seu pai, para que se sentisse normal, quando estava preso a uma cadeira de rodas: “Eu era presidente de um time de futebol e, em minha casa, faziam-se bailes e minha função era de discotecário”, conta o escritor, ressaltando que várias vezes “a cabeça é condicionada a não topar desafios”. Atualmente vivendo completamente integrado à vida produtiva e tendo a consciência exata de suas limitações físicas, não se recusando a falar sobre elas, André Carvalho confessa que “durante muito tempo só pensei que deveria viver da cabeça”. Essa situação o fez “neurastêmico e chato”. E reconhece que “estava fazendo um jogo, não me aceitando”. “Se todos os deficientes físicos conseguissem traduzir essa palavra – aceitação –, teria grandes resultados, mas essa tradução teria de ser ampla e irrestrita. Mentir para si, achando-se igual aos outros, é burrice.” Esse Ano Internacional do Deficiente Físico poderá tornar a situação do mesmo pior “na medida em que a pessoa for posta numa situação inferiorizada”, admite o escritor e jornalista. E salienta que isso poderá ocorrer caso não se tenha uma porta de saída. Do outro modo “o que se vai conseguir é mais falsa piedade”. (Fernando Magaldi). “O preconceito era meu” Maria Augusta Barbosa Matos, ou melhor, a poderosa Guta, diretora de Elenco da Rede globo de Televisão, não se considera uma deficiente física, tampouco conhece mais a fundo o problema que atinge 30 por cento da população brasileira. Vítima de um tombo aos quatro anos de idade, no qual quebrou a coluna, Guta prefere se definir – nesta entrevista a Maria Rosa Pecorelli – como alguém que traz apenas um defeito físico, mas que jamais deixou de trabalhar apesar das constantes e fortíssimas dores. Contém foto em preto e branco de Maria Augusta, sorrindo. - Eu me mantenho à base de analgésicos comprados nos Estados Unidos, pois não me submeto a usar o colete recomendado pelos médicos. Prefiro suportar a dor e ir fazendo operações de recuperação: há quatro anos, por exemplo, tirei um pedaço da tíbia para enxertar na coluna, pois estava com a medula exposta; há uns três anos, retirei um tumor ósseo. Isso tudo é conseqüência direta da má postura. No rádio, o seu grito de independência Segundo Guta, em nenhum momento de sua vida se sentiu rejeitada ao procurar trabalho e nem mesmo no tempo de escola, na cidade de Ribeirão Preto, onde nasceu. Ao Contrário, Guta acha que a grande preconceituosa era ela mesma, por receber uma superproteção da família. - Eles não deixavam que eu fizesse nada – lembra. Então, ao me formar no ginásio, já em 1945, decidi dar meu grito de independência. Contra a vontade deles fiz um concurso para a Rádio Clube de Ribeirão Preto (PRE-7), e tirei o primeiro lugar. Em seis meses, e tendo apenas 15 anos, ela passou de simples locutora comercial e pesquisadora da publicidade que entrava nos horários comerciais da emissora, a diretora de seu departamento. Ali se “criou” e, durante os 17 anos que passou na rádio, foi adquirindo experiência no ramo da publicidade. - Isso me deu muita força para lutar – diz ela, pois descobri que tinha uma cabeça perfeitamente equilibrada, e possuía condições de executar tudo o que desejasse. Assim, consegui me vencer, superando a timidez e chegando mesmo a fazer um programa de auditório. Nesta época, todos os anos eu recebia de três a quatro convites de agências de São Paulo para ir trabalhar lá. Relutei, até que em 1962 saí de Ribeirão para integrar a equipe da Lintas Publicidade Internacional. Na própria rádio a Guta conheceu o atual diretor superintendente da Globo, o Boni, então um simples funcionário da Lintas, que patrocinava alguns programas da emissora. Tornaram-se amigos e jamais se perderam de vista: só por “brincadeira”, na base da camaradagem. A Guta chegou a fazer contatos entre o Boni (já na Globo) e vários atores, promovendo encontros em sua própria casa. - Um dia ele me perguntou se não era melhor eu deixar de executar serviços para a televisão “de graça” – ri – e começar logo na Globo. Aceitei. Como houve um incêndio na emissora, em São Paulo, todos viemos para o Rio. A 2 de janeiro de 1970 já estava instalada aqui, e começava a dar andamento em minha primeira novela na direção da Divisão de Elenco: “Pigmaleão 70”. Atualmente são três novelas diárias, fora os especiais, “um trabalhão danado”. Verdadeira “mãe” para os artistas Do escritório da Guta saem todos os capítulos datilografados e mimeografados, chega toda a correspondência dos atores, são dados todos os avisos, desde a modificação do horário de gravações, seus locais etc., até a notificação de uma doença, um problema qualquer com alguém da equipe. A pequena Guta é uma espécie de “public relations” de um departamento (o artístico) que congrega 255 pessoas. Fora isso, depois de completada a escala principal dos papéis das novelas, coisas que ficam a cargo dos diretores, autores e dirigentes da empresa – “os homens do dinheiro, que dão a palavra final” – Guta escolhe os demais artistas. Ela sabe quem está parado, quem pode voltar ao vídeo para uma participação especial, se o ator está em casa ou viajando...e por aí vai. Enfim, uma tarefa que lhe toma o dia inteiro: - Chego às 8 e só saio às 7 da noite, mas ainda encontro tempo para cuidar do meu jardim, pois adoro mexer na terra. Talvez por nunca ter se casado ou podido ser mãe, Guta transfere todo o seu amor maternal para os atores. Estes, em grande maioria, aceitam isso com a maior naturalidade, e não tomam qualquer decisão sem pedir seu conselho ou opinião. Prática que, aparentemente, contradiz umas das histórias que circulam sobre ela, de que a Guta é uma mulher austera, agressiva e de difícil trato. - Como sou uma pessoa que sabe realizar bem o meu trabalho – explica – e até por temperamento, exijo muito dos outros. No trato com os artistas, a coisa fica diferente: procuro ajudá-los no que me é possível, pois acredito que é preciso ajudar ao próximo. Quantas vezes não fui buscar médico para um, fiquei com o filho de outro, aqui na sala, enquanto sua mãe gravava um capítulo? Agora, se o ator atuou mal, se está barrigudo, usando uma roupa ou um cabelo horríveis, então sou franca: dou-lhe logo um puxão de orelhas, reclamo, dou bronca. Porque só uma mãe tem coragem de dizer que seu filho não vai bem. Roberto Carlos e o preconceito alheio. A partir de 1972, depois de tornar-se cliente dos doutores Osvaldo Pinheiro Campos e Miguel Vieira, seus ortopedistas, e diretores da Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (a ABBR, no Rio), Guta passou a ter um contato mais direto com os deficientes físicos. As crianças, sua maior paixão (“sou mãe frustrada”), a comoveram. Desde então, ela costuma promover shows beneficentes para a entidade, que Guta sabe ser muito pobre, sem condições de dar uma boa assistência ao deficiente, principalmente às crianças com paralisia cerebral. - Em 1979, por exemplo – afirma – promovemos um espetáculo no Canecão, com a presença de vários artistas da casa, como a Ioná Magalhães, o Chico Anísio, o diretor de novelas Régis Cardoso, além de alguns cantores. O Roberto Carlos, que dizem jamais ter dado uma entrevista sobre o seu problema físico, fechou o espetáculo, e se propôs a participar de qualquer outro, quantas vezes forem necessárias. Sabe, tem muita gente preconceituosa nesse mundo, e vai ver que nunca chegaram para o Roberto Carlos e fizeram uma pergunta direta. Sem estar informada de dados estatísticos – “e só assim é que a gente pode afirmar alguma coisa – Guta parece preferir manter-se distante do problema do deficiente no Brasil. Enquanto não pega o avião que, ainda este ano, a levará à China, ela continua dando “sua pequena ajuda”, pedindo aos atores que doem quantias à ABBR, ou que as firmas dêem uma ajuda para o lanche das crianças da entidade. Página 15
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Contracapa. “Vira-lata, uma página que dá suas mancadas", com dez piadas alusivas à deficiência, sendo 6 delas na forma de charge e 4 na forma de texto. Charges, da esquerda para a direita: 1 - De Nilson: Jesus Cristo, em cadeira de rodas, carrega uma cruz e se depara com vários degraus; 2 - De Glauco e Laerte: Um rapaz em cadeira de rodas é paparicado pelos parentes "Filhinho, vai Toddynho?", "Quer desligar a TV?", "Qué balinha? Tem balinha!". O rapaz explode e grita "Chega!" e os parentes saem correndo. Ele diz "Quero ser tratado igual!". Os parentes voltam sentados numa cadeira de rodas "Toddynho?", "Balinha?"; 3 - De Jota: Um homem em cadeira de rodas é assediado por diversos jornalistas, enquanto isso, um homem afasta uma criança carregando uma caixa dizendo a ela: "Nem vem! Teu ano já passou!"; 4 - De Laerte: Toca a campainha e antes de atender, o homem olha pelo olho mágico. Ele vê um homem com um narigão. Quando abre a porta, vê que o narigão não era só um efeito do olho mágico; 5 - De Luscar: Uma pessoa em cadeira de rodas lê o aviso "Em caso de incêndio não use o elevador"; 6 - De Nilson: Um rapaz em cadeira de rodas toca piano, depois faz cálculos complexos numa lousa, e mais adiante faz uma escultura. Em todas essas atividades, ele é aplaudido por um homem. No final, esse mesmo homem, sentado atrás de uma mesa, diz para o rapaz na cadeira de rodas: "É! Competente você é mesmo! Acontece que a vaga de datilógrafo já foi preenchida, entende?". Piadas na forma de texto: De Benemar: 1 - "Deficiência física não influencia em nada. Delfim Neto, por exemplo, manipularia dados até se fosse maneta"; 2 - "Diante às dificuldades dos deficientes físicos o governo dá uma de João-sem-braço". De Nagao: 3 - "Depois do ano dos deficientes, tudo volta ao normal"; 4 - "O pior cego é aquele que faz vista grossa". Página 16 Legenda: Folhetim, nº 210, do Jornal a Folha de São Paulo, de 25 de janeiro de 1981. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Lia Crespo.
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CAPÍTULO
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A gênese do movimento da pessoas com deficiência: a fase heroica, as associações pioneiras e os líderes fundamentais Lia Crespo
Internacionalmente, a luta pelos direitos das pessoas deficientes tem mais de 50 anos de história, pois começou nos Estados Unidos e na Europa, depois da Segunda Guerra Mundial, com a volta dos ex-combatentes mutilados, e ganhou grande impulso a partir de 1960, com a luta pelos direitos civis.12 Embora, desde os anos 1950, existissem associações de pessoas deficientes que lutavam em defesa dos interesses dos próprios associados, considera-se que o movimento das pessoas deficientes, propriamente dito, começou em 1979/1980, quando a essas associações pioneiras aliaram-se as novas organizações, cuja característica marcante era a defesa dos direitos de todo o segmento social e não apenas de seus próprios membros. Nas palavras de Romeu Sassaki, ativista do movimento e consultor em inclusão: A mobilização paulista foi acionada por várias associações de pessoas com deficiências físicas e visuais que já existiam (como, por exemplo, AbradefAssociação Brasileira de Deficientes Físicos, AADF-Associação de Assistência ao Deficiente Físico, CPSP - Clube dos Paraplégicos de São Paulo, AdevaAssociação de Deficientes Visuais e Amigos, FCD-Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes, Sodevibra-Sociedade dos Deficientes Visuais do Brasil, Aide-Associação de Integração do Deficiente) e que, no passado, haviam atuado isoladamente, embora tivessem objetivos semelhantes: a luta pela sobrevivência elou a prática de atividades esportivas e socioculturais. (SASSAKI, 1979) . Mais informações em “The Disability Movement and Its History”, de David Pfeiffer, 1995, disponível no site http://www.independentliving.org/docs3/pfeiffer95.html, e “Disability Culture: Beginnings - A Fact Sheet”, de Steven E. Brown, disponível no site http://www.independentliving.org/docs3/brown96a.html, acessados em 1º/7/2009. 12
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No final dos anos 1970 e início dos 1980, a sociedade brasileira se mobilizava pela democratização do país e diversos setores tradicionalmente discriminados começaram a lutar por direitos e contra o preconceito. Inspiradas, sem dúvida, por esse momento histórico sui generis, as pessoas deficientes – até então, invisíveis para a sociedade – passaram a se organizar em um movimento nacional para reivindicar não apenas direitos e cidadania, mas, também, o reconhecimento de sua existência, numa sociedade mais inclusiva, ainda que não usassem exatamente esses termos. Estimuladas pelo momento histórico singular e atraídas por esse objetivo inovador, as associações já existentes se uniram às novas organizações, com o objetivo de formar um órgão em nível nacional para reivindicar direitos e denunciar o preconceito e a discriminação contra as pessoas com deficiência na sociedade. Assim, a partir de 1979/80, as associações pioneiras procuraram formar uma frente unida com as novas associações que começavam a surgir (como, por exemplo, NID-Núcleo de Integração de Deficientes, MDPDMovimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes, APDFB- Associação dos Paraplégicos e Deficientes Físicos do Brasil, Aparte - Associação de Paraplégicos de Taubaté. (SASSAKI, 1979)
Sem intermediários nem tutelas Das primeiras reuniões – realizadas, em 197913, na Associação de Assistência à Criança Deficiente14 (AACD), em São Paulo – participavam organizações de pessoas deficientes, indivíduos com deficiência não ligados a entidades, familiares e profissionais da área da reabilitação, geralmente, sem deficiência. (SASSAKI, 2003). Dentre os assuntos tratados, destacava-se a programação para o Ano Internacional das Pessoas Deficientes (1981). Conforme relato de Romeu Sassaki, o papel do Estado de São Paulo foi fundamental para a difusão do movimento: As primeiras reuniões desse movimento recém-nascido começaram no segundo semestre de 1979. Daí por diante, usamos todo o tempo disponível para preparar o conteúdo das reivindicações e as ações que seriam desencadeadas, nacionalmente, em 1981. Vinha gente de todo lugar para participar das reuniões em São Paulo. (...) Sem descartar o fato de que sempre houve líderes atuando isoladamente em outras partes do Brasil, São Paulo foi o primeiro Estado em que diversas pessoas e entidades se organizaram por um objetivo comum. A mobilização para valer, aquela que deu origem ao movimento, propriamente dito, 15 começou aqui em São Paulo, em 1979.
Nesses encontros, sentia-se e verbalizava-se o clamor pela mudança da mentalidade que a sociedade tinha dos deficientes. Nas palavras de Sassaki:
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. O penúltimo ano da Década da Reabilitação (1970-1980), proclamada pela Rehabilitation International.
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. À época, chamada Associação de Assistência à Criança Defeituosa.
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. Em entrevista para minha tese de doutorado.
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Até então, vigorava o paternalismo humilhante com relação às necessidades e potencialidades das pessoas deficientes. Até então, era comum que às pessoas com deficiência não fossem permitidos voz e voto nas pequenas e nas grandes decisões que afetavam sua vida. Por demasiado longo tempo, essas pessoas vinham sendo tratadas como se não fossem capazes de falar ou decidir por si mesmas sobre suas necessidades ou como se elas não tivessem a coragem de denunciar publicamente injustiças a que vinham sendo submetidas a título de constituírem uma minoria dentro da população geral. ( SASSAKI,1979)
Para Cândido Pinto de Melo, ativista representante do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes (MDPD), o movimento das pessoas deficientes foi resultado do anseio das pessoas com deficiência de assumirem, elas mesmas, seu destino. Chegara o momento histórico de romper com o passado injusto, a hora de desqualificar antigos tutores e porta-vozes, a vez de os cidadãos com deficiência “poderem ser eles próprios agentes de sua própria história e poderem falar eles mesmos de seus problemas sem se interporem intermediários nem tutelas”. (MELO, 1990)16 Para Araci Nallin, representante do Núcleo de Integração de Deficientes (NID), o movimento promoveu uma mudança fundamental no status assumido pelas pessoas deficientes e na perspectiva com que as questões que dizem respeito à deficiência eram percebidas pela sociedade: A mobilização das pessoas deficientes, no sentido de uma luta reivindicatória, é fato bastante recente na história de nosso país. Os grupos com esta característica começaram a surgir em fins de 1979 e início de 1980. Período que coincidiu com o início da “abertura” política que permitiu o debate de vários temas e a organização de diversos setores da comunidade. Antes deste período, a questão das pessoas deficientes era ligada à religião ou à medicina, e seus porta-vozes eram os religiosos e os profissionais de reabilitação. O assunto deficiência e deficientes era abordado com uma visão caritativa ou científica. A organização dos grupos com caráter reivindicatório significou que a direção e os objetivos de luta fossem assumidos pelos diretamente interessados: as pessoas deficientes. E a questão dos deficientes passou a ser tema também das Ciências Sociais. (NALLIN, 1990)17
Cenário político e econômico perverso Para Cândido Pinto de Melo, o cenário político e econômico adverso enfrentado, na ocasião, por toda a população brasileira e que era, especialmente, perverso para as pessoas com deficiência, também teve influência na formação do movimento, sua mobilização e seu objetivo de envolver amplos setores para transformar a sociedade. Assim, no final da década de 1970 e início dos anos 1980, surgia em São Paulo uma grande apreensão por parte dos portadores de deficiência mais conscientes frente ao agravamento da situação econômica do país e as consequências desta situação sobre o segmento dos portadores de deficiência. Esta apreensão foi se transformando em ações mobilizadoras e organizativas, contagiando portadores de deficiência, profissionais ligado à área 16
. Em documento lido e debatido durante o Encontro Paulista de Pessoas Deficientes, realizado em Jundiaí (SP), em 7 e 8 de abril de 1990, que avaliou os dez anos do movimento. 17
. Em documento lido e debatido durante Encontro Paulista de Pessoas Deficientes, realizado em Jundiaí (SP), em 7 e 8 de abril de 1990, que avaliou os dez anos do movimento.
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e algumas instituições de assistência aos deficientes e associações de deficientes existentes. O eixo principal desta ação era a necessidade de se ter uma ação política, e não assistencial, mais aglutinadora e de maior repercussão que levasse à mobilização dos portadores de deficiência e contagiasse as entidades que lhes prestam assistência, os órgãos oficiais e governos. (MELO,1990)18
Desse modo, enquanto, até o final dos anos 1970, as associações pioneiras não atuassem em conjunto com suas congêneres, as novas organizações já nasceram com caráter político, mobilizador e aglutinador. Sobretudo – ao contrário das suas antecessoras –, propunham a transformação da realidade em que viviam. Para as novas organizações, o grau de acessibilidade que apresenta e a equiparação de oportunidades que oferece a todos os seus cidadãos, incluindo aqueles com deficiência, são a pedra de toque de uma sociedade mais justa e civilizada. Para que esses objetivos específicos fossem atingidos, líderes e participantes do movimento cuidavam para que os debates e as decisões fossem cuidadosamente registrados. Essa documentação possibilitou o desenvolvimentos do discurso e da filosofia adotados pelo movimento e, principalmente, permitiu sua difusão às organizações não só de São Paulo, mas, também, de outros Estados. No dizer de Sassaki: desde as primeiras reuniões, sabíamos como era importante fazer anotações e escrever um relatório, o qual, depois, era copiado e distribuído na reunião seguinte. Isso era feito religiosamente. Nesse relatório, havia a divulgação de quem tinha estado presente, os assuntos discutidos e o que tinha sido resolvido na reunião passada. É muito bom falar e discutir, mas, é o registro que possibilita a evolução das ideias. Essa documentação funcionou como uma semente que foi levada por muita gente, para ser germinada na sua terra, no seu bairro, no seu cantinho. Foram o registro e a divulgação das ideias – depois, transformadas em filosofia, conceitos, princípios e até bandeiras de luta – que possibilitaram a mobilização, cada vez maior, de pessoas e entidades. (Romeu Kazumi Sassaki)19
Assim, “com o surgimento da voz coesa e firme dessa minoria oprimida”, cujo movimento se organizou em 1979 e teve seu auge em 1981, Ano Internacional das Pessoas Deficientes (AIPD), ficaram muito claras as reivindicações mais importantes e algumas das principais insatisfações. (SASSAKI, 1979) Dentre essas, sobressaíam a extrema dificuldade para se obter órteses e próteses e os serviços de reabilitação (física, profissional e social) que “não estavam atendendo às necessidades das pessoas com deficiência, nem qualitativamente (a cada pessoa) nem quantitativamente (a todas as pessoas). (SASSAKI, 2004)
Invisibilidade, saber e poder Até o início do movimento, era inquestionável que as instituições da área da reabilitação detivessem o saber científico sobre a deficiência, pois, como disse o filósofo Michel Foucault (1926-1984), em nossa sociedade, “a ‘verdade’ é centrada na forma do discurso
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. Em documento lido e debatido durante o Encontro Paulista de Pessoas Deficientes, realizado em Jundiaí (SP), em 7 e 8 de abril de 1990, que avaliou os dez anos do movimento. 19
. Em entrevista para minha tese de doutorado.
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científico e nas instituições que o produzem”. Era natural, portanto, que as instituições da área da reabilitação tivessem (e, de certa forma, ainda tenham) o poder conferido por esse saber, afinal, “poder e saber estão diretamente implicados.” (FOUCAULT, 2004) No entanto, também conforme Foucault, existe um “jogo complexo e instável”, no qual o discurso pode ser, ao mesmo tempo, instrumento e efeito de poder, e também obstáculo, escora, ponto de resistência e ponto de partida de uma estratégia oposta. O discurso veicula e produz poder, reforça-o, mas, também, o mina, expõe, delimita e permite barrá-lo.(...) Não existe um discurso do poder de um lado e, em face dele, um outro contraposto. (FOUCAULT, 2005)
E, porque “o poder se exerce em rede”, aqueles que estão submetidos ao poder também podem exercê-lo, pois eles jamais “são o alvo inerte ou consentidor do poder”. (FOUCAULT, 2002) Desse modo, não há um “fora” do poder. Onde há saber, há poder. Ao mesmo tempo em que sempre novos saberes nascem todos os dias, em nossa sociedade disciplinar20, novos sujeitos lutam contra as forças que tentam reduzi-los a objetos ou à invisibilidade. Ao se insurgirem contra aqueles que, historicamente, sempre falaram sobre e no lugar das pessoas com deficiência, ou seja, familiares, religiosos, cientistas, políticos, beneméritos e filantropos, em geral, mas, principalmente, os profissionais da área da saúde, os antigos “pacientes”21 fizeram a crítica do modelo de reabilitação vigente, quando colocaram em dúvida seu discurso e sua “verdade científica” sobre a deficiência. Assim, como nos ensina Madel Therezinha Luz, sem que suspeitassem e por ironia do destino, as instituições dedicadas à reabilitação gestaram, elas mesmas, outro saber, outro discurso. Pois, na verdade, se a história das instituições é a história do discurso dominante, do discurso da classe que detém o poder na sociedade, ela é também a história da resistência ao discurso dominante, a história da luta por outro discurso, pelo discurso de outros. (LUZ, 1979)
Assim, quando muitas pessoas “reabilitadas” pelas instituições saíram da invisibilidade, começaram a se organizar e a falar por si mesmas, dando início ao movimento social das pessoas com deficiência, ainda que relutantemente, a sociedade começou a perguntar às instituições que tipo “de saber vocês querem desqualificar (...), qual sujeito falante,(...) qual sujeito de experiência e de saber vocês querem minimizar quando dizem: ‘Eu, que faço esse discurso, faço um discurso científico e sou cientista?’” (FOUCAULT, 2005) E porque, segundo Foucault, o discurso é sempre um produto das relações de poder, portanto, produz saberes e constrói a realidade, as pessoas com deficiência começaram a mudar sua vida na sociedade brasileira a partir do momento em que passaram a falar por si mesmas e instauraram seu próprio discurso. 20
. De acordo com Foucault, porque é mais eficaz e econômico vigiar do que punir, na sociedade disciplinar, os indivíduos são distribuídos em espaços individualizados, classificatórios, combinatórios, isolados, hierarquizados, tais como família, escola, fábrica, universidade e, eventualmente, prisão, asilo e centro de reabilitação, desempenhando funções diferentes segundo o objetivo específico de cada um. . Não por acaso, para as instituições da área da reabilitação, as pessoas com deficiência são “pacientes”, cujo termo, conforme Foucault, designa o “supliciado”, que “é submetido a uma série de provas, de severidade graduada, e que ele ganha ‘aguentando’, ou perde “confessando”, vide em FOUCAULT. Michel. Vigiar e Punir. 21
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Desse modo, o momento histórico vivido pela sociedade brasileira e a insatisfação crescente das pessoas com deficiência (especialmente, aquelas que tinham sido “reabilitadas” pelas instituições, até então existentes) combinaram-se para que o movimento eclodisse, Simultaneamente, em diversas cidades do País, de início sem nenhuma comunicação ou coordenação entre os grupos. Porto Alegre, Curitiba, Rio de Janeiro, Recife, São Paulo, Salvador, Brasília, Ourinhos e outras cidades registraram a presença de movimentos organizados por pessoas com deficiência que, uma vez estabelecida a comunicação entre eles, começaram a realizar frequentes encontros de âmbitos local, regional e nacional, para uma troca de ideias e tomada de decisões. (SASSAKI, 2003)
Associações pioneiras e intrépidos líderes Para celebrar os 30 anos do Ano Internacional das Pessoas Deficientes (1981), este livro traz a narrativa de diversos ativistas que viveram a “fase heroica” 22 do movimento das pessoas com deficiência. Entretanto, antes que os autodenominados “jurássicos”23 nos encantem com suas memórias e sejam nossos guias nessa viagem no tempo, 30 anos atrás, é justo e essencial conhecer as histórias das associações pioneiras e os intrépidos líderes que antecederam o movimento das pessoas com deficiência, ao qual juntaram forças na primeira hora.
Clube dos Paraplégicos de São Paulo (CPSP)24
Imagem. Emblema do Clube dos Paraplégicos de São Paulo. Sobre um quadrado preto, círculo em azul contendo no centro uma foca amarela, com camiseta, sentada numa cadeira de rodas de basquete, rodopiando uma bola na pata esquerda. Em torno da figura, seguindo o traçado redondo lê-se “C.P.S.P. – Clube dos Paraplégicos de São Paulo”. Legenda: Emblema do Clube dos Paraplégicos de São Paulo.
22
. Ou seja, a primeira fase do movimento das pessoas com deficiência, numa analogia com as fases do Movimento Modernista. 23
. Em meados dos anos 1990, durante um seminário de capacitação em vida independente, promovido pelo Centro de Vida Independente do Rio de Janeiro (CVI-Rio), alguém, na brincadeira, começou a usar o termo ”jurássico” para se referir aos líderes que haviam começado o movimento. O apelido pegou e quase todos os antigos ativistas têm orgulho de dizer que são “jurássicos”. 24
. Mais informações no link http://www.cpsp.com.br/htm/historia.htm, acessado em 16/4/09.
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O Clube dos Paraplégicos de São Paulo (CPSP) foi fundado em 28 de julho de 1958, inspirado na Federação Internacional de Esportes de Stoke Mandeville, organização internacional pioneira no esporte em cadeira de rodas, criada em 28 de julho de 1948, pelo neurologista britânico Ludwig Guttman, considerado o “Barão de Coubertin” dos Jogos Paraolímpicos. Sérgio Del Grande, o idealizador do Clube dos Paraplégicos de São Paulo, nasceu em 12 de outubro de 1936, na cidade de São Paulo, onde sempre viveu.25 Filho de industriais italianos, Sérgio faleceu em 11 de maio de 2005. Enquanto viveu, foi a “cara” do CPSP. Em sua homenagem, foi criado o Troféu Sérgio Del Grande de Atletismo e Natação.26
Imagem. Foto colorida do Troféu Sérgio Del Grande, que consiste em retrato de Sérgio Del Grande com moldura dourada sobre parede de tijolos. Sob a foto placa com o nome de Sérgio. Sérgio veste terno marrom, camisa branca e gravata cor de vinho. No lado esquerdo do peito há o adesivo do Clube dos Paraplégicos de São Paulo. Sérgio sorri. Legenda: Trofeu Sergio Del Grande.
Aos 15 anos, Sérgio cursava o 1º Científico27 no Arquidiocesano28, tradicional colégio paulistano que só aceitava alunos do sexo masculino e no qual tinha ingressado aos 10 anos. A escola tinha quatro campos de futebol, nos quais os alunos faziam aulas de Educação Física. No dia 28 de outubro de 1951, um sábado, por volta das 16 horas, durante um treino de futebol, Sérgio bateu as costas na trave do gol, depois de cabecear uma bola. Naquela época, as traves feitas de madeira não eram cilíndricas, mas retangulares, tipo viga, com cantos que formavam quinas muito acentuadas.
25
. Mais informações, em http://www.cpsp.com.br/htm/historia.htm e http://www.centroruibianchi.sp.gov.br/sis/lenoticia.php?id=575. 26
. Mais informações no link http://www.cpsp.com.br/_homenageado.html, acessado em 16/4/09.
27
. Na época, havia o ensino primário (com quatro séries) e o ensino secundário, que era dividido em duas etapas: o 1º ciclo era o ginasial (com quatro séries) e o 2º ciclo se subdividia em clássico, científico e normal (com três séries). 28
. Mais informações no endereço http://www.marista.org.br/index.cfm?FuseAction=noticias.Detalhe&nNoticia=7040&unecod =2, acessado em 9/5/2009.
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Del Grande tentou voltar ao jogo, mas não tinha forças nem para chutar a bola. Trocou de roupa e conseguiu pegar o bonde para voltar para casa. Quando chegou, precisou de ajuda para subir os degraus da entrada e a escada para seu quarto, no segundo andar. No dia seguinte, já não ficava em pé. Renomados neurologistas, dentre os quais Renato da Costa Bonfim29, foram chamados e reunidos em torno de sua cama. Decidiram que Sérgio ficaria um mês internado no Instituto Paulista, do qual um dos médicos era diretor. Depois de um ano de fisioterapia domiciliar, Del Grande foi mandado ao Kessler Institute For Rehabilitation30, nos Estados Unidos. O trecho entre São Paulo e Rio de Janeiro foi feito num Douglas DC-331. Do Rio, Sérgio e seu pai embarcaram num Super Constelation, da Pan-Am32, com destino a Nova York, com escalas em Belém (PA) e Porto Rico. Após desembarcarem no Aeroporto de La Guardia (NY), enfrentaram, numa ambulância, os 100 quilômetros que os separavam da cidade de West Orange (New Jersey), local do centro de reabilitação, onde foram recebidos pelo próprio doutor Kessler. A viagem toda havia levado 24 horas. Orientado pelo instrutor, Sérgio aprendeu a usar um veículo adaptado, cedido ao centro de reabilitação por uma das grandes indústrias automobilísticas americanas. Meses depois, recebeu a licença para dirigir. No Instituto Kessler, a prática de esportes era parte indispensável do processo de reabilitação. Sérgio optou pelo basquete em cadeira de rodas, pois sua altura, 1,85cm, favorecia a prática dessa modalidade esportiva. Aos sábados, havia competições com outros institutos de reabilitação. Os internos também frequentavam restaurantes, boates, parques de diversões, cinema, partidas de basebol, lutas de boxe etc. Quando voltou para o Brasil, Del Grande trouxe com ele uma supermoderna cadeira de rodas dobrável e seu Chevrolet Bel Air 1956. O veículo era automático, com alavanca de mudança de marchas na coluna da direção e já veio adaptado para Sérgio. O mecanismo, depois, foi usado como modelo para que outros deficientes também pudessem dirigir no país. Por sugestão de Sérgio Del Grande, Renato Bonfim trouxe ao Brasil, para jogos demonstrações, os Pan-Am Jets, a equipe de basquete em cadeira de rodas, formada por funcionários com deficiência da empresa de aviação Pan-Am. Em novembro de 1957, os Pan-Am Jets se apresentaram duas vezes, em São Paulo, para um Ginásio do Ibirapuera lotado e uma vez no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. Na ocasião, o jogador americano Junius Kellogg33 sugeriu a Del Grande fundar uma equipe de basquete em cadeira de rodas. Kellogg foi o primeiro jogador de basquete afro-americano da
29
. Fundador da Associação de Assistência à Criança Deficiente. Mais informações no endereço http://www.aacd.org.br, acessado em 8/5/ 2009. 30
. Mais informações no endereço http://www.kessler-rehab.com, acessado em 8/5/ 2009.
31
. O Douglas DC-3 foi um avião bimotor para uso civil que revolucionou o transporte de passageiros nas décadas de 1930 e 1940. Mais informações no endereço http://pt.wikipedia.org/wiki/Douglas_DC-3, acessado em 8/5/ 2009. 32
. A Pan American World Airways, mais conhecida como Pan Am, foi a principal companhia aérea estadunidense da década de 1930 até o seu colapso em 1991. Mais informações no endereço http://pt.wikipedia.org/wiki/Pan_American_World_Airways, acessado em 8/5/2009. 33
. Junius Kellogg nasceu em 16 de março de 1927 e faleceu em setembro de 1998. Treinou os Pan Am Jets e o Brooklyn Whirlaways. Foi o principal treinador da equipe norte-americana de basquete sobre cadeira de rodas, durante os Jogos de Stoke Mandeville (1957, 1958, 1959, 1961), e do time americano de basquete em cadeira de rodas, na Paraolimpíada de Tóquio, em 1964. Foi alçado ao Hall da Fama da Associação Nacional de Basquete em Cadeira de Rodas, dos EUA, em 1981. Kellogg trabalhou durante muitos anos no conselho de administração da Associação de Veteranos Paralisados e para a cidade de Nova York, de 1966 até a sua morte em 1998. Recebeu o título de Doutor Honorário, da Faculdade de Direito de Manhattan, em 1997. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Junius_Kellogg e http://www.nwbahof.org/hofmembersDetails.cfm?ID=29 acessados em 8/5/2009.
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Faculdade de Manhattan, nos Estados Unidos. Em 1951, notabilizou-se por denunciar um esquema de corrupção nos jogos universitários de basquete, cuja investigação envolveu 32 jogadores, sete faculdades e 86 jogos, ocorridos entre 1947 e 1950. Depois de formar-se em Direito, em 1953, pela Faculdade de Manhattan, fez parte da equipe original dos famosos Harpem Globe-trotters34. Em 1954, sofreu uma lesão medular durante um acidente de carro e ficou paraplégico. E, então, tornou-se um entusiasta dos esportes em cadeira de rodas.
Imagem. Duas fotos lado a lado. Foto colorida de Junius Kellog jovem, antes do acidente que o deixou paraplégico. Nesta foto, Junius veste camiseta com escrito “Original - Harlem – Globetrotters”. Segunda foto, em preto e branco, Junius Kellog mais velho, com camisa e blazer esportivos. Em ambas as fotos, o atleta sorri. Legenda: Junius Kellog.
Para ajudar Del Grande na empreitada, Kellogg despachou de Nova York uma cadeira própria para a prática do basquete em cadeira de rodas. Sob a condição de que fossem doadas dez unidades à futura equipe de atletas deficientes, Sérgio permitiu que uma empresa copiasse e fabricasse esse modelo de cadeira de rodas. Del Grande buscou os futuros atletas nos centros de reabilitação da época em fevereiro de 1958, começou os treinamentos no Hospital das Clínicas (HC) de São Paulo. Com o apoio da Federação Paulista de Futebol e, principalmente, de Paulo Machado de Carvalho35, os Ases da Cadeira de Rodas – a equipe de basquete do futuro CPSP – se apresentaram, em fevereiro de 1958, no Ginásio de Esportes Baby Barioni.36
34
. Mais informações http://www.harlemglobetrotters.com/, acessado em 3/7/2009.
35
. Paulo Machado de Carvalho nasceu em 9/11/1901 e morreu em 7/3/ 1992. Em 1931, fundou a Rádio Record e a Associação das Emissoras de São Paulo. Ao lado de João Havelange, então presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), foi dirigente do futebol brasileiro, tendo sido chefe das delegações campeãs mundiais de 1958 (Suécia) e 1962 (Chile), o que lhe valeu o apelido de “Marechal da Vitória”. O Estádio do Pacaembu leva o seu nome desde 1961, como homenagem prestada pelo então prefeito Prestes Maia. http://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Machado_de_Carvalho, acessado em 8/5/2009. 36
. O Complexo Olímpico da Água Branca e o Departamento de Educação Física e Esporte (Defe) foram inaugurados em 1945. Recebeu esse nome em homenagem a Horácio G. Barioni, descendente de italianos, carinhosamente chamado de “Baby”, que foi militante desportista de “bola ao cesto”, cronista esportivo, incentivador e idealizador dos Jogos Abertos do Interior, oficializados em 1936, na cidade de Montes Altos. Mais informações no endereço http://www.sejel.sp.gov.br/baby/historia.htm, acessado em 8/5/2009.
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Imagem. Foto em preto e branco. Num pátio, cinco atletas treinam basquete em cadeiras de roda. Um deles bate a bola no chão. Ao fundo vê-se carros da década de 1950 e os blocos de andares do Hospital das Clínicas, de São Paulo. Legenda: Sérgio Del Grande treina basquete no HC.
Em 28 de julho de 1958, foi fundado o Clube dos Paraplégicos de São Paulo, com a presença, entre outros, de Paulo Machado de Carvalho, Vicente Fiola e toda a delegação de futebol que se sagrara campeã mundial, na Suécia, em 1958.(ARAÚJO,1997) Sérgio Del Grande também foi pioneiro na luta para que pessoas deficientes tivessem isenção de impostos na importação de veículos automáticos, sem similares nacionais. Seu empenho por uma lei nesse sentido começou durante a presidência de Jânio Quadros, passou pelo governo de João Goulart e acabou tendo êxito em 1965, no governo de Castelo Branco. E foi com seu irresistível Chevrolet Malibu, importado sem impostos em 1966, que Sérgio conquistou sua futura esposa, a Miss Mato Grosso Irene Aparecida Hotta, que havia ficado paraplégica num acidente com o Fusca que ganhou no concurso de beleza. Sérgio Del Grande se fez presente logo nas primeiras reuniões do movimento, realizadas em 1979.
Associação Brasileira de Deficientes Físicos (Abradef) Fundada em 1961, em São Paulo, a Abradef atuava em defesa, principalmente, dos interesses dos vendedores ambulantes que atuavam na cidade de São Paulo. Segundo edição especial da revista Abradef, relativa ao 1º Seminário Estadual da Pessoa Deficiente37 (publicada em 1985), David Pinto Bastos, 60 anos, era presidente da entidade desde 1968 e uma de sua s principais lideranças. David ficou deficiente aos 14 anos, quando perdeu parte do braço direito na oficina da Litografia Bonsucesso, que funcionava na Rua General Osório, em São Paulo. Ele tinha um banca de doces no Viaduto do Chá, em frente ao prédio da antiga Companhia Light.
37
. Nesse evento, foi criado o Conselho Estadual Para Assuntos das Pessoas Deficientes.
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Imagem. Foto colorida. Mesa com participantes de Evento. Legenda: Encontro de Deficientes Físicos, 1980. Da esquerda para a direita, Sérgio Del Grande, Vinícius Tavares, David Pinto Bastos, Evaldo Doin e Otto Marques da Silva.
Embora fosse mais dedicada aos interesses dos ambulantes, a Abradef organizou, nos dias 17 e 18 de janeiro de 1980, o 1º Encontro de Deficientes Físicos, na Câmara Municipal de São Paulo, no qual foram discutidos amplamente os direitos das pessoas com deficiência em geral. Em 1980, através de David e do advogado paraplégico Vinícius Andrade, a Abradef engajou-se imediatamente no movimento das pessoas com deficiência que começava. Com uma personalidade exuberante, não raro, David se envolvia em discussões acaloradas, durante as reuniões do movimento. Geralmente, os desentendimentos ocorriam porque ele defendia propostas que as lideranças mais “modernas” rejeitavam. Por exemplo, David defendia a gratuidade da passagem nos meios de transporte para deficientes e a criação de um incentivo fiscal para as empresas empregarem pessoas com deficiência 38. A maior parte das novas lideranças dava mais ênfase à acessibilidade física nos ônibus, trens e metrô e acreditava que o direito ao trabalho era inalienável e que o incentivo fiscal a empresas acabaria por incentivar o preconceito e aumentar a humilhação às pessoas deficientes. Numa reunião, realizada em 2 de agosto de 1980, que discutiu a estruturação do movimento em São Paulo, David se retirou do recinto, com seu grupo, depois de ter sido mandado “calar a boca” por Zé Maria, da Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes (FCD). O incidente gerou uma discussão “filosófica”, no movimento. Rui Bianchi do Nascimento 39 fez um alerta “para o fato de que David, assim como outras pessoas que estão em situação financeira ou cultural menos favorecida do que a maioria das pessoas que compõem o Comitê40 sentem-se, de certa forma, como se nós as estivéssemos deixando à margem das decisões, menosprezando suas ideias e negando-lhes o direito de falar”. Cândido Pinto de Melo
38
. Conforme entrevista publicada na edição especial da revista Abradef já citada.
39
. Mais informações no endereço http://www.centroruibianchi.sp.gov.br/, acessado em 28/6/2009
40
. Ainda se discutia que nome o movimento de São Paulo teria. Naquele momento, nós o chamávamos de “Comitê”.
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argumentou que o correto seria “dar ênfase às coisas que nos unem e nos tornam iguais, independentemente, de condição financeira ou intelectual.” Evaldo Doin propôs que se votasse uma “moção contra as reações intempestivas de David”. Zé Maria se desculpa por ter mandado David “calar a boca” e vota contra a moção. No final, foi aprovado que Romeu Sassaki procuraria o presidente da Abradef para prestar-lhe “sua solidariedade, assim como a do Comitê”, permitindo que David pudesse “desabafar e voltar às boas conosco.” Nessa reunião, o movimento de São Paulo aprovou a decisão de tentar “influenciar os organizadores do Censo 80 a levarem em conta a existência de pessoas deficientes”.41
Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes (FCD) Agora chamada Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência, a FCD é um movimento internacional que teve origem, em 1945, na França. Chegou ao Brasil somente em 1972, por intermédio do jesuíta Vicente Ma sip, criador do primeiro núcleo em São Leopoldo (RS). Em dezembro de 1977, a FCD chegou a São Paulo, por intermédio de Maria de Lourdes Guarda – considerada um símbolo da luta em defesa dos deficientes –, e espalhou-se rapidamente pelo país. A FCD se autodenomina um “movimento popular, leigo e ecumênico de doentes e deficientes” e “identificado com a missão evangelizadora que Cristo anunciou” 42. Maria de Lourdes nasceu em 22 de novembro de 1926, em Salto (SP), e faleceu dia 5 de maio de 1996, em São Paulo. Sonhava ser freira, como havia feito sua irmã Leonor, que entrara para a Congregação das Filhas de São José e tornara-se irmã Conceição. Antes disso, contudo, precisava tratar de umas dores nas costas que a atormentavam. Os médicos consultados encaminharam-na ao Hospital Matarazzo. No decorrer de cinco anos, fez diversas cirurgias, cujo resultado – conforme prefácio escrito pelo companheiro de luta no movimento, o jesuíta Geraldo Marcos Labarrère do Nascimento, para o livro “Um quarto com vista para o mundo, a vida de Maria de Lourdes Guarda”, de Margarida Oliva e Guilherme Salgado Rocha (Edições Loyola, 1998) – foi a amputação acima do joelho direito, atrofia total da outra perna, extração dos ossos dos quadris, sonda vaginal permanente, parafusos na coluna, caneleta de gesso, também permanente, nas costas, da altura do pescoço até o joelho; gaiola de madeira, constante, sobre as pernas, para evitar que o lençol tocasse diretamente o corpo, dificultando a débil circulação sanguínea; separação da família e confinamento, quase total, por trinta anos, no quarto de um hospital.
Maria de Lourdes era uma pessoa tão especial que, no dia 9 de agosto de 1972, resolveu fazer uma festa para celebrar com amigos 25 anos da paralisia que a mantinha deitada numa cama do Hospital Matarazzo. Não se tratava de comemorar a deficiência, mas, a vida 41
. Os originais dessa ata, redigida por mim, fazem parte do acervo de Romeu Sassaki.
42
. Mais informações nos endereços http://cantinhoamigoespecial.blogspot.com/2009/03/fcd-de-sao-paulo.html, acessado em 16/4/2009; http://www.fraterbrasil.org.br/FRATERNIDADE.htm e http://www.entreamigos.com.br/textos/vidaind/aconpar.htm, acessados em 24/6/2009.
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plena de alegrias e realizações que ela conquistara para si. E, segundo padre Geraldo, ela havia decidido, doravante, dedicar-se a servir aos que dela se aproximavam. Passou a bordar para se sustentar e “acolhia a todos, do modo mais completo, carinhoso e absoluto (...), quando poderia ter amargado puro rancor contra Deus e o mundo.”
Imagem. Foto em preto e branco. Maria de Lourdes Guarda, deitada na maca, com um caderno aberto entre as mãos, sorri. Legenda: Maria de Lourdes Guarda, em 1980.
Segundo padre Geraldo, Lourdes, nesse estágio de sua vida, madura de coração e alma, ela saiu em busca de quem servir. Já não se contentou que batessem à sua porta, mas enfrentou o mundo, os caminhos e as distâncias. As pessoas avessas, as dificuldades brutais e os custos elevados renderam-se à sua frente. A Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes foi sua causa, sua bandeira, a quem ela deu a vida. (...) De penitenciárias a colônias de hansenianos; de favelas a acampamentos de sem-terra; de campos de futebol para ver seu time favorito (São Paulo) a cinemas e sorveterias; de shows do Roberto Carlos a passeatas de protesto nas avenidas mais movimentadas de San Jose da Costa Rica, na América Central; de celebrações diminutas, na casa de um abandonado portador de deficiência física, a concentrações de Corpus Christi, monumentais, de 100 mil, 400 padres, 12 bispos e o cardeal, na Praça da Sé (SP). Ela foi a tudo. Visitou, deu força, apoiou o que pôde, sem limites. (OLIVA,1998)
A FCD está espalhada pelo mundo todo e, de fato, é a única organização de deficientes que se faz representar, através de seus núcleos capilares, praticamente em quase todos os Estados e em grande parte dos municípios brasileiros. Tal como Sérgio Del Grande e David Pinto Bastos, Maria de Lourdes Guarda se engajou no movimento, logo durante as primeiras reuniões, em 1979, trazendo sua experiência de vida e luta para enriquecer a atuação dos novos pioneiros, os “jurássicos”.
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Na “fase heroica” do movimento O preconceito e a discriminação contra as pessoas com deficiência grassavam e não havia nenhuma acessibilidade arquitetônica. As reuniões e encontros envolviam sempre uma aventura pelo desconhecido ou pelo sobejamente conhecido cenário inacessível. Tomar um avião, um ônibus ou metrô, pernoitar num alojamento para atletas, convento ou quartel, usar o banheiro de um estabelecimento ou, simplesmente, atravessar uma rua eram atividades impossíveis, difíceis, desconfortáveis e, até mesmo, perigosas, que exigiam certa ousadia de quem usasse uma cadeira de rodas ou uma bengala branca. Por sorte, em sua maioria, os líderes eram ainda jovens e muitos foram os que colocaram em risco seus empregos, sua carreira acadêmica e, no limite, até mesmo, sua saúde e integridade física, para dedicar-se, abnegadamente, à luta pelos direitos das pessoas com deficiência. É impossível falar de todos eles e, muito menos, contar suas histórias, todas interessantes em suas singularidades e semelhanças. Alguns dos jurássicos estão meio “aposentados” do movimento. Outros continuam na “ativa”. Infelizmente, muitos já não estão entre nós.
Os “dinossauros” Otto Marques da Silva, profissional da área da reabilitação, participou das primeiras reuniões do movimento. Por ter trabalhado na Organização das Nações Unidas (ONU), recebia muitas informações e traduziu muitos documentos sobre o Ano Internacional das Pessoas Deficientes (AIPD). Foi consultor em Reabilitação, representando o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, na Comissão Estadual de Apoio e Estímulo ao Desenvolvimento do Ano Internacional das Pessoas Deficientes.
Imagem. Retrato colorido de Otto Marques da Silva. Em frente a um arranjo de flores, Otto, de terno e gravata, sorri, enquanto segura um troféu com a mão direita. Legenda: Otto Marques da Silva.
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Autor do livro “A Epopeia Ignorada: a pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje” (1987) e atualmente coordenador-geral do Centro de Referências Faster. 43 Heloísa Chagas é psicóloga. Ficou paraplégica aos 22 anos, em 1972. Fez reabilitação na Associação de Assistência à Criança Defeituosa (AACD), de São Paulo, onde trabalhou como psicóloga logo depois de se graduar, em 1976. Em 1979, coordenou o Setor de Psicologia.
Imagem. Foto colorida de Heloísa Chagas durante evento comemorativo dos 25 anos do AIPD. Heloísa olha sorrindo para o esqueleto de dinossauro (em madeira), símbolo do pioneirismo dos protagonistas do AIPD. Sua mão esquerda segura a para dianteira do dinossauro, que está em pé. Atrás de ambos, vê-se banner do evento. Legenda: Heloisa Chagas.
Em 1975, fez parte do primeiro time de basquete feminino em cadeira de rodas do Clube dos Paraplégicos de São Paulo. Participou das primeiras reuniões que dariam origem ao movimento social das pessoas com deficiência. Em 1996, fundou o Centro de Vida Independente de Curitiba, cidade onde ainda vive. Cláudio Vereza44 tem 57 anos e começou sua atuação pública no meio popular e nas Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s). Foi um dos pioneiros na luta em defesa de direitos das pessoas com deficiência, no Espírito Santo (ES). Suas atividades partidárias se iniciaram com a fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) no Espírito Santo, em 1980. Elegeu-se deputado estadual pela primeira vez em 1986, quando ajudou a elaborar a Constituição Estadual do Estado do Espírito Santo. Entre 1996 e 1998, presidiu a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa, que investigou a realidade do sistema penitenciário, e a Comissão Especial dos ex-presos políticos,
43
. Mais informações no endereço http://www.crfaster.com.br/apres.htm, acessado em 3/7/2009.
44
. Mais informações no endereço http://www.claudiovereza.com.br/, acessado em 20 de setembro de 2009.
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que apurou os atos praticados pelo regime militar no ES, no período de 1961 a 1979. Foi presidente da Assembleia Legislativa no biênio 2003/2004. Em 2006 foi reeleito para o seu quinto mandato de deputado estadual, com 33.726 votos.
Imagem. Foto colorida de Cláudio Vereza durante evento comemorativo dos 25 anos do AIPD. Cláudio posa ao lado do esqueleto de dinossauro (em madeira), símbolo do pioneirismo dos protagonistas do AIPD. Legenda: Claudio Vereza.
Izabel Maria Loureiro Maior é médica fisiatra, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental. Ativista do movimento de vida independente, foi a primeira pessoa com deficiência a comandar (2002-2011) a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (antiga Corde45), da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Fez carreira no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão desde janeiro de 2000. É professora, com mestrado, do Departamento de Clínica Médica (Medicina Física e Reabilitação) da Faculdade de Medicina da UFRJ, desde setembro de1984. É membro titular da Sociedade Brasileira de Medicina Física e Reabilitação, da Associação Médica Brasileira (desde 1981) e da Academia Brasileira de Medicina de Reabilitação. Foi conselheira do Conselho Nacional de Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (Conade/SEDH). É autora do livro “Reabilitação Sexual do Paraplégico e Tetraplégico” (Revinter, 1988).
45
. A Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde) foi criada pela Lei nº 7.853, de 1999. A função da Corde era implementar a Política Nacional para Integração da Pessoa com Deficiência, proposta pelo Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (Conade), órgão criado pela Medida Provisória nº 1799-6/99, formado por representantes de órgãos públicos e de organizações da sociedade civil eleitos por seus pares. Em maio de 2003 o Conselho, através da Lei nº 10.683, passou a ser vinculado ao Gabinete da Presidência da República por meio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos.
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Imagem. Foto colorida de Izabel Maria Loureiro Maior. Na parede de fundo vê-se parte de um banner, azul e branco, com a inscrição “Direitos da Pessoa com Deficiência”, tendo ao lado mapa do Brasil. Legenda: Izabel Maria Loureiro Maior.
Rosangela Berman Bieler sofreu um acidente de carro aos 19 anos, em 1976, e ficou tetraplégica. Dois anos depois, formou-se em Jornalismo, pela PUCRJ, e tornou-se líder estudantil. Foi Cofundadora do Centro de Vida Independente do Rio de Janeiro (CVI-RJ), organizou os encontros internacionais de pessoas com deficiência, DEF’Rio 92 e 95, dos quais participaram cerca de 3 mil pessoas representantes de 19 países.
Imagem. Foto colorida de Rosangela Berman Bieler durante evento comemorativo dos 25 anos do AIPD. Rosangela olha sorrindo para o esqueleto de dinossauro (em madeira), símbolo do pioneirismo dos protagonistas do AIPD. Atrás de ambos, vê-se banner do evento. Legenda: Rosangela Berman Bieler.
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Em 1997, organizou a Conferência Mundial sobre Mulheres e Deficiência nos Estados Unidos, que reuniu mais de 600 mulheres de 80 países. Em 2004, por sua atuação e contribuições significativas pelos direitos e inclusão das pessoas com deficiência, recebeu o prêmio Kessler Awards da Rehabilitation International (RI), entidade de prestígio mundial fundada em 1922, que integra 200 organizações filiadas em 90 países. Uma honraria concedida a apenas três pessoas a cada quatro anos. Rosangela fez mestrado em “Inclusão social das pessoas com deficiência”, na Universidade de Salamanca, Espanha. Vive em Nova York, onde exerce o cargo de assessora sênior da Seção de Crianças com Deficiência, Gênero, Direitos e Ação Cívica, da Divisão de Políticas e Práticas do Unicef. Messias Tavares de Souza tem 69 anos, é tetraplégico e mora em Recife (PE). Desde 1980, participa do movimento das pessoas com deficiência. Representou a região Nordeste na Coalizão Nacional de Entidades de Deficientes e coordenou a Organização Nacional de Entidades de Deficientes Físicos (Onedef).
Imagem. Retrato colorido de Messias Tavares de Souza.
Organizou o 1º Congresso Brasileiro das Pessoas Deficientes, realizado entre 26 e 30 de outubro de 1981, em Recife. Messias fez a defesa, na Assembleia Nacional Constituinte, da emenda popular para garantir os direitos das pessoas deficientes. Foi um dos iniciadores da Coordenadoria Municipal para lntegração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde-Recife). Foi presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Coned-PE) e membro do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (Conade/SEDH)46. Atualmente, é conselheiro suplente de ambos os órgãos.
46
. O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (Conade) foi criado para acompanhar e avaliar o desenvolvimento da política nacional para inclusão da pessoa com deficiência e das políticas setoriais de educação, saúde, trabalho, assistência social, transporte, cultura, turismo, desporto, lazer e política urbana dirigidos a esse grupo social. O Conade faz parte da estrutura básica da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (Lei nº 10.683/03, art. 24, parágrafo único). Mais informações no endereço http://www.mj.gov.br/conade/, acessado em 18/8/2009.
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Romeu Kazumi Sassaki é formado em serviço social, consultor de inclusão social com experiência profissional há 51 anos e especialista em assuntos de pessoas com deficiência (emprego apoiado, legislação, reabilitação profissional, educação inclusiva, empregabilidade, mídia). Pensador sobre as questões relativas à deficiência, Romeu é um dos mais importantes divulgadores das questões relativas às pessoas com deficiência, autor do livro “Inclusão. Construindo uma sociedade para todos” 47, além de outras obras e de inúmeros artigos sobre inclusão social, todos fundamentais aos estudiosos do assunto. Ativista do movimento em defesa dos direitos das pessoas com deficiência há 32 anos, Romeu esteve presente às primeiras reuniões, em 1979. Sempre com sua indefectível câmera, fotografou os participantes e fez anotações em todas as reuniões e todos os eventos a que esteve presente, sempre dando carona para diversas pessoas deficientes. Organizado, possui o maior e mais completo acervo sobre o movimento das pessoas com deficiência. Foi Romeu que conscientizou os militantes sobre a importância de fazer o registro dessa história impossível de ser contada sem ele.
Imagem. Foto colorida de Romeu Kazumi Sassaki durante evento comemorativo dos 25 anos do AIPD. Romeu sorri para o esqueleto de dinossauro (em madeira), símbolo do pioneirismo dos protagonistas do AIPD, e o cumprimenta com a mão direita. Atrás de ambos, vê-se banner do evento. Legenda: Romeu Kazumi Sassaki.
No andar de cima José Evaldo de Mello Doin foi professor de História, portador de sequelas de poliomielite e um dos primeiros e principais líderes do movimento em defesa dos direitos das pessoas deficientes. Foi dele a iniciativa para que o movimento pudesse se reunir, uma vez por mês, durante cerca de dois anos, nas dependências das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), em São Paulo, onde dava aulas. José Evaldo morria de medo de andar de avião, no entanto, várias
47
. O livro está em sua 7ª edição. Mais informações no endereço http://storewvaeditora.locasite.com.br/loja/produtos_info.php/manufacturers_id/2/products_id/4?PHPSESSID=fe39e999db75 0f7c4f900a2084876c8e, acessado em 11/7/2009.
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vezes, enfrentou sua fobia para participar das reuniões preparatórias para o Encontro Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes, em Brasília, em 1980. Numa dessas viagens, Romeu Sassaki me contou que Evaldo sentou-se ao seu lado. Romeu teve de segurar a mão dele o tempo todo, encorajando-o a aguentar a provação. Para vir de Franca a São Paulo, participar do evento comemorativo dos 25 anos do Ano Internacional das Pessoas Deficientes, em 200648, Evaldo – ao ver o avião na pista – foi tomado pelo antigo medo, rejeitou a passagem que havia recebido dos organizadores do evento e veio de táxi. Chegou como um ogro, fazendo mil exigências, mas, em pouco tempo, conquistou a todos. Sua palestra e seu discurso de despedida emocionaram a plateia de velhos jurássicos e novos militantes. Era grande amigo de Cândido Pinto de Melo (ver em seguida) e, quando soube de sua morte, sofreu muito. Evaldo iniciou sua formação superior na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Franca. Completou o curso de História na Universidade de São Paulo. Lecionou em várias universidades até transferir-se para a Unesp, de Franca. Obteve, em sua carreira universitária, os títulos de doutor e livre-docente. Publicou vários artigos em revistas especializadas e editou livros importantes para a pesquisa histórica nacional. Homem de vasta cultura humanística, Doin interessou-se pela literatura, e, sob o pseudônimo de “Jeval”, editou poemas de reconhecida sensibilidade. Filiou-se ao Partido Verde e participou das eleições parlamentares de 2006 como candidato a deputado estadual. Morreu na madrugada do dia 25 de abril de 2009, em virtude de câncer no pulmão.
Imagem. Foto colorida de José Evaldo de Melo Doin durante evento comemorativo dos 25 anos do AIPD. Evaldo finge estar com medo do esqueleto de dinossauro (em madeira), símbolo do pioneirismo dos protagonistas do AIPD. Atrás de ambos, vê-se banner do evento. Legenda: José Evaldo de Melo Doin.
Cândido Pinto de Melo nasceu em 4 de maio de 1947 e faleceu em 31 de agosto de 2002. Era presidente da União de Estudantes de Pernambuco, um braço da União Nacional
48
. Mais informações no endereço http://www.usc.br/nidb/noticias/seminario_aidp.htm, acessado em 14/7/2009.
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dos Estudantes (UNE). Por isso, foi perseguido e, em 28 de abril de 1969, sofreu um atentado em Recife e ficou paraplégico aos 21 anos. Cândido terminou o curso de Engenharia respondendo a processos pela Lei de Segurança Nacional (LSN), assistindo às invasões policiais nos hospitais e na sua casa, com os amigos e familiares sendo revistados, ameaçados e perseguidos. A vivência hospitalar levou-o a se especializar na engenharia biomédica. Tornou-se um profissional respeitado nessa área, compôs a equipe do doutor Jesus Zerbini e foi funcionário do Hospital das Clínicas, em São Paulo. Pouco antes de sua morte, Cândido tinha deixado o HC para assumir um cargo no governo de Pernambuco.
Imagem. Retrato colorido de Cândido Pinto de Melo. Cândido sorri.
Jamais se revoltou pela deficiência. Uma vez, ele me disse que, na hora em que foi baleado e caiu no chão, sabia que tinha ficado deficiente, mas que havia escolhido viver. No entanto, nunca se conformou com a impunidade dos responsáveis pelo atentado. Cândido foi pioneiro do movimento organizado das pessoas deficientes, em 1979, em São Paulo, e foi um dos mais importantes líderes do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes (MDPD).49 Robinson José de Carvalho nasceu em 20 de fevereiro de 1947, na cidade de Varginha, Minas Gerais, e faleceu aos 58 anos, em 16 de dezembro de 2005. Era médico ortopedista e cidadão honorário de Ourinhos, em reconhecimento aos serviços prestados ao município e pela atuação na vida pública.
49
. Mais informações no endereço http://www.torturanuncamaisrj.org.br/artigos.asp?Refresh=2008071603163072158429&Codartigo=25, acessado em 3/7/ 2009.
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Em 1975, tornou-se membro do Corpo Clínico da Santa Casa de Misericórdia de Ourinhos e lançou as bases da Associação de Assistência ao Deficiente Físico (AADF), importante entidade de Ourinhos. Incansável na luta, de 1979 a 1985, Robinson viajava de Ourinhos a São Paulo, infalivelmente, uma vez por mês, para participar das reuniões do movimento, no qual atuou sempre de forma ponderada, esfriando os ânimos, quando a situação ficava tensa. Por ironia do destino, no início dos anos 1990, seu sobrinho, Alexandre Baroni50, sofreu um acidente e ficou tetraplégico. Incentivado pelo tio, tornou-se um dos novos líderes do movimento. Robinson José de Carvalho foi um dos pioneiros na defesa das pessoas com deficiência, causa que abraçou até o final da vida.
Imagem. Retrato colorido de Robinson José de Carvalho. Robinson sorri.
Rui Bianchi do Nascimento nasceu em 4 de novembro de 1949 e faleceu em 6 de setembro de 2001, em decorrência de complicações de sua deficiência, Osteogenesis Imperfecta, conhecida como a doença dos ossos de vidro. Rui Bianchi teve mais de 23 fraturas em todo o corpo. Aos 15 anos, após passar oito anos tentando recuperar-se de uma fratura na perna esquerda, decidiu amputá-la. Cinco anos depois, amputou também a perna direita. Rui era graduado em Biblioteconomia e Editoração, pela ECA-USP, e, em junho de 2001, obteve o grau de Mestre em Ciências da Comunicação, na mesma universidade, com a dissertação “Visão parcial da deficiência na imprensa: Revista Veja (1981-1999)”. Rui trabalhou como bibliotecário da USP e do Município de São Paulo. Começou sua militância em 1980, na Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes e no Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes, do qual foi coordenador em 1980 e 1985. De 1988 a 1990, ocupou o cargo de coordenadorgeral da Organização Nacional de Entidade de Deficientes Físicos (Onedef) e representou o Brasil na Disabled People’s International Latino
50
. Mais informações no endereço http://sentidos.uol.com.br/canais/materia.asp?codpag=5136&cod_canal=3, acessado em 14/7/2009.
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-Americana (DPI). Em 1990, com alguns amigos, criou o Centro de Documentação e Informação do Portador de Deficiência (Cedipod), para divulgar informações sobre legislação, direitos civis, transportes e eliminação de barreiras arquitetônicas.51
Imagem. Retrato colorido de Rui Bianchi do Nascimento. Rui sorri.
Araci Nallin nasceu em 22 de maio de 1957 e faleceu em 14 de junho de 1993, um pouco depois de obter o título de mestre em Psicologia pela USP, com a dissertação “Reabilitação em Instituição: suas razões e procedimentos. Análise de Representação do Discurso”, um dos mais instigantes e belos textos sobre o assunto.
Imagem. Foto em preto e branco de Araci Nallin. Araci sorri.
51
. Mais informações nos endereços http://www.cedipod.org.br/ e http://www.centroruibianchi.sp.gov.br/, ambos acessados em 12/7/2009.
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Devido a severas sequelas de poliomielite contraída aos quatro anos de idade, lutou muito para conquistar um estilo de vida independente. No final dos anos 1970, Araci e alguns amigos formaram um grupo dirigido às atividades de cultura e lazer. Em 1980, aliou-se a outras pessoas com deficiência para criar o Núcleo de Integração de Deficientes (NID), organização de caráter reivindicatório em defesa dos direitos das pessoas com deficiência. Araci era funcionária concursada da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, tendo participado da criação e atuado, ao lado de Ana Rita de Paula, no Programa de Atenção à Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência do Estado de São Paulo. Pouco antes de sua morte, assumiu a coordenação do programa homônimo do Município da Cidade de São Paulo. O Centro de Vida Independente Araci Nallin recebeu esse nome em homenagem a ela.52 Francisco Augusto Vieira Nunes, o Bacurau, descobriu que tinha hanseníase aos 10 anos de idade. Por conta disso, teve de abandonar os estudos. Mais tarde, formou-se professor.
Imagem. Foto colorida de Francisco Augusto Nunes, o Bacurau. Sentado numa mesa, Bacurau datilografa em máquina de escrever.
Com o apoio de Thomas Frist, fundou o Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan). Bacurau enfrentou e combateu o preconceito e a discriminação que prejudicam severamente as pessoas que têm essa doença. Em 1981, engajou-se no movimento das pessoas com deficiência e foi um de seus líderes mais respeitado. Faleceu em 1997, aos 57 anos, vítima de câncer no pulmão e na cabeça. No dizer de Ana Rita de Paula, doutora em Psicologia Social e militante do Núcleo de Integração de Deficientes (NID)53:
52
. Mais informações no endereço http://www.cvi.org.br,a cessado em 3/7/2009.
53
. Entrevistada para minha tese de doutorado.
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“No começo do movimento, tivemos lideres fundamentais. E uma coisa legal em relação a eles é que tinham uma força pessoal muito grande. E não estou falando de super-heróis, não estou falando de gente que se destaca, que faz coisas grandiosas, extraordinárias. Estou falando de gente que tem força para lidar com o cotidiano tão adverso assim, de gente que construiu sua vida de forma participativa, interessante, em uma situação muito adversa.”
Espero que este capítulo honre a memória e a luta de todos os nossos “líderes fundamentais”.
Referências Bibliográficas ARAÚJO, Paulo Ferreira de. Deporto Adaptado no Brasil: origem, institucionalização e futuro. Tese de Doutorado, Unicamp, Campinas, 1997. FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade, vol. 1. A vontade de Saber. Trad. Maria Thereza da Costa Albuquerque e J.A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro, Edições Graal, 2005. 16ª ed. CRESPO, A.M.M. Da invisibilidade à construção da própria cidadania. Os obstáculos, as estratégias e as conquistas do movimento social das pessoas com deficiência no Brasil, através das histórias de vida de seus líderes. Tese de doutorado, FFLCH/USP, 2009. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Roberto Machado (org. e trad). Edições Graal, Rio de Janeiro, 2004. 20ª ed. FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. Trad. Maria Ermantina Galvão. São Paulo, Martins Fontes, 2002. FOUCAULT. Michel. Vigiar e Punir. Trad. Raquel Ramalhete. Petrópolis, Editora Vozes. 2004. LUZ, M. T. As instituições médicas no Brasil: instituição e estratégia de hegemonia. Rio de Janeiro: Graal, 1979. MELO, Candido Pinto de. Portadores de Deficiência: Dez anos de lutas, vitórias e poucas conquistas, 1990, mimeo. Documento lido e debatido durante Encontro Paulista de Pessoas Deficientes, realizado em Jundiaí (SP), em 7 e 8 de abril de 1990 , que avaliou os 10 anos do movimento. NALLIN, Araci. A organização das pessoas deficientes: Reflexões sobre dez anos de luta. São Paulo, 1990, (mimeo). Documento lido e debatido durante Encontro Paulista de Pessoas Deficientes, realizado em Jundiaí (SP), em 7 e 8 de abril de 1990 , que avaliou os 10 anos do movimento. OLIVA, Margarida, ROCHA, Guilherme Salgado. Um quarto com vista para o mundo, a vida de Maria de Lourdes Guarda, São Paulo, Loyola, 1998. SASSAKI, Romeu. Uma Breve História dos Movimentos de Pessoas com Deficiência, 1979, mimeo. SASSAKI, Romeu Kazumi. Vida Independente – História, movimento, liderança, conceito, filosofia e fundamentos. Reabilitação, emprego e terminologia, julho, 2003. SASSAKI, Romeu Kazumi. Vida Independente na era da sociedade inclusiva. São Paulo, RNR, 2004. SILVA, Otto Marques da. A Epopéia Ignorada: A pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje. São Paulo, Cedas, 1987.
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CAPÍTULO
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Fazendo história: o movimento social pela perspectiva de seus líderes Entrevistas
A história é feita com documentos escritos e sem documentos escritos... Com tudo o que a habilidade do historiador lhe permite utilizar para fabricar o seu mel, na falta das flores habituais. Logo, com palavras. Signos. Paisagens e telhas. Com as formas do campo e as ervas daninhas. (...) Numa palavra, com tudo o que, pertencendo ao homem, exprime o homem, demonstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do 54 homem. (Febre, 1949, ed. 1953, p. 428 apud LE GOFF, 2003, p.530)
Neste capítulo “Fazendo história”, assim como no capítulo “Memórias da Luta: Protagonistas do AIPD no Brasil”, tal habilidade é favorecida por tratar-se de material advindo de relatos de primeira mão dos protagonistas do movimento social da pessoa com deficiência no Brasil. No capítulo “Memórias da Luta...”, as memórias foram trabalhadas pelas autoras a partir de trechos dos relatos de 23 protagonistas. Tais trechos foram organizados como uma espécie de diálogo entre os militantes quanto aos temas por eles expostos nas entrevistas realizadas pelo Projeto Banco de Memórias da Inclusão. Em “Fazendo história”, oferece-se o relato de mais dez líderes dessa história. Seis relatos são o resultado de entrevistas realizadas pelo Projeto Banco de Memórias da Inclusão, do Memorial da Inclusão: padre Geraldo, Gilberto Frachetta, Isaura Helena Pozzatti, José Roberto Amorim, Sandra de Sá Brito Maciel e Wilson
54
. LE GOFF, Jacques. História e memória.Trad. Irene Ferreira, Bernardo Leitão e Suzana Ferreira Borges, Ed. Unicamp, Campinas, 2003.
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Akio Kyomen. Os outros quatro são entrevistas feitas para a pesquisa de doutoramento de Lia Crespo: Ana Rita de Paula, Canrobert de Freitas Caires, Lilia Pinto Martins e Luiz Baggio Neto. Essas narrativas são o resultado das entrevistas trabalhadas55, compreendidas como documentos históricos, tendo sido revistas, corrigidas, modificadas e reconhecidas como autênticas por seus autores. A história oral de vida, ao mesmo tempo em que se interessa pelas condições sociais que influenciaram e deram sentido às vidas singulares, também procura a história do indivíduo para entender a natureza dos grupos. A matéria-prima da história oral de vida é o relato construído a partir de memórias selecionadas pelos narradores. Não é, portanto, um registro “objetivo”, “incondicional”, “isento”, “imparcial”. Pelo contrário, só guardamos na memória o que é importante para nós. A memória narrada se altera conforme a fase da vida. Ela não é apenas o relato do passado. Também revela o presente e permite vislumbrar o futuro. Se a narrativa da nossa história pessoal é uma escolha daquilo que é importante o suficiente para ser registrado em nossa memória, a história dos grupos é a soma dos registros considerados significativos por seus membros. A capacidade de compartilhar essa memória, como produtores e receptores, é o que possibilita a cada um de nós pertencer a um grupo e estabelecer nossa identidade. O compartilhamento criativo e dinâmico da memória, entre o indivíduo e o grupo, constitui a memória social. Na perspectiva da história oral, porque o indivíduo não representa o coletivo, nem o conjunto é homogêneo, num mesmo grupo, podem existir e existem múltiplas histórias. É importante ressaltar aqui algo já dito no capítulo primeiro, o de que o Banco de Memórias da Inclusão, representado nesta fase de formação pelas 33 entrevistas explicitadas neste livro, nasceu simultaneamente à Exposição Memorial da Inclusão: os Caminhos da Pessoa com Deficiência. O Memorial da Inclusão56 reúne documentos (escritos, fotos, atas, livros, revistas, cartazes, vídeos) guardados por décadas pelos militantes do movimento social da pessoa com deficiência. Os protagonistas do AIPD de “Fazendo história” e de “Memórias da luta” são homenageados no Memorial da Inclusão e acompanharam de perto a sua inauguração. A estreita relação entre o processo de constituição do Memorial da Inclusão, enquanto narrativa histórica por meio de documentos sobre o AIPD e o movimento social no Brasil, e a história oral dos protagonistas dessa história dá ao conjunto de materiais (documentos expostos e entrevistas) a peculiaridade de contribuir sobremaneira para uma visão mais completa da luta e conquista de direitos das pessoas com deficiência. Por meio das entrevistas, as reivindicações, os temas e os embates paradigmáticos tratados pelo movimento social, desde o AIPD, convencem pela persuasão do vivido. Além dos 33 relatos que compõe este livro comemorativo dos 30 anos do AIPD, os demais capítulos são também documentos escritos por militantes do movimento de luta por direitos das pessoas com deficiência: Elza Ambrósio, Romeu Sassaki, Lia Crespo e Vanilton Senatore.
. “Trabalhar uma entrevista equivale a algo como tirar os andaimes de uma construção quando essa fica pronta.” MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de História Oral. São Paulo, Loyola, 2005. 55
56
. Cuja história será apresentada no último capítulo deste livro.
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Conforme Ecléa Bosi57, para compreender verdadeiramente alguma coisa, não é suficiente a simpatia (sentimento fácil) pelo objeto de pesquisa, é preciso que nasça uma compreensão sedimentada no trabalho comum, na convivência, nas condições de vida muito semelhantes. (...) é preciso que se forme uma comunidade de destino para que se alcance uma compreensão plena de uma dada condição humana. Comunidade de destino já exclui, pela sua própria enunciação, as visitas ocasionais ou estágios temporários no locus da pesquisa. Significa sofrer 58 de maneira irreversível (...) o destino dos sujeitos (estudados). (BOSI, 1987).
Afora o elo inquestionável que reúne relatos de militantes e autores de capítulos – assim como inspirou a realização do Memorial da Inclusão –, a mesma comunidade de destino é compartilhada pelos demais pesquisadores envolvidos no projeto deste livro. Para esses, “sofrer de maneira irreversível o destino dos sujeitos estudados” emerge do potencial que as reivindicações, a forma de luta e os êxitos logrados pelas pessoas com deficiência têm de tornar nossa sociedade mais inclusiva. Não se trata, portanto, de conquistas que beneficiam apenas um dado segmento social, mas, sim, todos os cidadãos. Esperamos que você leitor – ao mergulhar nestas histórias repletas de emoção e bom humor – também se sinta fazendo parte dessa nossa comunidade de destino.
57
. Escritora e professora do Instituto de Psicologia da USP.
58
. BOSI, E. Memória e sociedade: Lembranças de velhos. São Paulo: T.A. Queiróz e Edusp, 1987.
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Ana Rita de Paula
Imagem. Retrato colorido de Ana Rita de Paula. Contêm epígrafe: “O AIPD foi extremamente importante para a organização e difusão dos movimentos das pessoas deficientes significou a possibilidade de difusão das necessidades, das ideias, das reivindicações das pessoas deficientes, em nível internacional. Para nós, o AIPD significou ampliação e impulso para as organizações recentemente criadas”
eu nome é Ana Rita de Paula, nasci em 26 de janeiro de 1962, sou psicóloga e tenho uma deficiência física congênita e progressiva. Tenho algumas qualidades e alguns defeitos. Gosto de brincar dizendo que, dentre os defeitos, sou tolerante demais e muito impulsiva. Entre as qualidades, sou tolerante demais e, às vezes, ousada, vulgo impulsiva. A questão da deficiência permeia minha vida pessoal, acadêmica e profissional. Vivo a deficiência no meu cotidiano, como pessoa. Usei a deficiência como tema do meu mestrado e do meu doutorado. E, profissionalmente, também trabalhei – na Secretaria de Estado da Saúde e no Fundo Social de Solidariedade do Estado de São Paulo – com a questão das pessoas com deficiência. Em termos acadêmicos, durante o mestrado, quis compreender as vivências e as representações sociais da condição feminina associada à condição da deficiência física. Entrevistei mulheres e homens deficientes físicos para saber um pouco da história de vida de cada um. Uma das coisas que pude concluir desse estudo é que, ao mesmo tempo em que a deficiência e a condição feminina são dois fatores de desvantagem social, um sobreposto ao outro e, portanto, um agravando o outro, essa vivência também é tida como uma vivência de compensação. Ao mesmo tempo em que a deficiência e a condição feminina se sobrepõem no aspecto negativo, a sexualidade, por exemplo, pode ser vista como algo que repara e restaura a pessoa com deficiência. É interessante notar como situações e vivências tão opostas acontecem, às vezes, na mesma pessoa. A mesma pessoa que se sente sobremarginalizada relata – nas situações em que vive a sexualidade – como a condição feminina é restauradora de sua inteireza como pessoa. Isso é muito legal. No doutorado, tentei mostrar e divulgar a situação degradante de vida das pessoas com deficiência internadas nas chamadas instituições totais ou instituições asilares. Tomei em análise e descrevi o cotidiano da população internada de uma instituição asilar daqui de São Paulo, que já fechou, mas que era emblemática das instituições existentes em nosso país. Uma característica relevante que descobri com esse trabalho é que, ao contrário do que se pensa, não existem asilos específicos só para pessoas deficientes ou asilos só para idosos ou clínicas psiquiátricas só para pessoas com doenças mentais. Na verdade, o que existe é a instituição do asilo que desconsidera essas diferenças. Numa instituição para deficientes, há pessoas com deficiência física, com deficiência mental e também idosos, alcoólatras, psicóticos. Da mesma forma, num asilo para velhos, além de idosos, há pessoas deficientes jovens e, às vezes, até crianças. Há uma mistura da clientela, uma indefinição do objeto dessas instituições. O que existem mesmo são a marginalização e a segregação como objeto da institucionalização. O abandono e a miséria são as reais razões para a internação. No pós-doutorado, vou dar continuidade a essa busca de compreensão do processo de asilamento iniciado no doutorado. Vou acompanhar uma instituição, em Salvador, que já vem fazendo uma série de ações e desenvolvendo estratégias para se abrir e desmontar os mecanismos de segregação e asilamento, a partir da criação de lares com apoios para essas pessoas morarem na comunidade. Meu trabalho será acompanhar o processo de implementação dessas
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moradias inclusivas para pessoas com deficiência. Também continuo trabalhando com a temática do mestrado, ou seja, com a questão da sexualidade. Escrevi o livro Sexualidade e deficiência, rompendo o silêncio (Expressão e Arte, 2006), com o objetivo de fazer a sociedade e os profissionais (não exatamente os profissionais especializados na área da deficiência, mas, por exemplo, os professores) a refletirem sobre a condição humana, portanto sexual, das pessoas com deficiência. Apesar de, hoje em dia, o discurso estar mais aberto, a gente fala ainda de um modo exterior. Dificilmente, a gente fala das vivências íntimas que a gente tem. Então, se a sexualidade continua sendo um tabu, quando há a deficiência associada, discutir o assunto fica ainda mais difícil. Mas, a situação mudou bastante desde 25 anos atrás, quando começou o movimento das pessoas deficientes. Acompanhando a mudanças das representações que a sociedade tem do que é a pessoa deficiente, houve alteração também em relação à sexualidade das pessoas com deficiência. Hoje em dia, um número muito menor de pessoas se espanta ou fica indignado com uma pessoa deficiente vivendo uma vida sexual ativa, tendo filhos, tendo parceiros, vivenciando essa condição. Nunca convivi, na infância e adolescência, com outras pessoas deficientes. Isso só veio a acontecer, em 1980, quando prestei vestibular na Universidade de São Paulo (USP) e na Pontifícia Universidade Católica (PUC). Naquela época (não sei se ainda hoje é assim), as pessoas com deficiência ou com alguma necessidade especial, para realizarem a prova, eram colocadas em salas específicas. Na USP, intuitivamente, colhi nomes e endereços de pessoas para manter contato futuro. Na PUC, aconteceu um incidente. O Edgard, um dos rapazes que fazia o exame, tinha paralisia cerebral e, por não conseguir escrever, estava reivindicando que outra pessoa escrevesse a prova por ele. Mas a coordenação do vestibular não permitiu. Ele zerou em redação, o que eliminou qualquer possibilidade de passar na PUC. As pessoas que estavam ali ficaram muito indignadas. Mas, não bastava a indignação. A indignação tinha que produzir algum efeito. Era preciso tomar uma atitude. Nós tentamos várias coisas, entre elas, falar com dom Paulo Evaristo Arns. Infelizmente, não conseguimos reverter a situação. Felizmente, o rapaz passou em outra universidade. Não sei mais dele hoje. Perdi o contato. Mas imagino que tenha se formado, que esteja tudo bem. Esse incidente significou um passo importante para a gente montar uma organização não governamental voltada para a defesa dos direitos das pessoas com deficiência. Depois do vestibular, reuni em minha casa algumas pessoas que havia conhecido durante o vestibular na USP e na PUC. Montamos um grupo chamado Núcleo de Integração de Deficientes (NID), que tinha como característica a mobilização, a denúncia de violação de direitos e a organização das pessoas deficientes para reivindicarem suas necessidades junto ao poder executivo. Mas, não era só o NID que estava sendo formado naquele momento. Uma série de outras organizações também com caráter reivindicatório estava surgindo, na área da deficiência e em outras áreas. Na verdade, a gente vivia um momento histórico especial, com a abertura política no Brasil, com a volta dos anistiados e com a mobilização da sociedade em vários setores e a eclosão de vários movimentos por direitos. Havia, então, o movimento dos negros, das mulheres, dos homossexuais, o movimento contra a carestia. E as pessoas deficientes também estavam se organizando a partir desse clima social que havia na época. Passamos a ter contato com grupos de pessoas deficientes de outros Estados, como Rio de Janeiro e Brasília. Acho que o primeiro evento mais significativo do movimento foi o 1º Encontro Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes, que reuniu, entre 22 e 25 de outubro, em Brasília, mais de 500 participantes, estabeleceu os rumos do movimento nacional e culminou com a criação da Coalizão Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes. As pessoas deficientes conseguiram realizar esse encontro sem nenhum patrocínio, sem apoio algum do poder executivo, legislativo ou de empresários. Provenientes de vários Estados brasileiros, os participantes viajaram até o local do evento, a Universidade de Brasília (UnB), com recursos conseguidos com a comunidade na cidade de origem ou por conta própria.
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Quando chegavam, ficavam hospedados, na capital, em conventos, alojamentos esportivos e do Exército. Muitas famílias locais cederam quartos e até apartamentos vazios para que os participantes ficassem hospedados. Essa foi uma experiência interessante também para a comunidade de Brasília, que teve a oportunidade de conviver com as pessoas deficientes. Após o primeiro encontro nacional – um evento extremamente significativo –, ocorreram outros com o mesmo caráter. E o mais legal disso é que esses eventos foram crescendo em número de participantes. O segundo encontro nacional, realização em 1981, já pela Coalizão Nacional (criada durante o Encontro Nacional em Brasília, em 1980), chamou-se 1º Congresso Brasileiro de Pessoas Deficientes e reuniu, num amplo local em Recife, quase 2 mil participantes, com um número aproximado de 600 pessoas deficientes ou mais. Organizado por Messias Tavares de Souza, um dos líderes do movimento, o encontro de Recife foi marcante e recebeu bastante atenção da mídia na época, até porque foi realizado em 1981, escolhido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Ano Internacional das Pessoas Deficientes (AIPD). O AIPD foi extremamente importante para a organização e difusão dos movimentos das pessoas deficientes. Significou a possibilidade de difusão das necessidades, das ideias, das reivindicações das pessoas deficientes, em nível internacional. Para nós, o AIPD significou ampliação e impulso para as organizações recentemente criadas. As organizações puderam se difundir por todo o Brasil e ampliaram a possibilidade de intercâmbio entre os movimentos regionais. Para mim, pessoalmente, 1981 foi um ano repleto de atividades. Foi o início de um novo ciclo de vida, pois tinha acabado de entrar no Instituto de Psicologia da USP e tentava me estruturar para morar sozinha. Começava a vida adulta com muita garra, com imensas possibilidades que se abriam à minha frente. Pude reconhecer, em mim, uma intenção que já existia, desde minha infância: a ideia de trabalhar com a questão da deficiência, não só, clinicamente, como psicóloga, mas também como alguém que podia compreender a deficiência como um fenômeno social e historicamente construído. Alguém que podia transformar a dimensão individual e pessoal da deficiência numa dimensão social e coletiva, de grupo. Então, o ano internacional foi muito importante, nesse aspecto. Foi quando comecei a me firmar como pessoa, cidadã, pessoa com deficiência, estudante, dona de casa, enfim, como alguém que estava tomando a vida nas próprias mãos. Nos últimos anos, por causa da minha deficiência, que progrediu bastante e tornou mais difícil sair de casa, eu me afastei um pouco dos movimentos. Por isso, foi muito emocionante o evento “O AIPD 25 Anos Depois, 1981: Ano Internacional das Pessoas Deficiente. 2006: As Memórias, as Conquistas e o Futuro”, realizado pelo Centro de Vida Independente Araci Nallin e um grupo de organizações apoiadoras, nos dia 3 e 4 de dezembro de 2006, em São Paulo. Pude encontrar pessoas que não via há muitos anos. Encontrar esses amigos e ver essas pessoas realizadas com suas carreiras consolidadas, reconhecidas socialmente, cada uma na sua área, foi uma coisa muito emocionante. Ao mesmo tempo, também me emocionei ao ver as pessoas que ingressaram no movimento muito tempo depois. Elas também estavam lá se solidarizando e confraternizando com os ditos “jurássicos”. Foi um processo muito legal que reacendeu em mim aqueles ideais que me movimentaram na época do ingresso no vestibular. Pude reencontrar essa energia, essa utopia que me moveu e que continua me movendo. O AIPD e os encontros nacionais foram muito importantes para a mobilização e consolidação do movimento, cuja militância significava travar uma batalha cotidiana. Mas, além disso, era preciso estar sempre atento às propostas governamentais e do poder legislativo e escrever frequentemente para os jornais, para denunciar e levantar bandeiras, era necessário levar adiante a concretização dessas reivindicações. Para isso, havia, por exemplo, as reuniões que discutiam a organização e mobilização do movimento e os encontros estaduais ou municipais que deram origem aos conselhos de direitos compostos por representantes da comunidade. Os conselhos
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de direitos pretendiam ser um órgão do poder executivo, cujo processo de decisão deveria estar nas mãos das pessoas deficientes. Supunha-se que o ideal seria juntar, nesses órgãos, os movimentos de pessoas deficientes, as instituições prestadoras de serviço na área da deficiência e os representantes do poder executivo, ou seja, das secretarias de Estado ou, no caso do âmbito municipal, das secretarias municipais. Em 1984, de 21 a 23 de setembro, foi realizado o 1º Seminário Estadual da Pessoa Deficiente, que contou com a participação de cerca de 700 representantes de pessoas deficientes e de prestadoras de serviço na área da deficiência de diversas cidades do Estado de São Paulo. Esse seminário definiu a política estadual em relação às pessoas com deficiência, determinou como deveria ser o Conselho Estadual para Assuntos da Pessoa Deficiente (CEAPD) e elegeu os conselheiros representantes da sociedade civil para a primeira gestão. Naquele mesmo ano, o então governador Franco Montoro oficializou essas decisões através de um decreto.59 Depois, ao longo da década, outros conselhos semelhantes foram criados em diversos Estados, mas o CEAPD foi o pioneiro do gênero no Brasil. Entretanto, ao contrário do que se possa imaginar, foi uma batalha conseguir a instalação desses conselhos e posso garantir que foi uma luta diária atuar no CEAPD, para cuja primeira gestão tive a oportunidade de ser eleita conselheira suplente de Araci Nallin, a representante titular do NID. Havia no CEAPD disputas de espaço e de representação bastante difíceis. Eram lutas cotidianas, aparentemente, por coisas pequenas, detalhes, mas que, no fundo, eram muito importantes. Por exemplo, as reuniões eram agendadas para dias de semana porque os funcionários das entidades prestadoras de serviço e os representantes do governo queriam que elas acontecessem durante seu período normal de trabalho. No entanto, as pessoas deficientes não trabalhavam no poder público. Muitas tinham sua própria carreira e seus empregos sem nada a ver com a deficiência. Para essas pessoas era muito mais complicado faltarem ao trabalho ou mesmo pedirem dispensa para participarem de reuniões. Porém, os representantes do governo e os representantes das entidades prestadoras de serviço formavam a maioria e decidiram que as reuniões aconteceriam durante a semana, no horário comercial, prejudicando a participação das pessoas deficientes. Aos poucos, a gente começou a ver que as pequenas e grandes decisões acabavam sempre privilegiando os setores governamentais e das entidades prestadoras. Outro exemplo demonstrativo desse fato foi a questão do carro. O conselho estadual tinha direito a um veículo para sua diretoria. As pessoas deficientes reivindicavam uma perua tipo van, para transportar pessoas em cadeira de rodas. Mas, a Aida, presidente de então, que era uma pessoa não deficiente e representante da Secretaria de Promoção Social, exigiu e obteve um carro oficial comum. A própria eleição da presidência foi um exemplo marcante de como os setores que representavam o governo e as prestadoras de serviço dominavam o processo de decisão dentro do conselho em detrimento dos interesses das pessoas deficientes. Outras gestões também corroboraram essa mesma tendência, elegendo representantes das entidades prestadoras. Na época, foram pequenos os períodos em que a presidência foi exercida pelas pessoas deficientes. No entanto, é importante deixar claro que, na verdade, a gente não reivindicava que, necessariamente, fosse eleita para a presidência do conselho uma pessoa com deficiência, mas, sim, que fosse escolhida uma pessoa oriunda do movimento de pessoas deficientes. A questão não era representar, no próprio organismo, a deficiência, mas, sim, ser a representante de um setor, de uma
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. O Conselho Estadual para Assuntos da Pessoa Deficiente, criado pelo artigo 1º do Decreto nº 23.131, de 19 de dezembro de 1984, passou a denominar-se Conselho Estadual para Assuntos da Pessoa Portadora de Deficiência (CEAPPD) a partir do Decreto nº 40.495, de 29 de novembro de 1995.
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parcela componente do conselho. Todas essas disputas de poder provocavam extremo desgaste pessoal e dos grupos e o conselho andou sempre com muita dificuldade. Depois do conselho estadual, no final de 1985, houve, no município de São Paulo, o processo de constituição do Conselho Municipal da Pessoa Deficiente (CMPD), que funcionou somente durante o ano de 1986, na gestão de Jânio Quadros. E a gente sabia que muitos outros conselhos estaduais e municipais estavam sendo criados por todo o Brasil. Outro tipo de evento importante para o movimento foram os seminários, os congressos, os encontros técnicos, que passaram a contar com a participação de militantes dos movimentos de pessoas deficientes, ou seja, pela primeira vez, as próprias pessoas deficientes estavam sendo ouvidas e discutindo suas questões. Começava a esvanecer a divisão rígida entre pessoas com deficiência, profissionais e estudiosos da área. Essas posições, essas instâncias sociais começavam a se mesclar cada vez mais com o aparecimento de pessoas deficientes que estudaram e se tornaram profissionais especialistas, por exemplo, em reabilitação e acessibilidade, e passaram a discutir teoricamente essas questões na sociedade brasileira. Por exemplo, nós, do NID, e uma derivação do NID, o GEAR-Grupo de Estudos de Alternativas em Reabilitação, com o apoio do jornal Folha de S.Paulo, montamos um seminário para discutir o modelo assistencial em reabilitação e possíveis alternativas a esse modelo, dado que as críticas ao processo de reabilitação, tal como vinha historicamente acontecendo, foram feitas pelos movimentos com muita propriedade e profundidade. Desde aquela época, a gente tinha uma série de reivindicações explícitas nas áreas da saúde, educação, trabalho, acessibilidade, meios de transporte, cultura, esporte, lazer etc. Em termos de saúde, os movimentos já reivindicavam que a rede pública oferecesse equipes e serviços de reabilitação, de forma gratuita, nas unidades básicas de atendimento. Nós basicamente reivindicávamos a difusão de um novo modelo assistencial, no qual as pessoas deficientes tivessem voz ativa e decisória no próprio processo de reabilitação, uma rede hierarquizada de assistência no sistema público, com atendimento prioritário às necessidades das pessoas mais carentes. No que diz respeito à educação, a gente lutava pela então chamada educação integrada, hoje, educação inclusiva. Lutávamos pela criação, difusão e implementação de cursos profissionalizantes e pela abertura do mercado de trabalho para as pessoas com deficiência. A gente reivindicava a existência de espaços de esporte e de lazer que também considerassem as necessidades específicas das pessoas deficientes. A gente queria que o transporte e os espaços públicos fossem acessíveis a todos os tipos de deficiência. Uma reivindicação importante que tem sido atendida de modo bem satisfatório é o acesso às zonas eleitorais. E, perpassando todas essas reivindicações, tínhamos alguns objetivos muito concretos, objetiváveis, como, por exemplo, o de incluir a voz das pessoas com deficiência como mais uma voz social que devesse ser ouvida, prioritariamente, de forma privilegiada. Queríamos que as reivindicações e as questões das pessoas deficientes não fossem relegadas a um segundo plano, mas, sim, que fossem incluídas em todos os programas e projetos governamentais e não governamentais. E, por fim, almejávamos construir o exercício da nossa cidadania, numa realidade que desrespeitava os direitos de quase todos. Isso era e é uma coisa bastante difícil. Nós tínhamos inúmeros documentos com listas e listas de reivindicações. Mas, basicamente, queríamos que os direitos e as necessidades das pessoas com deficiência fossem atendidos nos mesmos espaços das outras pessoas; que esses direitos fossem alvo de políticas públicas que garantissem o exercício da cidadania; que cada pessoa em particular pudesse ter um novo espaço dentro da família, da comunidade e que fosse reconhecida como pessoa, como ser humano e que isso valesse para todas as pessoas deficientes de forma universalizada. Sobretudo, reivindicávamos que a participação das pessoas deficientes fosse uma exigência, naturalmente, incluída na discussão de todas as políticas públicas e, particularmente, naquelas diretamente ligadas às pessoas deficientes. Hoje, isso é traduzido numa frase muito feliz: “Nada sobre nós
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sem nós”60. Mas, na verdade, esse conceito já estava presente, desde os primórdios do movimento e, nesse aspecto, a gente avançou consideravelmente. Acho que conquistamos coisas concretas, como aumento de serviços ao lado de uma transformação cultural. Fazendo um balanço rápido, acho que, se eu perguntar a uma pessoa deficiente, isoladamente, se a vida dela melhorou, pode ser que ela diga que não muito, porque a situação socioeconômica do Brasil não melhorou. A gente não teve, efetivamente, uma redistribuição de renda, uma diminuição das desigualdades sociais, uma melhora na assistência à saúde, educação, ao trabalho. Eu acho que isso andou – se é que andou – muito pouco. E é obvio que a questão das pessoas deficientes está intimamente ligada a essas questões macroestruturais. Então, se essas questões não avançam, o atendimento às necessidades das pessoas deficientes também fica prejudicado. Mas houve uma mudança radical na representação que a sociedade faz das pessoas com deficiência. Nosso desejo de transformar as pessoas deficientes – de meros espectadores, pacientes, passivos – em agentes sociais, aconteceu, efetivamente, sem dúvida. A mídia, por exemplo, quando vai tratar dessa questão, não ouve mais (somente, pelo menos) os profissionais, a universidade e/ou as instituições especializadas, mas busca, principal e fundamentalmente, os movimentos. Essa mudança é fundamental. Outra mudança importante foi o que aconteceu em relação à acessibilidade. A gente não conseguiu tornar as cidades totalmente acessíveis. Mas, sem dúvida, há muito mais locais com acessibilidade, hoje, do que naqueles anos. É obvio que ainda existem construções extremamente novas que não são acessíveis. A Universidade de São Paulo mesmo, muitas vezes, peca nas reformas e nas construções de seus prédios. Com certeza é preciso fazer mais. Mas, já foram dados passos decisivos. A questão da reabilitação e do atendimento à saúde está, definitivamente, posta na rede pública. Isso significa que todas as pessoas deficientes são atendidas satisfatoriamente, com qualidade, com respeito? Como acontece com o restante da população, a resposta é não. Mas, pelo menos, a gente conseguiu entrar na fila da desassistência ou da má assistência que tem toda a população. E isso (embora possa parecer muito louco) é um avanço porque, até então, a unidade de saúde não era nem pensada como um lugar que poderia ser frequentado por pessoas com deficiência. Não tinha sanitários para cadeiras de rodas, por exemplo. A gente não tinha lugar nem na fila. Hoje, as pessoas deficientes, pelo menos, têm a possibilidade de entrar na fila. A educação, hoje, no Brasil, está pari passo com muitos países desenvolvidos que implementam a Educação Inclusiva em seus sistemas educacionais. É obvio que isso ainda está muito no começo. A gente ainda está experimentando formas de concretizar isso na prática. Mas nós estamos trabalhando nesse sentido. Por exemplo, ontem mesmo, soube de uma boa notícia: pela primeira vez, no Estado de São Paulo, temos mais alunos com deficiência atendidos de forma inclusiva pela rede pública do que alunos atendidos pelas instituições especializadas. Entretanto, o recurso que vai para as instituições especializadas é quase o triplo daquele destinado ao serviço público. Isso demonstra a falácia do argumento de que o serviço público atende mal gastando muito. O serviço público atende ainda mal, mas atende muito e com custo muito baixo. Se a gente tiver condição de mudar isso e, pelo menos, dividir mais equanimente os recursos, teremos condições de melhorar muito a educação pública, pois, o que acontece com as pessoas deficientes é um exemplo do que acontece com o alunado como um todo, na verdade.
. Em 2004, “Nada Sobre Nós Sem Nós” (Nothing About Us Without Us) foi escolhido como tema para o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência (3 de dezembro), proclamado pela Assembleia Geral da ONU, em outubro de 1992, para promover o conhecimento sobre assuntos relacionados a pessoas com deficiência e mobilizar apoios para garantir sua dignidade, seus direitos e seu bem-estar. A cada ano, a ONU escolhe um tema especial para o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. 60
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Em relação ao mercado de trabalho, é inegável, hoje, que as empresas estão buscando pessoas deficientes. Verdade que é para atender a uma legislação61. Mas essa legislação foi necessária para que uma nova ordem, uma nova lógica se estabelecesse no mercado e essas pessoas tivessem seu lugar garantido. Se a gente continuar nessa linha, vamos ter as pessoas participando em condições de igualdade com os demais. Uma área que evoluiu muito pouco é a dos transportes. Essa área, sem dúvida, pouco avançou porque está fundamentada no investimento tecnológico de alto custo. Para um país em desenvolvimento como o Brasil é muito difícil concretizar essas reivindicações. Mas não acho que isso deva desestimular os líderes dos movimentos. Pelo contrário, a gente precisa se concentrar mais nessa necessidade. No começo do movimento, tivemos lideres fundamentais. E uma coisa legal em relação a eles é que tinham uma força pessoal muito grande. E não estou falando de super-heróis, não estou falando de gente que se destaca, que faz coisas grandiosas, extraordinárias. Estou falando de gente que tem força para lidar com o cotidiano tão adverso assim, de gente que construiu sua vida de forma participativa, interessante, em uma situação muito adversa. Hoje, é mais fácil. As pessoas deficientes têm mais possibilidades de se realizar em termos educacionais, profissionais, afetivos, sexuais, tudo isso. Os líderes do movimento viveram situações muito mais adversas. Duas pessoas foram os grandes representantes dessa força. Uma delas foi Maria de Lourdes Guarda, que viveu uma condição incapacitante severa e, sem grandes posses financeiras, reorganizou a vida e trouxe junto com ela muitas pessoas que tirou da estagnação. A outra pessoa foi o Cândido Pinto de Melo, principalmente, por sua visão política e humanista. O Cândido fazia, através da própria pessoa, a junção da política dos direitos humanos em geral com a política dos direitos das pessoas deficientes. Ele era a personificação dessas duas lutas em uma só. Após um processo de desmobilização das pessoas deficientes, a gente vive hoje outro momento histórico. É inegável que já se passaram muitos anos do movimento de luta pelas Diretas Já. De lá para cá, exceto o impeachment do Fernando Collor, a gente não viveu mais nada tão forte coletivamente como aquilo. E, infelizmente, as pessoas se desmobilizaram. Mas não há o que lamentar. Eu acho que a gente tem que encarar os fatos conforme eles vão se desenvolvendo. Hoje, as pessoas deficientes ocupam espaços importantes no governo. E talvez seja a partir daí que a gente deva trabalhar. Sem acabar, obviamente, com os movimentos, mas, sim, mantendo esse germe, essa luzinha acesa. Acho que uma de nossas principais conquistas é que o nosso destino está mais amarrado e mais próximo do destino da população inteira. O futuro das pessoas deficientes depende fundamentalmente do futuro do Brasil. Falar isso, hoje, parece óbvio, mas, antes não era tão óbvio assim. Há algum tempo, se houvesse avanços sociais, isso significava avanço para algumas pessoas e não, provavelmente, para as pessoas com deficiência, que ficavam sempre deixadas de lado, em último lugar. Hoje, acho que os avanços sociais englobam mais as pessoas com deficiência. Hoje, fala-se muito na inclusão. Mas a gente já falava as mesmas coisas 26 anos atrás. Na verdade, eu acredito numa história que se desenvolve não pela ruptura. Os movimentos não rompem com situações anteriores. Quer dizer, algumas vezes, eles rompem, mas, na maioria das vezes, há um processo de transformação lenta, gradual, no qual uma ideia se inicia lá atrás, se desenvolve e se implementa com o passar do tempo. Não acredito em revoluções, mas em construção.
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. Lei 8.213, de 1991.
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Imagem. Diário Popular, 24 de julho de 1980. “Deficientes físicos: discutidas todas as dificuldades, prossegue luta pela reabilitação”. A criação de uma coalizão nacional de entidades que se dediquem à reabilitação de deficientes físicos; a institucionalização do Ano Internacional do Deficiente Físico; a implantação de matéria sobre reabilitação de deficientes físicos nos currículos de medicina, psicologia, serviço social, educação, enfermagem e terapia ocupacional; a conscientização de que o deficiente físico tem capacidade produtiva; a alteração e adaptação da sinalização viária; a ampliação de incentivos fiscais para as empresas que admitirem deficientes físicos nos seus quadros. Estas são algumas das propostas do 2º Congresso Brasileiro de Deficientes Físicos, que se realizou na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo o dia 21 até ontem. O deficiente, físico ou visual, diz Maria da Penha Boucinhas, responsável pelo projeto-piloto que a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), está implantando, “tem muitos problemas de locomoção numa cidade como São Paulo. Uma pessoa normal se movimenta na velocidade de 1,3 m/s, enquanto um deficiente, idosos e gestantes percorrem 0,45 m/s. Para atender a essas pessoas, a CET criou um programa-piloto de rotas especiais, que consiste na adaptação de calçadas, guias e sinalização. A primeira rota já funciona nas imediações do Lar e Escola São Francisco”. Mercado de trabalho. “O mercado de trabalho está saturado em muitos campos e fechado em outros — explica Laurecy Mello Ribeiro, técnica da Multi-Empregos SENAC — para o deficiente físico a situação se agrava, não só pelo defeito em si, mas pela própria construção dos edifícios. Além disso há dificuldade de transporte, locomoção e todos os problemas das cidades grandes”. Laurecy Ribeiro trabalhou durante 10 anos na reabilitação de deficientes físicos, e devido à sua experiência na área ela foi convidada a participar do Congresso. Para ela “é preciso sensibilizar o empresário que o deficiente físico tem capacidade produtiva, desde que lhe seja dada uma função que se compatibilize com o seu defeito”. A Lei 6297 dispõe que todas as despesas com treinamento de pessoal sejam descontadas do Imposto de Renda das empresas. O Congresso de Deficientes propôs que a lei seja estendida também ao treinamento com deficientes físicos. Sexualidade. “Quando se fala em deficientes físicos, discute-se tudo, desde barreiras arquitetônicas até mercado de trabalho. Menos um assunto tabu, vital a todos os seres humanos: a sexualidade”, afirmou Ana Maria Moraes Crespo, 26 anos, solteira, jornalista, deficiente física. “Ninguém fala sobre isso, é como se fossemos seres assexuados”. Maria Cristina Corrêa, 26 anos, estudante de Direito, endossa: “O que o homem vê na mulher é em primeira instância o seu corpo. E nós temos “n” pontos de desvantagem em relação às outras mulheres. Os homens sempre nos vêem como amigas. Nada mais”. Para Luis Celso Marcondes Moura, 35 anos, casado, psicólogo, deficiente físico “o grande problema está na aceitação do defeito pelo próprio deficiente. Não é fácil encontrar pessoas que vejam outras qualidades que não as físicas (que na verdade são importantes num primeiro momento), e é realmente difícil para os não deficientes descobrirem valores de caráter em pessoas portadoras de defeito físico. O que conta, no caso, será o nível de maturidade de cada um”. Legenda: Diário Popular, 24 de julho de 1980. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
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Imagem. Matéria Jornal Shopping News – City News. 18 de setembro de 1982. “Deficientes: em vez de pedir, agora eles vão cobrar dos políticos”, por Fernando Barros. Contém foto em branco e preto de mulher em cadeira de rodas, com legenda “Ana Rita: ‘Temos um longo caminho pela frente’”. As pessoas deficientes de São Paulo vão manter intercâmbio com os partidos políticos. Assim, esperam conseguir a criação de leis eficazes, fugindo da simples demagogia. O ciclo de debates ‘Os partidos políticos e as questões das pessoas deficientes” será aberto quinta-feira, às 20 horas, na Paróquia São Luis (Rua Bela Cintra, 985), com a presença de Hélio Bicudo, Sérgio Santos e Erothildes Medeiros, candidatos, respectivamente, a vice-governador, deputado estadual e vereador pelo Partido dos Trabalhadores. E pode ser visto como sinal de mudança de mentalidade, segundo os organizadores do encontro, ligados ao Núcleo de Integração de Deficientes (NID). ‘As pessoas deficientes estão deixando de procurar os políticos para pedir favores, numa mentalidade de assistencialismo e caridade. A gente quer romper com isso e formar a imagem do deficiente como integrante do processo social e político’, explica Ana Rita de Paula, representante do grupo. Ela e seus companheiros pretendem ouvir os planos de cada partido em relação à comunidade e também fazer ouvir as suas reivindicações, evitando assim, conforme diz, que as leis sejam criadas de cima para baixo, sem o necessário conhecimento de causa. Além disso, afirma ela, ‘o debate amplo diminui a possibilidade do uso demagógico das reivindicações’ — que, aliás, não são poucas. Nos encontros com os políticos, os organizadores pretendem expor a necessidade de serem abertas classes para deficientes mentais em escolas públicas (‘a segregação em escolas especiais é um absurdo’, protesta Ana Paula), onde, além disso, a falta de acesso arquitetônico bloqueia a freqüência dos portadores de deficiências físicas, ao passo que a inexistência de professores especializados marginaliza os deficientes auditivos e visuais. Também a questão do trabalho será abordada: ‘Se o desemprego já é grande, imagine a nossa situação’, desabafa a representante do NID. Na sua opinião, a falta de oportunidade empurra a maior parte dos deficientes para o subemprego: ‘Eles não estão nas esquinas da Avenida Brasil vendendo mentex porque querem: é o que resta para eles, e isto reforça a imagem de coitadinho do deficiente’. Com relação aos salários, também será apresentado um quadro onde impera a discriminação — ‘a mesma que ocorre com mulheres e negros’, segundo Ana. Quanto aos transportes, será defendida a necessidade de adaptá-los. Outra proposta em pauta: eliminação de impostos ou criação de subsídios para as fábricas de equipamentos especiais, já que uma cadeira de rodas comum, por exemplo, está custando cerca de Cr$ 100 mil. Mobilizar e conscientizar. O NID pretende levar aos partidos a sua preocupação com o pequeno número de centros de reabilitação existentes, quase todos particulares. ‘Pagamos impostos como todo mundo; este serviço deveria ser prestado pelo Estado’, diz Ana Rita. Para ela, também a prevenção deve ser mais bem estudada: ‘Campanhas isoladas não solucionam o problema. O número de deficientes está diretamente ligado às condições de vida. É preciso melhorar ao mesmo tempo os serviços de saneamento e abastecimento, por exemplo’. Segundo estimativa da Organização das Nações Unidas, 10% da população de qualquer país é constituída por deficientes. Considerando a existência de um grupo tão expressivo, o NID tem se esforçado para mobilizar estas pessoas e conscientizar a sociedade em geral — algo que, acredita, só o debate amplo pode conseguir. ‘Temos um longo caminho pela frente’, comenta Ana Rita, lembrando que o ciclo a ser inaugurado quinta-feira representa um marco: pela primeira vez os deficientes tomam a iniciativa de atuar politicamente. Afinal, afirma, ‘temos o direito de decidir sobre nossas vidas’. O NID vem realizando uma série de palestras e seminários relacionados à questão dos deficientes e mantém grupos de estudos atentos para realizar projetos visando á conquista dos seus direitos. Há um ano, por exemplo, foi elaborado um guia para o lazer de deficientes em São Paulo, indicando cinemas, bibliotecas, museus, teatros, restaurantes e parques. Pronto o roteiro, o NID concluiu que, paralelamente, outros problemas deveriam ser resolvidos como a falta de transportes adequados para que esses locais fossem alcançados. ‘Nenhuma atitude isolada vai ser solução’, diz Ana Rita. Por isso, a entidade resolveu fazer o convite aos políticos, até agora, porém, aceito apenas pelo PT. Mas a representante do NID avisa que não há pressa: ‘Temos até novembro para esperar que os outros partidos se manifestem’. Legenda: Shopping News, 18 de julho de 1982. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
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Imagem. Foto em preto e branco. Mesa de reunião com toalha de renda. Na parede, atrás da mesa, faixa “Ano Internacional dos Deficientes – Participação Plena e Igualdade”, com símbolo do AIPD. Na mesa estão presentes três mulheres e um homem. Legenda: Reunião preparatória para o AIPD, ocorrida em 26 de fevereiro de 1980, no Colégio Anchietanum/S.P. Ana Rita de Paula, Leila Bernaba Jorge, Adolfo Perez Esquivel e Lia Crespo. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Lia Crespo.
Imagem. Foto colorida. Vinte pessoas posam para a foto num saguão. Legenda: 2º Congresso Brasileiro de Reintegração Social, julho de 1980, Pontifícia Universidade Católica (PUC), São Paulo. Otto Marques da Silva, Araci Nallin, Luiz Celso Marcondes de Moura, Romeu Sassaki, Marisa Paro e Ana Rita de Paula. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Lia Crespo.
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Canrobert de Freitas Caires
Imagem. Retrato colorido de Canrobert de Freitas Caires. Contêm epígrafe: “O AIPD fez a diferença. Se a ONU não tivesse declarado 1981 como o Ano Internacional, todo e qualquer movimento que a gente tivesse feito, naquele momento, teria sido algo localizado. Não teria a repercussão que teve, com o apoio da imprensa e a mobilização da sociedade, de autoridades nacionais e internacionais.”
ofri um acidente em 1973, num mergulho de piscina. Na época, tinha 16 anos, morava em Araçatuba, interior de São Paulo, e fazia parte da equipe de natação do clube Corinthians da cidade. Num domingo sem competição, acabei dando um mergulho e batendo o rosto no ombro de um amigo meu que estava nadando. Houve a compressão entre a sexta e a sétima vértebra da cervical. Na época, houve uma paralisação total, ou seja, tetraplegia. Fiquei quatro dias no hospital, mas a equipe médica achou que não tinha condições de fazer o tratamento lá e me encaminhou para São Paulo. Cheguei, no Hospital das Clínicas (HC), em 11 de janeiro e saí dia 11 de dezembro de 1973. Costumo até brincar com os médicos, dizendo: “Olha, pega leve, porque tenho um ano de ‘residência’ no HC.” Meu irmão e meu pai ficaram em Araçatuba. Junto comigo, vieram minha mãe e minhas irmãs. Enquanto estive no hospital, elas ficaram cada uma na casa de um parente. Em dezembro, alugaram uma casa em Pinheiros, para ficar perto do hospital. Quando tive alta, fui para lá e fiquei 5 ou 6 anos fazendo ambulatório no HC. No início, a previsão médica era de que eu não sairia mais da cama. Achei impossível e apostei com eles que não ia ser assim. Acho que, a partir daí, minha relação com a deficiência fez um desvio para um pensamento bem positivo. Não fiquei lutando contra a deficiência, mas, sim, para ganhar uma aposta. Quando os médicos falaram que eu poderia começar a sair, a ir para cadeira de rodas, os meus amigos, lá do clube de Araçatuba, fizeram um baile, arrecadaram uma grana e compraram uma cadeira de rodas muito bonita, vermelha, com encosto para a cabeça. No dia em que a colocaram na enfermaria, chorei de emoção. Chamei todo mundo para ver que cadeira linda eu tinha ganhado. Tive a felicidade ou a sorte, sei lá, de mudar um pouco o foco da coisa. Não tinha perdido tudo, estava, sim, conquistando alguma coisa. Minha relação com a deficiência sempre foi de conquista, não de perda. Na ocasião, havia também outros problemas familiares. Meu pai estava se distanciando da gente. Isso contribuiu para desviar um pouco a atenção da família e minha experiência teve só a medida certa de preocupação e planejamento familiar. Acho que conseguimos administrar tudo muito bem. A gente não dramatizava as coisas. Encarava e topava toda parada. Só voltei a estudar em 1975, com a ajuda de minha irmã que, no trajeto até a escola, nas descidas, pegava carona na minha cadeira de rodas e, nas subidas, me empurrava. A gente ia morrendo de rir da possibilidade de cair no meio da rua. Contando, às vezes, as pessoas não acreditam, mas a gente se divertiu bastante. Estávamos numa grande aventura. Quando chegamos a São Paulo, éramos todos muito caipiras. Minha irmã jurava que Araçatuba já tinha metrô há muito tempo. Confundia metrô com trem, essas coisas. Mamãe teve mais problema porque, além da separação, via o filho caçula naquela situação. Teve que assumir boa parte das responsabilidades. Para ela, foi mais dramático, como
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sempre é para toda mãe qualquer coisa que envolva os filhos. Mas, minhas irmãs e eu não tivemos problema nenhum. As pessoas estranhas nunca entendem quando falo isso, mas, não fiquei dramatizando muito a deficiência. Qualquer pessoa que conviveu comigo, na época, pode testemunhar que não estou minimizando, nem sublimando a situação. Aliás, por volta de 1978, – quando consegui uma vaga na Divisão de Reabilitação Profissional de Vergueiro (DRPV), que se tornou a Divisão de Medicina de Reabilitação (DMR)62, do Hospital das Clínicas –, uma profissional de lá, minha amiga até hoje, me disse: “Can, mas, não é possível. Você está passando por uma crise muito grande! Você tem que estar sublimando!” Eu falava: “Mas, não tenho crise! Não ia mais sair da cama e estou levando a minha vida numa boa. Para mim, está tudo ótimo!” Acho que ser uma pessoa mais prática e objetiva acabou me ajudando muito nesse sentido. Deve ser muito difícil para quem resiste a uma coisa que é inevitável. Acho que a pessoa sofre muito mais do que sofri. Até o acidente, eu era só um garotão, meio que pequeno-burguês, muito preocupado com minhas competições de natação. Depois, comecei a ter uma visão mais crítica da política, das questões sociais. Todos os meus amigos tinham ficado em Araçatuba. Não tinha amigos meus mesmo. Pegava carona nos amigos que minhas irmãs iam fazendo, aqui em São Paulo. Na DRPV, tive, pela primeira vez, a oportunidade de fazer novas amizades. Chegava de manhã e saía no final do dia. Havia uma equipe de profissionais jovens e bastante idealistas. Nossas relações extrapolaram a relação paciente/profissional. Desde aquela época, até hoje, a gente cultiva essa amizade. No Hospital das Clínicas, havia reabilitação física, única e exclusivamente. Mas, lá, na Vergueiro, era diferente. Havia até uma história de que um deficiente tinha cedido o terreno com o compromisso de que a DRPV fizesse reabilitação profissional. Havia uma oficina muito grande, com marcenaria e outros tipos de trabalhos. Acabei sendo encaminhado para fazer um curso de desenho mecânico e projetista de ferramentas, no Senai. Na DRPV, vivia-se um momento muito fértil, muito fecundo. Havia uma equipe de profissionais e um grupo de pacientes, clientes, predispostos a outra abordagem na questão da reabilitação. Os profissionais que passaram por lá se lembram daquela época como a melhor fase do centro de reabilitação. Naquela época, as organizações de pessoas com deficiência eram raríssimas. A gente só conhecia a Associação Brasileira de Deficientes Físicos (Abradef), que não era lá um exemplo muito bom a ser seguido. Estimulados de forma extraoficial pelos fisioterapeutas e assistentes sociais da DRPV, já que, profissionalmente, não podiam se envolver, começamos a pensar na necessidade de criar uma associação para defender nossos direitos. É difícil saber se a idéia partiu dos profissionais ou dos pacientes, tamanha era a ebulição do momento. Talvez, de repente, num sábado à noite, numa das saídas, meio às escondidas, para tomar um chope, a gente tenha se questionado: “Por que não?” Por que não fazer nossas próprias reivindicações e lutar pelos nossos direitos? Acho que a ideia surgiu assim. No começo, estávamos a Leila Bernaba Jorge e eu. Depois, vieram outras pessoas, como o Rui Bianchi e uma patota bastante interessante. Assim, por volta de 1978, nasceu
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. A Divisão de Medicina de Reabilitação é uma unidade integrante do Hospital das Clínicas, inaugurada em 13 de janeiro de 1975. Inicialmente denominada Divisão de Reabilitação Profissional de Vergueiro (DRPV), atendia pessoas portadoras de deficiência em fase produtiva e visava à capacitação profissional e à reinserção desses pacientes no mercado de trabalho. Em 18/7/1994, sua denominação foi alterada para Divisão de Medicina de Reabilitação – DMR, http://www.hcnet.usp.br/haux/dmr/.
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a Associação de Integração do Deficiente (Aide 63), uma entidade legalizada, estabelecida e registrada, com CNPJ, INSS etc. Até onde sei, uma das primeiras, se não a primeira entidade a atender todos os tipos de deficiência. Depois de um ano, mais ou menos, começamos a ouvir falar de um grupo que se reunia, se não me engano, numa das salas das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Começamos, então, a participar das reuniões do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes (MDPD), que tinha essa característica de movimento mesmo. Não era legalmente constituído. Era uma arena, da qual participavam todas as pessoas e entidades mobilizadas naquele “levante dos sentados”. Era um espaço aberto a todos. E, como estava chegando 1981, o ano declarado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Ano Internacional das Pessoas Deficientes (AIPD), a gente levou tudo muito a sério. As reuniões da Aide eram marcadas em períodos distintos, para que pudéssemos participar das reuniões na FMU. Quando participava das reuniões do movimento, a gente levava a voz da Aide. Não era a voz do Canrobert, do Rui ou da Leila. Mas, sim, sempre, era a voz da pessoa jurídica, do grupo. Depois de uns quatro ou cinco anos, o MDPD sentiu necessidade de se constituir legalmente e a Aide estava com dificuldade para manter um número de participantes que fosse representativo. Houve a unificação e o MDPD adotou o CNPJ da Aide 64. Mas, no momento em que se tornou uma entidade legalmente constituída, o MDPD deixou de ser aquela arena na qual todas as entidades de reuniam e começou a perder um pouco da sua força. As coisas eram difíceis, naquela época. Para ter uma ideia, por incrível que pareça, depois de ter ficado deficiente, nunca estudei num colégio onde pudesse usar o banheiro. Essa experiência nunca tive. No colégio Fernão Dias, em Pinheiros, eu entrava por uma portinha, lá nos fundos. Tinha que chegar uma meia hora antes. Dar um berro e esperar alguém avisar o responsável para abrir o portão. Ainda que não tenhamos obtido todos os frutos com os quais sonhamos, acho que a realidade hoje é totalmente diferente daquela. Se, para alguns, ainda é ruim, eles não têm ideia de como a realidade era muito mais complicada. Não tínhamos nenhuma legislação que focasse os nossos direitos. Nenhum ônibus era adaptado. Ainda não temos a quantidade e a qualidade de ônibus acessíveis que gostaríamos, mas, já temos mais de 500 deles. São poucos, mas já temos até laboratórios clínicos adaptados. Hoje, você pode fazer um exame laboratorial com certo conforto, sem constrangimento por não ter um toalete para usar. Tivemos uma evolução muito grande. A duras penas, a realidade está menos cruel para com as pessoas que fogem um pouco do padrão. Quando começamos, na Aide, não tínhamos uma ideia pronta dos direitos que reivindicávamos. É gozado, mas, a gente não falava em direitos. As ideias foram sendo buriladas nas reuniões do MDPD, naqueles encontros com todo mundo discutindo e brigando. Naquelas reuniões ácidas que, às vezes, a gente fazia. Nós mesmos não nos entendíamos em muitos temas. Acho que foi quando aconteceram outros “Por que não?” Alguém perguntava: “A gente vai pedir isso?” e outro respondia: “Ué, por que não?” A gente sempre se surpreendia até com as próprias ideias. Lembro-me da primeira vez em que ouvi falar em “adaptar todos os ônibus”. Aquilo, para mim, ficou uma coisa meio assim: “Ô, meu, cai na real!” Era uma coisa tão
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. Embora não haja na grafia da sigla o acento circunflexo, Canrobert pronuncia o nome da entidade como Aidê, segundo ele, para diferenciá-lo do nome de sua irmã, Aide. 64
. Na ata realizada em 9-01-82, publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo, de 14-07-82, a Aide aprovou a minuta da Carta Programa da entidade, que passou a denominar-se Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes-MDPD.
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utópica! “Imagina, adaptar todos os ônibus! Ninguém vai querer fazer isso.” Mas, aí, aparecia o “por que não?” Acesso aos lugares públicos para todos? Por que não? A questão das cotas para as pessoas com deficiência nas empresas, por exemplo, ainda hoje é um ponto polêmico. Mas, por que não? Está mudando a realidade de vida de muita gente. Então, por que não? E o papel social das empresas? Acho que, algum dia, em algum momento, quando alguém falou em férias trabalhistas também causou esse espanto. E alguém respondeu: “Por que não?” Acho que a gente teve muito “por que não?” nas nossas reuniões. Amadurecemos com o crescimento do movimento. Aos poucos, fomos elaborando e ampliando nossas reivindicações. Por que não mudar as leis municipais e estaduais? Por que não participar da Assembleia Constituinte e fazer constar nossos direitos na Constituição? Fomos crescendo no e com o movimento. Em 1980, estive no 1º Encontro Nacional de Entidade de Pessoas Deficientes, que aconteceu, de 22 a 25 de outubro, em Brasília. Em 1981, participei do encontro nacional que houve em Recife65. O encontro de Brasília foi numa época em que meu irmão morava lá. Fiquei no apartamento dele, o que facilitou as coisas, porque as vagas eram reduzidas no alojamento. Foi um encontro fantástico. Em Recife, fiquei na casa de uma tia. Uma tia muito zelosa que ficou revoltada comigo porque, nos últimos dias, arrumei uma namorada e preferi ficar no alojamento. A revolta era maior ainda porque a namorada era paulista. “Mas, meu filho, tu vem até aqui para se envolver com uma paulista! Isso é uma desonra para nós, mulheres daqui!” Nesses encontros, a impressão era de que estávamos num acampamento de refugiados de guerra. Talvez houvesse uns 10% de pessoas com algumas regalias. Mas, a maioria esmagadora dos mais de 500 participantes era pessoas muito humildes. As mais humildes que eu tinha visto na vida, até então. Você olhava e se espantava: “Nossa, mas, tem tanto deficiente assim no Brasil?” E aquilo ali era só uma representação pífia da quantidade real da população com deficiência. Ver aquele mundo de amputados e cadeirantes, num mesmo lugar, me causou um tipo de choque cultural profundo. Era como se o Brasil inteiro fosse deficiente. A primeira impressão dos encontros de Brasília e de Recife, para mim, foi um grande choque. O pessoal do Norte e do Nordeste mostrava uma realidade completamente diferente para nós. Embora os problemas fossem os mesmos, ou seja, falta de acesso aos imóveis, aos transportes públicos etc., o grau de dificuldade enfrentado por muitas pessoas era muito maior. No encontro de Recife ou de Brasília, não lembro ao certo, conheci um deficiente que morava numa palafita. Não consigo me imaginar andando de cadeira e sobrevivendo numa coisa daquelas. Eu me senti muito burguês, naqueles encontros. Ia e voltava de carro. Dormia no apartamento do meu irmão. Conseguimos passagens e fomos de avião. Lá, ficamos sabendo de gente que tinha ido de perua, de caminhão, de jardineira, de pau de arara... O pessoal do Amazonas, por exemplo, viajou dias e dias de barco, para chegar a uma cidade e depois tomar não sei mais quantos outros meios de transporte para chegar ao local do encontro. Num desses encontros, tive contato com uma pessoa do interior de Goiás que há 20 anos não saía da casa. Quer dizer, as pessoas estavam confinadas. A gente via essas coisas e se
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. Esse encontro, denominado 1º Congresso Nacional de Pessoas Deficientes, foi organizado pela Coalizão PróFederação de Entidades de Pessoas Deficientes, ocorreu entre os dias 26 e 30 de outubro e, segundo matéria publicada no jornal Folha de S. Paulo, em 14-8-81, teve o apoio da Comissão Nacional do Ano Internacional das Pessoas Deficientes e do governo do Estado de Pernambuco.
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sentia pequeno, em relação à bravura e resistência daquele pessoal. Ao mesmo tempo, havia um sentimento de orgulho por testemunhar as pessoas tão humildes se levantando, lutando e resistindo em defesa de seus direitos, sem passividade. Houve momentos em que fiquei com os olhos lacrimejando, ao ver essas pessoas seriamente envolvidas e dispostas a todo e qualquer tipo de sacrifício para chegar e se fazer ouvir. Para mim, foi emocionante. Hoje, as pessoas não acreditam no que a gente fazia para poder se organizar. Mesmo em São Paulo, a maior cidade da América Latina, com o polo tecnológico que a gente já tinha, com todos os recursos completamente diferenciados do resto do País, havia uma tremenda dificuldade para conseguir um espaço no qual a gente pudesse se reunir. Fazíamos reuniões nas faculdades, nas associações, igrejas etc. A dificuldade de locomoção obrigava a gente a uma via sacra. Quem tinha um carro saia recolhendo quantas pessoas fosse possível. Às vezes, o motorista fazia duas ou três viagens. Bem ou mal, aqui em São Paulo, hoje, você entra em contato com as empresas, com a prefeitura, consegue uma van do Atende66. Existe um número razoável de ônibus mais ou menos adaptados. Facilita bastante. Naquela época, não. As pessoas quase se arrastavam por quatro ou cinco quadras para poder chegar até o local das reuniões. Aqueles encontros foram um tipo de renascimento. Uma coisa fantástica. Seria muito difícil reproduzir aquela atmosfera, quando se somaram a resistência à ditadura e a possibilidade de almejar um mundo melhor, em todos os aspectos. Tudo funcionou para que o movimento acontecesse. Foi um momento muito fértil e não apenas para nós. O mesmo aconteceu na literatura, na música, no teatro, no cinema. Foi como se tudo estivesse numa panela de pressão que eclodiu naquele momento. Sinto orgulho de ter feito parte daquele movimento. Valorizou muito a minha vida. Só pela experiência da mobilização das pessoas com deficiência, para mim, valeria a pena viver dez vidas iguais a essa que estou vivendo. A gente tinha uma predisposição para transformar tragédia em comédia. Tudo era motivo para festejar. A gente quebrava o pau nas reuniões e depois ia para uma lanchonete, com a Maria de Lourdes Guarda na maca e tudo. De repente, chegavam 20, 30 pessoas, 10 cadeirantes, uma maqueira, cegos, deficientes auditivos... O pessoal do restaurante ficava apavorado! Foi uma experiência fantástica. Tudo que acontecer agora vai ser uma pequena reprodução do que já aconteceu naquela época. Aqui em São Paulo, a gente fez muitas mesas-redondas com o Crea67 e representantes de outras categorias profissionais. Fiz várias reuniões com o Detran68, para discutir a falta de critério deles para avaliar uma pessoa com deficiência na hora de tirar a carteira de motorista. Tive a felicidade de uma das terapeutas ocupacionais da Vergueiro, a Ilíada Cardiária, me ligar dizendo: “Can, fiquei sabendo que o Banco Real está contratando pessoas com deficiência. Você não quer fazer entrevista?” Fui e comecei a trabalhar lá, com banheiro adaptado e tudo. Justiça seja feita, o Banco Real foi uma das primeiras grandes empresas que se adequou para contratar pessoas com deficiência. Foi uma época muito interessante. O chefe estava lá, todo cheio de si, e, de repente, o telefone tocava. Ele dizia: “Can, é do gabinete do governador, estão querendo falar com
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. O Serviço de Atendimento Especial (Atende), criado pelo decreto nº 36.071, de 9 de maio de 1996, é uma modalidade de transporte porta a porta, gratuito, com regulamento próprio, oferecido pela Prefeitura do Município de São Paulo, destinado às pessoas com deficiência física com alto grau de severidade e dependência, impossibilitadas de utilizar outros meios de transporte público. http://portal.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/transportes/acoes/0002 67
. Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de São Paulo.
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. Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo.
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você.” Embora fosse divertido ver o chefe nessa situação, para mim, isso criava certa resistência desnecessária no banco. As chefias imediatas ficam nervosas quando você tem esse tipo de contato. Em 1981, Maluf era o governador. Ele criou a Comissão Estadual de Apoio e Estímulo ao Ano Internacional. Lembro bem disso porque foi um momento à parte da nossa história. A gente tinha sempre uma resistência muito grande em tratar com o Maluf, tanto por causa da sua origem política como pela forma demagógica de ele governar, o que também nos contrariava bastante. Houve ocasiões em que, diante de propostas “bemintencionadas” dele, tivemos que deixar claro que, pelos nossos estatutos, não podíamos ter nenhuma posição político-partidária. Nessas horas, Maluf, simplesmente, batia no nosso ombro e dizia com aquele jeito nasalado de falar: “Então, sinto muito, não podemos fazer nada.” A gente estava começando a sair do regime autoritário e Maluf representava tudo o que a sociedade rejeitava. Entre a gente, havia discussões homéricas para decidir quem iria à reunião com ele. A maioria dizia: “Não quero ver esse homem na minha frente.” Encarar o Maluf era estar diante de tudo aquilo que a gente condenava. Era difícil negociar, participar de reuniões e sair em fotografias ao lado dele. Tínhamos muito medo de dar a impressão de que a gente estava promovendo o governo dele. Era complicado na nossa cabeça. Mas, justiça seja feita, assim como era ele, poderia ter sido qualquer outro o nosso – entre aspas – inimigo externo que nos unia e com quem teríamos de lutar para reverter a situação das pessoas com deficiência. Hoje, acho graça quando me lembro da primeira ideia que tive em relação à ditadura. Era moleque, lá em Araçatuba, e um vizinho meu tinha um cachorro, daqueles policiais, bonitos, que se chamava Castelo. Um dia, brincando, na maior ingenuidade, chamei o Castelo de “Presidente”. O pai do meu amigo ficou apavorado. Ele me pegou pelo colarinho e disse: “Nunca mais quero ouvir você falar um negócio desses!” O presidente do Brasil era o Castelo Branco69. Até então, para mim, o país era governado, sei lá, por um rei, um príncipe, uma coisa distante. Depois, eu ficava me policiando para não chamar o Castelo de Presidente. Mas, às vezes, encontrava o cachorro, verificava se não tinha ninguém perto, e sussurrava “Presidente!” No interior de São Paulo, a lavagem cerebral tinha sido bem-feita. Qualquer manifestação estudantil era qualificada de “coisa de baderneiros”. Os pais tinham sempre muito medo da aproximação com os “baderneiros”. Volta e meia, ouvia-se a orientação: “Se eles vierem, você muda de calçada. Nada de puxar assunto!” A mesma recomendação que era feita em relação às mulheres desquitadas e aos espíritas. Aquela era uma região bastante católica. Por isso, sofri muito quando o irmão mais velho de um amigo foi vítima da ditadura. Ele era estudante, foi preso e torturado com choque. Ficou completamente pirado. Minha família era de uma cultura tradicional. Não tinha uma leitura crítica da situação. Eu era alertado para evitar uma aproximação com aquela família, mas, ao mesmo tempo, percebia o sofrimento do Elder e da mãe dele. Quando conheci o Cândido Pinto de Melo, fiquei chocado ao descobrir que ele era um daqueles “baderneiros” e que, por causa disso, tinha ficado paraplégico. Foi como se tivesse havido um terremoto na minha cabeça. Conhecer a história do Cândido foi como um desvendando daquele lado oculto que não pude entender na adolescência. Percebi que tinha sido enganado a vida inteira.
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. Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco foi o primeiro presidente do regime militar instaurado pelo golpe militar de 1964.
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Para mim, o Cândido sempre foi um mito, nunca consegui vê-lo como um igual, como um semelhante. Guardadas as devidas proporções, em termos de representatividade, conhecer o Cândido foi como conhecer o Che Guevara. Cândido estava num outro nível. A vida particular dele não existia. Ele era daquelas pessoas que não tinha como separar vida particular de atuação política, era tudo uma coisa só. Uma ou outra vez, tivemos divergências de opinião. Essa dificuldade de comunicação, talvez, ocorresse porque, para mim, ele estava acima da gente ou, então, podia ser porque eu não conseguia enxergar o que ele tentava explicar. É difícil conversar com alguém que você admira muito. Acho que o destino não foi justo com o Cândido. Acho que ele deveria ter terminado como deputado federal ou alguma outra coisa que fizesse justiça ao papel que ele desempenhou na história. Para mim, o AIPD foi um divisor de águas. O “Canrobert de antes de 1981” e o “Canrobert de depois de 1981” são pessoas totalmente diferentes. Naquele ano, começamos a discutir um plano muito mais profundo, uma coisa maior até do que a gente imaginava. A gente começou a falar em Constituinte, em leis maiores. Começamos a falar de questões profundas e importantes. A gente começou a falar de um país diferente e de como – de forma muito ativa e participante – a gente iria se inserir nele. Não iríamos mais esperar que as entidades que “guardavam direitinho” dos deficientes cuidassem da gente. Queríamos definir os nossos papéis e decidir o nosso próprio destino. Foi um marco. Os novos militantes – as pessoas com deficiência que estão começando agora a se envolver com o movimento – precisam ter uma noção da amplitude dos anos de 1980, 1981 e 1982. Foi uma explosão, uma fogueira, cuja chama ficou acesa até 1988, quando a gente conseguiu levantar mais de um milhão de assinaturas para levar nossas reivindicações à Assembleia Nacional Constituinte. O AIPD fez a diferença. Se a ONU não tivesse declarado 1981 como o Ano Internacional, todo e qualquer movimento que a gente tivesse feito, naquele momento, teria sido algo localizado. Não teria a repercussão que teve, com o apoio da imprensa e a mobilização da sociedade, de autoridades nacionais e internacionais. Realizamos encontros nacionais e, embora a gente não tenha participado, houve encontros internacionais também. O AIPD foi um amplificador poderoso para nossas reivindicações. O próprio encontro da Aide com o movimento foi, justamente, para que pudéssemos nos preparar para o AIPD. A gente nem pensava em 1988 porque esse ano nem existia na nossa imaginação. O que havia era aquele clima de “temos que nos preparar para o Ano Internacional”. Então, só por ter motivado esse nosso encontro, o AIPD foi fundamental. Se não fosse isso, talvez, a Aide tivesse sido só mais uma entidade. Por causa do AIPD, a gente saiu da discussão da calçadinha, da portinha mais larga e começamos a falar de leis municipais, estaduais e de Constituição. Acho que tudo isto foi resultado direto de 1981. Os anos de 1980 e 1981 foram bastante ricos, inclusive em termos de conflitos. Lembro-me também das inúmeras reuniões que fizemos com a Rede Globo para discutir as vinhetas referentes ao AIPD que eles queriam colocar no ar, durante o ano de 1981. Nossa luta era para impedir que divulgassem imagens piegas e preconceituosas. Convencê-los a mostrar os deficientes de forma positiva, mais altiva. Não estive pessoalmente nas reuniões com a Rede Globo, mas, participei daquelas em que nossos representantes nos colocavam as questões. Os ânimos se exaltavam porque o que se discutia era muito subjetivo. Até que ponto o foco de uma câmera ou determinada imagem eram apelativos ou não? Não havia uma tabela a ser seguida, claro. Aquilo nunca tinha sido feito antes, e, realmente, as discussões ficavam muito acaloradas. O ano de 1981 ficou como uma referência da realidade social que vivíamos. Durante o AIPD, houve o choque entre a cultura antiga e a nova, aquela que teria que prevalecer
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daquele momento em diante. A partir de 1981, nada mais seria como antes. Deixamos bem claro que estávamos fincando nossos próprios alicerces e não queríamos ser apadrinhados, nem tutelados. Todos os confrontos internos ou externos que tivemos serviram para fortalecer o movimento. O evento comemorativo aos 25 anos do AIPD, realizado em 2006, em São Paulo, foi como uma viagem no tempo. Foi emocionante reencontrar os velhos companheiros e saber que aqueles que já se foram não foram esquecidos. Acho que poucas vezes na vida tive emoções tão fortes. As amizades que fizemos naquela época ainda se mantêm vivas, porque foram construídas sobre um movimento solidário. Todos nós estávamos no mesmo barco. Um dando carona para o outro. Dividíamos o que tínhamos e fazíamos vaquinhas para pagar as despesas. Tudo isso fortaleceu as relações. Pessoas que, na época, tinham muitas divergências e viviam em conflito, hoje, são grandes amigos. A gente berrou bem alto quando todo mundo queria que a gente ficasse quietinho e bem-comportado. Foi uma aventura muito rica para todos nós. No aspecto social, acho que muitas coisas não aconteceram como a gente gostaria. Mas, em termos pessoais, não tenho direito de reclamar. Para mim, o movimento extrapolou e muito as expectativas. Ganhei muito, isto é, no aspecto existencial – que isso fique bem entendido – porque, financeiramente, não ganhei nada. Pelo contrário, paguei para participar. As contas não batiam. Colocávamos do nosso bolso. Até hoje, é assim. Em 1986, na época em que começou a formação dos conselhos, o MDPD já tinha incorporado a Aide e eu, raramente, vinha para São Paulo. Quem participava dos conselhos eram o Gilberto e o Galeno. Não sei se o resultado esteve à altura do que a gente propunha. Mas, acho que os conselhos foram válidos. Na esteira dos nossos, foram criados o Conselho do Idoso, o Conselho da Mulher... Não sei se o mesmo aconteceu com os conselhos dos outros segmentos sociais, mas, em São Paulo, houve um uso político-partidário que acabou desvirtuando o papel que os conselhos municipal e estadual da pessoa com deficiência poderiam ter. Na minha avaliação, houve falhas das pessoas deficientes e dos políticos do momento, que manipulavam o conselho para que fossem eleitos representantes de seu interesse. Por sua vez, as pessoas com deficiência criavam um escudo muito exagerado, em relação a alguns políticos. Lembro-me de representantes das pessoas com deficiência, que participavam do conselho, que se recusavam a participar de reuniões com o Maluf, na época em que ele era prefeito. Acho que essa foi uma falha. No momento em que você representa uma entidade, um conselho, seja o que for, as coisas não podem ser encaradas de forma pessoal. Você não representa a si mesmo, mas, sim, a organização, a pessoa jurídica. A partidarização prejudicou a atuação dos conselhos. Mas, faço essa crítica com muito cuidado, porque nunca fui conselheiro, não estava lá no momento, não vivenciei essas coisas. Não tenho o direito de criticar de forma aguda uma coisa da qual não participei. Não colaborei para que fosse diferente, nem para que fosse igual. Mas, faço essa avaliação, como alguém que conhecia o movimento e as pessoas que dele participavam. Acho que, hoje em dia, está muito complexo agregar e mobilizar pessoas. Não consegui ainda ter uma leitura muito clara deste momento em que estamos. Não sei se é a ressaca de um período muito fértil ou se é falta de renovação de lideranças. Mas, acho que, em todos os aspectos, não só no das pessoas com deficiência, há essa dispersão, esse enfraquecimento. Antigamente, os artistas lançavam um disco e você comprava. De 11, 12 músicas, havia oito pelas quais você se apaixonava logo de cara. Hoje, para você conseguir garimpar duas ou três músicas que goste, é preciso vasculhar muita coisa.
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Após a abertura política, dos anos 1990 para cá, não sei o que aconteceu, mas, cada um se acomodou no seu canto. No nosso grupo – tirando meia dúzia de pessoas que são quase sacerdotes –, houve acomodação. A quebra de expectativa ou a falta de um inimigo comum esfriou um pouco a mobilização. Acho que os conselhos vieram nessa fase de esfriamento. O vulcão já tinha explodido e a lava já estava esfriando. Talvez, o pecado tenha sido os conselhos terem nascido no momento inadequado. Se tivessem acontecido antes, teriam sido mais efervescentes e consequentes. A abertura política enfraqueceu a oposição. Tudo se concentrava no MDB. O pluripartidarismo não veio a partir de uma consciência política, uma evolução política da nossa sociedade. Veio apenas como uma força estratégica para demolir um pouco a oposição. Quando veio a abertura, já não eram dois grupos que se chocavam. Era um grupo muito forte e vários grupinhos pulverizados. Se o inverno é rigoroso, as flores são mais brilhantes. Nos países em que os invernos são rigorosos, a primavera é uma coisa fantástica, uma explosão de cores. A gente teve o regime militar, foi um inverno muito forte, muito intenso por um período muito longo. Quando floriu, foi tudo de uma vez, uma explosão. Não que a gente faça apologia ao inverno político, mas acho que uma coisa leva a outra. Você poda a árvore e ela brota forte. Talvez, as próximas gerações consigam brotar fortes sem necessidade de uma poda, sem o inimigo em comum. Nosso movimento não era só pelos direitos das pessoas com deficiência. Éramos cidadãos contra a ditadura. Naquela época, não podia haver agrupamento de pessoas, mas havia resistência a isso. Éramos muito estimulados e inspirados pelos movimentos culturais. Nossas reivindicações eram educação, saúde, transporte, trabalho e lazer. Esses cinco itens eram totalmente inquestionáveis. Não sejamos tão cruéis e autocríticos em relação a nós mesmos. Nós conquistamos muitas coisas. É importante o fato de termos consolidado nossos direitos na Constituição. Muita coisa ainda está na dependência das regulamentações, mas, são conquistas que não foram fáceis. A nossa situação ainda está muito a desejar. A sociedade ainda está longe de ser o que queremos, mas, isso também não significa que fizemos pouco. Ao contrário, tivemos grandes conquistas. Os jovens têm o compromisso de aperfeiçoar os alicerces que construímos. Durante o evento comemorativo aos 25 anos do AIPD e, antes disso, nas feiras de equipamento para deficientes, pude perceber que tem um pessoal jovem se envolvendo, batalhando duro. Mas, eles têm a desvantagem de não contar com o clima favorável à mobilização que desfrutamos na nossa época. Fazíamos reuniões todo mês com mais de cem pessoas. No salão, formávamos três ou quatro fileiras de cadeiras em círculos concêntricos. Vinha gente de várias cidades do interior de São Paulo e até de outros Estados. Havia muito poder no nosso grito. Quando comecei no movimento, havia pessoas que eu visualizava como estando um degrau acima de mim. É o caso do Cândido e da Maria de Lourdes Guarda que, apesar de morar no Hospital Matarazzo e usar uma maca para se locomover, se comunicava com a América Latina inteira. Também estavam um nível acima do meu o Gilberto Frachetta, o Luiz Baggio, o pessoal do NID (Núcleo de Integração de Deficientes). O Bacurau, do Morhan (Movimento de Reintegração de Pessoas Atingidas pela Hanseníase), lá de Manaus, foi uma pessoa cuja liderança também me marcou muito. Havia o pessoal da Adeva (Associação de Deficientes Visuais e Amigos) que vivia se envolvendo em polêmicas, mas, cuja atuação e persistência na luta eram admiráveis. A Leila chamou muito minha atenção para a questão da deficiência visual, uma coisa complicada, não só para os não deficientes, mas, também, para nós que temos deficiência física. Aprendi muito com sua postura apaziguadora, mas firme em suas posições. Havia também o pessoal da Associação de Assistência ao Deficiente Físico de Ourinhos (AADF), de Ourinhos,
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dentre os quais se destacava o médico Robinson José de Carvalho, cujas ponderações eram sempre muito pertinentes. Também participavam o Romeu Sassaki, o Otto Marques da Silva e o Thomas Frist. Essas pessoas fizeram a diferença. Para mim, que estava saindo de uma ignorância política e tinha acabado de chegar ao movimento, essas pessoas eram uma referência muito importante. Faziam reflexões que, na minha cabeça, apareciam pela primeira vez. Era um privilégio observar e ouvir pessoas como o Rui Bianchi do Nascimento, por exemplo. Contrariando sua aparência física, cuja fragilidade era até meio assustadora, o Rui tinha uma força argumentativa poderosa. Essas pessoas todas me iluminaram. Ninguém ficava discutindo aquela rampinha que precisava ser feita. Discutiam-se questões muito mais profundas, mais conceituais. O debate era sobre o procedimento (como a rampa tinha que ser feita), mas, também, ao mesmo tempo, definia-se o conceito (o que aquela rampa representava). Não queria só subir o degrauzinho. Eu queria meu direito de ir e vir. Eram questões bastante complexas e, por não serem concretas, davam margem a muita polêmica, muita discussão. Num minuto, você era inimigo mortal do outro ali do lado, um minuto depois, todos estavam juntos na lanchonete. Se for analisar, não se consegue chegar a uma conclusão clara sobre se o conflito de opiniões entre as várias entidades atuantes prejudicou ou alimentou o movimento. Porque as duas coisas aconteceram: a oposição de ideias prejudicou em alguns aspectos e alimentou em outros. Tudo bem que a unanimidade é burra, mas acho que, se tivesse havido um pouco menos de divergência, talvez, a gente tivesse avançado mais. Mas, por outro lado, se não tivesse havido os conflitos, a gente não teria levantado tantas opções. Não dá para saber como teria sido. Mesmo porque éramos marinheiros de primeira viagem em tudo. Sobretudo, em questões políticas. Vínhamos de uma noite muito longa. A gente tinha até medo de reivindicar determinadas coisas. E esse medo criava fantasmas. Até que ponto eu podia peitar um governador? Não sei. Era uma autoridade. E, naquela época, as autoridades eram inquestionáveis. Acho que todos esses elementos compuseram o painel que a gente viveu. Uma coisa realmente era uníssona: a gente não queria aquele papel de coitadinho. Isso alimentou todas as nossas atividades, nossas ações. Isso nos permitiu conquistar nossa dignidade. Nossa geração desconhece esse conceito do coitadinho. Imagine! Que coisa absurda! Eu até brinco com as pessoas. Existem duas formas de andar, uma delas é em pé, a outra é sentado. Eu levo a vantagem de estar sentado. Havia o movimento nacional, que englobava entidades de todo o Brasil, e havia entidades que englobavam as diversas deficiências. Algumas só tinham deficientes físicos, como era o caso da Associação Brasileira de Deficientes Físicos (Abradef), com basicamente só paraplégicos que trabalhavam como ambulantes. Havia a Adeva, que era só de deficiente visual. O berço da Aide foi a DRPV, que atendia a todas as deficiências, nenhuma foi excluída. Esse berço permitiu a nossa heterogeneidade. E nossa convivência foi superlegal. A convivência entre as pessoas com vários tipos de deficiência, na Aide, não foi conflitante porque a gente já participava de um grupo bastante heterogêneo na DRPV. A presença dos deficientes visuais e auditivos para nós era importantíssima, porque, muitas vezes, eu não estava levando em consideração as necessidades deles. Eu ficava pensando na rampinha e não lembrava que o piso tinha que ser feito de forma a ser detectado por eles. Foi uma experiência muito rica. Foi fundamental tê-los ao nosso lado nos ensinando como nos adaptar às necessidades deles. Para isso, a Leila teve um papel importante. O movimento – como era um fórum formado por várias entidades e pessoas com tipos diferentes de deficiência – já nasceu heterogêneo. Em termos de movimento nacional, depois houve uma separação. Fomos juntos até certo período e depois as deficiências se separaram. O que acho que não foi tão antinatural assim.
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Aqui, em São Paulo, essa base heterogênea criou uma amizade solidária que permanece até hoje. Então, talvez, se a gente for fazer uma reunião para discutir algum assunto importante no Estado de São Paulo, a gente não vai conseguir excluir os deficientes visuais e os deficientes auditivos, até porque são amigos nossos pessoais. Para nós, esse distanciamento entre as deficiências não é tão significativo, tão preocupante. Agora, nos movimentos macro, aí, sim, você vai ver os guetinhos formados a partir das necessidades específicas de alguns desses grupos que se identificam entre si. Acho que de todas as modalidades de deficiência, os deficientes auditivos são os que mais facilmente podem ser descritos como sendo um grupo compacto, fechado, até pelas próprias características da deficiência deles. É óbvio que participando de um movimento em nível nacional – com entidades representativas de outras deficiências –, a histórica relação fraternal que nos une deixa de existir e os deficientes auditivos vão acabar se fechando no grupo deles. Mas, não acho que isso seja por desconsideração às necessidades dos outros grupos. Não seria legal se isso acontecesse. Em termos nacionais, o ideal seria que as questões fossem sempre universais. Atualmente, qualquer liderança sofre para reunir meia dúzia de pessoas para discutir questões políticas. Mas, os novos militantes têm a vantagem de poder usar a internet, para se comunicar com pessoas que estejam em qualquer lugar do planeta. Ninguém pode mais se queixar de falta de informação. Basta um clique no mouse do computador e, em segundos, puxa tudo via internet. A nossa geração se beneficiou de um momento histórico que nos impelia ao agrupamento. Mas, a informação era uma joia rara que precisava ser garimpada com muita dificuldade e muito esforço. Lembro que passamos dois dias inteiros, lá naqueles arquivos mofados da prefeitura de São Paulo, para levantar a legislação sobre calçadas, e não conseguimos coisíssima nenhuma! Já não tenho tanta resistência física como antes. Eu saía do banco, ia para reuniões. Das reuniões, ia para as comemorações. Chegava em casa lá pelas 3 horas da madrugada. Às 6 da manhã, acordava para ir trabalhar. Hoje, isso para mim é completamente inviável. Seria um desrespeito para comigo mesmo. Tenho que respeitar minhas limitações. Atualmente, a gente tem mais necessidade de se reunir para conversar sobre assuntos além do universo da deficiência. Vamos discutir cultura, falar sobre música, fazer um churrasco, comer uma pizza, tomar um chope. A tragédia de ontem é a piada de hoje. E temos muitos motivos para rir! Acho que a gente não tinha muito a noção da importância, mas, tenho certeza de que todos os que tiveram a oportunidade sentem muito orgulho por terem participado do movimento. Eu só tenho a agradecer por ter convivido com um grupo de pessoas que me enriqueceu muito, me trouxe consciência e lucidez, que ampliou minha mente, meu conceito de vida e de sociedade. Não vivo no país ideal que nós sonhamos, mas, não jogo mais papel no chão, nem mato mais passarinho. Quando chegar o momento de fazer um levantamento dos prós e contras da minha vida, vou me sentir aliviado. Eu me sinto profundamente privilegiado – presenteado, até – por ter assimilando o conteúdo humano e adquirido o conhecimento que as pessoas que fizeram parte do movimento puderam me oferecer. Minha única angústia é pensar que tudo pode se perder. Muitas vezes, você quer que as coisas continuem para que você não seja excluído da história. Espero que deem continuidade ao nosso trabalho. Não para que nos valorizem nessa continuidade, mas para que o processo evolua. Para que as novas tecnologias que não estavam ao nosso alcance – como a Internet – possam ser utilizadas para conquistar os frutos que nós ainda não conquistamos.
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Imagem. Diário Popular. São Paulo – domingo, 10 de agosto de 1980 - Brasil. Deficientes querem se integrar. Os deficientes físicos prosseguem sua luta pela plena integração na sociedade. Para traçar diretrizes a serem discutidas em outubro, em Brasília, durante o I Encontro Nacional das Pessoas Deficientes, eles estão reunidos desde ontem, no Ginásio de Esportes da rua Germanie Burchad. (página 3). Deficientes físicos na luta pela integração na sociedade. Contém foto em preto e branco de reunião de pessoas com e sem deficiência. Depois de um movimentado encontro no mês passado, aqui em São Paulo, os deficientes físicos vão se reunir novamente — e desta vez em Brasília — para realizarem o I Encontro Nacional das Pessoas Deficientes. Será entre 23 e 25 de outubro próximo e terá como objetivo amplo a integração das pessoas deficientes na sociedade, pela sua plena valorização como ser humano. Desde ontem, vários representantes de 25 entidades de 10 Estados brasileiros que compõem a coalizão pró-Federação Nacional de Entidade de Pessoas Deficientes estão reunidos, no Ginásio de Esportes da Secretaria de Esportes e Turismo, à rua Germanie Bouchard, debatendo as formas de encaminhamento dos trabalhos durante o encontro em Brasília. Outro assunto na pauta das delegações é o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, que será comemorado em 1981. Nesse período, os deficientes e suas entidades deverão redobrar os esforços pela conquista de seus direitos, levando à comunidade as discussões relativas aos seus interesses necessidades e experiências. Segundo representantes de outros Estados, o encontro realizado em julho teve boa repercussão na comunidade. Ontem pela manhã, os delegados das entidades de pessoas deficientes discutiam os regimentos das organizações, debates que continuam hoje, no mesmo local. Legenda: Diário Popular, 10 de agosto de 1980. Acervo digital Memorial da Inclusão. Acervo Romeu Sassaki.
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Imagem. Documento do Movimento Pelos Direitos das Pessoas Deficientes. Movimento pelos Direitos das Pessoas deficientes. Press-Realise. O Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes convida os interessados e, em particular, as pessoas deficientes, a participar da Solenidade de Abertura de sua programação para o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, a realizar-se no próximo sábado, dia 14 de março, às 15:00hs., no Plenário do Palácio Anchieta, Câmara Municipal de São Paulo, Viaduto Jacareí, 100. A programação que se seguirá à abertura será constituída de 8 Mesas redondas, conforme segue: (Anexo Programação Detalhada): Data – Horário – tema: 25/abril – 13 às 17:30hs – Espaço Urbano; 23/maio – 13 às 18:30hs – Mercado de Trabalho/ 27/junho – idem – Transporte Individual e Coletivo; 18/julho – idem – Assistência Médica e Reabilitação; 29/agosto – idem – Legislação Específica; 19/setembro – idem – Lazer; 17/outubro – idem – Educação e Ensino Profissionalizante; 21/novembro – idem – Relações Humanas e Sociais. Todas as mesas redondas realizar-se-ão no Colégio Anchietanum, Rua Apinagés, 2.033, altura da Rua Heitor Penteado 1.200 – Sumaré. A importância deste evento e dos demais que o seguirão pode ser assim traduzida: 1 São as Pessoas Deficientes, através deste Movimento, que estão elas mesmas, fazendo a SUA programação para o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, instituído pela O.N.U. (Organização das Nações Unidas) que, em sua última Assembléia Geral de 1980, “insistia sempre na participação das pessoas deficientes”. 2 Esta importância é relevada quando, até hoje, no país, não existe uma programação oficial para comemoração do Ano Internacional das Pessoas Deficientes, no que pese ser de responsabilidade dos Governos de países membros da O.N.U., a constituição de comissões nacionais que realizem esta programação. 3 Procura-se veicular corretamente e reparar erros cometidos em pronunciamentos oficiais das autoridades brasileiras, que têm se referido ao “Ano Internacional das Pessoas Deficientes”, como “Ano Internacional dos Deficientes Físicos”, “Ano Internacional dos Inválidos”, “Ano Internacional da Pessoa Deficiente” ou outras denominações. Observe-se que a denominação correta é das Pessoas Deficientes. DAS (pertencente às e não para as) PESSOAS DEFICIENTES porque abrange não apenas um tipo de deficiência, mas todo o conjunto de deficiências (mentais, sensoriais, físicas etc), como é definido pela DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DAS PESSOAS DEFICIENTES (Resolução adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, 9 de dezembro de 1975, Comitê Social, Humanitário e Cultural). 4 Busca-se com esta abertura e programação, a “Plena Participação e Igualdade”, tema estabelecido para o Ano Internacional, através da conscientização da sociedade e do Estado para os direitos das pessoas deficientes. 5 Procura-se também retirar as pessoas deficientes de suas casas e de sua marginalização para que, unidos e conscientes, conquistem seu espaço na sociedade, construindo uma sociedade mais justa, fraterna e de igualdade de direitos entre seus cidadãos. Movimento pelos Direitos das Pessoas deficientes. Legenda: Acervo digital Memorial da Inclusão. Acervo Romeu Sassaki.
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Imagem. Jornal da tarde, de 13 de março de 1981. A campanha pelos direitos dos deficientes. Amanhã será aberta a programação do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes. “As pessoas deficientes não reivindicam benefícios que tenham características de dádiva, privilégios ou concessões, mas reivindicam o que é de pleno direito delas como cidadãos de um país e seres humanos integrais”. Este é um trecho da Carta Programa do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes. Ele mostra, e bem, toda a filosofia das campanhas que serão feitas durante este Ano Internacional das Pessoas Deficientes, com um só objetivo: conscientizar a todos de que os deficientes existem em grande número e merecem ocupar um espaço na sociedade. Só no Brasil existem mais de 12 milhões de pessoas deficientes, que querem dar a sua participação, “em plena igualdade de condições, onde não haja discriminação e sim um tratamento normal e nenhum paternalismo. Pessoas que querem desfrutar das mesmas coisas que as pessoas normais desfrutam, mas que precisam apenas de uma atenção diferente”, como diz a Carta Programa. E é isso que o Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes pretende, como explicou uma das suas coordenadoras, a advogada Leila Bernaba Jorge. Leila, presidente da Associação de Integração dos Deficientes e deficiente visual diz: “A situação dos deficientes, hoje é bastante ruim, pois estamos esquecidos”. — As pessoas deficientes procuram colocação e são sempre barradas, quer em concursos públicos ou em empresas particulares. Por isso, às vezes, nem encontram condições de sair da cama do hospital. Leila se considera uma pessoa “privilegiada”. Além de coordenar a Comissão Jurídica do MDPD, ela exerce plenamente a sua profissão, em seu escritório particular. “Mas fui barrada em um concurso público e ninguém quis empregar-me”. Por casos assim, diz ela, é que é importante a Associação de Integração de Deficientes, “que cuida da colocação dos deficientes no trabalho”. — A Associação foi criada em outubro de 1978. Passamos mais de um ano nos estruturando. Agora, depois de alguns contatos com empresários, já conseguimos boas coisas. Na Feira de Automóveis Antigos, por exemplo, irão trabalhar 100 pessoas deficientes, na fiscalização e na coordenação. O Banco Comind também nos procurou para colocação de pessoal, como acontece no Banco Real, onde já há mais de 50 deficientes trabalhando. A abertura da programação do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes, para este Ano Internacional das Pessoas Deficientes, irá acontecer amanhã, às 15 horas, no plenário da Câmara Municipal de São Paulo, no viaduto Jacareí, 100. A partir daí, várias mesas-redondas serão realizadas, mensalmente, no Colégio Anchieta, numna rua Apinagés, 2033 (Sumaré), sempre a partir das 13 horas, nos dias 25 de abril, 23 de maio, 27 de junho, 18 de julho, 29 de agosto, 19 de setembro, 17 de outubro e 21 de novembro. Alguns dos objetivos das mesas-redondas, segundo a carta programa: “Reparar erros cometidos em pronunciamentos oficiais das autoridades brasileiras, que se têm referido ao Ano Internacional das Pessoas Deficientes como ‘Ano Internacional dos Deficientes Físicos’, ‘Ano Internacional dos Inválidos’, ‘Ano Internacional da Pessoa Deficiente’; encontrar, com esta programação, a ‘Plena Participação e Igualdade’, tema estabelecido para o Ano Internacional, através da conscientização da sociedade e do Estado, para os direitos das pessoas deficientes; e retirar as pessoas deficientes de suas casas e de sua marginalização para que, unidos e conscientes, conquistem seu espaço na sociedade, construindo uma sociedade mais justa, fraterna e de igualdade de direitos entre seus cidadãos”. Legenda: Jornal da Tarde, 13 de março de 1981. Acervo digital Memorial da Inclusão. Acervo Romeu Sassaki.
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Imagem. Quatro páginas (pp 17-21) da Revista EUP (União dos Estudantes de Pernambuco), homenagem a Cândido Pinto de Melo. As páginas da revista são na cor azul marinho, com cabeçalho nas cores verde e laranja e textos na cor branca. Página 17. Cabeçalho da página com o nome “Cândido Pinto”. Metade direita da página contém foto de Cândido, de perfil, sorridente, de bigode, sem barba, cabelos grisalhos. Veste Camisa branca, paletó preto e gravata marrom. Abaixo da imagem, sobre faixa branca, título da matéria: “Um líder perseguido mas nunca derrotado – Símbolo da resistência à repressão militar, o presidente da UEP em 69 nunca deixou de atuar em prol da democracia”, por Thais Queiroz. Rodapé na cor azul contendo endereço WWW.estudantepe.com
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Páginas 18. Contém seis fotos distribuídas entre as páginas: 1 - Cândido sentado na cadeira de rodas, de perfil, em meio a uma reunião com vários estudantes da União dos Estudantes de Pernambuco. Ele está com barba e os cabelos escuros; 2 - Cândido discursando, a seu lado, dois estudantes. Cândido está com barba e os cabelos escuros; 3 - Cândido bem jovem, magro, sem barba, cabelo e bigode escuros. Sentado na cadeira de rodas, rodeado por quatro pessoas com bengalas, todos sorriem; 4 Cândido bem jovem, magro, costeletas e bigode preto. Cândido está de pé e treina andar com muletas axilares, amparado por uma enfermeira. 5 – Cândido mais velho, mais gordo, o cabelo começa a ficar grisalho, porém barba e o bigode ainda são pretos. De corpo inteiro, na cadeira de rodas, ao fundo uma parede de tijolo; 6 – Close de Cândido, mais velho, barba e cabelos pretos, poucos cabelos grisalhos. Cândido sorri. Conteúdo da matéria: “A União dos Estudantes de Pernambuco (UEP) sempre se manteve afinada com os movimentos populares do Brasil na luta pela democracia. Foi o que aconteceu durante a vigência do Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945) e anos mais tarde, nos ‘tempos de chumbo’ da Ditadura Militar (1964-1985). Durante essa segunda fase, principalmente entre o final da década de 1960 e o início dos anos 1970, o fogo cruzado entre os dois lados políticos era intenso. O marechal Costa e Silva decreta, no dia 12 de dezembro de 1968, o Ato Institucional nº5 (AI-5), que permitia a cassação de direitos estudantis e políticos. Há um confronto direto entre o Governo e seus opositores. Muitos deles pagaram um alto preço por defenderem este ideal. O estudante de engenharia Cândido Pinto de Melo, presidente da UEP, foi um deles. Em 1969, ano marcado por este cenário tenso, sofreu um atentado que o deixou paralítico até o seu falecimento, em 2002. Cândido Pinto também era filiado ao Partido Comunista Revolucionário Brasileiro (PCBR) e ainda fazia parte do Diretório Central Estudantil (DCE) da Faculdade de Engenharia Eletrônica da UFPE, onde organizava assembléias, reunia estudantes e membros da sociedade em manifestações contrárias ao governo. Uma tarefa nada fácil, pois ele presidia uma entidade considerada ilegal pelo regime militar. ‘Com o endurecimento do governo, em 1968, a UEP foi colocada na clandestinidade. Todos nós resolvemos continuar mesmo assim, mas as coisas foram ficando mais difíceis’, explica o jornalista Marcelo Mário de Melo, colega de Cândido, perseguido pela ditadura e preso por ‘oito anos, 43 dias e 12 horas’, como costuma dizer. Com seu incansável espírito de luta em prol do direito
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Página 19. dos estudantes, Cândido não descansava: estava sempre envolvido em movimentos que tinham o objetivo de garantir os direitos que lhes eram negados. ‘Ele brigava muito pelos direitos dos estudantes. Chegou a ser preso aos 17 anos por fazer um cartaz contra o reitor da UFPE’, conta sua viúva, a enfermeira Joana Cecília Figueiredo de Melo, que está preparando um livro sobre a trajetória política do marido. Em 11 de outubro de 1968, Cândido Pinto representou Pernambuco no 30º Congresso da UNE, em Ibiúna, interior de São Paulo. Aquele que seria o grande encontro da resistência estudantil nacional foi frustrado pelos militares, antes mesmo do início, resultando na prisão de 920 jovens. Cândido estava entre eles. Era o fim oficial do movimento estudantil brasileiro. A intensa repressão às forças contrárias ao regime em Pernambuco culminaria em um atentado contra o líder estudantil, que não lhe tirou a vida, mas o deixou sem andar até o fim de seus dias. A tentativa criminosa que tinha o objetivo de calar a voz dos estudantes acontece na noite de 29 de abril de 1969. Por volta das 22h, Cândido aguardava o ônibus em uma parada próxima ao viaduto da Torre, quando uma caminhonete Rural verde se aproximou de repente. Dentro dela havia três homens encapuzados. Um deles tentou levá-lo à força para o veículo. O universitário reagiu e levou dois tiros – o primeiro passou de raspão no rosto, o segundo atingiu a coluna. Em entrevista concedida ao Jornal do Commercio no dia 18 de abril de 1999, o ex-líder da UEP contou os detalhes do
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Página 20. crime do qual foi vítima: ‘Na hora, me senti como uma marionete, caindo no chão sem sentir minhas pernas’. Ao chegar ao hospital, socorrido por pessoas que passavam no momento, Cândido ainda lembrou que tentou proferir um discurso, mas apenas sangue saía de sua boca. ‘Falar era uma maneira de me manter vivo, eu precisava reagir. E, se morresse, queria que soubessem o que tinha acontecido’, declarou na época. No dia seguinte, assim que tomaram conhecimento do fato através de uma nota tímida publicada nos jornais, os estudantes reagiram. Protestaram fervorosamente em frente ao hospital onde Cândido estava internado. ‘Todos os estudantes quiseram doar sangue para Cândido, até chegar a um ponto que o hospital não tinha mais vidros para fazer a coleta’, conta Joana Melo. Ainda no hospital, mesmo sem poder se mexer, guardas armados vigiavam o estudante dia e noite, impedindo-o até mesmo de ver a família. Uma ação que despertou a revolta de políticos e figuras importantes da sociedade na época. ‘Dom Hélder Câmara se solidarizou e vereadores do MDB, partido da oposição, fizeram pronunciamentos contra o atentado na câmara do Recife’, recorda o amigo de Cândido. Desenganado pelos médicos locais, que afirmaram que Cândido não seria capaz nem de manter-se sentado, a família do estudante resolveu mudar-se para São Paulo. Ele ficou em repouso na Associação de Assistência à Criança Deficiente – AACD. Não demorou muito para que os militares paulistas soubessem de sua permanência no hospital e tratassem de mantê-lo sob custódia dentro do próprio centro médico. Mesmo com todas essas dificuldades, Cândido não deixou de lado a ação política. Concluiu a faculdade, fez
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Página 21. Mestrado em Engenharia aplicada à Medicina, onde conheceu sua esposa, Joana Melo. Com ela teve dois filhos, Ana Luiza e Bruno. Ingressou no movimento dos portadores de deficiência, fundando a entidade nacional e filiou-se ao PT de São Paulo logo no início da história do partido. Joana lembra que, nos tempos pré-anistia, a família procurava esconder os reais motivos da paralisia do engenheiro. ‘Ele não poderia dizer que havia sofrido um atentado. Para as pessoas que não conheciam sua história ele contava que tinha sido um acidente de carro, senão ele poderia ser perseguido. Apenas quando veio a anistia é que ele contou a verdade’. Durante os 33 anos que se seguiram do atentado até sua morte, em 31 de agosto de 2002, aos 55 anos, este incansável militante nunca deixou de lutar por justiça pelo que sofreu. Nas vezes em que esteve em Pernambuco, sempre buscou a revisão de seu processo. Mesmo morando em outro estado por mais de três décadas, Cândido Pinto nunca deixou de ser, de fato e direito, o presidente da União dos Estudantes de Pernambuco. ‘Depois do atentado ele continuou mandando comunicados e mensagens’ afirma o jornalista Marcelo Mário de Melo. O merecido reconhecimento hoje está presente no nome da própria entidade. No dia 6 de setembro de 2005, a UEP foi reativada e passou a adotar o nome União dos Estudantes de Pernambuco – Cândido Pinto. Nome de um líder que foi perseguido, mas nunca derrotado pela Ditadura Militar.” Legenda: Revista UEP: 65 Anos. s/d. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Joana Melo.
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Geraldo Marcos Labarrère Nascimento
Imagem. Retrato colorido do padre Geraldo. Contêm epígrafe: “Depois do movimento iniciado e de várias ações, tivemos um ano muito importante: o Ano Internacional das Pessoas Deficientes (1981). Lembro-me que, naquele ano, houve aqui, no Brasil, um congresso nacional das pessoas com deficiência, em Recife, ao qual muita gente esteve presente.”
eu nome é Geraldo Marcos Labarrère Nascimento. Nasci em 11 de dezembro de 1940, em Belo Horizonte/MG. Estudos secundários na mesma BH, terminando com o técnico em contabilidade. Entrei para ser jesuíta em fevereiro de 1966, aos 25 anos, no noviciado, em Vila Kostka, Itaici, Indaiatuba/SP. Antes disso, com um grupo de amigos da vizinhança de minha casa, formamos um pequeno clube, chamado Araguaia, para promover festas e bailes. Em 2009, conseguimos reunir 52 remanescentes desse grupo, num almoço memorável, ofertado pelo amigo Antônio José de Almeida Carneiro, com direito posterior a um álbum de fotos. Servi o Exército, no 12º Regimento de Infantaria/BH, durante 1959 (em 2009 fizemos também o reencontro de 50 anos desse grupo e, de cem que éramos na 1ª Companhia, reunimos cerca de 60 provectos senhores). Depois do serviço militar, consegui trabalho numa revendedora de automóveis, onde entrei como office-boy e saí como chefe de escritório e sócio, no decorrer de cinco anos. Trabalhava durante o dia e estudava à noite. Lá, na escola noturna, certa vez, apareceu um rapaz, bem mais novo que eu, Claudino Borges Guimarães, aluno do Científico do Colégio Loyola, falando de Deus e de um grupo de jovens, o GGN (Grupo Gente Nova), que atuava numa favela. Fiquei muito impactado com a desenvoltura dele e com seu testemunho sobre a religião e a favela. Perguntei a ele se qualquer um poderia entrar para o tal grupo. Ele disse que sim. No seguinte sábado apareci lá. E fiquei. Muito antes disso, aos 12 ou 13 anos, tive uma experiência negativa, para mim muito forte, com a Igreja Católica. Em uma confissão, ao declarar minhas faltas de castidade, o padre começou a perguntar sobre todos os detalhes e circunstâncias da “falta”, o que me assustou muito. Em decorrência, fiquei mais de dez anos sem entrar em uma igreja e com raiva de tudo o que se relacionasse com Ela. O relato do Claudino mexeu comigo. Fui conversar com ele: “Você é seminarista?” Respondeu: “Não.” Perguntei em seguida: “Como, então, você fala sobre Deus, Igreja e favela com tanta tranquilidade?” (Eu pensava, equivocadamente, que assuntos sobre religião eram só para pessoas meio efeminadas, e ele era bem “firme”). Ele falou-me sobre o GGN e a atuação do grupo na favela Bico do Papagaio, em Belo Horizonte... Fiquei curioso e quis saber se qualquer um poderia participar. Ele disse que sim. Fui no sábado seguinte. Fiquei entusiasmado com o que vi. O grupo se dividia em várias equipes: uma de visitas (que ia, de casa em casa, anotando as maiores dificuldades e, conforme fosse, informava para as outras equipes); uma de saúde (que tentava conseguir consultas, remédios ou hospitais); uma de mantimentos (que cuidava das questões de alimentação); e uma de construções (que trabalhava na reforma dos barracões, consertos e arranjar materiais). Entrei nessa.
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Passávamos o domingo trabalhando na favela, cada qual na sua função. No sábado, acontecia a reunião do grupo, nas dependências do Colégio Loyola, onde morava o nosso assessor, padre Pedro Américo Maia, jesuíta. Ali resolvíamos todas as coisas, planejávamos a atuação, e tínhamos nossa tarde de formação. A participação nesse grupo e o padre me fizeram um bem imenso, que não tem paga. Inicialmente, pensei que eu iria ajudar os favelados, pois, conforme pensava, eu é que tinha “condições” (materiais, econômicas, financeiras, culturais, de estudo etc.) para ajudar os “coitados” (que moravam em casas de papelão, de tábua e de lona; não tinham estudos, saúde e, às vezes, nem comida). Mas, conforme o tempo foi passando, fui percebendo que eles é que me ajudavam. Durante os quatro ou cinco anos em que atuei por lá, ocorreu uma grande mudança interna em mim. Silenciosamente eles transformaram meu coração, de alguém voltado demasiadamente para as coisas exteriores da aparência, para alguém preocupado com o bem comum. Essa experiência marcou meu futuro. Pouco a pouco fui investindo nos valores do ser e relativizando os valores do ter. A observação das vidas das pessoas com quem me relacionava na favela, especialmente a família do Sr. Geraldo (presidente dos Vicentinos), D. Iracema e filhos, foi deixando vir à tona o que eu tinha de melhor: de autenticidade, de retidão, de generosidade, de capacidade de dedicação... Ou seja, conforme diz a espiritualidade oriental, o Deus que vivia neles despertou o Deus que vivia em mim (mais tarde, no contato com as pessoas com deficiência, ocorreria o mesmo – os pobres são portadores de salvação). Não entendia como eles tinham tanta sabedoria, mesmo sem possuir nada ou sem estudo quase nenhum. Como eram generosos e conseguiam distribuir o pouquinho que tinham. Aquilo me impressionou tanto que pensei, também eu, em ser capaz de doar a vida, e resolvi ser padre. Então, aos 24 anos, em novembro de 1964, deixei o emprego e fiquei, por orientação do padre Marcelo de Carvalho Azevedo, provincial dos jesuítas, mais um ano rezando, refletindo e me confirmando sobre a vocação ao sacerdócio. Vendi os dois lotes que havia comprado, doei o dinheiro (parte para o grupo de jovens GGN, que me formou) e entrei para o noviciado dos jesuítas (2-2-66), em Itaici, no interior de São Paulo. Minha experiência com pessoas com deficiência começou na família. Tive uma tia-avó, Tia Zizinha, que morava conosco em Belo Horizonte. Ela teve uma doença que a deixou paralisada do lado direito do corpo e se movimentava com dificuldade, arrastando a perna. Era uma pessoa muito religiosa. Então, com meus 6 ou 7 anos, a acompanhava, diariamente, à missa das 6 da manhã, na capela do Colégio Loyola, que ficava a cinco quadras de onde morávamos. Eu dava o braço para ela e, bem cedinho, por nosso andar lento, saíamos para não perder o horário. Antes de ser padre, durante o curso de Filosofia, em São Paulo, na Faculdade Nossa Senhora Medianeira, das Faculdades Anchieta (Fasp), conheci um padre jesuíta, Duato Quitapenas, que trouxe o movimento da FCD – Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência para a América Latina. Ele era espanhol e trabalhava no Peru. Era chamado de Quitapenas, se não me engano, porque, mesmo sendo muito doente e cheio de sequelas de operações, não ficava paralisado em suas dores e dificuldades, mas conseguia ser alegre e animado, “quitando as penas”, suas próprias e de todos os que se aproximavam dele. O movimento da FCD nasceu na França, em 1942, com o monsenhor Henri François, e se espalhou pelo mundo. Em 1968, esse padre Quitapenas, que começara o trabalho em Lima, no Peru, como foi dito, deu uma palestra na faculdade de Filosofia, onde eu estudava. Compareci e achei muito interessante, pois ele era cativante. Mas, como na época,
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trabalhava na parapsicologia, com o padre Oscar Quevedo, não me envolvi muito. Mas teve um colega que se interessou, Vicente Masip, também espanhol, pertencente à Província do nordeste. Terminamos nosso curso de filosofia e fomos transferidos para São Leopoldo/RS, para seguir os estudos de teologia. Já no primeiro ano, 1971, o Vicente, que havia acompanhado ao Peru e aprendido com o padre Quitapenas, começou com algumas reuniões de pessoas com deficiência na faculdade. Então, quando aconteciam estes encontros, eu ajudava a descer e subir os cadeirantes nos ônibus ou Kombis, nas chegadas e saídas. Fiquei só nisso, nos cinco anos que por lá passei, pois meu trabalho pastoral principal era no atendimento de pessoas que passavam por algum problema sério, “espiritual ou psicológico”, relacionados a fenômenos da parapsicologia. Depois, já ordenado sacerdote (15 de fevereiro de 1975), vim para São Paulo (1976), como vice-diretor do Centro Latino Americano de Parapsicologia, junto ao padre Quevedo, seu diretor. Ali, no Clap, sigla que utilizávamos, foi admitida uma secretária, Janete Vega Lomparte, peruana, que conheceu a FCD lá em seu país, com o padre Quitapenas. Uma grande coincidência, caminhos de Deus! Ela chega a São Paulo, como imigrante, é contratada pelo Clap para ser minha secretária. Depois, fica conhecendo uma tal de Maria de Lourdes Guarda, que vivia deitada numa cama. A Janete todos os dias, ao final do expediente de trabalho, me falava: “Olha, tem uma senhora que conheci, que mora no Hospital Matarazzo e gostaria que você fosse lá para conhecê-la.” Nunca eu encontrava tempo para ir e se passaram meses com aquele convite repetitivo. Mas chegou o dia. Decidi aceitar, mesmo sem muito querer, mais para me livrar da insistência. Conheci a Lourdes, em maio de 1977, e não nos desgrudamos mais, por dez anos. Comecei a visitá-la constantemente, mais de uma vez por semana, eu que morava lá no km 26 da Via Anhanguera. Ela, por sua vez, 1977, morava no mesmo hospital, no mesmo quarto, na mesma cama e na mesma posição, desde 1947. Até que, após tantos encontros, começamos a pensar num jeito de colocar rodinhas em sua maca, para que pudéssemos, ao menos, conversar noutro lugar que não o quarto, no jardim do hospital, por exemplo, e tomar um pouco de ar lá fora. Ela ficou ressabiada, mas topou: “Será que vai dar certo? Vamos ver.” E deu certo. Ela estava feliz, gostava de ficar conversando embaixo das árvores, se bem que os passarinhos, às vezes, mandassem seu recado. Graças a Deus, nenhum acertou o rosto. Começamos a trabalhar juntos a partir de então. Promovemos um encontro de pessoas com deficiência na paróquia do Colégio São Luís. Tínhamos conhecido o juiz corregedor dos presídios, dr. Laercio Tali, e a esposa dele, Maria Inês, que participavam do movimento de casais da paróquia. Pedimos a ele para autorizar as pessoas com deficiência, do presídio do Carandiru, para irem ao nosso encontro, e ele topou. Ele mesmo e a esposa também foram. O encontro foi um sucesso, encheu de gente o subsolo da paróquia, ao todo umas 70 pessoas, entre deficientes e colaboradores. Vieram dez presidiários, todos cadeirantes, acompanhados por vários agentes. No encontro, mais coincidências. Um presidiário cadeirante, baleado na coluna em um confronto, perguntou para a gente: “Quem é aquele senhor ali, naquela cadeira de rodas?” Respondi: “É o dr. Adalberto (Deodato), um advogado aposentado, que sofreu um acidente automobilístico.” E o presidiário revelou: “Eu gostaria de conversar com ele, pois, antes de ser cadeirante, assaltei sua casa.” Os dois foram apresentados, conversaram bastante e ficaram se correspondendo. O assaltante amigo do assaltado. Ele relatou que, na época, nenhum dos dois era deficiente. Voltas que a vida dá.
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Voltando a falar sobre a Lourdes, ela realmente era uma pessoa especial. Havia sido professora primária em Salto, no interior de São Paulo, próximo a Itu. De repente, começou a sentir umas dores na coluna. O médico achou que poderia ser um caso simples e que uma operação resolveria com facilidade. A cirurgia foi feita e, como não teve sucesso, fizeram outra para consertar a anterior. Depois, uma terceira, uma quarta, uma quinta e uma sexta. Nessas operações ela teve de amputar um pé, devido ao surgimento de uma gangrena. Depois, amputou um pouco mais acima, até que perdeu a perna direita. Sobrou um pequeno cotoco, que a ajudava muito, como apoio, nas higienizações. Mais adiante, acabou também tirando um osso do quadril, deixando a perna esquerda solta, que, sem ligação óssea, apenas com a carne e sem movimentos, atrofiou. Ficou tão fina e delicada que nem o próprio lençol podia se apoiar sobre ela, pois prejudicava a circulação. Desse modo, a perna era calçada com uns travesseiros, para permanecer em posição inclinada, superior à do corpo, facilitando o fluxo sanguíneo. Foi feita, então, uma armação de madeira, colocada sobre as pernas, para sustentar o lençol. Devido a esse problema no quadril e ainda outro na coluna, que teve de receber vários pinos metálicos, ela precisou ficar numa espécie de canaleta de engesso, nas costas, do pescoço até o joelho, a vida toda. Além disso, precisou utilizar uma sonda permanente na bexiga, o que lhe trazia os constantes incômodos das infecções urinárias. Assim, ela viveu, numa grossa canaleta de gesso que, curiosamente, não lhe provocou nenhuma escara. Algo impressionante! Ela não podia sentar-se, passou a vida deitada e nem por isso, deixou de viajar o Brasil todo e parte da América Latina, batalhando pelo Reino de Deus. Quando se fala sobre uma pessoa que viveu 50, dos 69 anos de sua vida, nas condições em que ela viveu, pode-se pensar que seria uma pessoa pessimista, amargurada, sofrida, “coitadinha”. Entretanto, uma das coisas que primeiro chamava a atenção, de quem a conhecia, era sua fisionomia aberta, alegre, esperançosa, positiva. A Lourdes era uma mulher forte, bonita, saudável, contente, torcedora do time de futebol do São Paulo. Mesmo com todas as suas dificuldades, vivia da forma mais independente possível. Porque sabia que morreria se limitasse sua vida ao fato de não conseguir alcançar um copo de água sequer, que estivesse a mais de meio metro de distância, já que movimentava – e com dificuldade – apenas os braços e a cabeça. Foi nesse cenário difícil que ela decidiu se dedicar inteiramente aos outros. Assim, passou os dias pensando em como ajudar a resolver todos os pedidos que recebia. Eram pessoas que precisavam de uma cadeira de rodas, de uma bengala, de uma muleta, de um remédio, de uma consulta, de uma internação, de uma roupa, de um emprego… Eram maridos e esposas com problemas familiares: separações, traições, drogas, filhos... Eram pessoas que passavam por São Paulo e não tinham onde ficar... hospedavam-se no quarto de hospital que ela morava, por alguns dias ou por longos tempos, meses e meses. Todos e todas eram recebidos, sem distinção de raça, credo, condição física, profissão ou partido, ricos e pobres, solteiros, casados e suas proles. Alguns lhe traziam problemas, outros, durante a hospedagem, a ajudavam a colocar em dia as correspondências e a despachar, para os grupos da Fraternidade, do mundo todo, os pacotes de Cartas Abertas (2 mil exemplares), revista da FCD Nacional, cuja sede ficava aí mesmo, nesse quarto de hospital. Ela ouvia tudo, mil coisas, alegres ou tristes. O filho que não passou no vestibular e vinha buscar consolo. O pai que perdeu a filha querida. A mãe que pedia para ela abençoar a recém-nascida. O advogado cuja empresa ia falir e ele estava a ponto de se suicidar, precisava de orações e paz para a alma. A outra (uma mulher muito querida, cujo nome não vou citar e vocês vão compreender logo a razão, pois ela fez um bem enorme aos outros, sem nada retirar
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para beneficiar a si própria), que queria ajudar os deficientes e estava disposta a pagar tudo que eles precisassem. Pagou uma coisa, pagou outra, e outra, e mais outra, e dezenas de necessidades foram atendidas, por um tempo não curto, para pessoas que realmente precisavam. Nada foi doado de supérfluo, de luxo, nada foi jogado ao ar. Entretanto, como tudo tem seu tempo, bateu à porta da Lourdes – pois era o local onde as pessoas iam pedir o socorro – a Polícia Federal, perguntando se era ali que estavam fabricando notas falsas. Quase foi presa, pois pensaram que ela era a falsificadora ou conivente com o crime. Perceberam sua situação física, mas chegaram a olhar até debaixo do gesso, vendo se escondia algo. Demorou um pouco mais para entenderem que ela não tinha possibilidades, da cama, de controlar a entrada ou saída de alguém, em seu quarto (no hospital não havia controle de portaria para os apartamentos), tanto para pedir algo, como para ofertar alguma coisa. Contudo, não a deixaram em paz, antes de firmarem grande amizade, que durou por muitos anos. A Lourdes atendia, escutava, falava, encaminhava... Foi uma heroína do céu, um dom de Deus para a humanidade. Colocamos as rodinhas em sua cama e promovemos aquele encontro na paróquia do Colégio São Luís, na Avenida Paulista, e assim começou o movimento. Lembro que, na mesma paróquia, houve um bingo. Estavam sorteando um carro. A Lourdes ganhou várias cartelas de jogo e deu uma para eu marcar. Quando começaram a cantar as pedras, quase todos os números constavam da cartela que estava comigo. Comecei a marcar e marcar..., até que… dei um pulo, ganhei o carro! Um automóvel alinhado, não me lembro da marca. Mas não ganhei sozinho, terminamos juntos, uma senhora e eu. Subimos ao palco e dividimos o carro ao meio, cada um ficou com 50%. Com o dinheiro que conseguimos, pudemos comprar uma Kombi usada do instituto de pastoral vocacional e juventude, Anchietanum, no bairro do Sumarezinho, onde eu morava. O veículo estava em boas condições, um dono só, sem trombadas maiores, nem adulterações, ou seja, bom para nós. Ainda nos fizeram um preço camarada e recebemos o tanque cheio. Compramos o veículo e tiramos os dois bancos de trás, para ter espaço para a cama da Lourdes, quando precisássemos sair. Começamos visitando o asilo do bairro Jaçanã, na zona Norte da cidade de São Paulo, uma obra administrada pelas irmãs de São José de Chamberry, as mesmas da Santa Casa de Misericórdia. A diretora do Jaçanã, na época, era a irmã Célia, que nos deu grande apoio para trabalharmos com os internos, entre os quais fizemos muitas amizades: Neuza, Alice... Quanta gente abandonada pela família havia lá! Era uma benção o dia de nossa visita, para eles e para nós. A Neuza (Aparecida dos Santos) já morava ali há 9 anos, cadeirante, jovem, robusta, cheia de vitalidade, mas sem nenhuma perspectiva de sair dali. A gente sabe como são esses depósitos humanos, custeados com verba pública, sempre escassa e, muitas vezes, desviada, apesar do enorme esforço das irmãs em administrar o pouco que chegava até elas. As meninas, os meninos e idosos internos tinham de se levantar a partir das 8 da manhã, quando chegavam as funcionárias que, pouco a pouco, iam colocando os internos nas cadeiras de rodas. Daí a pouco, a partir das 15 horas, começavam a retornar aos leitos, para se deitar, pois às 16 horas as funcionárias iriam embora. Depois desse horário, ninguém tinha condições de ajudá-los a subir na cama. Ou, se depois de subir, durante a noite caíssem no chão, aí passariam até a manhã, machucados ou não. Os vigilantes noturnos, além de poucos, eram para o patrimônio, portaria e algo mais. Na instituição, que ocupava bem mais de cinco quadras, com cerca de 150 moradores. Todos precisando de algum tipo de auxílio pessoal. A maioria passava
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sem beber água e sem urinar, do momento em que era colocado na cama até o momento em que era descido, no dia seguinte, isto é, das 16 da tarde às 8 da manhã: 16 horas. Não havia quem pudesse ajudar. Se fizermos as contas, a Neuza, jovem cheia de vida, dos nove anos que passou ali, seis ela esteve sobre uma cama, pois eram dois terços de cada dia no leito, não por maldade, mas por condicionamento de horário dos funcionários. Apesar do bom tratamento, é uma vida muito judiada. Mais tarde, três ou quatro anos participando da Fraternidade, ela arranjou um jeito de estudar, terminar a formação do segundo grau, fazer um curso técnico, prestar concurso em um banco, onde trabalhou como telefonista, alugar um apartamento para dividir com alguém as despesas e, por fim, preferiu morar sozinha, vivendo a sua independência até o final de seus dias. Com o grande incentivo de dom Paulo Evaristo Arns, cardeal arcebispo de São Paulo, um santo anjo do céu para nós, o movimento cresceu rápido. Fundamos vários núcleos da FCD na cidade: Jaçanã (Neuza), Belenzinho (José Carlos), Carrão (Irene), Freguesia do Ó, Itapecerica da Serra (Carlito), Centro (Maria Cristina, Nilza). Quanta gente pôde sair de seus isolamentos forçados, ressurgir das “catacumbas” da estrutura social!!! Bondades de Deus. Depois, com aquela Kombi ganha no bingo, criamos asa, e fomos para as cidades do interior do Estado: Jundiaí, Campinas, Americana, Santa Bárbara d’Oeste, Piracicaba, Ourinhos, Marília, Lins, Andradina, Presidente Prudente, Ubatuba... Com isso, a FCD foi se espalhando como fogo na palha. Na Kombi iam, nos começos, quase sempre: a Lourdes Guarda, a Isaura Helena Pozzati, a Neide Silva, o Nicolau e eu. Com o tempo, muita gente foi entrando e colaborando e foi variando o grupo das viagens. Fomos nos revezando... Aurélia, dr. Paulo (é preciso ir registrando os nomes de todos e todas), porque esses foram os caminhos de Deus na terra. Em 1980, foi realizada uma assembleia nacional da Fraternidade em São Bernardo do Campo. Fomos eleitos para a coordenação da entidade no país. A Lourdes ficou como coordenadora nacional, a Célia Camargo Leão (cadeirante), como vice-coordenadora e eu, para conselheiro. Começamos a viajar pelo Brasil. A Lourdes ocupava nove assentos do avião, por causa da maca. Deitávamos o encosto de nove cadeiras e a cama, já sem os pés, era colocada sobre as seis próximas das janelas. As outras três eram levantadas para sua posição normal e aí, sentávamos nós, Célia, Mauricio Silva e eu. As viagens eram possíveis porque a Lourdes, àquelas alturas, com seus mais de 34 anos de hospital, estabeleceu um grande leque de relacionamentos. Pessoas dos mais diversos campos sociais iam visitá-la. Alguns porque se encantavam com sua força espiritual e saíam sentindo-se reconfortados por Deus. Para muita gente ela foi uma verdadeira fonte de água pura. O presidente da companhia aérea Transbrasil foi um desses, encantado por ela e seu trabalho. Por isso, a cada um, dois ou três meses, durante quatro anos de nosso mandato nacional, passou a nos dar as passagens para irmos a qualquer lugar do Brasil realizar os trabalhos da Fraternidade: encontros, reuniões, congressos, assembleias... Fomos para toda parte: Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Pará, Ceará, Paraíba, Pernambuco e Bahia. Durante o mandato dessa Equipe Nacional, 1981-84, ajudamos a iniciar mais de 250 grupos de pessoas com deficiência pelo país, inclusive entrando em presídios e colônias de hansenianos, apoiando os começos de seu movimento, Morhan, na Paraíba, com o Marçal. Em Mato Grosso, por exemplo, combinamos um encontro em Alta Floresta, no interior do Estado. Para isso, em Cuiabá, Plínio e amigos conseguiram uma avioneta, um teco
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-teco. Mas, como entrar naquele aviãozinho nós quatro: Lourdes, Célia, Maurício e eu? Desmontamos a maca e a Lourdes foi, praticamente, com a cabeça no colo do piloto e, nós outros três, mais a cadeira, os pés da maca e as malas, atulhados no fundo. E o sufoco não acabou aí. Quando chegamos à cidade, o padre, com quem havíamos combinado, disse: “Vocês me desculpem, não vamos ter o encontro porque, aqui, não tem deficientes, a cidade é pequena.” Falei: “Meu Deus, padre, como o senhor não nos avisou? Fizemos uma viagem dessas, saímos de São Paulo, viemos até aqui, nessas condições dificílimas e, agora, voltar sem nada? Jamais.” Combinamos, então, Maurício e eu, de sairmos pelas ruas convidando os deficientes que encontrássemos. Quarenta e três, daqueles “invisíveis” (nem o padre os enxergava), participaram do encontro. Engraçado que havia 18 mineiros entre eles. O padre ficou sem jeito, mas Deus nos abençoou. Imaginem, corria o ano de 1983/84 e a única coisa que aquele pessoal recebia na cidade era compaixão e piedade. Ninguém os via como pessoas de direito, necessitadas de cuidados e atenção, ao menos da paróquia. Saímos de lá iluminados e os deficientes, acesos, prometendo dar um trabalho enorme a todo mundo para conseguirem ser atendidos em suas necessidades. Somente a sensação que eles tiveram, de não serem únicos, isolados, mas formarem um grande grupo de pessoas, de estabelecerem relacionamentos, de se entenderem, já teria valido a pena irmos tão longe. Voltamos outras vezes ao Mato Grosso, o mesmo time (Lourdes, Célia, Maurício e eu). Uma delas, de Kombi. Foram horas e horas de estrada, 1.565 quilômetros. Aquela Kombi não era das mais novas, mas, mesmo assim, levou a gente pelo interior desse Brasil, num esforço maluco. Lembro que, certa vez, já eram 3 da madrugada e estávamos na estrada, desertíssima, e a gasolina acabando. O ponteiro já não mexia. O posto de gasolina não chegava. A luzinha do painel acesa. “Santa Misericórdia! Vamos ficar sem gasolina aqui, nesse matão, nessa escuridão, sem uma viva alma por perto.” A Lourdes na cama e a Célia no colchão, sobre o motor, para descansar do banco, lá atrás. O Maurício ao meu lado, cochilando. Como vamos fazer se pararmos? E se precisarem ir ao banheiro ou de água? O último posto, pelo qual nós passamos, estava em tão más condições, que resolvemos não comprar nada nem reabastecer, imaginando que logo mais haveria outro na estrada. Que nada, mais de quatro horas de viagem e nada. Eu pensei: “Nem vou anunciar que a gasolina está acabando, pois só vai dar pânico.” Eu rezava e rezava. Estava ficando desesperado, com muito medo. De repente, depois de longa subida, quando começa a descida, avisto, na outra encosta, umas luzinhas. Pensei comigo: “Meu Deus! Tomara que seja um posto.” E era! A gasolina da Kombi deu conta de chegar até manifestar as primeiras trepidações no paralelepípedo do posto e parou. Pouco mais de dez, 20 metros antes da bomba de combustível. Com as trepidações no piso, a parada e o clarão, o pessoal acordou. “Ué, o que foi isso?”, perguntaram. “Acabou a gasolina”, disse eu. “Como assim, aqui na porta do posto e você não disse nada?” Respondi: “Isso mesmo, graças a Deus!” Só então contei o meu drama. Pairava uma grande proteção do Amor sobre nós e podíamos repetir com São João, éramos os discípulos que Jesus amava. O que permanece até hoje. Não havia limites para a Lourdes. Isso impressionava muito. Enquanto todos nós reclamávamos por qualquer coisa, ela chegava a ter queimaduras, nas costas, por causa do gesso e do calor do Mato Grosso. Tinha bolhas nas costas, o gesso queimava. Como se fosse um bronzeado de sol. Mesmo assim, ela não abria a boca para lamuriar. Havia certa animação, certo reboliço quando a gente chegava a algum lugar. Todo mundo queria ter o privilégio de ajudar a descer e subir a Lourdes na Kombi. Ela, pessoalmente,
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já era pesada e mais, com todo aquele aparato: gesso, cama, rodas, armação de madeira, travesseiros. Os homens da região, bombeiros, soldados, toda a rapaziada e até os idosos queriam participar: “Deixa que eu ajudo! Deixa que eu ajudo!” Era uma espécie de troféu, de benção carregá-la. Outra coisa interessante é que muita gente, quando ia visitá-la no hospital, passava a mão em seu braço, ainda que de modo meio disfarçado, escondido, fazendo de conta que olhava para outro lado, e, depois, ao sair do quarto, se benzia, como se ela fosse uma pia de água benta ou uma santa. Ou seja, de alguma forma, as pessoas percebiam que era uma mulher extraordinária. A Lourdes dizia sempre que nenhuma dificuldade impede a vida. Mas, pode impedir a gente de fazer o bem, se a gente usa a dificuldade para se esconder atrás dela, como desculpa. A opção de ajudar ou não os outros é anterior às dificuldades, ou seja, alguém não ajuda seu próximo não é porque está difícil, mas porque sua postura já era de não ajudar. A dificuldade se torna, então, somente uma desculpa. Isso é o que ela queria dizer. Ela superou todos os obstáculos que lhe apareceram no caminho e ajudou muita gente, de todos os jeitos e maneiras. Tendo falecido dia 5 de maio de 1996, atualmente está em processo de canonização. A fase diocesana de seu processo terminou em julho/agosto do ano passado e foi para Roma, remetido à Cúria do Vaticano, para a segunda etapa, reconhecida como Serva de Deus. Vamos ver se a Igreja consegue canonizá-la, colocá-la nos altares, mas não para torná-la uma pessoa diferente do que foi. Apenas, para que ela seja conhecida como alguém que, tendo sido desta terra, humana como a gente, mas limitadíssima, ainda assim, dedicou a sua vida para os outros. Ela não se escondeu atrás de nenhuma de suas enormes dificuldades, mas ajudou a tornar este mundo um lugar melhor. Porém, mesmo dentro de um mesmo grupo como a Fraternidade, existe oposição de alguns deficientes. São aqueles que acham que é bobagem esse negócio de enfrentar todo um processo, em Roma, para Lourdes ser canonizada. Acham que é gasto inútil, coisa à toa. Mas também há, graças a Deus, muitas pessoas que pensam o contrário. Pessoas que acham que insistir, em Roma, com o nome e a vida dela, poderá chamar a atenção da humanidade para a defesa da vida, dom de Deus. Ela, por exemplo, mesmo sendo tão limitada, encheu de vida tanta gente. Ela é um símbolo de garra, de fé, de esperança, de coragem, de incrível amor pelo próximo. Vai ser um exemplo fortíssimo para muita gente de que, de fato, um impedimento físico não tira o “ser” de ninguém. Pode reforçar nossa crença de que todas as pessoas têm, por assim dizer, a responsabilidade de ajudar a salvar o mundo. Acho que, se a Igreja realizar isso, será um exemplo muito grande e bonito. Seria o reconhecimento de uma entrega linda para a salvação do mundo. Até porque foi exatamente isso que Jesus veio fazer: salvar o mundo ajudando as pessoas a perceberem que somos irmãos e irmãs, filhos e filhas do mesmo Pai. Dizíamos nas reuniões da Fraternidade que ninguém vai entrar no céu, no paraíso ou na felicidade, escondido atrás de uma bengala, de muleta, de uma cadeira de rodas ou atrás de uma maca. Não adianta pensar que, no céu, por estar numa cama, a pessoa terá o primeiro lugar da fila. Não tem isso, não! Quem morre e chega diante de Deus é a pessoa e não os aparelhos que ela possa ter usado em vida. Do mesmo modo, o pobre ou o rico, o importante e o não importante, o que vai chegar com ele serão suas ações pela construção de outro mundo possível. Suas vidas consumidas no serviço aos outros. Quem vai ser feliz será o construtor do Reino de Deus.
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A Lourdes foi alguém que entendeu esse processo muito claramente, muito profundamente. Deus ama as pessoas e atua através delas. Acho que nossa querida amiga foi uma grande mensageira do amor de Deus! Na trajetória de fundação de núcleos da FCD, em vários lugares, entendemos a necessidade de fazer a nossa parte, mesmo não tendo as condições ideais. Mesmo vendo que aquilo ali parecia que não daria fruto algum. Para nós cabia semear e plantar, pois outros iriam colher. Ainda ontem, estive em um jantar com velhos conhecidos do movimento e das lutas das pessoas com deficiência. Pude participar porque estava passando por São Paulo, já que moro em Goiânia atualmente. Foi um encontro com vários deficientes daqueles tempos antigos, de 1977, 1978, 1980. Encontrei com essas pessoas e comentamos justamente sobre o início da Fraternidade, numa época em que não havia muitos deficientes nas ruas por total falta de acessibilidade. Sabemos que ainda hoje há dificuldades, mas o cenário mudou muito. Um cadeirante na rua nos anos de 1970 ou 1980 era um fenômeno! Todo mundo ficava olhando. Muita gente até dava esmola, só porque a pessoa era um cadeirante. Uma vez, saí com um rapaz, daqui de São Paulo, que se chama José Carlos Barbosa dos Santos, muito querido. Ele é tetraplégico, cadeirante, professor de inglês e era coordenador estadual do movimento. Saí empurrando sua cadeira. Estávamos no meio do caminho, quando avistamos uma senhora que vinha em nossa direção, à distância aproximada de uma quadra. Notei que ela olhava, parava e mexia na bolsa. Parava, andava um pouco, tornava a parar e mexer na bolsa. Eu falei: “Zé Carlos, acho que você vai ganhar uma esmola.” Ele falou: “O que é isso, menino!” Respondi: “Acho que vai, sim, porque aquela senhora lá do outro lado está com uma atitude meio esquisita, fuçando tanto naquela bolsa que sinto que vai sair um troquinho para você.” O Zé Carlos continuou duvidando: “Ah não… Imagina! Não fala isso, não.” Insisti e brinquei: “Vai sim! Vamos ficar um pouquinho mais ricos com esta caminhada.” Lá fomos nós, até que a mulher se aproximou e, de fato, deu 10 centavos a ele, que até agradeceu... As coisas eram assim, entre o final dos anos 1970 e início da década de 1980. Acredito que esse comportamento acontecia pelo fato de os deficientes não circularem pelas ruas. Quando saíam, todo mundo ficava olhando, por isso, muitos tinham vergonha de sair de casa. Lembro que acontecia algo interessante, quando começávamos a formar um núcleo da Fraternidade num bairro. Uma das estratégias era buscar informações nas farmácias, onde as famílias comparavam alguns remédios específicos para certas doenças. Nessas abordagens, os atendentes sempre informavam onde moravam os deficientes locais e quais eram suas deficiências. Porém, quando chegávamos ao endereço para confirmar, as famílias negavam: “Deficiente, aqui? Não temos não.” Respondíamos que havíamos recebido a informação por parte do farmacêutico. Mesmo assim ouvíamos: “Não, não tem não, deve ser em outra casa.” Era a negação pela vergonha, que demandou todo um trabalho imenso para reverter esse quadro. Até porque ninguém fica deficiente ou nasce nessas condições por querer. Mesmo assim, os pais tinham vergonha, talvez porque a nossa criação, a nossa cultura leve a esse sentimento de culpa. A dificuldade não é vista como parte da vida, parece que nossa educação é numa dinâmica infantil, para uma vida que fosse mágica. De tal modo que, frente a uma deficiência, logo se quer procurar um culpado. E, para não “mexer na ferida”, pensava-se que era melhor esconder ou negar a existência dela. Por isso, o movimento enfrentou muitas barreiras no começo.
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Faço registro que, na Igreja Católica da América Latina, existiam dois movimentos voltados às pessoas com deficiência: um deles é o Esperança Cristã, liderado, na época, pelo padre jesuíta chileno Aldo Giacchi, a quem a Lourdes conheceu em 1975, durante um encontro realizado por esse grupo, no Colégio São Luís. Dois anos depois, em maio de 1977, nós nos conhecemos, por meio da Janete, peruana, que era minha secretária na Parapsicologia e havia conhecido a Fraternidade em sua terra natal, como disse anteriormente. O Esperança Cristã valoriza mais a doença, a enfermidade e a deficiência. A teoria deles é a de que, com as orações da pessoa que sofre, com o seu sacrifício, com as suas dificuldades enfrentadas no viver, o deficiente pode se oferecer a Deus para a salvação do mundo e das almas. Dessa forma, termina por fazer uma espécie de valorização do que falta na pessoa, ou seja, a deficiência, como se essa fosse uma graça. Já, a Fraternidade, iniciada na França, com monsenhor Henri François, busca valorizar exatamente o que cada indivíduo possui. Assim, a pessoa não é identificada com a perna que não tem, com o olho que não enxerga, com o ouvido que não escuta. Ela é o que é, e não o que tem ou deixa de ter. Perna, olho, braço, mão, são importantíssimas, mas não fazem uma pessoa, são partes dela, mas não são ela. Não se perde a essência ao se perder os membros. Essa é a grande diferença entre os dois movimentos. Até o próprio Deus se identifica assim para Moisés: “Eu sou aquele que sou.” (Êx. 3,14) Lembro-me de um deficiente do nosso grupo – que podia usar tanto cadeira de rodas quanto muletas canadenses. Certa vez foi ao metrô de São Paulo, nos seus começos. Quando chegou de cadeira de rodas na roleta da estação Sé, um segurança ou um atendente disse: “Ah, não dá para o senhor passar por causa da roleta. A cadeira de rodas não passa...” Ele respondeu: “Olha, mas se o senhor puder me ajudar, posso dar alguns passos.” E foi logo pegando as muletas e dizendo: “Eu passo de muletas e o senhor atravessa a cadeira para mim. O senhor pode fazer isso?” A resposta do funcionário, meio irritado com a insistência, foi: “Não, rapaz. Você não está entendendo que o metrô não é para aleijado?” O rapaz, então, guardou as muletas, voltou para a cadeira e foi embora. Quando chegou à reunião do grupo, ele contou tudo o que tinha passado. Além da indignação, a pergunta que surgiu imediatamente foi: “Como o metrô não é para aleijado, se é a condução mais fácil, rápida e acessível, para a gente?” Resultado: reunimos cerca de 150 aleijados numa tarde, na própria estação Sé, para descermos na terceira estação depois, com o título de ir visitar o Centro Cultural Vergueiro. Havia deficientes de todos os tipos: de bengala, de cadeira de rodas, de maca, cegos, surdos, uma moça careca, de peruca, pois fazia quimioterapia etc. E, quando essa moça, Heleninha, foi descer a escada rolante, a peruca dela caiu e alguém logo gritou: “A cabeça da moça rolou na escada.” Ou seja, foi aquela confusão! Parecia uma guerra mundial. O metrô parou! Se um aleijado dava confusão, imaginem com 150, era como se acabasse o mundo! Então, os funcionários tiveram de embarcar todos no meio daquela bagunça! Na estação Vergueiro, foi outra confusão durante nossa saída. Depois disso, além do fato de termos chamado a atenção da imprensa, também entramos com uma ação na Justiça. Nossa causa foi ganha no Supremo, dez anos depois, em 1988, e o metrô foi obrigado a estabelecer acessos e colocar elevadores em todas as estações que fossem construídas após aquele ano. Além disso, a companhia teve de disponibilizar, nas outras estações, funcionários que ficassem à disposição para ajudar quando um deficiente estivesse esperando nas escadas fixas ou rolantes, levar até o vagão e avisar aos encarregados a estação em que iria descer.
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Entendemos isso como um ganho institucional. Com ações como essa e com a atuação dos movimentos, as coisas foram mudando. Pouco a pouco, foram conquistadas rampas, banheiros, elevadores em vários espaços como as igrejas e outros locais onde existiam apenas escadarias. As pessoas que não têm problemas não pensam na diferença que a altura mínima de um tapete pode fazer para uma pessoa deficiente. Para ele, isso é quase um muro! É um empecilho enorme para as cadeiras de rodas, assim como para aquele indivíduo que não tem força no braço. Hoje existe a cadeira motorizada, mas, na época, a gente chamava de “cadeira elétrica!” Então, brincávamos: “Perdão! Não quero cadeira elétrica, não, quero cadeira motorizada.” Até conseguirmos firmar o nome, muito deficiente disse que sentava em “cadeira elétrica!” Depois do movimento iniciado e de várias ações, tivemos um ano muito importante: o Ano Internacional das Pessoas Deficientes (1981). Lembro-me de que, naquele ano, houve aqui no Brasil um congresso nacional das pessoas com deficiência, em Recife, ao qual muita gente esteve presente. Inclusive a Lourdes, eu e outras pessoas da FCD, além de membros de outros movimentos, como a Elza e seu esposo, o Ruizinho; o Cândido, o Gilberto e mais um monte de gente. Assim, pudemos perceber o quanto os grupos – muitos não relacionados à Igreja – estavam se mobilizando. Aqui em São Paulo, aconteceu muito isso. Todos se encontraram lá em Recife. Eram muitas pessoas, mesmo com todas as dificuldades dos locais do encontro, que não possuíam adaptação no banheiro ou rampas. Quer dizer: a grande luta inicial já começava na hora de enfrentar a falta de infraestrutura para a organização do evento dos movimentos em âmbito nacional. Quando chegamos em Recife, já havia cerca de 48 ou 50 grupos organizados pelo padre Vicente Masip, com a ajuda do Messias, recifense cadeirante que tinha sido coordenador nacional. Então, com a coordenação da Lourdes, chegamos a outros cantos do país e passamos para 250 núcleos da FCD. Havia uma espécie de tendência ou expectativa inicial da pessoa com deficiência, em relação ao movimento, baseada na importância que a sociedade dá para a aparência. Baseadas nessa valorização, as primeiras reivindicações dos grupos eram voltadas sempre para bens materiais. Então, a tendência natural da pessoa com deficiência era lutar imediatamente por cadeiras de rodas, bengalas, muletas e até por uma Kombi. O pensamento básico era: “Bom, então, no nosso grupo aqui, conseguimos reunir dez deficientes, se a gente conseguir uma Kombi, nós vamos conseguir ir para vários lugares com mais facilidade.” Mas a Fraternidade não brigava por causa de coisas materiais. A Fraternidade lutava, e luta até hoje, em primeiro lugar, pela mudança de visão com relação ao deficiente. A sociedade reforça uma imagem de que as pessoas com deficiência são coitadinhas, pobrezinhas, infelizes, tristes, incapazes... Esse preconceito expresso por alguém machuca, mas, quando essa concepção é assumida pela própria pessoa com deficiência, mata a sua vida. Como alguém vai ajudar um indivíduo que não se vê como passível de ajuda? Como tentar solucionar um problema se a própria pessoa o vê sem solução possível? A coisa fica muito mais difícil. Então, a Fraternidade procura trabalhar esse aspecto. Somos feitos à imagem de Deus, do mesmo jeito que qualquer outra pessoa, apesar das dificuldades que possamos ter a mais ou a menos que alguém, cujos membros sejam perfeitos. Além disso, as dificuldades podem ser externas, visíveis, como as do nosso pessoal de pessoas com deficiência, ou internas, que não se podem ver, mas que também são dificuldades. E não dá para comparar dificuldades,
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pois cada qual tem o seu peso. Como diz o poeta, algo mais ou menos assim: cada um é que sabe a alegria ou tristeza de ser o que é. O importante é se entender como pessoa, com direitos e deveres, seja em que circunstancias forem. O Ruizinho mesmo, esposo da Elza, é um exemplo interessante. Ele tinha aquela doença chamada popularmente de “osso de vidro”, cuja vítima tem de amputar todas as partes que quebram em seu corpo. Então, ele perdeu as pernas, ficou só com o toquinho do corpo atrofiadinho. Não podia comer muito, não podia fazer várias coisas, porque os ossos fraturavam facilmente. Por isso, viveu anos e anos em casa. Depois que ampliou sua visão a respeito de sua doença e de si, ele saiu, foi fazer curso, formou-se em Biblioteconomia e foi bibliotecário da USP. Comprou um baita carro automático. Viveu a vida. Não parou na deficiência. Por falar nisso, um dia, ele foi assaltado na rua, quando parou no sinal. Veio um cara com um revólver, de um lado, e outro cara, do outro lado, dizendo: “Assalto! Vamos descendo do carro! Vai pulando fora logo!” Ele ficou paralisado. Como iria descer? Os bandidos insistindo: “Vamos! Vamos desgraçado, sai daí!” Até que um deles abriu a porta e viu aquele toquinho de gente em cima do banco, com as mãozinhas e os bracinhos fininhos, com o carro todo automático. Desconcertados, eles mandaram ele embora. Rui, mais do que depressa, arrancou com o carro. Quando chegou na reunião, contou a história e terminou assim: “Até que enfim valeu a pena ser aleijado!” Basta lembrar o exemplo da Lourdes. Quando é que ela pensou que iria poder rodar o mundo, passar pela América Latina? Ela foi fazer passeata na Costa Rica, América Central! Deitada na maca, segurava o cartaz, enquanto nós a empurrávamos: “Fraternidade sim, violência não.” No meio da avenida central de San José, a capital do país. Aquele monte de cadeirantes e ela com aquela maca enorme! Parou o trânsito! Parava o mundo! Dá para imaginar uma cena dessas, em 1981? Ou seja, de fato, todos nós temos que contribuir para a salvação do mundo. Ninguém fica impedido disso, apenas por ser portador de alguma deficiência. Não tem isso, não. Todo mundo tem de se engajar nessa oração do mundo, porque, senão, não vai para frente, não! Ainda existe muita dificuldade, por isso, não podemos parar. Certamente, hoje, é mais fácil andar e ocupar as ruas, o espaço público. Mas ainda há milhares de outras conquistas a serem alcançadas. Não saberia dizer, dentre elas, qual é a mais importante. Talvez, dentre elas, uma importante é saber que as lutas de um grupo ou categoria de pessoas são muito semelhantes às de outros grupos. Há a necessidade de fazermos redes de atuação, de darmos as mãos para outros segmentos, reivindicando sobre as dificuldades deles para que as necessidades de todos e todas possam ser conquistadas. Vivi uma experiência interessante em Goiânia, onde moro há 20 anos, trabalhando com jovens e também assessorando o mandato da vereadora Cidinha Siqueira, uma deficiente muito bacana, que teve pólio e é tão reduzidinha que quase não dá conta de rodar a própria cadeira. Em 2007 ou 2008, no Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, comemorado em 3 de dezembro, ela organizou uma solenidade para marcar o dia internacional, numa praça, a Praça do Cruzeiro, que é uma das praças centrais da cidade. Foram convidados o prefeito, secretários, deputados, vereadores, coronéis, procuradores do Estado, representantes do Ministério Público, da polícia, enfim, várias autoridades da cidade para participarem daquela solenidade. Como é de praxe, foram feitos muitos discursos, todos falando bem da pessoa com deficiência, como era de se esperar. Todos valorizaram a data. O prefeito foi o último a
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falar e foi bem sucinto, como que a dizer “terminamos, podemos ir”. Entretanto, a Cidinha havia conseguido 50 cadeiras de rodas, que foram colocadas atrás do palanque, escondidas. Então, ao final, ela disse: “Agora, vocês vão experimentar andar na cadeira de rodas, aqui na praça, para ver como são nossas dificuldades.” A vereadora conseguiu que as autoridades “rodassem” pela praça. O calçamento do local é com lajotas de barro que, com o tempo, terminam se deteriorando. Conforme os obstáculos foram aparecendo, a Cidinha foi comentando: “Aqui é um lugar plano. Imaginem se fosse uma ladeira!” Teve mais surpresas. Ela arranjou uns tampões de ouvido e deu para todo mundo perceber a realidade do surdo. Teve ainda o tampão de olho e a bengala, para provar a vida doce do deficiente auditivo e visual. Foi fantástico!!! E sabem qual foi o resultado disso? No ano seguinte, o município entregou 430 ônibus adaptados com elevador, para todas as linhas. Ou seja, se a pessoa não vive a experiência não tem sensibilidade suficiente para perceber as dificuldades do outro. Um obstáculo no meio da calçada pode causar transtorno para muita gente, e não só para o deficiente, mas, também, para quem quebrou a perna e temporariamente usa cadeira, para o idoso, para a gestante... Certas pessoas podem levar um tempão para atravessar uma quadra, porque seus movimentos são muito lentos, pois têm de desviar de uma pedrinha ou de um graveto no chão porque não conseguem, simplesmente, pisar por cima, já que arrastam os pés lentamente ao caminhar. É importantíssimo que tenhamos esse tipo de percepção e sensibilidade em relação às dificuldades do outro. Cidinha é alguém que vive essas situações no seu cotidiano e decidiu assumir uma posição. Com isso, conseguiu ser muito querida e respeitada por todos os partidos, mesmo sendo de um deles, o PT. As autoridades não eram do partido dela, mas estavam lá, e “caíram na armadilha”, por assim dizer. Vejo isso como uma grande mudança. O deficiente, que ficava dentro de casa, sendo entendido, muitas vezes, como vergonha para a família, hoje, pode se lançar a desempenhar qualquer função. Tudo isso em função da luta de muitos movimentos pelo bem comum. Lá em Brasília, tiveram de adaptar todo o plenário do Congresso Nacional com rampas de acesso. Mesmo assim, no dia de experimentar o acesso na Câmara, para ver se dava para ir até a tribuna, uma deputada falou: “É... até aqui está bom. Mas só que ainda não consigo ir a uma reunião na sala da Presidência da Casa.” Assim, eles perceberam a necessidade de mais mudanças no local para se tornar completamente acessível. Parece que isso está previsto para julho de 2011. Até porque a presença de um deficiente requer mudanças completas no espaço. É só pensar na possibilidade de ela ser eleita para a mesa diretora, que fica em outro local. É comum que não percebamos as necessidades das outras pessoas e fiquemos concentrados apenas em nós mesmos. Essa postura faz com que imaginemos que, se nós passamos por determinado lugar, outros também poderão passar. Não é bem assim. Temos de estar atentos para as necessidades dos outros! Ainda que não saibamos quais sejam, mas precisamos ajudá-los a conquistarem. Por isso, acredito que o espaço político também tenha de ser ocupado. Da mesma forma que várias mulheres tomaram posse em diversas áreas do governo federal recentemente. É a primeira vez que temos tantas mulheres nos ministérios. Isso é importante porque há pontos que só elas enxergam. Pois, só as mulheres é que sabem o que passaram durante a vida toda para se firmarem profissionalmente e terem seu espaço na sociedade.
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Vejo que um mundo comandado apenas por homens fica, necessariamente, incompleto de um lado. As mulheres veem o que nós não vemos, e vice-versa. O mundo precisa ser uma obra comum e não só de um grupo, de um segmento, de uma só categoria de pessoas. Um mundo comum tem mais chance se ser mais justo e igualitário, mais completo. Hoje, pela manhã, estava refletindo sobre o papel da igreja nos dias atuais. Percebo que estamos ainda muito limitados. Somos uma organização que, em sua hierarquia, é formada apenas por homens. Isso nos faz, sem dúvida, mais pobres, mais incapazes de atender à dor da humanidade. Infelizmente, não conseguimos, ainda, aceitar isso. Acho que, mesmo depois de tanto tempo de luta das mulheres, do feminismo, ainda falta muito para nos darmos conta das imensas dores dos empobrecidos. Nós, cristãos como um todo, precisaríamos nos interessar muito mais pelas realidades da vida, abrindo nossas portas a todos os grupos: mulheres, deficientes, negros, indígenas e tantos outros que nem conhecemos. Ainda excluímos muito, impedimos muito, dificultamos muito a vida uns dos outros, ainda estamos muito centrados em nós mesmos, preocupando-nos somente ou principalmente com nossas próprias coisas. Não diria que é por malícia, não. Às vezes é até com boa intenção. Mas, isso não é suficiente. Tem de ter, de fato, a experiência da sensibilidade para perceber que quanto maior o número de pessoas que puderem contribuir, tanto melhor e mais rico poderá ser o resultado final. Nós ainda precisamos dar muitos passos. O simples fato de se falar em sacerdócio feminino acende o alerta em muitas cabeças purpuradas e em outras pretendentes. Falar em união homoafetiva faz abrir os horrores de outros, possivelmente mordidos por alguma mosca azul. Desejar a eleição de um papa do terceiro mundo é blasfêmia para alguns que se pensam senhores do mundo. Mencionar, no Brasil, a necessidade de revisão da lei de anistia, que indultou criminosos comuns, em crimes de lesa humanidade, faz soltarem-se os cachorros de muitas cúpulas fardadas e fanatizadas. Todos estes são tabus em pleno século 21. A humanidade nasceu para muito mais, mas tem medo do futuro, esconde seus talentos debaixo da terra, apesar de se postar muito religiosa e temente a Deus. Ontem, lia sobre essa questão. Há pena de morte e prisão perpétua para homossexuais em muitos países. Parece que são 72 nações. É tão absurdo que parece que a ONU vai discutir esse tema como um verdadeiro desrespeito aos direitos humanos. Digo que não deveríamos ter medo da realidade, da vida e das coisas. Deus é maior. Há aquele ditado que diz mais ou menos assim: “Não fale para Deus que você tem um grande problema. Fale para o seu problema que você tem um grande Deus.” “Se Deus é por nós, quem será contra nós?”, dizia São Paulo. E foi acreditando nisso que a juventude, organizada em pastoral, lançou a Campanha Nacional contra a Violência e o Extermínio de Jovens, que começou entre nós e vai se espalhando por toda a América Latina. Vamos entrar de peito na luta pela justiça e igualdade entre todos e todas, pois só teremos a ganhar na realização do bem comum. Ao nos aproximarmos das pessoas a quem julgávamos que iríamos ajudar, saímos muito mais completos do encontro, pois percebemos que fomos muito mais ajudados do que pudemos ajudar. Foi essa a experiência que vivi no contato com os movimentos das pessoas com deficiência, ou, como disse antes, no contato com os moradores da favela do Papagaio, em Belo Horizonte, meu grande ninho do sentido da vida.
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Imagem. Capa da Revista Cartas Abertas, de 1987 Cabeçalho: Cartas Abertas – Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes – Ano XIV – nº 57 – Junho de 1987. Três fotos em branco e preto: 1 - Maria de Lourdes Guarda na maca e milhares de pessoas na rua; 2 – Maria de Lourdes na maca, rodeada de crianças, no fundo vê-se freiras; 3 – Maria de Lourdes e um grupo de pessoas, com e sem deficiência, posam para foto num pátio, em frente a uma construção. Rodapé: FCD – 15 Anos de Fraternidade no Brasil. Referência bibliográfica: CARTAS ABERTAS. FCD: 15 ANOS DE FRATERNIDADE NO BRASIL. São Paulo: Escolas Profissionais Salesianas, jun 1987 Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Cedipod.
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Imagem. Matéria da Folha da Tarde – São Paulo, segunda-feira, 16-3-1981. Deficientes iniciam Ano Internacional. Contém foto: Maria de Lourdes Guarda deitada na maca tendo ao seu lado dois homens e uma mulher. Legenda: “Da. Maria de Lourdes vive há 34 anos presa à cama.” Perto de 400 pessoas, portadoras de deficiências físicas, foram sábado à Câmara Municipal participar da solenidade de abertura do Ano Internacional da Pessoa Deficiente, que terá continuidade, em São Paulo, com a realização de mesas-redondas e organização das “fraternidades” nos bairros e junto aos sindicatos e outras entidades de classe. Odete Cláudio Machado, cega, leu de uma publicação em Braille o texto da Declaração dos Direitos da Pessoa Deficiente, abrindo a cerimônia, que contou com a presença do secretário-geral da CNBB, d. Luciano Mendes de Almeida, do deputado federal Horácio Ortiz, presidente do Sindicato dos Engenheiros do juiz-corregedor de Presídios, Renato Talli, e de representantes de diversas entidades de assistência. O Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes – MDPD, que organizou a solenidade, programou para o restante do ano uma série de atividades através das quais pretende, entre outras coisas, “conscientizar a sociedade a respeito da verdadeira imagem da pessoa deficiente como ser humano, defender seus direitos, eliminar barreiras ambientais, atualizar a legislação específica e denunciar os casos de exploração e humilhação”. Cândido Pinto de Mello e José Evaldo de Mello Doin, dois dos oito coordenadores do MDPD, ressaltaram que a organização “tem caráter político não partidário, existe há dois anos e se constitui em instrumento de pressão dos deficientes, rejeitando qualquer forma assistencialista de tratamento aos deficientes”. Dificuldades. A maioria dos presentes à abertura do Ano Internacional da Pessoa deficiente teve muita dificuldade para chegar ao plenário da Câmara, onde se realizou a solenidade. Da. Maria de Lourdes Guarda, por exemplo, que devido a uma doença que provocou a calcificação de parte da sua coluna, vive há 34 anos deitada numa cama de rodas, teve que ser levada por quatro pessoas. Ela participa de entidades assistenciais há cerca de dez anos e acha que “o melhor resultado que se pode obter com o Ano Internacional da Pessoa Deficiente é uma conscientização do povo e das autoridades no sentido de que nós temos capacidade de produzir, mas é preciso criar as condições para isso”. Legenda: Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
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Imagem. Documento. FCD – Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes Físicos – Equipe Regional de S.Paulo - Alameda Rio Claro, 190 – 01332 – S. Paulo. Declaração. Para fins de credenciamento junto às reuniões preparatórias do congresso nacional de pessoas deficientes, convocadas pela Associação de Deficientes Físicos de Brasília, declaramos que as seguintes pessoas compõem a delegação paulista: Ana Maria Morales Crespo, Benedito de Paula e Silva, Carlos Lelis Faleiros, Heloisa Helena Ferrari Chagas, Isaura Helena Pozzatti, José Evaldo de Mello Doin, Leila Bernaba Jorge, Romeu Kazumi Sassaki, Thomas F. First, Vinicius G. Vianna de Andrade. São Paulo, 17 de junho de 1.980. Assinam: Maria de Lourdes Guarda, Responsável Regional da FCD ; Pe. Geraldo M.L. Nascimento S.J., Conselheiro Regional da FCD Legenda: Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Heloísa Chagas
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Imagem. Foto em preto e branco. Maria de Lourdes dentro da Kombi com a qual viajava por todo o país. Os bancos da Kombi eram retirados para dar espaço à maca. Nesta foto vê-se apenas o último banco. Foto de Varner Morandini Jr. Acervo digital Memorial da Inclusão.
Imagem. Foto em preto e branco. Maria de Lourdes Guarda em reunião do Movimento. Da esquerda para a direita: Luiz Celso Marcondes de Moura, José Evaldo de Mello Doin, Candido Pinto de Melo, Rui Bianchi do Nascimento, Leila Bernaba Jorge, Robinson José de Carvalho e Maria de Lourdes Guarda. In: Deficientes mostram valor e coragem na luta pelos seus direitos. Gazeta de Santo Amaro, São Paulo, 21-2-1981. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
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Imagem. Foto colorida. Maria de Lourdes entre padre Geraldo Marcos Labarrére Nascimento e a hoje deputada Célia Leão. Atrás deles, uma faixa diz: Sejam Bemvindos. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação irmã Leonor Guarda.
Imagem. Foto colorida. Em primeiro plano, Maria de Lourdes e três pessoas em cadeira de rodas. Ao fundo, sentadas, aproximadamente, 18 freiras com hábitos na cor branca. Ao centro, um homem de pé, de costas para o observador (provavelmente, padre Geraldo). Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação irmã Leonor Guarda
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Gilberto Frachetta
Imagem. Foto colorida de Gilberto Frachetta durante evento comemorativo dos 25 anos do AIPD. Gilberto olha sorrindo para o esqueleto de dinossauro (em madeira), símbolo do pioneirismo dos protagonistas do AIPD, e o cumprimenta com a mão direita. Atrás de ambos, vê-se banner do Evento. Contêm epígrafe: “Percebemos que os governos da época queriam ‘tomar conta’ do Ano Internacional e que suas ações eram estruturadas no sentido de que os deficientes fossem representados pelas autoridades. Decidimos organizar e construir o ‘nosso’ Ano Internacional. Começamos a trabalhar nesse sentido já em 1980”
eu nome é Gilberto Frachetta. Como sou descendente de italianos, a pronúncia é “Fraqueta”. Nasci em 2 de maio de 1941, em casa, nas mãos de uma parteira, na Vila Anglo-Brasileira, um bairro pobre na época, localizado na zona oeste da cidade de São Paulo. Acabo de completar 69 anos. Fui o segundo filho. Depois vieram mais três irmãos, sendo dois gêmeos, e uma irmã. Assim, somos seis filhos, meu pai e minha mãe. Uma família mediana, considerando os padrões daquela época. Hoje, ela seria considerada enorme. Naquele tempo, era comum ter quatro, cinco ou até dez filhos. A rua onde morávamos, na Vila Anglo, terminava na Praça Cruzeiro, um morro sem saída com uma cruz. Daí esse nome. Esse bairro, com suas ruas de terra e sem água encanada, ficava ali no meio, rodeado por outros bairros “mais ricos”, ou de classe média, como a Vila Pompeia, o Sumarezinho, a Vila Ipojuca, a Vila Romana, todos asfaltados, arborizados, com energia elétrica, telefone e tudo mais. Para a criançada era excelente, porque a gente brincava na rua com tranquilidade. Diariamente, jogávamos futebol, bolinha de gude e palmo a calha, um jogo que consistia em perseguir a bolinha do outro e, se batesse nela, ficava com a bolinha do adversário. Também brincávamos de mão na mula, uns ficavam com as costas agachada e a mão no joelho, outros vinham, batiam com uma mão nas costas e pulavam. Ttinha outra brincadeira na qual duas turmas, uma de cada lado da rua, tinham o objetivo de atravessá-la. Só que para passar para o outro lado, tinha que ir pulando em um pé só. A regra era ser perneta! Na hora de cruzar para a outra calçada, alguém vinha tentar te derrubar. Acredito que, apesar da pobreza, nossa infância foi melhor do que a daquela meninada dos bairros ricos ao redor. Minha infância foi assim… Havia briguinhas também, claro… De vez em quando, a gente inventava outras brincadeiras. Porque brincadeira é algo que inventávamos o tempo todo. Ah! Também brincávamos de bafo com figurinhas, taco. Lembro também de rodar peão, de fazer carrinho. Mas, não era de rolimã, porque não funcionava em rua de terra, o carrinho tinha roda de madeira e, vira e mexe, a gente tinha de passar sebo para deslizar melhor... Sobre meus estudos, fiz o antigo primário e secundário, hoje chamado ensino fundamental. Depois, quando cursei o segundo grau, atual ensino médio, aconteceu um problema. Meu pai, que era funcionário público, teve sua função rebaixada por um decreto do Jânio Quadros, que era o governador na época. Nesse período, o Jânio eliminou do funcionalismo público algumas categorias que eram definidas por letras. Assim, meu pai, que era funcionário letra D, o que significava ser encarregado de seção, foi rebaixado e seu salário diminuiu. Isso era ilegal! Por isso, aos 12 anos, tive de começar a trabalhar. Com isso, meus estudos ficaram atrasados. Depois voltei, fiz um curso técnico de Agrimensura e, por fim, a faculdade de Economia, na Universidade de São Paulo. Naquela época, 1968, o curso ficava na rua Dr. Vila
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Nova, paralela com a Maria Antônia, onde ficavam a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP e, do outro lado, o Mackenzie. Trabalhei como agrimensor numa empresa, exatamente no momento em que as companhias começaram a se informatizar. Por isso, fiz um curso de computação e desenvolvimento de sistemas. Pensei: “Agora, vou fazer um curso de administração.” Prestei vestibular e passei na USP. Mas, tive uma surpresa logo no primeiro ano, porque ele era básico para Economia, Administração Pública, Administração de Empresas, Ciências Atuárias e Contábeis. Gostei tanto de Economia que mudei de opção logo no segundo ano. Naquele ano, 1968, discutia-se uma reforma universitária, então, havia uma grande mobilização. Esse clima atingia não só os estudantes, mas, também, outros setores, como os movimentos dos trabalhadores. Eu estava lá quando aconteceu a famosa briga entre os alunos da USP e os do Mackenzie. Foi um acontecimento que entrou para a história como sendo uma briga do Mackenzie com o pessoal da Filosofia, da USP. Mas, nós, alunos de Economia, fomos os primeiros a ocupar a faculdade na luta pela reforma universitária. Depois, aconteceu a ocupação da Faculdade de Direito, lá no Largo São Francisco e, aí sim, a de Filosofia, perto da data do congresso da UNE, em Ibiúna, onde muitos estudantes foram presos. Era calouro nessa época. Essa briga aconteceu porque os estudantes da USP estavam arrecadando dinheiro para fazer o congresso e o pessoal do Mackenzie veio provocar, pois tinham uma visão ideológica contrária ao nosso pessoal. A provocação foi aumentando dia a dia até que aconteceu o quebra-pau. Foi uma luta desigual porque, enquanto a gente usava pedras, o pessoal do Mackenzie vinha com espingardas, rifles e tochas de fogo que terminaram por causar incêndio no prédio da Filosofia. Naquela época, eu ainda não estava na cadeira de rodas. O edifício tinha dois pavimentos e, quando tudo começou a pegar fogo, eu estava no andar de cima. Uma garota e um rapaz estavam comigo. Logo chegou o Corpo de Bombeiros que nos resgatou. Fui um dos últimos a sair de lá. Depois desse início cheio de aventura, fiz todo o meu curso na Cidade Universitária, no Butantã. Durante esses anos de estudante, fiz parte do centro acadêmico da faculdade. Cheguei a ser eleito para a secretaria. Depois, prenderam o presidente e o vice-presidente não quis assumir, o primeiro secretário estava sendo perseguido pela polícia política, quem deveria assumir era o secretário. Então, acabei assumindo o posto. Por causa dos trabalhos como presidente do centro acadêmico, só consegui fazer duas disciplinas durante aquele período. Era o mínimo para não ser reprovado. Em 1970/71, passei a integrar o DCE da USP, que tinha uma diretoria própria. Assim, minha formatura foi acontecer em 1975. Em janeiro daquele ano, eu e mais cinco colegas da faculdade decidimos viajar para o Recife, em Pernambuco. Fomos de carro e, no segundo dia de viagem, aconteceu o acidente que me deixou paraplégico. Foi em um município chamado Realeza, distrito do município Manhuaçu, em Minas Gerais, na Rodovia Rio-Bahia. Acho que a uns 100 quilômetros de Governador Valadares, a cidade mais conhecida da região. Durante a viagem, éramos quatro homens e duas mulheres num veículo que tinha quatro portas. Na época, cinto de segurança praticamente nem existia e, caso existisse, naquele carro não tinha. Eu estava atrás e, quando caímos, a porta do meu lado abriu. Fui jogado para fora. Machuquei a coluna. Quebrei a vértebra e tive lesão medular. Foi essa lesão que afetou meus movimentos das pernas. Os outros passageiros não tiveram ferimentos graves. A motorista machucou o ombro e os outros tiveram apenas escoriações.
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Como Realeza não tinha infraestrutura para atendimento médico, fui levado para Manhuaçu, onde os médicos fizeram uma radiografia e falaram: “Olha, aqui a gente não pode fazer muita coisa.” Quando ouviram isso, meus amigos alugaram um aviãozinho, desses táxis-aéreo, e me trouxeram para o Hospital das Clínicas (HC), de São Paulo. Ao chegar ao HC, fui internado no Instituto de Ortopedia. Por coincidência, um rapaz da enfermagem conhecia meu pai e, na hora em que viu o sobrenome Frachetta, ficou assustado e foi verificar. Viu quem era eu e tentou me ajudar. Procurou o médico ortopedista, diretor da ortopedia, mas ele estava de licença. Acabei operado por um médico que era iniciante. Foi sua primeira cirurgia. Descobri, tempos depois, que a cirurgia não foi bem-feita. E, além disso, que o médico tinha esquecido uma atadura de gaze nas minhas costas. Fiquei com ela por cinco anos no meu corpo! Enquanto estava internado, perdi meu pai, que faleceu em março de 1975. Meu processo de retomada começou em dezembro de 1975. Recebi alta e fui para casa. Não víamos pessoas deficientes trabalhando em empregos formais naquela época. Elas eram vistas na rua fazendo comércio ambulante, vendendo guloseimas ou pedindo ajuda. Pensei: “E agora? O que vou fazer da vida?” Eu estava com 33 anos. Tornar-se deficiente é um processo estranho porque, geralmente, não recebemos “oficialmente” a notícia. Vamos descobrindo aos poucos… Vemos que trocamos de leito como os outros, até que percebemos outras pessoas saírem da cadeira de rodas e a gente não. O médico dizia: “Tudo bem. Vamos lá, você vai andar ainda...” Mas, conforme o tempo passa, a gente vai percebendo que nossa situação é mais grave do que pensávamos. E o meu caso ainda foi agravado por um erro médico. Antes de viajar para Recife, estava tentando mudar de trabalho. Havia conseguido um emprego como economista na Deca, do grupo Itaú, com sede no bairro do Paraíso. Mas, veio o acidente e fiquei fora do mercado. Nesse momento, tive a ideia de fazer um curso de Rádio e TV por correspondência. Era uma escola norte-americana, Occidental School, com uma bolsa que ganhei do Lyons, através do pai de um amigo, pois não tinha condições de pagar. Assim, montei uma banca num quarto e comecei a consertar rádio e televisão. Fui vivendo disso. Nossa situação melhorou devido a um processo que ganhamos contra o Estado, por causa daquela lei do Jânio. Assim, pudemos alugar uma casa na Pompeia, numa rua com água encanada e tudo mais. Antes, usávamos água de poço. Houve uma melhora de qualidade de vida, sem dúvida. Lá conheci um pessoal, fiz novas amizades, embora continuasse frequentando a Vila Anglo. Fui tocando a vida até que, em 1978, um amigo, mais bem-informado e que havia cursado Engenharia, me disse que conhecia um cara que também estava na cadeira de rodas. Ele e outros estavam formando um movimento de deficientes. A pessoa que ele conhecia era o Cândido Pinto de Melo, uma pessoa atuante no movimento. Conheci novas pessoas que me davam carona e, entre o fim de 1978 e o início de 1979, comecei a frequentar efetivamente esse grupo, chamado Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes (MDPD). Foi participando desse movimento que comecei a me conscientizar a respeito da situação na qual me encontrava. Comecei a lutar pelo que, na época, chamávamos de “integração social”. Um dos aspectos que chamavam muito a atenção era o lado econômico. Era visível que só participavam do movimento pessoas com infraestrutura para se locomoverem. Provavelmente, eu era um dos participantes mais pobres, portanto, um dos poucos sem condução própria.
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A participação nesse grupo foi importante, porque me deu muita consciência, não apenas sobre a situação, mas também sobre os pontos que deveriam estar nas pautas de reivindicações. Por isso, acho que o legado que esse movimento deixou foi tirar o deficiente de dentro de casa para que começasse a lutar por seus direitos. A situação do deficiente naquela época era muito complicada. Um dos grandes problemas era a falta de acessibilidade. Porque isso, praticamente, impedia a saída de casa daqueles que não tinham recursos. Não havia ônibus adaptados, o que dificultava e muito a entrada nesses veículos. Por isso a discussão sobre o direito de ir e vir foi muito importante. Outro ponto marcante foi o processo de reabilitação. Na época, a reabilitação era focada somente nas partes física e médica. Percebemos que esse processo deveria ser ampliado, que ele deveria dar condições para que a pessoa replanejasse sua vida e superasse aquela situação traumática. É complicado quando alguém, em um determinado momento, começa a perceber que as outras pessoas podem fazer coisas que ele não pode. Essa diferença faz com que enxergue a si como um indivíduo limitado. Na época, a gente chamou isso de “trauma psicossocial”. Nosso objetivo era discutir a melhor forma de elaborar um novo projeto de vida. Concluímos que tanto nós quanto o restante da sociedade teríamos de estar preparados para essa realidade. Por isso, a reabilitação deveria incluir outros aspectos da vida. Naquele momento, era fundamental superar o trauma da limitação! E, praticamente, nenhum centro de reabilitação possuía profissionais capacitados para lidar com essa questão. Quando muito, havia uma assistente social que viabilizava que o hospital emprestasse uma cadeira de rodas e lençóis. Foi o meu caso quando saí do HC, num momento em que minha família estava numa situação financeira muito ruim. Era o máximo que essa profissional fazia. E não queríamos muito na época. Queríamos o que chamávamos de “integração social”, hoje denominada “inclusão social”. Percebemos, assim, que a primeira coisa a ser conquistada era a acessibilidade. Em segundo lugar, viria esse novo tipo de reabilitação, com enfoque mais ampliado. Pois, com o passar do tempo, percebemos que, no aspecto profissional, ou as pessoas não tinham profissão ou tinham que mudar de área para trabalhar. Por isso, era necessário que a reabilitação incluísse esse ponto também. Percebemos que o oferecido não era suficiente. Acompanhando essa discussão, surgia o tema da escolaridade. Porque a pessoa com deficiência não poderia parar seus estudos ou não ter acesso a eles. Outros pontos que surgiram foram a questão cultural, o esporte e também o direito de ter uma participação política e social, como ter o direito de votar. Isso porque, na época, o deficiente era isento de votar. Ao mesmo tempo, não havia incentivo por parte de ninguém para que essas pessoas votassem. Havia uma cultura que marginalizava os deficientes, como se fôssemos cidadãos de segunda categoria. Essa visão fazia os deficientes serem vistos como pessoas que não poderiam fazer mais nada em suas vidas, deveriam ser sustentados e cuidados por familiares. Nesse cenário, era óbvio que não tínhamos acesso a praticamente nenhum tipo de serviço oferecido pela sociedade. Naquele momento, apenas as pessoas com muito poder aquisitivo podiam passar por bons processos de reabilitação. Era um tratamento pago e de elite. O restante da população ficava completamente marginalizado. Foi a partir desse cenário que nossa pauta começou a ser construída. Nesse sentido, o ano de 1980 foi muito importante e frutífero para o movimento. Porque 1981 seria o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, sendo que o anterior havia sido dedicado à criança e o seguinte seria focado no idoso.
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Percebemos que os governos da época queriam “tomar conta” do Ano Internacional e que suas ações eram estruturadas no sentido de que os deficientes fossem representados pelas autoridades. Decidimos organizar e construir o “nosso” Ano Internacional. Começamos a trabalhar nesse sentido já em 1980. O movimento era livre. Qualquer deficiente ia lá e participava das reuniões, já entrava com direito ao voto. Ainda não havia uma diretoria, uma autoridade nomeada ou eleita para representar o grupo, mas havia uma coordenação que permitia uma estrutura organizada. As reuniões aconteciam nas Faculdades Metropolitanas Unidas, que ficava em uma das travessas da Avenida Santo Amaro. Outros locais que serviram como sede foram o Colégio Anchietanum, em Perdizes, e uma escola que ficava na Avenida 9 de Julho. Interessante perceber que, desde aqueles tempos, todos esses lugares possuíam uma estrutura acessível para nós deficientes, exceto nos sanitários. O movimento foi se estruturando e, em 1981, organizamos várias mesasredondas sobre as barreiras arquitetônicas que os deficientes tinham de superar para ter acesso a alguns espaços. Essa era a questão principal da época. Tanto que convidávamos pessoas das áreas de arquitetura e engenharia para participarem dessas discussões. No fim daquele ano, tínhamos quase que uma pauta completa de reivindicações. Algo que foi gestado aos poucos, mas que focava com seriedade a questão da “integração social”, como dizíamos. Um conjunto que ia além da questão do espaço público. Era uma nova forma de olhar a deficiência, que abrangia a discussão sobre quais serviços a sociedade oferecia para as pessoas deficientes. Uma visão que pressupunha todas as áreas temáticas que formam a sociedade organizada. Por isso, a palavra de ordem, a frase do Ano Internacional era “Igualdade Plena e Oportunidades Iguais de Participação”. Isso dava esse sentido de amplitude que a gente defendia e que fez com que a luta continuasse e nos levasse às ruas. Porém, nesse momento, aconteceu uma coisa comigo. Saiu o resultado de uma causa trabalhista que iniciei devido a muitas irregularidades ocorridas na época em que eu era estagiário. Como a causa foi favorável a mim, recebi uma boa quantia referente a quatro anos de trabalho. Com isso, pude quitar minhas dívidas, comprar um carro – um Opala hidramático adaptado – e adequar minha carteira de motorista. Pude também passar por uma cirurgia em uma instituição cara como o Hospital Albert Einstein. Exatamente quando havia conquistado minha independência, no sentido de ir e vir, sentia dores insuportáveis nas costas. Eu havia aprendido, nesse meiotempo, que os ortopedistas apenas analisavam a parte óssea. Então, uma amiga me indicou um bom neurocirurgião, que diagnosticou uma compressão medular. Depois de várias radiografias e uma mielografia, o diagnóstico era compressão medular. A surpresa foi descobrir que o motivo dessas dores era a tal atadura de gaze que o médico do HC havia esquecido dentro de mim em 1975, cinco anos antes! A gaze foi removida e o médico limpou tudo. Fui transferido para o leito. No dia seguinte, ele me contou tudo e me deu a atadura. Fiquei realmente indignado. Guardo comigo o laudo até hoje. Eu, que já estava ficando corcunda por não aguentar aquela dor que dificultava até minha entrada no carro, entre outras coisas, considero que foi, de fato, após essa operação que passei a viver ou reviver… Voltando à agenda do Ano Internacional, a preparação incluiu várias mesas-redondas alternadas. Numa semana a gente abordava um tema, na seguinte, outro assunto era discutido e assim por diante. Desse modo, durante cerca de cinco meses, cobrimos quase todos
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os pontos que considerávamos importantes. A partir do resultado de cada encontro, compilamos cada questão e conseguimos montar uma pauta de reivindicações. Entre 1979 e 1981, conseguíamos reunir 200 ou 300 pessoas nas reuniões. Era algo espetacular, com um círculo grande de participantes. Além disso, havia pessoas que não eram deficientes, mas estavam lá, interessados em participar. Tinha também um pessoal – deficientes ou não – de outras cidades. Essa conexão permitiu que fizéssemos encontros fora da cidade de São Paulo. Depois do evento do Ano Internacional, pudemos apresentar, como resultado, todas essas necessidades em uma pauta completa. O processo foi longo e conseguimos formalizar todas as reivindicações apenas no final de 1986. Foi o tempo necessário para a articulação entre os movimentos de São Paulo e dos outros Estados. Nesse período foi criada também a Onedef (Organização Nacional de Entidades de Deficientes Físicos), focada no deficiente físico. Ao mesmo tempo, havia outra que lidava com o surdo e outra para os deficientes visuais. Aqueles com deficiência mental, que hoje chamamos de “deficiência intelectual”, eram representados por instituições como a Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) e o Instituto Pestalozzi. Em 1986, ocorreu uma reunião em Belo Horizonte na qual fechamos a pauta de reivindicações que foi apresentada na Assembleia Nacional Constituinte, em 1987. Foi interessante, porque fizemos um documento que abrangia todas as áreas, todos os setores, que foi apresentado não por um parlamentar constituinte, mas, por nós, deficientes, através de Emenda Popular. A Constituição permitia que, com um mínimo de assinaturas, um grupo de cidadãos poderia apresentar propostas diretamente ao plenário em Brasília. O movimento se organizou e foram colhidas assinaturas em vários Estados. Fui o responsável pela ação aqui em São Paulo. Arrecadamos, em todo o Brasil, algo em torno de 51 mil assinaturas. Dessas, cerca de 25 mil – 50% das assinaturas – foram conseguidas em São Paulo. Para apresentar nossas propostas, montamos uma Comissão Nacional, composta por cinco pessoas – eu entre elas –, para irmos até a capital federal. Lá, fomos recebidos pelo presidente da Assembleia Constituinte, o deputado Ulisses Guimarães. Acho que deve haver alguma foto disso. Depois, em 1988, houve a aprovação da Constituinte e tudo o que está na Constituição é fruto dessa nossa pauta. Acho que apenas duas reivindicações não entraram. Uma delas propunha que, caso os deficientes recebessem algum auxílio-doença ou pensão – fosse do INSS (Instituto Nacional de Seguro Social) ou de outro instituto –, e voltassem a trabalhar, eles teriam esse benefício suspenso apenas temporariamente. O trabalho seria a principal fonte de renda dessas pessoas. Mas, se em um determinado momento, a pessoa ficasse desempregada, voltaria a receber aquela pensão. Achávamos isso muito importante porque, mesmo sem trabalho, o indivíduo continua consumindo. Já, quando a pessoa volta a trabalhar, ela passa a ser alguém que, além de consumir, produz e contribui para a sociedade e para o INSS. Ou seja, ela “está” cidadão. Por isso, era uma questão de cidadania, de autoestima, que traria muitos benefícios para a sociedade. Mas, eles não aceitaram. Disseram que era um seguro-desemprego e que não iam colocar isso na Constituição.
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O outro ponto que não entrou foi a solicitação de que todos os meios de comunicação eletrônicos, principalmente a televisão, tivessem uma forma de comunicação para os deficientes auditivos, algo como o legenda oculta (closed caption) que temos hoje em dia. Fizemos esse pedido porque acreditávamos que a informação deveria chegar a todos. Os parlamentares sugeriram colocar um sistema assim apenas nas TVs públicas. Não aceitamos. Tinha que ser também para as particulares. É preciso esclarecer que havia algumas divergências no movimento. Um setor achava importante haver cotas de emprego, por exemplo. Outros discordavam, argumentando que o deficiente tinha de se profissionalizar como qualquer pessoa e o resultado do seu trabalho deveria ser avaliado como qualquer outro. Eles entendiam que, com uma profissão, tendo cultura, conhecimento, acessibilidade, os deficientes teriam condições de concorrer com qualquer outra pessoa. Por outro lado, os “cotistas” apontavam que a realidade não era bem assim. Diziam que as cotas eram necessárias enquanto houvesse desigualdade social. Estou sintetizando as duas opiniões da época. Não houve consenso. Decidiu-se deixar essa questão para a assembleia constituinte, e foi aprovado que as cotas valeriam somente para o serviço público. Essa situação mudou com a chegada da Lei federal nº 8.213, pouco tempo depois. Ela tratava da questão do INSS e trazia um artigo criando cota também para as empresas privadas. É lá que está a obrigatoriedade de as empresas acima de 100 empregados terem uma porcentagem de trabalhadores com deficiência. Veja como os pontos de vista mudam com o tempo. Hoje, percebemos que, de fato, essa política afirmativa já era uma posição correta naquela época. Digo isso porque – mesmo que algumas pessoas com deficiência estejam contratadas atualmente –, até os nossos dias, os deficientes não têm todas as condições ideais para concorrerem com outras pessoas no mercado de trabalho. Acredito que a questão de trabalho vá muito além de um emprego e de uma remuneração. Há um significado muito importante de realização pessoal também. Porque, à medida que um indivíduo trabalha e tem uma renda própria, diminui a sua dependência ou, até mesmo, chega à sua independência. É, sem dúvida, um modo de inclusão. Do mesmo modo que aconteceu com as mulheres. Elas conquistaram coisas que não imaginavam conquistar. Cada vez dependem menos dos maridos. Primeiro foi: “Bom, agora eu não dependo mais para minhas coisas pessoais, pelo menos, agora, para o meu batom, você não precisa mais me dar o dinheiro!” Ela foi indo: “Não preciso mais disso, não preciso mais daquilo. Daqui a pouco nem preciso de marido!” Lembro-me de que um deputado apresentou ao Congresso uma proposta muito “criativa”. Ele queria que as empresas descontassem do Imposto de Renda, mais ou menos, o equivalente aos salários que elas pagassem às pessoas com deficiência. Combatemos isso e, felizmente, conseguimos derrubar essa proposta. Ficou claro para nós que as admissões iriam ocorrer muito mais pelo benefício que a contratante teria do que pela capacidade do profissional em questão. Aceitamos apenas a ideia de que as empresas pudessem abater algum tipo de imposto, caso fizessem adaptações nas suas instalações. Entendemos que essa seria uma ação correta, porque, desse modo, a empresa estaria apenas recuperando o investimento que fez para tornar o ambiente acessível para os empregados com deficiência. Em 1989, veio a Lei federal nº 7.853, que é bastante abrangente. Então, foram criadas outras leis federais: a nº 10.048 e a de nº 10.098. Se reunirmos essas leis veremos que é quase um estatuto. Porque quase tudo que precisamos como deficientes está lá. Apenas um problema: não há punições para quem não cumpri-las. Essa é nossa maior questão hoje.
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Tudo o que conquistamos desde os anos 1980, em termos de legislação, mudou a forma de relacionamento com as autoridades. Até 1988, não existia praticamente nenhuma legislação. Havia apenas uma emenda constitucional, acho que de 1977, referente a espaços com acessibilidade. Era uma emenda que pouco dizia e precisava de regulamentação. Ela foi feita por um deputado que ficou paraplégico. Antes de 1988, íamos às autoridades e recebíamos tapinhas nas costas, ouvíamos promessas e a “justificativa” de que faltava uma legislação apropriada para tratar o tema. O que faltava era vontade política. Os políticos não enxergavam nenhum benefício em tratar das necessidades dos deficientes. Depois da Constituição, vieram as leis. Os deficientes passaram a ter respaldo legal. Mas, havia outro problema: a legislação não determinava prazo. E os projetos precisam ser incluídos no orçamento. Enfim, surgiram outros entraves. Mesmo assim, houve uma mudança de cenário e podíamos conversar “de igual pra igual”, lembrando aos políticos que poderiam ser substituídos nas próximas eleições. Sem dúvida, a legislação melhorou as condições de cidadania. Duas coisas mudaram: a existência de uma legislação e o aumento de consciência sobre a questão do deficiente por parte da sociedade. Hoje, esses indivíduos são vistos como pessoas com potenciais a serem aproveitados no desenvolvimento de inúmeras atividades. Basta que eles tenham acesso. Embora a falta de acesso seja um problema que ainda temos hoje, ao mesmo tempo, podemos contar com uma sociedade mais informada e consciente sobre essa questão a ponto de apoiar nossa luta. Depois do acidente, voltei a trabalhar em 1981, na cadeira de rodas. Havia outros no movimento que trabalhavam. Como o Cândido Pinto de Melo que trabalhava no Instituto do Coração do HC, na área de informática. Tínhamos, também, entre nós, professor, relojoeiro, que nunca haviam sido vistos como deficientes, porque usavam muletas. Isso importa para mostrar que a sociedade não tinha clareza sobre a definição de pessoas deficientes ou sobre a posição dessas pessoas no meio social. Tanto que um participante do movimento, Rui Bianchi do Nascimento, foi ao teatro certo dia e, na porta, de repente, foi abordado por uma mulher que botou dinheiro no colo dele! Certa vez, em 1975, quando ainda estava internado no Hospital das Clínicas, eu estava ouvindo as notícias sobre a inauguração do metrô em São Paulo pela rádio Excelsior. A reportagem estava na Praça da Sé e, enquanto entrava e saía gente da estação, a repórter perguntou para o presidente da Companhia do Metrô: “Esta porta não é muito rápida, não?” Ele respondeu que não haveria problema, porque o metrô seria usado apenas pelas pessoas que trabalhavam ou estudavam! Isso ficou na minha cabeça até que pude entender que ele se referia às pessoas plenamente ativas. Ou seja, aquele meio de transporte, que não considerava em seu projeto os aposentados e demais pessoas, não tinha função social! Estava voltado apenas para a produção, para a empresa. Tempos depois, um arquiteto do metrô presente em uma de nossas mesas-redondas explicou que, quando criaram a linha Norte-Sul do metrô, havia elevadores no projeto, conforme os modelos vistos em outros países. Mas, o presidente da empresa, na época, eliminou os elevadores por considerá-los um custo desnecessário, já que os usuários não iam precisar de elevador! Hoje, a empresa está tendo de colocá-los em todas as estações, e por um preço muito maior. É o custo da mentalidade de uma época na qual apenas aqueles que não tinham dificuldades de locomoção eram considerados membros da sociedade. Quem não conseguia isso estava excluído.
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Como a linha Leste-Oeste foi construída depois da nova Constituição, suas estações têm acessibilidade. A única estação da linha Norte-Sul que teve acessibilidade foi a do Terminal Tietê, devido à conexão com a linha de trem e com a rodoviária. Mas, foi ocasional, caso contrário, nem teria. A esse respeito, entre 1983 e 1984, fizemos várias manifestações. Eram até divertidas porque contavam com a participação de vários cadeirantes que iam para a Praça da Sé tentar pegar o metrô todos ao mesmo tempo! Era um correcorre de funcionários para ajudar essas pessoas a irem pela escada rolante. Houve um caso exemplar de uma tetraplégica que ia descer para a estação e foi derrubada. Foi algo horrível, mas que demonstrou o total despreparo da equipe do metrô para lidar com pessoas deficientes. No ano seguinte fizemos outra manifestação lá. Só que levamos um bolo de segundo aniversário. O diretor do metrô apareceu para marcar uma reunião conosco na nossa sede. Ele sugeriu a criação de linhas de ônibus adaptados paralelas – e em substituição – à linha do metrô! Um absurdo! E, pelo que ele descreveu, nem eram ônibus, mas sim peruas adaptadas. Ele só não saiu chutado da reunião porque ninguém ali podia chutar! Outra ferramenta de manifestação que preparávamos era o que chamávamos de “pirulito”. Como mandar fazer faixas era muito caro, fazíamos um cartaz, em cartolina grande, com palavras de ordem. O cartaz era segurado por um pedaço de madeira no qual era fixada a cartolina. Comprei vários sarrafos de 4 metros de comprimento e precisava de alguém para serrá-los em pedaços. Um cego se ofereceu e falou: “Tá bom. Eu serro, mas preciso de uma ajuda.” E outro cego se ofereceu: “Eu ajudo!” Fiquei numa “saia justa”, imaginando como fariam o serviço. Um deles me pediu um modelo do tamanho da madeira a ser cortado. Fiz a medida e dei para eles, que fizeram tudo certinho! Com tudo pronto, lá fomos nós para o metrô com os pirulitos com as frases “Cadê a nossa acessibilidade?”, “Nós temos direito, pagamos imposto” e outras. Nós também fazíamos uns panfletinhos, mas não eram muitos, por falta de recursos. Quando distribuíamos, pedíamos para a pessoa ler e passar para outra. Havia uma conscientização naquele trabalho. Até a Constituinte foi assim, com muita luta. Por isso, sabemos que o que está lá é fruto de nossa batalha. Foram reivindicações que partiram das pessoas com deficiência e se tornaram parte do texto da Constituição. É prazeroso ver o fruto de uma luta. É interessante perceber que temos outra realidade hoje. Há novos militantes. Porém, acho que o aspecto político tem menos peso. Tenho a impressão de que isso acontece porque as pessoas mais novas não tiveram a experiência dos movimentos social e estudantil e de outros grupos que se manifestavam na minha época de universitário. Tive essa experiência não apenas na USP, mas em casa também. Antes de ser funcionário público, meu pai trabalhava em uma empresa de ônibus e participava de greves. Em uma delas, foi demitido. Além disso, havia uma atuação forte das Sociedades de Amigos de Bairro. Cheguei a ser diretor de uma dessas entidades. Quando estava com 14 anos, comecei a trabalhar como contínuo (hoje office-boy) no Banco Auxiliar de São Paulo. Era um bom emprego. Apesar da minha pouca idade, logo fui promovido e decidi fazer greve por melhores salários. E consegui! Desde cedo, percebi que reivindicar meus direitos valia à pena. Mas, em uma segunda greve, terminei sendo demitido porque, ao invés de parar e ficar dentro do banco, decidi pegar cinema com um amigo. Não diria que eu tinha uma consciência proletária. Acredito que fosse uma consciência mais social. E isso foi ampliado quando entrei na faculdade, onde aprendi sobre aspectos
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ideológicos dessas questões, pois as ideias iam desde a extrema direita à extrema esquerda no movimento estudantil. Assim, passamos os anos 1990 fazendo várias reivindicações. Porém, o movimento passou a perder força no final da década. Isso aconteceu porque ele começou a se fragmentar em várias causas específicas. Assim, havia uma associação voltada apenas para o esporte, outra só para o aspecto profissional e assim por diante. Infelizmente, apareceram muitas pessoas, em grupos que eu chamaria de “oportunistas”, que passaram a ocupar espaço dentro da luta. Eles defendiam outro tipo de relação com as autoridades oficiais. Algo muito mais baseado na questão das “trocas” de favores e interesses. Chegaram de tal forma que atingiram níveis de direção no movimento. Percebo que o momento atual traz uma nova fase. Ela é formada por um novo pessoal que, embora não tenha ainda uma consciência clara de seu papel, está começando a ver a situação de uma maneira mais ampla. São pessoas que percebem que seus problemas específicos devem ser resolvidos num âmbito maior, de coletividade, e não em termos individuais. Sem dúvida, é um processo de transição. Lembro-me que, em 1984, durante o governo do Franco Montoro, criamos o Conselho Estadual para Assuntos das Pessoas Deficientes. Isso foi possível porque aquela gestão tinha a proposta de ser democrática. E foi mesmo! Ela criou essa oportunidade e o pessoal que estava no movimento pôde participar. Continuamos a ter abertura quando, em 1989, a Luiza Erundina foi eleita prefeita de São Paulo. Em sua gestão, nós, deficientes, recriamos o Conselho Municipal da Pessoa Deficiente (CMPD). Esse Conselho foi criado por decreto e, em 1992, conseguimos transformá-lo em lei. Uma legislação que está vigente até hoje. E eu, que participei desses dois processos, brincava dizendo que, como era o responsável, estava aberto tanto aos elogios quanto às críticas ... mas principalmente aos elogios! Em relação ao decreto e à lei, procuramos fazer uma experiência nova, formando o Conselho somente por pessoas com deficiência. Porque, quando criamos o Conselho Estadual, havia uma proposta de que seria composto por 50% de deficientes e o restante por entidades e membros do governo. O governo foi contra. Propusemos, então, um conselho com composição tripartite: um terço de representantes dos deficientes, outro terço de entidades prestadoras de serviço e outro terço formado pelo governo. Assim, entramos em um consenso e essa estrutura foi aprovada. Porém, a divisão ficou mais complexa porque as pessoas com deficiência eram representadas por entidades e, cada uma delas, após ser eleita, indicava seus representantes. Assim, no começo, era algo como nove, nove e nove, totalizando 27 membros. Com o tempo, percebi que houve uma espécie de cooptação – baseada em “trocas” – que fez com que o governo e as entidades prestadoras de serviço votassem unidos, garantindo sempre maioria para a área governamental, o que permitia a ela eleger o presidente. Ciente disso, decidi apresentar, em 1988, uma nova proposta de estrutura para o Conselho Municipal das Pessoas Deficientes: um conselho formado por 100% de pessoas com deficiência, como está até hoje, sem a presença do governo. O Conade (Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência) 70 tem pressionado para que o CMPD seja formado por 50% de representantes governamentais
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. Órgão criado para acompanhar e avaliar o desenvolvimento da política nacional para inclusão da pessoa com deficiência. O Conade faz parte da estrutura básica da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (Lei nº 10.683/03, art. 24, parágrafo único).
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e a outra metade seja composta pela sociedade civil. Essa é a condição para o CMPD participar do Conade. Porém, o Conade inclui, em sua definição de “sociedade civil”, tanto os deficientes quanto entidades prestadoras de serviço e outras instituições. É outro modelo que, no meu entendimento, tem características de “conselho de governo”, já que, como ele tem metade do poder, apenas será aprovado o que o governo quiser. Não sou contrário à participação governamental. Sou contra que o governo tenha esse seu peso exagerado no conselho. Acredito que toda essa trajetória de lutas foi uma experiência muito boa porque permitiu aos deficientes a possibilidade não apenas de organização e mobilização, mas também de discussão e decisão. Nesse sentido, entendo que o modelo utilizado no Conselho de Saúde deveria ser o parâmetro para os outros. Criado pela Lei federal nº 8.142, sua composição é formada por 50% de usuários, 25% de trabalhadores da área de saúde e 25% por representantes do governo e de empresa prestadora de serviço na área da saúde. Um formato no qual o governo está presente, sem ser maioria, e os maiores interessados, os usuários, representam 50% do órgão! Esse modelo é ideal. Está presente nos conselhos que mais funcionam no Brasil, que são os de saúde. Os mais dinâmicos e atuantes! Pude perceber isso durante os quatro anos em que fiz parte do Conselho Municipal de Saúde/SP, como representante dos deficientes. Fui eleito para um mandato de dois anos e depois reeleito. Foi uma verdadeira escola para mim. Agora, em janeiro de 2010, depois de dois anos fora, me elegeram outra vez. E continuo acreditando nesse modelo porque permite uma discussão equilibrada entre o governo e os usuários, o que implica muita negociação. O modelo do Conade, criado no governo Fernando Henrique e mantido pelo governo Lula, é uma estrutura estática e acomodada. Metade é governamental. Na outra parte, representada pela sociedade civil, os deficientes são minoria. O resto é formado por outras instituições. Fazem reuniões mensais em Brasília, mas, na prática, não alteram a realidade em nada. E, como todos aqueles grupos corporativistas estão “ganhando o seu”, não há o mínimo interesse em mudanças reais. Além disso, ficam forçando os outros conselhos para que adotem o mesmo formato, ou seja, com 50% da presença do governo. Atualmente, aposentado pelo INSS por tempo de serviço após 38 anos de contribuição, sou representante do Segmento das Pessoas com Deficiência no Conselho Municipal de Saúde de São Paulo e participo de um projeto educacional. Trata-se de um trabalho voluntário numa Escola Municipal de Ensino Fundamental, a Des. Amorim Lima, na qual sou membro do Conselho Pedagógico representando os pais. Trata-se de um projeto inovador e essa história começou quando, em 2001, matriculei nessa escola minha f ilha, Diuly, que optou ficar comigo quando de meu divórcio. Comecei a participar do conselho escolar junto de outros pais, professores, alunos e funcionários e, dois anos depois, em 2003, fui eleito presidente desse conselho. Como havia muita reclamação devido à baixa qualidade do ensino, decidimos começar a discutir o projeto pedagógico. Foi quando percebemos que nada daquilo que estava no papel acontecia no dia a dia daquela escola. Criamos uma comissão e fizemos vários levantamentos. Um deles referia-se às aulas dadas. Com a pesquisa, descobrimos que 83% das aulas de Geografia não eram ministradas. Em português, a porcentagem chegava a 60%. A diretora da escola nos apresentou uma pessoa que conhecia o modelo pedagógico da Escola da Ponte, da cidade do Porto, Portugal, que nos apresentou um vídeo sobre
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essa experiência. Decidimos abraçar esse método como solução para os nossos problemas. Montamos o nosso projeto tendo como base a experiência portuguesa e adaptando-a à nossa realidade. Em setembro de 2003 estava pronto. No mês seguinte, aproveitamos a visita da secretária municipal de educação, Aparecida Perez, ao CEU Butantã, e entreguei o projeto a ela convidando-a para uma reunião no Conselho da Escola. Ela aceitou, foi à reunião, na qual apresentamos mais detalhes e diretrizes sobre o projeto. Ela concordou com nossa iniciativa e deu recursos para implantação do mesmo. Assim, contratamos uma equipe pedagógica que nos ajudou a implantá-lo. Em janeiro de 2004, período de início das aulas, elas começaram sob essa nova metodologia, que está lá até hoje, chegando ao oitavo ano consecutivo. No ano seguinte eu fui eleito para o Conselho Pedagógico, onde estou no momento, além do Conselho de Saúde, como disse anteriormente. São ações que me dão muito prazer, porque gosto do que estou fazendo, mesmo sem ter remuneração alguma. Além disso, estou fazendo um planejamento para voltar a viajar pelo Brasil dirigindo meu carro, uma Fiat/Elba modelo 92. É uma prática que gosto muito, mas que tive de abandonar durante um tempo devido às outras atividades. Já tive quatro acidentes com carros e, e num deles, perdi um Opala. Estava voltando de um pronto-socorro, que atendeu meu sobrinho devido a problema respiratório, e no início da rodovia Raposo Tavares o freio falhou e a roda do lado esquerdo travou. O carro rodou e bateu no poste no semáforo, ficando em forma de “V”. Resultado: meu sobrinho teve fratura exposta na perna e eu fratura próxima ao joelho. Minha irmã e sobrinha saíram ilesas. Fomos socorridos pelos bombeiros e levados novamente ao pronto-socorro, agora do HC. O carro ficou num estado tal que terminei vendendo peça por peça e comprei uma Variant, na qual instalei um sistema de adaptação alemão. Ela foi roubada da garagem de casa e junto foi a cadeira de rodas que estava no porta-malas! Em seguida, comprei a primeira Elba. Viajar e festas com a família são coisas que gosto muito de fazer. Acho que herdei isso do meu pai. A família cresceu, com muitos sobrinhos, e fazemos festas regularmente. Esses encontros acontecem a cada dois meses, sempre inventando alguma coisa para comemorar. Isso tudo depois de 38 anos de trabalho, mais outros tantos de movimento estudantil e das pessoas com deficiência, e depois de ter começado a trabalhar aos 12 anos, entregando mercadorias e carregando cestas pra lá e pra cá, num empório. Agora, falando especificamente do movimento das pessoas com deficiência, fizemos muita coisa, mas quase nada foi registrado. Ficou apenas na memória das pessoas e em algumas fotografias. Por isso, acho esses relatos importantes para que as pessoas de hoje reconheçam um pouco da nossa história de lutas. Sou apenas um peixinho dentro desse processo todo. Tivemos conosco muita gente de muito valor! Muito valor mesmo! Um dia, minha irmã estava vendo algumas fotos, entre tantas que tenho, e encontrou uma foto de 1981, quando fizemos o Encontro Nacional, em Recife, Pernambuco. Nessa foto está a delegação de São Paulo! Estamos todos nós!… A Maria de Lourdes Guarda, que era uma mulher muito lutadora mesmo estando numa maca! Por isso tudo, tenho de agradecer pela atenção e mandar um abraço àqueles que ajudaram a construir esta realidade que temos hoje em relação às conquistas para as pessoas com deficiência.
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Imagem. Jornal O Globo - Domingo, 7/12/80. Movimento aprova programa para defesa do deficiente. SÃO PAULO (O GLOBO) – Em reunião realizada na Assembléia Legislativa, com a participação de cerca de 400 pessoas, o Movimento Pelos Direitos Das Pessoas Deficientes aprovou a carta-programa da entidade, estabelecendo os princípios para a sua atuação, principalmente com vistas a 1981, declarado pela ONU o Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Um dos coordenadores do movimento, professor José Evaldo de Mello Dorn, explicou que o movimento espera reunir as 15 entidades que tratam do problema: — O movimento é político, mas não partidário, e sem burocracia, pois não tem presidente. Destina-se a promover o lobby da pessoa deficiente, para que ela passe a ser encarada sem piedade e paternalismos, tornando-se dono de seu próprio destino, afirmou o professor Mello Dorn, lembrando que, só em São Paulo, existem dois milhões de deficientes. CARTA-PROGRAMA. A carta – programa do movimento repudia a marginalização das pessoas deficientes, decorrente da “noção errônea de que seriam seres inferiores em capacidade profissional e respeitabilidade, incapazes de tomar decisões por si mesmos e ignorantes por não serem vistas nas escolas”. Ela repudia também a “existência de instituições de permanência, onde os deficientes e anciãos deterioram-se solitários, humilhados, e sem assistência, até a morte”. O documento rejeita “o preconceito de que a deficiência seja um castigo divino por um pecado cometido” e denuncia o despreparo técnico de profissionais de saúde e de reabilitação que, inadvertidamente, têm assumido uma postura de superioridade com seus clientes, não consultando a opinião destes sobre suas próprias necessidades e opções”. Da mesma forma, a carta-programa do movimento também não aceita “o sentimento de piedade que a sociedade demonstra para com as pessoas deficientes e o desencargo de consciência mediante a prática de dar esmolas aos pedintes, fazer donativos às instituições sociais, promover festinhas pensando em alegrar os deficientes”. Ela ainda denuncia a existência de barreiras arquitetônicas e ambientais que impedem que os deficientes tenham livre acesso às escolas, às urnas de votação, ao trabalho, aos locais de lazer etc. AÇÃO CONJUNTA. “As pessoas portadoras de deficiência consideram-se uma parcela integrante da sociedade e exigem o respeito efetivo aos direitos e deveres que lhes são reservados para participarem plenamente da vida comunitária e contribuírem como seres humanos socialmente úteis” afirma um dos princípios específicos do movimento. Também se descarta, segundo a carta-programa, “todo e qualquer benefício que tenha características de dádiva, privilégio ou concessão, reivindicando-se o que é de pleno direito como cidadãos de um país e seres humanos integrais”. A atuação do movimento baseia-se no princípio de que “apenas uma ação conjunta, consciente e com poder de pressão, para esclarecer e mobilizar o Estado e a sociedade. (sic) De acordo com José Evaldo Dorn, a entidade se preocupa em distinguir dois tipos de deficientes: os que, pelo seu posicionamento na pirâmide social, tem condições de trabalhar e prover as suas próprias condições de existência; e os que subsistem à mercê dos favores familiares, sem vida produtiva e sem os mínimos direitos de cidadania.
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Legenda: Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki
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Imagem. Capa e páginas internas (doze) do folheto do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes (MDPD). Capa: Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes (M.D.P.D.) - Um pouco de sua história, seus princípios, sua Carta Programa e como dele participar.
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Imagem. [Pág.1] MOVIMENTO: MAIS DE 10 ANOS DE LUTAS. Em meados de 1979, iniciou-se uma série de reuniões entre pessoas e algumas entidades do Estado de São Paulo interessadas em discutir a organização das pessoas portadoras de deficiência e suas lutas pelo espaço social e não apenas assistencial, como vinham se caracterizando as iniciativas relativas a esta área. Destas reuniões mensais, francas e abertas surgiu a idéia de se formar um movimento amplo e aberto que levasse as pessoas deficientes a organizarem-se na luta por seus direitos. A preocupação sempre esteve com o conteúdo da ação, centrada na organização e luta por direitos e sem compromissos com govêrnos, elites econômicas e sociais. Era a busca das próprias pessoas deficientes e todos aqueles realmente solidários com suas lutas, em busca do espaço social e da quebra da tutela (as pessoas portadoras de deficiência falam - elas mesmas – de suas necessidades e não através de outros, por mais competentes profissionalmente que estes sejam). O MOVIMENTO junta-se a iniciativas similares de vários Estados e adere a “Coalizão Pró-Federação Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes” – hoje dividida nas entidades nacionais dos deficientes físicos (ONADEF), dos visuais e dos auditivos -, que realiza o I Encontro Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes, em Brasília, em outubro de 1980. [Pág.2] Em dezembro de 1980, em reunião realizada na Assembléia Legislativa de São Paulo adotou-se o nome de MOVIMENTO PELOS DIREITOS DAS PESSOAS DEFICIENTES - MDPD e aprovou-se uma “Carta Programa” com os princípios programáticos. Em março de 1981, por haver omissão das autoridades governamentais, o Movimento resolve abrir oficialmente no Estado o ANO INTERNACIONAL DAS PESSOAS DEFICIENTES, em solenidade na Câmara Municipal de São Paulo. No ano seguinte, fruto de sua atuação e por necessidade, o MDPD foi legalizado, assumindo a estrutura de uma das entidades que participou desde o início de sua formação. A partir daí, o MOVIMENTO deu prosseguimento a suas ações fiel aos seus princípios e tem atuado de forma aberta e democrática: sua direção (eleita anualmente) é composta por 5 membros e mantém as reuniões mensais abertas (nos segundos sábados de cada mês). O MOVIMENTO tem contribuído para formação de outros movimentos e entidades similares em vários locais do país, como meio de fortalecer a lutas pelos direitos dos portadores de deficiência. Em todos os momentos importantes da vida nacional (movimentos sociais, eleições, diretas já, Constituinte, etc) sempre esteve presente o MOVIMENTO, defendendo os direitos dos portadores de deficiência e a construção de uma sociedade justa, humana e fraterna.
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Imagem. [Pág.3] O M.D.P.D. TEM ATUADO EM DEFESA DOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA. O MOVIMENTO tem atuado como uma entidade aberta a todos Interessados: Entidades e Pessoas (deficientes ou não), que estejam interessadas pelos direitos sociais dos portadores de deficiência, tendo como base os princípios de sua CARTA PROGRAMA: Nestes mais de 10 anos de lutas, o Movimento tem procurado atuar em várias frentes: Contra as discriminações e os preconceitos, apoiando os discriminados; Incentivando e apoiando a organização das pessoas deficientes em várias regiões, em todo país. Apoiando as Entidades Nacionais; Participando de estudos técnicos que eliminem a discriminação (normas técnicas, projetos, estudos, etc.); Realizando atividades de conscientização através de publicações e organizando manifestações públicas (como o Dia Nacional de Luta, realizado a cada 21 de setembro); Incentivando a criação de Conselhos à nível Nacional, Estaduais, Municipais para que se tenha um política governamental nas área de educação, saúde, transporte, lazer, esporte, habitação, trabalho, etc.; Pressionando e colaborando com os governos para [Pág.4] que cumpram suas obrigações junto aos cidadãos particularmente frente as pessoas deficientes; Entretanto com ações jurídicas, para assegurar os direitos dos portadores de deficiência. Neste sentido, o marco histórico foi o processo ganho em 1991, contra o Metrô de São Paulo, obrigando-o a construir rampas e elevadores em suas estações. [Consta gravura de um homem em cadeira de rodas cortando com uma serra elétrica o batente de uma porta].
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Imagem. [Pág.5] COMO O MOVIMENTO SE MANTEM: Cada sócio paga uma pequena mensalidade simbólica e aqueles que podem, contribuem com um adicional. Mas, as mensalidades representam pequena receita. Para manter suas atividades, boletins, impressos, viagens, etc. o MOVIMENTO realiza promoções e campanhas especiais de arrecadação. Só assim, o Movimento pode manter contatos frequentes com seus sócios e demais pessoas deficientes, muitas das quais, pela dificuldade de locomoção, tem em nossas correspondências a forma principal de informação. Contribuir financeiramente é uma forma de solidarizar-se com nossa luta! PORQUE ASSOCIAR-SE: Ficar sócio do MOVIMENTO é uma forma de participar, contribuir e ficar informado. Para ficar sócio é necessário concordar com seus princípios, preencher a ficha de inscrição e participar, sempre que possível, de suas reuniões e ações. O Movimento possue dois tipos de sócios: SÓCIOS EFETIVOS (Pessoas) e SÓCIOS ENTIDADES. Se você concorda com nossos princípios e quer nos apoiar: FIQUE SÓCIO. Se pertence a uma entidade que concorda com nossos princípios, faça-a sócia. [Pág.8] QUEM PODE PARTICIPAR DO MOVIMENTO. O M.D.P.D. é um movimento aberto a todas as pessoas (deficientes ou não) e em particular a todas pessoas portadoras de deficiência (independente da deficiência), que queiram lutar pelos direitos sociais dos portadores de deficiência, dentro de seus princípios programáticos. Para participar basta entrar em contato com o Movimento. Para conhece-lo melhor venha participar de uma de nossas atividades. COMO CONTRIBUIR COM O MOVIMENTO. Pode-se contribuir divulgando os documentos do Movimento, seus princípios e suas ações. Outra forma de contribuir é financeiramente. Neste sentido envie para sede, (Rua Dr. Cesar nº 850, Santana, CEP 02013 - São Paulo), um cheque nominal, cruzado, em nome do MOVIMENTO PELOS DIREITOS DAS PESSOAS DEFICIENTES, escrevendo atrás “depositar apenas na conta do favorecido"; ou depositando em nossa conta nº5-012121, Banco Real, Agencia 411-3, Rua Teodoro Sampaio.
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Imagem. [Págs. 6 e 7] [Página central do folheto é um mix de recortes de jornais colados uns sobre os outros em diferentes posições. É possível ler alguns títulos: ‘Os deficientes reivindicam seus direitos’, Deficientes só têm promessas de melhorias nos transportes’, ‘Movimento diz que leis discriminam deficientes’, ‘Deficiente impedido de assumir função pública’, ‘Pessoas deficientes inauguram seu Ano Internacional’, ‘Deficientes já têm programa de ação para 1983’, ‘Deficientes já podem integrar o jornalismo’, ‘deficientes fazem ciclo de debates’, ‘Deficientes discutem arquitetura urbana’, ‘Deficiente quer sistema de saúde democratizado’, ‘Deficientes divulgarão programa para este ano’, ‘Os deficientes querem melhorias dos transportes’, ‘O movimento debate os direitos dos deficientes’, ‘Aberto o Ano do deficiente’, ‘Poucas conquistas marcam o Ano da Pessoa deficiente’].
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Imagem. [Pág.9] CARTA PROGRAMA (dezembro de 1980). “Esta Carta Programa é parte integrante dos Estatutos do Movimento.” Introdução: A problemática das pessoas deficientes em nosso país está contida no contexto mais amplo que abrange e confunde-se com a própria formação do povo brasileiro. A marginalização de segmentos sociais diferenciados (tais como os deficientes, favelados, negro, homossexuais, prostitutas, etc.) tem sido acobertada pela tendência paternalista da elite brasileira. A idéia de que preconceitos não existem e que todos os segmentos sociais estão integrados, é veiculada como senão comum, corporificada em leis "protecionistas" elaboradas de cima para baixo e que mascara a realidade. As entidades paternalistas foram aceitas pacificamente durante longo tempo, sem questionamento e sem consciência de uma realidade que a cada dia se torna mais ameaçadora. Neste sentido, observa-se ainda hoje a marginalização das pessoas deficientes refletida nos seguintes fatos: [Pág. 10] Concepção errônea da que os deficientes seriam seres inferiores em capacidade profissional e respeitabi1idade, incapazes de tomar decisões por si mesmos; Existência de instituições de permanência onde anciões e deficientes deterioram-se solitários, humilhados e sem assistência até a morte; Preconceito de que a deficiência seria um castigo divino por pecado cometido; Estigma da suposta contagiosidade atribuída a todos tipos de deficiência; Despreparo técnico das entidades e de profissionais de saúde e reabilitação que, inadvertidamente, têm assumido uma postura de superioridade com seus clientes, não consultando a opinião destes sobre suas próprias necessidades e opções; Sentimento de piedade que a sociedade demonstra para com as pessoas deficientes; Desencargo de consciência mediante a prática de dar esmolas, fazer donativos às instituições sociais, promover festinhas pensando em alegrar os deficientes; Existência da barreiras ambientais impedindo pessoas deficientes de ter acesso à escola, às urnas de votação, ao trabalho, aos locais de lazer, etc.;
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Imagem. [Pág. 11] Existência de pessoas deficientes que ainda não tomaram consciência de que seus direitos universais e constitucionais estão sendo violados, pessoas essas que, condicionadas a aceitar os comportamentos discriminatórios da família e da sociedade, se sentem agradecidos ao serem tratados como seres inválidos. PRINCÍPIOS BÁSICOS. 1 - A dignidade humana é integral e essencial, sem necessidade de pré-requisitos. 2 - O acesso à vida, ao trabalho, às liberdades, à plena realização individual não é uma dádiva ou concessão de indivíduo, de uma coletividade ou do Estado, mas sim um direito inalienável de todos. 3 - O Estado tem como obrigação intrínseca proporcionar à coletividade os instrumentos para a plena realização de todos os indivíduos. 4 - A coletividade ou parte dela tem o dever de fiscalizar, de organizar-se e de pressionar, quando necessário, no sentido de que o estado cumpra seus fins. [Pág.12] Carimbo: MOVIMENTO PELOS DIREITOS DAS PESSOAS DEFICIENTES Rua Dr. Cesar, 850 Santana São Paulo SP. CEP 02013 – Fones (011) 852.5943 – 2807313. Referência bibliográfica: Movimento pelos Direitos das Pessoas deficientes, São Paulo: s.d. (várias páginas). Legenda: Movimento pelos Direitos das Pessoas deficientes, São Paulo: s.d. (várias páginas). Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Lia Crespo
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Imagem. Jornal Folha de S. Paulo, de 14 de agosto de 1981. Deficientes terão seu 1° congresso. Recife sediará de 26 a 30 de outubro próximo, o 1° Congresso das Pessoas Deficientes. O presidente João Batista Figueiredo será o seu presidente de honra e o evento, promovido pela Coalizão Nacional de Entidades e Pessoas Deficientes, conta com o apoio da Comissão Nacional no Ano Internacional das Pessoas Deficientes e do governo do estado de Pernambuco, além de particulares e outras entidades governamentais. O Congresso terá como tema central a “Realidade das Pessoas Deficientes no Brasil” e serão abordados os seguintes temas básicos: o Estado e o direito das pessoas deficientes: a política governamental face às pessoas deficientes; o trabalho; situação e perspectiva para os portadores de deficiência; educação e profissionalização; vida familiar e comunitária dos deficientes; aspecto da prevenção à condição de deficiente; espaço urbano, transportes e barreiras arquitetônicas; legislação e a pessoa deficiente e a organização dos deficientes no Brasil. A partir do próximo dia 16 e até 15 de setembro, os interessados poderão se inscrever na sede do Congresso, à rua conselheiro Portella, 253, Espinheiro, Recife; para maiores informações, entrar em contato com Maria de Lourdes ,pelo telefone 284-5493 São Paulo (CA). Legenda. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
Imagem. Foto em preto e branco. Numa sala, quarenta pessoas aproximadamente posam para foto. No rodapé da foto há o símbolo da ONU para o AIPD e o título do Encontro “I Congresso Brasileiro das Pessoas Deficientes – 28 a 30 de Outubro de 1981 – Centro de Convenções Recife / Pernambuco”. Legenda: I Congresso Brasileiro das Pessoas Deficientes – 28 a 30 de Outubro de 1981 – Centro de Convenções Recife / Pernambuco. Entre os participantes, Maria de Lourdes Guarda, Leila Bernaba Jorge, Isaura Helena Pozzatti e Gilberto Frachetta. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Gilberto Frachetta.
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Imagem. Folder de uma dobradura do Conselho Estadual para Assuntos das Pessoas Deficientes (CEAPD), SP Capa: Gravura de três pessoas carregando sob seus braços direitos uma enorme caneta. Sobre a gravura lê-se “Constituinte sem povo não cria nada de novo". No centro da capa: "Ninguém tem um problema tão grande que não possa lutar por seus direitos. Deficiente, participe da Constituinte”. Lado interno do folder: "Mais do que nunca, é hora do deficiente lutar por seus direitos. 1. Direito de viver, trabalhar, competir e participar. 2. Direito de combater barreiras criadas pela natureza ou pelo homem. 3. Direito à igualdade total. 4. Direito à Justiça (e não à caridade). 5. Direito a projetos adequados para vencer dificuldades e derrubar preconceitos. 6. Direito à reabilitação para poder produzir. 7. Direito ao transporte adaptado ("Transporte é um direito do cidadão e um dever do Estado". 8. Direito a oportunidades iguais na educação. 9. Direito efetivo ao trabalho. 10. Direito a uma verdadeira integração na sociedade. Por uma nova constituinte que integre a pessoa com deficiência." Verso do folder. Coordenação: Conselho Estadual para Assuntos da Pessoa Deficiente, Governo Montoro. Legenda: Folder do Conselho Estadual para Assuntos das Pessoas Deficientes (CEAPD), SP. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Lia Crespo
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Imagem. Foto em branco e preto: Evento "O Deficiente e a Constituinte" Mesa de abertura do evento realizado em São Paulo, Capital, em novembro de 1985, no Palácio dos Bandeirantes. Ao centro, Cândido Pinto de Melo fala para a platéia. A parede de fundo está forrada com cartazes do evento, com a frase “Ninguém tem um problema tão grande que não possa lutar por seus direitos”. Legenda: Evento “O Deficiente e a Constituinte”, novembro de 1985, Palácio dos Bandeirantes/São Paulo. Assessoria de Imprensa, foto de Edvaldo Ramos. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Dra. Linamara Rizzo Battistella
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Isaura Helena Pozzatti
Imagem. Retrato colorido de Isaura Helena Pozzatti. Contêm epígrafe: “Só para lembrar, o Ano Internacional das Pessoas Deficientes aconteceu em pleno regime militar! Nessa época, não se queria contar quantos deficientes havia no Brasil. Sabíamos que, naquela época, se houvesse contagem do número de pessoas com deficiência, alguém ia ter de tomar alguma providência.”
eu nome é Isaura Helena Pozzatti. Nasci em Londrina, no Paraná, em 1950. Então, fiz 60 anos em 2010. Sou a quarta filha de uma família de imigrantes italianos. Nasci com uma má-formação congênita. Na época os médicos não sabiam do que se tratava. Achavam que era algum problema causado por um tombo que minha mãe levou durante a gravidez. Eles também acreditavam que o fato de ter nascido em um hospital favoreceu minha sobrevivência. Porém, na época, a equipe médica não conseguia explicar o que era a bolsinha formada nas minhas costas, nem como minha medula tinha ficado fora do lugar. Devido ao conselho dos médicos, fui trazida para São Paulo, com quase 3 meses de vida. O Hospital das Clínicas havia acabado de ser fundado. Então, fui para a Santa Casa, onde fui operada, meio por curiosidade dos neurologistas de lá. Minha mãe contava que tinha mais de 20 médicos na sala de cirurgia. Embora não tivesse sido diagnosticada com hidrocefalia, o que é um caso raro nesse tipo de deficiência, minha previsão de vida era de 6 meses. Mas, com o tempo, a previsão foi aumentada para um ano e assim fui sobrevivendo até hoje. Na época, o fundador da AACD (Associação de Assistência à Criança Defeituosa), dr. Renato Bonfim, era ortopedista da Santa Casa. Ele tinha fundado a associação em três de agosto de 1950, mesmo mês e ano em que nasci. Era um colégio para meninas deficientes que ficava numa casa no centro de São Paulo. Eu até brincava dizendo que ele tinha preparado aquele espaço para mim. Fui para lá apenas aos 6 anos de idade. Até então tinha ficado mais tempo na Santa Casa do que com a minha família. Quando cheguei à AACD eu era uma das crianças mais novas, mas já comecei a participar das aulas. Éramos cerca de 20 meninas, todas com paralisia infantil. E, embora o meu caso fosse diferente, fui criada como portadora dessa doença, que era a mais conhecida na época. Com esse diagnóstico, fui colocada em um aparelhinho e recebi uma muleta para me virar. Além disso, eu tinha uma forte incontinência urinária, outra doença que os médicos praticamente desconheciam. Mesmo com todo esse quadro, tive uma infância totalmente feliz na AACD. Aprendi a conviver com a minha deficiência, assim como minhas amigas de lá se acostumaram com as delas. Foi um processo sem muitas dificuldades porque o dr. Renato Bonfim fazia questão absoluta de que a gente participasse da vida social do bairro. Como não tínhamos local para brincar no nosso terreno, éramos levadas, andando, até o quartel do Corpo de Bombeiros, que ficava na rua atrás da sede, onde nos divertíamos com várias brincadeiras. Naquela época, a AACD ainda ficava próxima do antigo palácio Campos Elíseos, no bairro de mesmo nome. Depois, mudou para o Ibirapuera. Então, quando a gente se comportava bem, ou quando era feriado, íamos até o palácio para brincar nos jardins de lá. Havia até um lago com patinhos! Outra atividade que fazíamos todos os domingos era ir à missa na Igreja Sagrado Coração de Jesus. Tínhamos o nosso lugar reservado entre os bancos da igreja. E, em dias de festas, a gente era convidada a tomar o café da manhã com os meninos, no colégio deles, que existe até hoje.
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Nossa vida era tão integrada com a vizinhança que brigávamos com os filhos dos vizinhos e isso fazia com que a gente não se sentisse discriminada. Esse tipo de convívio foi perdido quando a AACD foi para o Ibirapuera, em um local próprio, doado por um governador da época. Para a construção daquela nova sede, a associação recebeu várias doações. Porém, ali, ficamos isolados. Já havia o Hospital do Servidor Público. Ainda existiam chácaras na região. Tínhamos vizinhos, mas ficavam meio distantes, porque não existia a Avenida 23 de Maio. Então, a caminhada era mais longa. Outra coisa que mudou na nova AACD foi que, como havia mais espaço, foi possível juntar as meninas com os meninos. Aí virou um centro de reabilitação realmente. A partir desse momento, começamos a sentir que tínhamos aula, normalmente, com vários professores e a sede tinha muito mais funcionários. Era diferente da casa de Campos Elíseos, onde ajudávamos na limpeza, na cozinha e até na lavanderia. Participávamos de todas as atividades da casa. Todas as crianças, por menores que fossem, colaboravam limpando os móveis, encerando a casa toda, geralmente no sábado, que era dia de faxina. Essa experiência foi muito boa para a gente. Agradeço muito por ter participado daquela AACD porque, como vocês estão sabendo, não morri. Como disse, tenho 60 anos e uma atividade normal hoje. Minha dificuldade foi voltar para a casa dos meus pais. Outro fato importante foi que, graças à associação, pude fazer amizades. Montamos um grupo de meninas da mesma idade que era considerado o terrorzinho da casa. Fazíamos todas as artes do mundo, como qualquer criança fisicamente normal. Isso acontecia porque a gente não tinha, assim, ideia de que era deficiente e de que, por isso, não poderia fazer certas coisas. Chegamos a fazer amizade com o papagaio do vizinho, um menino que subia no muro e mostrava a língua para a gente. Isso era a coisa mais terrível na época! Em troca, a gente jogava pedrinha nele. Acabamos descobrindo que ele tinha essa ave. Quando a gente chamava, ela vinha para o nosso lado. A gente escondia o bicho. Quando o menino percebia, vinha chorando, com a mãe, na nossa porta. Mas, ninguém de nós falava nada sobre onde o papagaio poderia estar. As funcionárias da casa nem sabiam onde ele estava! A gente também invadia o depósito da casa para roubar banana e bolacha. Havia uma escada e não podíamos acender a luz porque senão algum funcionário ia perceber. Então, a gente descia de muletinha. Uma das meninas ficava de tocaia, mais ou menos perto, para avisar caso aparecesse alguém. E qual era o castigo? Ficar sem a sobremesa, que era banana! Esse era o máximo do castigo que as funcionárias aplicavam. Quando o dr. Renato, que considerávamos nosso pai na época, ficava sabendo, ele punia a gente de uma forma diferente. Ele nos levava para sua sala, onde sentávamos, muitas vezes, em cima da mesa dele, todas bem-comportadas. Tomávamos guaraná, comíamos bolachinha, enquanto ele fazia várias perguntas sobre História do Brasil, o assunto que ele mais gostava. Como a gente sabia que teria de responder, a gente estudava muito. Principalmente, sobre a Guerra do Paraguai, que era a paixão dele. Ele chegava a fazer até um concurso! Quem ganhasse ia para o Rio de Janeiro com ele. A viagem era uma atividade da qual ele fazia questão absoluta de que participássemos, assim como de outras coisas da vida dele. Ele era uma pessoa muito rica da sociedade paulista. Sua casa era uma mansão na Avenida República do Líbano, para onde éramos levadas, em grupos de três ou quatro meninas, nos finais de semana. Lá, aprendíamos a comer legumes e verduras, noções de etiqueta, a usar corretamente os talheres e como se comportar à mesa. Quem nos ensinava era a esposa dele. Éramos consideradas filhas do casal, já que eles não tinham filhos. Posso dizer que, por causa do dr. Renato, tivemos na AACD o que houve de melhor em termos de assistência às crianças deficientes. A AACD tinha uma estrutura de colégio interno, com férias no meio do ano e no Natal. Quando os meus pais, assim como os dos outros meninos, vinham me buscar, na época
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das férias, o dr. Renato perguntava quanto dinheiro cada família podia dar naquele ano. Ele sabia que meu pai era operário e tinha mais três filhos em casa. Às vezes, meu pai chegava a dizer: “Olha, doutor, não posso deixar nada neste ano.” E ele respondia: “Não tem problema. Ela volta depois das férias.” Ainda, hoje, com 92 anos, meu pai ainda comenta esse gesto. Na verdade, eu costumava voltar antes do fim das férias porque não gostava de ficar em casa com os meus pais e os meus irmãos por muito tempo. Durante a primeira semana, era tudo muito divertido. Mas, de repente, batia a saudades da AACD e dos meus amigos. Além disso, principalmente, a minha mãe achava que eu tinha de ficar o tempo todo sentadinha, quietinha em casa, vendo as outras crianças brincarem. Eu não podia sair, correr, andar de bicicleta, não podia nada. Ela pensava isso, mas na associação a gente sempre dava um jeito para brincar; tirava o aparelho e sentava ou ia gatinhando pelo chão para brincar. Também tínhamos o costume de invadir a parte do prédio que ainda estava em construção para brincar com os pedreiros, tirar as coisas do lugar, sumir com as ferramentas deles e outras estripulias. A gente também atravessava a Rua Borges Lagoa para brincar no meio do mato, dentro de uma chácara que existia do outro lado, enquanto os professores e funcionários estavam preocupados tentando nos achar. Imagina se hoje isso é possível naquela região! Minha mãe tentava impedir que eu brincasse com as crianças da vizinhança, com quem meus irmãos brincavam. Nesse momento eu chorava, fazia escândalo e começava a dizer que queria voltar para a AACD. Porque lá, apesar de até levar alguns puxões de orelha das tias, escondido do dr. Bonfim, a gente podia brincar e se sujar como qualquer criança. Além disso, havia um agravante no caso da relação com minha mãe. Ela era traumatizada por eu ter incontinência urinária. Essa foi a parte mais difícil do relacionamento com a minha família. Foi nesse período que alguns médicos da associação começaram a pesquisar o meu problema. Como já havia urologistas trabalhando lá, chegaram a fazer uma cirurgia na minha bexiga para tentar descobrir o que eu tinha. Era tudo muito novo e minha expectativa de vida tinha ultrapassado muito o previsto. Então, eles não sabiam o que fazer. Ao mesmo tempo, para mim, foi uma evolução tranquila lá dentro. Até porque começaram a aparecer outras crianças com a mesma lesão que a minha e muitas outras com hidrocefalia. Nesse período, a AACD ganhou uma Kombi. Com isso, algumas crianças começaram estudar como semi-internas, já que havia transporte para buscá-las para assistirem às aulas. Isso era importante porque, naquela época, nenhuma escola aceitava criança deficiente, por menor que fosse essa deficiência. As crianças com outras deficiências achavam estranho eu usar fraldas e riam de mim. Eu não deixava barato e era uma guerra, porque sempre fui muito brava e queria descontar na meninada. Então, um batia, o outro chorava, outra levava um puxão de orelha etc. Foi nesse cenário que aprendi a me virar e conviver com as minhas limitações. A minha mãe não conseguia aceitar esse problema. Ela morreu com 79 anos, mas, nunca conseguiu lidar com essa parte. O resto, que era o fato de eu não poder andar, era mais fácil para ela. Estava com quase 14 anos quando voltei para casa definitivamente. Minha família já tinha mudado do Paraná para São Paulo. Quando cheguei, meus parentes não tinham a menor ideia sobre como lidar comigo, quer dizer, com uma pessoa deficiente. Naquela época, a rejeição dos familiares e nossa adaptação a eles não eram trabalhadas nos tratamentos. Por um lado, meus parentes não estavam preparados para aquela situação. Por outro, comecei a me sentir meio rejeitada por eles. Ouvi muito uma frase: “As coisas do mundo não são para
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você.” Ou seja, literalmente tudo: estudar, trabalhar, namorar, casar nem pensar! Tudo o que significasse viver não pertencia para mim, na visão deles. Ao mesmo tempo, eu tinha completado, na AACD, o que, na época, a gente chamava de primário, ou seja, os quatro primeiros anos de estudo. O dr. Bonfim queria que a gente continuasse a estudar. Ele acompanhava nossas notas fora do colégio ou fora de São Paulo. Ele fazia tanta questão de que a gente estudasse que usou seu bom relacionamento, com pessoas influentes da área política e financeira, para que algumas escolas passassem a aceitar alunos portadores de deficiência. Ele era tão influente que as professoras da associação eram pagas pelo governo estadual, o terreno da sede no Ibirapuera havia sido doado pelo governador. Então, algumas escolas realmente nos aceitavam. Claro que havia todos os obstáculos possíveis. Não tinha banheiro adaptado, tivemos de aprender a subir degraus com muleta. A gente tinha sido educada para não ter nenhuma dificuldade de ultrapassar as barreiras. A gente foi realmente treinada para isso. Eu só não havia sido treinada para conviver com a minha família. E assumo isso. Lá em casa, eu tinha de ser uma bonequinha, dentro de uma redoma de vidro. Quem me conhece sabe que isso jamais passou pela minha cabeça. Foi um conflito muito grande sempre. Assim, quando me desesperava e chorava, minha mãe me levava para AACD, como quem diz “fiquem com ela porque eu não dou conta”. Então, era o momento de os profissionais de lá conversarem com ela e, enquanto isso, eu ficava na associação. Eles tentaram preparar o meu retorno para minha família novamente. Porém, nunca foi muito fácil. Assim, a gente teve uma infância e uma adolescência normal na AACD. Quando eu estava com 22 anos, tentaram fazer com que alguns de nós começássemos a trabalhar. Infelizmente, não deu certo, embora estivéssemos naquela fase de querer trabalhar e sempre tivéssemos sido incentivadas a isso. Eu também queria, embora não tivesse terminado meus estudos porque a minha família não me permitiu. Por causa deles, fiz só até o sexto ano. Não sei como é que chama hoje. Mesmo assim, aos trancos e barrancos. Em 1972, um empresário estava terminando a construção de um hotel na Avenida São Luís. Ele foi até a AACD com a proposta de que todas as telefonistas do hotel fossem deficientes. A Associação mandou as meninas para lá. Eu ainda andava de muleta e com aparelho, não estava com a cadeira de rodas ainda. Mas, algumas de nós já andavam de cadeira de rodas. Essas já foram descartadas imediatamente. Embora dissessem que elas não haviam passado no teste. Quando chegamos para trabalhar, num período de teste, o hotel ainda não estava funcionando. A entrada dos funcionários era a mesma rampa íngreme do estacionamento. Nós nos recusamos a entrar por lá. Também havia uma escada em espiral para subir para o vestiário, mas ela acabava em nada! E nós, de muleta e aparelho, não tínhamos como acessar. Reclamamos e nos deixaram entrar pela entrada social. Afinal de contas, o hotel não estava funcionando. Todo mundo achou muito simpático da parte dele e começamos a ocupar nossos lugares, porque tínhamos feito um cursinho para aprender a mexer com o equipamento que, na época, era o PBX e o PABX. Mas, para nossa surpresa, o local tinha umas cadeiras com rodinhas para a gente sentar na frente do equipamento. Ficou meio complicado porque o chão tinha buracos, por onde passavam os fios, que não tinham sido tampados ainda. A gente teve muita dificuldade porque, de repente, a cadeira escorregava ou a gente escorregava, ou colocava a muleta no buraco… Além de tudo isso, aconteceu um fato. Ficamos 15 dias trabalhando, duas pessoas em cada horário, 24 horas por dia, em duas mesas, uma perto da outra. Certo dia, recebemos um telefonema com uma ameaça de bomba. Estou falando de 1972, quando Israel estava em
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guerra. E o proprietário do hotel era um judeu chamado sr. Aron San. Ele foi empresário da construção civil famoso na época. Embora tivéssemos 20 anos ou mais, éramos adolescentes tardias, talvez porque a gente foi muito protegida na AACD. Então, nos comportávamos um pouco como adolescentes. Ao mesmo tempo, estávamos informadas sobre a realidade. Por isso, a minha colega entrou em pânico, tirou o equipamento do ouvido e contou o ocorrido. A gente ligou imediatamente para o responsável pela segurança. Ele chegou dando risada. Ficamos sabendo, depois, que era uma brincadeira de péssimo gosto. E a história ficou como se fôssemos as meninas bobinhas: “Imagina! Vocês acreditaram!?” Como não gostei, fiquei insistindo e comentei com ele: “Quem é o dono? De onde ele é?” Realmente não tinha bomba, mas, foi uma coisa muito chata. Quinze dias depois, todas as deficientes foram dispensadas. Devolveram nossos documentos e carteira profissional sem nada escrito. Minha amiga começou a passar mal e foi parar no hospital. Ela já tinha passado por uma situação difícil com a história da bomba, que abalou seu estado emocional. Ficamos sem entender. Fomos para casa, depois de um dia normal de trabalho, e, no dia seguinte, fomos avisadas que todas as vagas estavam preenchidas por moças fisicamente normais. Na verdade, o que o empresário queria era usar o nome da associação para fazer uma propaganda. O que, por sinal, a gente achou de muito mau gosto. Após duas ou três semanas, fiquei doente e fui parar no hospital. A AACD entrou em ação. Exigiu que o hotel pagasse nossos salários e que fôssemos indenizadas. Eu me lembro muito bem que recebi pelos 15 dias. Não me recordo a quantia, mas recebi meu salário. Fui até uma loja e comprei tudo em LPs! Comprei um monte. Todos os que eu queria! Só sobrou o dinheiro do táxi! As meninas ficaram tão traumatizadas que começaram a dizer que nunca mais iam trabalhar, nunca mais iriam se expor. No meu caso, minha família ficou muito feliz, porque era exatamente o que queriam: que eu ficasse em casa. Apenas ouvi: “Tá vendo!” Eu falo “minha família”, mas, havia uma exceção. O meu pai até que me dava força. Porém, lá em casa o regime era matriarcal. Coisa de família italiana. O fato é que ele não tinha dificuldades em lidar com minha deficiência. Tinha tranquilidade inclusive com minha incontinência urinária. Algumas vezes, meio escondido, meu pai me ajudava. Ele me acordava durante a noite ou de madrugada e dizia: “Filha, você não tá precisando trocar a fralda? Papai fica com a luz acesa no corredor te esperando para te ajudar a voltar para cama.” Eu mesma me trocava. Minha mãe nunca aprendeu a colocar o aparelho nem nada. Mas, eu não permitia que meu pai me trocasse. Achava que se ele fizesse isso, aí sim, ia ser mais complicado. Então, se eu molhasse a cama, eu trocava. Isso de me cuidar aprendi na AACD. Acho que meu pai aceitava melhor minha condição porque sempre soube que eu era tranquila em relação à deficiência. Sabia que eu fazia tudo de maneira normal, embora tenha enfrentado várias situações difíceis. Essa minha aventura trabalhando no hotel, claro, me deixou um pouco frustrada. Mesmo assim, decidi procurar emprego no bairro em que morava. Contrariando minha família, meus irmãos, todo mundo, fui até uma fábrica de velas de aniversário, essas de numerozinho, que ficava na rua em que meus pais moravam. Convenci o dono da fábrica a me dar trabalho. Eu dizia para ele: “Não precisa me registrar nem nada. Eu quero apenas trabalhar, fazer alguma coisa.” Na AACD, havia aprendido a fazer tricô e bordadinho. Não era o que eu queria. Buscava uma atividade fora de casa, ter patrão, para ver como era. Sei que acabei fazendo todo o serviço, a produção toda da fábrica, colando aquelas florezinhas do decalque de toda a
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produção. Deveria entregar a base da vela pronta para que fosse feito o acabamento e voltasse para a fábrica. Às vezes, trabalhava até de madrugada, porque tinha a obrigação de entregar tudo no dia seguinte. O chefe trazia toda a produção até a minha casa, onde tinha um porão que meu pai adaptou para mim, pôs mesa de madeira etc. Eu trabalhava em pé, porque era mais fácil assim. Ele pôs até um radinho para mim! Terminei empregando seis meninas. Todas tinham entre 12 e 13 anos e moravam na rua de minha casa. Três delas estudavam à tarde e me ajudavam de manhã. As outras três meninas estudavam de manhã e trabalhavam à tarde comigo. Elas me ajudavam a pegar as caixas de vela, essas coisas. Só que chegava um determinado horário em que todas elas iam embora. Mas, se tivesse de continuar, se tivesse produção para entregar, eu varava a noite. Para variar, meu pai me trazia um lanche ou o jantar. Meus irmãos não falavam comigo porque ficaram revoltados. Minha mãe também achava absurdo eu estar trabalhando. Para eles, eu não precisava daquilo. Tudo que eu quisesse, eles iam me dar: um doce, uma roupa, um disco. Eles diziam: “O que é que você quer?” E eu queria trabalhar. Então, de um jeito ou de outro, meu pai sempre tentou dar uma forcinha para mim, às vezes, contrariando, e muito, minha mãe. Fiz esse serviço por mais de dois anos. Até que, infelizmente, precisei parar de usar aparelho e passar para a cadeira de rodas. Minha coluna havia ficado muito torta. Os médicos disseram que não deveria nunca ter colocado aparelho! Eu havia colocado, pela primeira vez, aos 5 anos! Isso quer dizer que fiquei 25 anos usando aparelho e muleta. Por causa da minha lesão, eu deveria já ter sido reabilitada na cadeira de rodas. Mas fui uma criança que subia em árvore e muro, andava na garupa da bicicleta, amarrava as minhas pernas ou arrumava um jeito, entortando o aparelho para poder conseguir sentar e até brincava de correr! Quando passei para a cadeira de rodas, foi uma fase terrível. Aconteceu uma coisa que ninguém conseguiu entender direito, muito menos minha mãe. Pela primeira vez, me senti deficiente! Até então, não me sentia, porque fazia tudo o que as outras crianças e os outros adolescentes faziam. Até arrumei emprego sozinha! Não se falava em depressão na época, mas passei um período muito chorosa e não queria sair do quarto. Um pouco antes de começar a usar a cadeira de rodas, numa consulta na AACD, conheci uma pessoa que era voluntária lá fazia pouco tempo. Ela morava numa mansão com serviçais, mordomo com luvas etc. Ela havia ido à associação porque uma senhora amiga sua estava chegando da França, onde participava de um grupo de voluntários. Elas tinham a ideia de criar casas para deficientes aqui. Parecia uma ideia meio maluca, mas ela me convidou para fazer parte do grupo. E, naquele momento, eu estava interessada em tudo para o que me convidassem. Nem sabia se minha mãe ia permitir, mas, essa senhora disponibilizou motorista particular e, assim, fomos fazer reunião na casa da amiga dela, que morava na Chácara Flora, um lugar muito chique. Eu me encantei com elas. Porém, foi a primeira e última vez que fui nessa casa. Acabei caindo nas graças de uma delas, uma senhora que morava no final da Avenida Paulista, num apartamento imenso. Ela era neta do ex-presidente da República, Washington Luís. Era casada com um francês ou um suíço, alguma coisa assim, e tinha dois filhos. Eu era praticamente uma adolescente. E me encantei com ela porque, quando ficou sabendo que eu não estudava mais, resolveu pagar para mim o colégio particular em Santana, além do táxi para eu ir e vir. Eu me agarrei a ela. Minha mãe entrou em pânico com essa situação. Porque eu estudava à noite e minha casa tinha escada. Então, minha mãe brigava porque, quando chovia, meu pai ficava acordado para me ajudar a subir os degraus, embora tivesse de levantar às 4 horas da manhã para trabalhar. Engraçado que ele nunca reclamou. Enquanto isso, ela brigava comigo.
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Depois de tudo isso, fui para a cadeira de rodas. Parei de trabalhar. Minha mãe ficou feliz porque eu iria parar de estudar, já que não tinha como ir para a escola na cadeira de rodas. Entrei em parafuso. Tentei fazer algumas loucuras. Tomei algumas caixas de remédio da minha mãe. Queria dar fim à minha vida. Na realidade, queria era chamar a atenção de alguém... Um dia, resolvi descer da cadeira de rodas, jogá-la escada abaixo, descer sentada, passar para cadeira novamente e tentar sair para o mundo. Aí, vi os degraus, os obstáculos da rua, não tinha guia rebaixada nem nada. Percebi que com a cadeira de rodas era diferente! Então, como é que eu ia fazer para sair? O que eu ia fazer? Diante dessa situação, primeiro fiz um “show”. Fui parar na casa do padre que morava em frente. Ele me acolheu. Era um senhor italiano bem idoso que minha mãe respeitava muito, pois era muito religiosa. Naquele momento, eu tinha brigado, inclusive, com Deus. Por que eu tentava ser sempre o contrário de minha mãe. O padre me recebeu e quebrei toda a casa dele, as louças, móveis, tudo que eu consegui. Eu estava muito nervosa e o padre foi deixando, deixando, até que disse: “Você não vai voltar para casa da sua mãe agora, porque está muito nervosa. Vou te levar para casa da sua irmã.” Na época ela já estava casada e morava num bairro muito longe, no Butantã, enquanto meus pais moravam na Serra da Cantareira. Como já havia levado uns tapas de minha mãe, fomos para a casa de minha irmã. Era um sobrado com os quartos na parte de cima. Isso não foi problema para mim. Como sempre, me virei porque tinha muita agilidade, algo que consegui praticando esportes. Estava com minha irmã, mas só pensava no que iria fazer dali em diante. Mais uma vez, a AACD me acudiu. Eles me arrumaram um serviço de telefonista numa fábrica na Lapa. Fiquei lá por mais de um ano, trabalhando meio período na parte da manhã. Enquanto trabalhava nessa empresa, continuava a me reunir com esse grupo de senhoras que queria montar uma casa para deficientes. Elas me transportavam e eu não tinha gasto algum. Num desses encontros, conheci o padre Geraldo, um jovem jesuíta recém-chegado do Rio Grande do Sul. Parece que tinha estudado por dois anos em São Leopoldo, onde ele conheceu outro jesuíta, um espanhol que estava trazendo para o Brasil a ideia de um movimento chamado Fraternidade Cristã de Deficientes (FCD), grupo que havia começado seus trabalhos no interior da França e já havia chegado à Espanha. A história desse grupo é muito interessante. Tudo começou por causa de um jovem que nasceu muito doente. Devido isso, a família deu a ele certa liberdade para que fizesse o que quisesse. Um dia, resolveu ser padre. Ninguém ficou contra. Como era doente, foi para um hospital. Só que o tempo foi passando e ele não morreu. Quando já era adulto, resolveu formar um grupo, uma Fraternidade, com os doentes crônicos do hospital dessa cidadezinha. Foi assim que tudo começou. Então, aquele padre espanhol veio para o Brasil e conheceu o padre Geraldo, que, agora, morava no Colégio São Luís, aqui em São Paulo. Na época, um padre desse colégio levava a comunhão, diariamente, para uma senhora que “morava” no antigo Hospital Matarazzo – o qual, anos depois, passou a se chamar Umberto Primo –, que ficava no bairro da Bela Vista. Certo dia, o padre espanhol e o jesuíta Geraldo foram levados ao hospital para conhecer essa senhora muito religiosa chamada Maria de Lourdes Guarda. Ela fazia parte de um grupo religioso sem relação com deficientes. Ao ouvir falar da FCD, Lourdes ficou entusiasmada. Isso aconteceu em 1977. Padre Geraldo me convidou para participar da Fraternidade. Isso aconteceu exatamente na época em que comecei a morar com a minha irmã. Também havia começado a trabalhar e, ao mesmo tempo, frequentava a primeira casa para deficientes que acabara de ser montada.
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O motorista da madame ia me buscar, porém, estava muito contrariada por ter passado a usar cadeira de rodas. Não sabia lidar com a situação de ser uma deficiente. Era uma situação terrível. Eu chegava do serviço e chorava durante o resto da tarde porque estava com muitos problemas: minha mãe não falava comigo, minha irmã estava numa situação complicada, tendo de me hospedar em sua casa, embora também fosse contra minha atitude. A situação chegou a um ponto em que pensei: “Não vou participar de nada. Não quero mais deficientes na minha vida.” Mas, o padre Geraldo passou meu endereço para a Lourdes. Ela começou a me escrever, mas não respondi às primeiras cartas. Enquanto ela me convidava para visitá-la, eu pensava: “O que vou fazer?” Ela morava há mais de 20 anos no hospital. Construí uma imagem terrível dela na minha cabeça: uma pessoa que vivia num hospital e não saía da cama... A minha revolta em relação a ser deficiente era tão grande que passei a imaginá-la como uma pessoa magrinha, chata e cheia de doenças... Certa vez, escrevi uma carta para ela, a qual, mais tarde, virou motivo de piada. Depois de um tempo, ela brincava dizendo que tinha mais lágrima do que letras naquele papel. Um dia, já em 1978, em fevereiro ou final de janeiro, eu estava assistindo a um programa da TV Globo e vi um rapaz deficiente muito bonito dando uma entrevista. Eu ainda trabalhava como telefonista nessa época, então, no dia seguinte, liguei para a Globo do Rio de Janeiro para saber, por curiosidade, quem era aquele moço tão bonito. Era o João Carlos Pecci, irmão do Toquinho. Como me passaram o telefone dele, eu liguei. Quando atendeu e soube quem eu era, disse: “Nossa! Você é a primeira deficiente que conversa comigo!” Comecei a conversar com ele, meio que por curiosidade, e descobri que, por coincidência, ele morava perto da antiga AACD, em Campos Elíseos. Ele me convidou para ir à sua casa. Fui e ficamos muito amigos. Eu tinha um amigo deficiente e, para mim, naquele momento, bastava. Em uma das visitas, comentei com o João sobre “aquela doente coitada” que morava no hospital. Ao mesmo tempo em que tinha criado um poço de preconceitos em relação à Lourdes, estava me relacionando muito bem com o João. Então, dia 11 de fevereiro de 1978, um sábado, resolvi fazer uma caridade, sai do serviço e fui fazer uma visita para aquela “coitada doente” que morava no hospital. Fui de táxi. Como tinha muita agilidade, fechei a cadeira e pulei para o banco de trás do fusquinha. O motorista fechava a porta puxando uma cordinha. Eu dizia “doente” porque, para mim, deficiente vivia em casa, como eu, aos trancos e barrancos. Cheguei ao hospital e entrei no quarto. Ela olhou para mim e disse: “Puxa, mas você demorou para vir me visitar!” Respondi: “Ué, então você sabe quem eu sou?” Ela falou: “Você não é a Isaura? A gente troca cartas. Aliás, sua última carta só tinha lágrimas!” Entrei em pânico, mas foi assim, paixão, literalmente, à primeira vista. Se existe uma coisa que não acreditava, até então, era em paixão, no sentido de amizade. Depois que a conheci, nunca mais consegui sair de perto dela. A partir desse encontro, passei a ter duas paixões: o João e ela. O João era um pouco mais velho do que eu. A gente conversava muito. Ele reclamava que as meninas não deficientes chegavam perto dele por causa do irmão famoso. Ao mesmo tempo, queria saber como é que eu vivia, como é que eu subia a escada na casa da minha irmã etc. Inclusive, escreveu em seu primeiro livro, de pura brincadeira, que eu subia a escada de bumbum. Na ocasião, eu ainda estava numa crise muito grande. Estava muito agressiva, sempre “batendo primeiro” para me defender. Havia, realmente, construído um muro bem alto em volta de mim porque me sentia cansada de levar tanta pancada. A Lourdes, com o jeito dela, mexeu comigo. E, depois que contei minha vida inteira para ela, não consegui fazer
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absolutamente mais nada sozinha. Eu queria ficar 24 horas com ela. Algumas pessoas chegavam a pensar que eu era sua filha, até porque ela era loira de olho azul. Eu também sou clara. Isso virou mais um motivo de desespero para minha mãe verdadeira, que era morena clara… A Lourdes estava interessada na ideia da Fraternidade e comecei a participar das reuniões. Sempre pensando em movimento e não em entidade. Aqui no Brasil seria um movimento ecumênico ligado à igreja de Roma. A gente não tinha ideia de onde buscar apoio. Foi então que encontramos um juiz que tinha um filho estudando no São Luís. Dessa forma, conseguimos descobrir que havia deficientes na Penitenciária do Estado e a Lourdes passou a visitar esse pessoal na prisão. Consegui coragem para ir lá apenas uma vez, depois não deu mais. Então, o movimento começou assim, buscando deficientes. Era uma ação de pessoas com deficiência para pessoas com deficiências, como gente recémacidentada, por exemplo. Sobre os deficientes presidiários, a Lourdes brincava falando assim: “Todos foram vítimas de acidente de trabalho. Você sabe por que ele levou um tiro nas costas? Porque estava rezando ajoelhado e o tiro pegou na coluna. Se ele tivesse em pé, pegava no bumbum e, aí, não ia ter problema, não ia ficar paraplégico.” O “rezar” para ela era assaltar, troca de tiro, era uma maneira de ela até brincar com a situação. Tive uma ligeira experiência com vítimas de acidentes, quando ainda estava na AACD. Isso aconteceu entre o final de 1969 e o começo de 1970, quando tinha 19 anos. Nessa época começou a aparecer por lá muitos jovens lesados medulares, que vinham de todo o país. A maioria era vítima de acidente de carro. Mas, havia também quem tivesse sofrido acidente de trabalho. Alguns chegavam cheios de escaras no cóxi ou nas costas. Foi quando uma assistente social, uma psicóloga da AACD, teve a ideia de formar um grupo de deficientes para recepcionar de uma forma acolhedora esses jovens. Nós, que fomos crianças deficientes, tínhamos crescido, assim, com deficiência. Eles ficaram deficientes depois de adultos. Foi complicado para a gente perceber como era difícil para esses jovens. Por isso, tentávamos levar meio que na brincadeira. E, como sempre fui muito falante, meu negócio era fazer amizades, conhecer pessoas. Brincadeira e festa eram comigo mesmo! Então, participei de algumas ações assim, no tempo em que fiquei na AACD. Em relação à Fraternidade e ao movimento, apesar de ainda estar depressiva e cheia de problemas com a família, resolvi participar. Principalmente por causa da paixão louca que tinha pela Lourdes, que foi um negócio assim, devastador, graças a Deus. Nessa época, pedi demissão do serviço de telefonista. Todo mundo achou uma loucura. Fiz isso quando descobri que a telefonista do turno da tarde ganhava quase o dobro do que eu, sendo que fazíamos o mesmo número de horas e o mesmo serviço! Além disso, descobri que estava contratada por que eles tinham pena de mim! Isso em uma época na qual não havia lei que obrigasse a contratação de deficientes. A Lourdes me deu total apoio. No início, fiquei preocupada sobre onde iria trabalhar. Ela, que sempre foi muito otimista, dizia que logo iria aparecer algo. Entre março e julho de 1978, fiquei sem trabalhar, morando na casa da minha irmã. Ao mesmo tempo, participava do movimento que estava começando. Então, a AACD – sempre o pessoal da associação na minha vida –, que nunca me esqueceu, me avisou que uma grande empresa estatal queria empregar deficientes. Era a Cesp, a Companhia Energética de São Paulo. A ideia surgiu porque um chefe do setor de microfilmagem, José Ernesto Tozzi, tinha ido aos Estados Unidos fazer um curso. Lá, conheceu um birô de microfilmagem, onde havia alguns deficientes trabalhando. Então, quando surgiu uma vaga no setor dele, foi à AACD, que era o único centro de reabilitação na época, e apresentou a proposta. A associação reuniu um grupo e, ao invés de concurso, a empresa aplicou um teste no qual participaram tanto deficientes quanto pessoas sem deficiência. Se algum deficiente
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passasse no teste, teria prioridade. Os deficientes foram espalhados em grupos diferentes. Por isso, não vi nenhum outro deficiente, quando fiz minha prova. Eu não tinha formação, não tinha estudo suficiente. Como sempre gostei muito de ler, sempre fui uma pessoa bem informada. Além disso, sempre fui muito falante. E, o melhor de tudo, eu tinha a Lourdes me incentivando muito. Meses depois, fiquei sabendo que um rapaz não cadeirante, mas, com uma leve deficiência, que andava com uma bengala, também havia passado. Fiquei surpresa quando me informaram que fui aprovada e pensei: “E agora?” Porque a gente não tinha ideia do que ia acontecer. Quando vi um monte de pessoas não deficientes, fiquei pensando por que eu estava ali e o que será que eles queriam. Comecei a trabalhar dia 10 de agosto de 1978. Como faço aniversário no dia 24, acho que foi um presente! Quando contei para Lourdes, ela ficou feliz e foi logo falando: “Ótimo! E qual é o seu próximo sonho?” Parei e disse: “Eu ainda vou começar a trabalhar amanhã!” Ela respondeu: “Tudo bem. Isso já passou. E o próximo sonho qual é? Morar sozinha?” Em fevereiro de 1979, quando completaram seis meses, Tozzi, o responsável pela ideia, chegou para mim e disse: “Olha, você passou pelos três meses de observação. Pedi para o departamento de Recurso Pessoal (RH) mais três, e você passou também! Vou viajar a serviço para Bauru e, na volta, quero que você me dê uma lista de deficientes, porque vou passar para outras empresas, para começarem a empregar essas pessoas.” O Tozzi era uma pessoa simpaticíssima. Todo mundo adorava ele no setor. Nessa época, estava muito envolvida com o movimento. Havia passeatas, encontros, viagens, compromissos que aconteciam nos finais de semana. Ao mesmo tempo, às vezes, eu tinha de sair mais cedo do serviço para praticar esporte, algo que havia voltado a fazer. A minha grande paixão era jogar basquete. Apesar de ser baixinha, como tinha muita agilidade, jogava bem. Comecei a participar de jogos nacionais. Ainda em 1978, pouco tempo depois de ter voltado a praticar, durante feriado prolongado de 7 de setembro, tivemos um campeonato nacional, no Rio de Janeiro. Em novembro de 1978, fui convocada para a Seleção Feminina de Basquete. A equipe iria para o Pan-Americano de Pessoas Deficientes, também no Rio, que aconteceria em datas diferentes do Pan-Americano dos fisicamente normais. O Tozzi achava fantástico que eu fizesse essas coisas maravilhosas. Quando ficou sabendo da minha convocação para o Pan-Americano de Pessoas Deficientes, ficou mais encantado ainda. Embora tivesse sido contratada há poucos meses, o Tozzi queria que a empresa pagasse minha passagem aérea e me liberasse pelo mês inteiro. Os treinos eram aqui em São Paulo. Mas, depois, eu ia ter que ficar uma semana no Rio de Janeiro. Ele abriu mão de tudo e me fez ir. Fiquei apreensiva, mas ele me incentivou muito! Infelizmente, o avião, no qual ele e outros funcionários estavam, explodiu quando retornava de Bauru para a capital. Soube do acidente logo cedo naquele dia, pois entrava no serviço às 8 da manhã e saia às 5 e meia da tarde. Apesar de ter ouvido no rádio, na minha casa, ainda assim não acreditava! Foi um drama terrível! Fiquei em pânico quando ele morreu. Ficamos afastados por dois dias, de luto. Quando voltei, já havia outra pessoa no lugar do Tozzi. Era um funcionário do próprio setor. Um analista que tinha preconceito em relação a trabalhar comigo porque eu era deficiente. Ele não dizia diretamente para mim. Falava para outras pessoas. E a informação de que ele não queria trabalhar com a “aleijada” chegou ao meu ouvido. Esse novo chefe criou um clima de guerra que durou cerca de um ano. Eu chorava todos os dias durante esse período. Ele chegava e esmurrava a minha mesa para me amedrontar.
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Para complicar ainda mais, depois do Pan, acabei sendo convocada para as Olimpíadas e, ao mesmo tempo, praticamente, contratada por um clube carioca. Nesse período, num final de semana, jogava no Rio. No outro, jogava aqui em São Paulo. Ia para a rodoviária nas sextas. Voltava, às vezes, na segunda de manhã e ia direto para a Cesp. Era o que eu gostava. Tinha uma agenda cheia. Quando não jogava basquete, estava viajando com a Fraternidade Cristã de Deficientes, atividade da qual não queria, nem poderia, abrir mão. A Lourdes, que era a coordenadora estadual, tinha sido eleita para a coordenação nacional da FCD. Eu, como sua vice, tive de assumir o Estado. Além disso, eu estava completamente envolvida nos preparativos para o Ano Internacional das Pessoas Deficientes (AIPD). Na época, já estávamos com vários núcleos da FCD na capital e em cidades como Campinas, Piracicaba, Americana, Santa Bárbara d’Oeste, Atibaia, Mairiporã etc. Eu tinha de visitar os núcleos para incentivar os deficientes participantes. Então, a minha vida estava tão agitada que até esqueci minha família. Em 11 de setembro daquele ano, quando voltei dos Jogos Nacionais, no Rio de Janeiro, aluguei uma quitinete. Meu irmão decidiu me ajudar. Disse que pagaria metade do aluguel por seis meses. Além disso, me deu uma cama, que eu, brincando, dizia ser de terceira mão, e um colchão, que eu falava que era de quinta, pois estava todo rasgado. Naquela ocasião, minha preocupação era, realmente, continuar minha atividade no movimento. Já estava muito envolvida. Era coordenadora de grupo e do Estado. Até abriria mão do esporte, mas não da Fraternidade. Foi quando recebi um convite do Romeu Sassaki, que também participava do movimento, para fazer uma palestra na PUC (Pontifícia Universidade Católica), em um congresso de Serviço Social. Fui chamada por ser uma das únicas pessoas deficientes que trabalhava numa grande empresa estatal do porte da Cesp. Disse que tudo bem, mas o evento aconteceria durante a semana, de segunda à quarta. E a minha palestra seria na segunda-feira pela manhã. Naquele momento, minha cabeça estava a mil porque havia muitos eventos. Os preparativos para o Ano Internacional era apenas um deles. Havia também o 1º Encontro Nacional das Pessoas Deficientes, em Brasília, onde conseguimos colocar 500 deficientes! Tinha índio deficiente e tudo o que você pudesse imaginar! Tivemos de arrancar a porta do banheiro do alojamento para fazer de rampa para a cadeira de rodas entrar. E, no meio disso tudo, fui convidada para o Congresso da PUC. O convite chegou ao meu setor na Cesp. Meu chefe me chamou na sala dele e me deu uma bronca fenomenal, para variar, esmurrando a mesa, que era sua maneira de me intimidar. Eu me lembro bem de uma frase dele: “Pode chegar um convite do papa que não vou te liberar.” O evento iria acontecer dali a um mês, mas, diante daquela conversa, comentei com o Romeu que não poderia ir. Não podia faltar no trabalho. Não poderia tentar conseguir um atestado porque, caso saísse algo na imprensa e meu chefe visse, eu teria problemas. Eu precisava daquele emprego. O Romeu não se conformou: “Isaura, isso é impossível! Você tem que ir!” Pouco tempo depois, ele me contou que havia mandado um comunicado para o departamento de RH da Cesp. Falei: “Nossa! Isso vai me criar uma situação e vou ser mandada embora.” No departamento de RH, havia um funcionário antigo com algum poder lá dentro. Ele tinha tido uma doença, ficou algum tempo afastado. Voltou com uma lesão na perna. Mancava muito e usava muleta. Eu o encontrava, às vezes, no corredor. Eu na cadeira de rodas e ele de muletas. Esse senhor mandou o convite para o gerente administrativo, que era um coronel. Era comum, na época do regime militar, oficiais ocuparem postos em empresas estatais, principalmente naquelas ligadas a energia elétrica e usinas. O coronel quis saber quem
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eu era. O pessoal do RH explicou e ele foi falar com o diretor administrativo. Eu não estava sabendo de nada disso. Uns 15 dias antes da data do congresso, recebi um telefonema da secretária do diretor administrativo me perguntando: “A que horas você sai para o almoço?” Respondi: “Meio-dia e 15.” Ela disse: “Vou falar meu nome, mas não fale alto.” Pensei: “Estou demitida.” Ela se apresentou: “Sou a secretária do doutor fulano de tal” – que eu não sabia quem era – “e eu quero que você venha aqui no 8º andar para a gente almoçar juntas. Não comente com ninguém.” Quando cheguei ao 8º andar, fui recebida de braços abertos. A secretária virou minha amiga íntima. Falou sobre o diretor e o que estavam planejando: “Olha, estamos montando um esquema, porque o doutor fulano e o gerente administrativo ficaram encantados com o convite que você recebeu. Também ficamos sabendo que você participou do Pan e que joga basquete. Todos ficaram entusiasmados porque nenhum funcionário aqui faz parte de algo assim.” Achei tudo muito estranho e fiquei um pouco assustada no começo. Depois me acalmei. Para resumir, eles montaram uma coisa que parecia uma pecinha de teatro para que meu chefe me liberasse. Na sexta-feira, o gerente administrativo, a secretária e uma pessoa do RH me chamaram na sala do meu chefe. Eram umas 5 da tarde. A única coisa que sabia, até então, era uma dica que a secretária me deu: “Olha, você não pode rir”. Perguntei: “Rir por quê?” Ela respondeu: “Você vai ver.” Quando cheguei, todos rasgaram elogios para mim. Meu chefe ficou olhando muito bravo para minha cara. E eles dizendo o tempo todo ao meu chefe: “Você não acha, Luís Felipe, que é uma honra termos uma funcionária como ela? Olha, ficamos sabendo que, entre outras coisas, ela joga basquete. Você tem notícia de algum outro funcionário aqui ou do interior que participe de alguma outra competição? Não é fantástico? Justo ela!” Aí entendi porque não poderia rir. Ele ficou muito sem graça enquanto ouvia: “Estamos aqui porque ficamos tão honrados com o convite que ela recebeu para esse congresso. Você não acha que podemos liberá-la para os três dias do evento?” Ele teve que assinar minha liberação para os três dias. E foram comigo mais duas pessoas do RH, entre elas, uma psicóloga, para reportar aos diretores como havia sido o encontro. Quando voltei a trabalhar, na quinta-feira, meu chefe mandou pôr na minha mesa uma pasta fechada, dizendo que não era para mostrar para ninguém. Cheguei a pensar que era minha carta de demissão. Era uma carta assinada pelo presidente da Cesp, com vários elogios. Todos os diretores, de cima até embaixo, também tinham assinado. Inclusive meu chefe! Daí em diante, percebi que ele havia me jogado nos braços do presidente da empresa. Então, na próxima vez em que veio esmurrar a minha mesa, como fazia há mais de um ano, dei um murro também e gritei: “Eu já sabia que você não queria trabalhar com aleijado. A partir de hoje, se você gritar, vou gritar mais alto. E se você não se comportar direitinho, vou contar para o coronel que você põe o seu paletozinho e sai mais cedo, com o seu amigo, aqui do setor, para dar aula, no curso lá na Rua Augusta. Sei que o setor todo sabe e ninguém tem coragem de dizer porque acham você muito bravo. Mas, não tenho mais medo de você.” Foi uma situação terrível. Tivemos uma conversa séria: “Se você tem algum problema em relação ao meu serviço, se eu não fiz alguma coisa, você tem todo o direito de chamar minha atenção. Mas, como chefe, você não precisa gritar.” Depois disso, ele ficou meu amigo. Foi até meu amigo-secreto no Natal seguinte! De repente, comecei a ter noção dos direitos que nós deficientes tínhamos. Afinal de contas, a Fraternidade mostrava isso para a gente. Discutíamos muito essas situações que tínhamos de enfrentar. Por exemplo, aqui na Rua Frei Caneca, onde moro, não havia guia
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rebaixada. Por isso, era comum quebrar o eixo das cadeiras de rodas. Mesmo com a agilidade que eu tinha, caí muitas vezes na rua, subindo e descendo degrau. Cheguei a fotografar as guias rebaixadas, junto com um amigo. Também chamei a imprensa, briguei e gritei até que o prefeito Jânio Quadros fez alguns rebaixamentos. Porém, aquele tipo de rampinha que termina num degrau, pior do que não ter rampa. A gente começou a lutar ao perceber como é difícil ser deficiente. Tínhamos duas opções: desistir ou dar a cara para bater. Chegamos a fazer passeata na Avenida Paulista, onde íamos brigar por metrô com acessibilidade. Porque, até então, eles diziam que poucos de nós usávamos o metrô. Então, para que adaptar? Reunimos quase cem deficientes na estação do metrô e dissemos: “Bom, estamos aqui. Todo mundo pagou o bilhete!” O que acho que é uma coisa justa. “Então, temos o direito de reclamar.” Naquela época, pessoa com deficiência não precisava nem votar. Os médicos liberavam e o Tribunal Regional Eleitoral também. Porém, nós da Fraternidade fizemos uma campanha para que todo mundo fosse tirar o seu título de eleitor, inclusive a Lourdes, na sua maquinha! E sempre apareciam aquelas “desculpas”: “Ah, mas é difícil, onde eu moro”. “Mas tem escada”. Da primeira vez em que a Lourdes foi votar tinha uma baita escadaria no colégio. O que ouvimos foi: “Não precisa. A senhora pode voltar para casa.” Ao que ela respondeu: “Não quero voltar para casa. Quero votar!” Não havia urna eletrônica ainda. Houve uma discussão e ameaçamos chamar a imprensa porque havia um monte de gente deficiente ali. Foi quando vários fiscais, de todos os partidos, desceram com uma urna até onde ela estava. Já era final do dia e estávamos lá desde a manhã. Ela, deitada numa maca, não desistiu para dar exemplo para nós deficientes também. Ela fazia muito disso. No dia em que nos conhecemos, eu estava com o astral baixo, mas, estava pensando nas coisas que conseguia fazer, mesmo sendo deficiente: ganhar dinheiro com meu trabalho, pegar um táxi usando cadeira de rodas, ir até o hospital para fazer um gesto de caridade... Quando cheguei, fui recebida com um sorriso enorme que me desconsertou. Logo que entrei no quarto, ela me pediu para alcançar um copo de água para ela. Foi um jeito que imaginou para mostrar que eu também tinha limitações. Tempos depois, eu falei para ela: “Lourdes, você queria acabar comigo naquele dia, não é?” Respondeu com uma frase que ela sempre dizia: “O mais importante é a vida, não importa se é deitada, sentada, enxergando, escutando. O mais importante é o dom da vida!” E realmente era isso, porque a gente sempre tem como lutar. Depois dessa experiência, fui fazer terapia para tentar entender a minha mãe e consegui. Comecei a perceber que era uma situação muito complicada para todos naquela época. A família que tinha um membro deficiente, fosse qual fosse a deficiência, era marcada pela sociedade. Na época, eu estava namorando um antigo colega, um deficiente do interior, que eu havia trazido para o grupo. Ele havia sofrido um acidente e ficado tetraplégico. Como não teve uma secção de medula, só compressão, hoje ele caminha com muletas, sem aparelho nem nada, graças a Deus! Terminamos o namoro com uma briga. Sempre fui namoradeira, mas, até então, só havia namorado deficientes. Não imaginava que uma relação com um não deficiente fosse possível. E ainda tinha o trauma causado pela minha mãe devido à minha incontinência urinária. Ela sempre dizendo que “as coisas do mundo não eram para mim” ficou muito presente na minha cabeça. Eu pensava: “Como alguém, que não fosse como eu, iria entender minhas dificuldades?” Foi quando esse rapaz não deficiente se apaixonou por mim e eu ria dele o tempo todo. Ele era técnico de câmara hiperbárica, recém-separado e tinha uma filha que morava no Rio. Além disso, era mais novo do que eu sete anos. Para variar, esse rapaz chega para mim, não sem se encantar com a Lourdes. Ele se apaixonou por ela e começou a fazer parte da Fraternidade.
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Quando tinha algum evento no final de semana, ele se prontificava a ir. A Lourdes falava para mim: “Isaura, o Luís é apaixonado por você!” Eu apenas ria. Achava engraçado. Ele me ligava no serviço e tudo. Um dia, ele chegou para mim e pediu para conversar comigo, longe do quarto da Lourdes e perguntou: “Por que essa resistência toda? Sei que você é lesada medular e que tem incontinência urinária. Peguei tua ficha e sei tudo o que você vai falar. E nada disso me interessa. Quero você como mulher. E aí?” Ele conseguiu acabar com a minha pose porque o meu médico da clínica hiperbárica era cunhado dele e os dois trabalhavam juntos. Ele me derrubou nessa. Algumas deficientes, inclusive da Fraternidade, achavam que era uma loucura porque ele era jovem, tinha 25 anos, e eu tinha 31. E quando tivemos a nossa primeira noite, foi algo estranho, porque eu sempre ouvia de funcionárias de hospitais que sexo para deficiente era como chupar bala com o papel. Certa vez, estive internada em Brasília, no hospital Sara Kubitschek. Ali, uma assistente social, para variar, uma psicóloga, me convidou para participar de um grupo que discutia sexualidade. Eu era a única mulher e não sei por qual motivo eles acharam que eu tinha alguma coisa a acrescentar. E, naquele grupo, havia um médico da Bahia que havia ficado lesado medular após um acidente numa estrada do interior. Ele relatou que a primeira coisa que ouviu, quando atendido, foi: “Olha, pode pendurar as chuteiras porque homem você não é mais.” Nesse sentido, nós da Fraternidade tínhamos a sorte de ter a Lourdes conosco. Embora morasse num hospital desde os 20 anos, sua cabeça era incrível e, às vezes, abordávamos a sexualidade em nossas palestras. Muita gente tinha curiosidade, a meninada queria saber. Então a gente foi atrás. Mesmo assim, eu ainda tinha bloqueio, porque me lembrava do que tinha ouvido em Brasília. O Luís simplesmente tirou isso de mim. Porque, na realidade, a dificuldade está na cabeça da gente e não no local atingido pelo acidente. Ficamos juntos até eu ter outro problema com a minha família. Meu pai tinha ficado doente, havia sido hospitalizado e meus parentes esconderam isso de mim por um tempo. Isso foi ideia de minha mãe e minha irmã para me castigarem por eu morar sozinha, ser independente e pelo fato de eu estar namorando um não deficiente. Naquele momento comecei a me questionar: “Vale a pena ficar com o Luís? E a minha família?” Foi quando resolvi acabar com o namoro. Não queria um relacionamento naquelas circunstâncias. Então, escolhi minha família, mesmo sabendo que ela nunca tinha me escolhido. O Luís entrou em pânico. Ele já havia contado para os parentes que estava namorando uma pessoa mais velha e deficiente. Foi quando recebi alguns telefonemas na minha casa e no serviço. Era a família dele perguntando se eu estava pagando para ele me namorar. Pra complicar a situação, minha mãe pensava a mesma coisa. Então, nada colaborava para o nosso namoro. Depois de não sei quantos anos, eu estava no quarto da Lourdes sozinha e tocou o telefone. Atendi, mas tenho muita dificuldade para reconhecer a voz das pessoas. Era o Luís. Fazia cinco ou seis anos que não nos falávamos, mas, ele reconheceu minha voz. A Lourdes entrou no quarto, nesse momento. Tirei o fone do ouvido e ela perguntou quem era. Eu disse: “É para você.” Peguei minhas coisas e fui saindo. A Lourdes me segurou. Disse que eu deveria esperar, pois não sabia o que tinha acontecido na vida dele. O Luís e eu acabamos morando juntos por uns oito ou nove anos. Nesse período, eu trabalhava com a Célia Leão, que tinha sido eleita deputada estadual. Fiquei com ela, até quando a Lourdes faleceu. Aí, eu não quis mais ficar em São Paulo. Avisei todo mundo que iria sumir daqui. Durante um encontro, aqui em São Paulo, em homenagem à Lourdes, vieram alguns deficientes de um grupo que eu tinha formado em Santa Bárbara d’Oeste, quando fui
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coordenadora estadual da FCD. Esse pessoal começou a me dizer: “Por que você não vai para lá?” Tudo ficou muito complicado para mim e terminei indo para o interior. Eu comentava com a Célia que queria uma casa com cachorro e jardim em santa Bárbara d’Oeste e que não aguentava mais morar em apartamento. A família da Lourdes estava lá e eu os conhecia. Por fim, consegui financiar uma casinha por lá e fazer as adaptações necessárias. No primeiro ano na nova cidade, já estava decidida a me separar do Luís, porque não era o que eu queria. Não era justo. Há muitos anos que meu coração era de outra pessoa, um deficiente, com o qual nunca tive nada. Pedi para o Luís se afastar. Não queria mais ficar com ele. Tem outra coisa interessante nessa história. Cheguei à cidade casada com um não deficiente e, de repente, ele partiu. Embora morassem outros deficientes na minha rua, os vizinhos começaram a cochichar: “Com ela vai se virar? Ela é aleijada, está na cadeira de rodas e ele a abandonou…” Para eles, eu não iria sobreviver. Eles não sabiam que um deficiente conseguia morar sozinho. E eu já morava só há muito tempo. Tinha uma boa resistência, a ponto de subir cinco quarteirões, daqui até a Paulista, na cadeira manual. Além do mais, trabalhei subindo e descendo degraus até me aposentar. Não tenho certeza, mas acho que morei em Santa Bárbara d’Oeste por sete anos. Voltei para São Paulo a pedido do meu pai e da minha filha postiça, que chorava quase todo dia no telefone por eu estar longe. Ela achava que, caso precisasse me ajudar, não poderia me acudir devido a distância. Minha casinha lá era uma paixão. Infelizmente, vendi e não deu para comprar nem uma quitinete aqui. Mas, tudo bem. Tem outras coisas boas, como o fato de eu estar aqui hoje. Consegui voltar para o mesmo prédio em que morava e fui muito bem recebida por todo mundo. Reencontrei várias pessoas. O zelador é o mesmo depois de dez anos longe desse prédio! Também há as pessoas em volta, como o dono da lanchonete, o dono da padaria, o dono da farmácia da esquina da Rua Augusta. Todos ainda são os mesmos, assim como muitos moradores. No final do ano passado, o dono do meu apartamento quis vender. Procurei nas redondezas, mas todos os prédios em volta não têm acesso para deficiente. Então, eu teria de ir embora para outro bairro. Quando os conhecidos souberam da história, chegaram a fazer manifestação! O dono da lanchonete, o dono da padaria e os moradores daqui, todos foram até a administradora do prédio exigir que eles me arrumassem outro apartamento aqui mesmo. O pessoal disse até que eu sou parte do patrimônio do prédio! Outros disseram que faço parte do patrimônio do bairro! No final, depois de seis meses, o irmão do síndico resolveu comprar o imóvel para me deixar aqui. Há 20 dias, ouvi dele: “Fique tranquila porque não vou te tirar daqui. Soube de sua história e todo mundo gosta muito de você. E não quero que saia, não.” Então, estou de volta. Atualmente, tenho uma série de dificuldades de saúde. Rompi o tendão nos dois ombros de tanto rodar minha cadeira manual. Hoje sou obrigada a ter uma cadeira motorizada, mas é difícil porque a manutenção custa muito caro. Vou fazer 60 anos e tenho várias amigas na minha faixa etária. Então, além das nossas deficiências, temos as doenças da idade! Há cerca de dois anos, vi uma capa da Veja com um portador de síndrome de Down, um homem com os seus 50 e poucos anos, e a manchete dizia: “Quem vai cuidar de nós?” Não sei se as autoridades e a sociedade têm pensando nisso. A medicina evoluiu tanto que os portadores de Down estão chegando à terceira idade. E o mesmo aconteceu com as pessoas com outras deficiências. Eu, que iria morrer em seis meses ou um ano, já tenho 60! E há doenças novas, como a tal da síndrome pós-pólio, cuja descoberta e discussão também são muito recentes aqui no Brasil.
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Então, quem vai cuidar do deficiente idoso? Tenho um pai com 92 anos e que está na cadeira de rodas! Minha irmã tem 64! E aí? Nós não fomos preparados para chegar à terceira idade. Nem os médicos foram treinados para essa realidade! Muitos especialistas do meu convênio, como vasculares, ginecologistas, urologistas e mesmo ortopedistas, não têm a menor ideia de como lidar conosco! Tenho problema vascular grave decorrente da minha deficiência. Hoje complicou muito mais. Então, quem vai cuidar e como? Isso não é algo considerado quando nos aposentamos. A minha aposentadoria não é um salário mínimo porque trabalhei em empresa estatal, o que me garantiu também o convênio médico da companhia. Até 1972, as estatais aposentavam o funcionário com o salário total. Como entrei em 1978, recebo apenas uma parte do valor. Mesmo assim, tenho despesas ligadas à deficiência, que não são baratas – fralda, sonda, cadeira de roda motorizada –, sem falar em táxi, alimentação e aluguel! Gostaria de reforçar essa questão que acho fundamental: “Quem vai cuidar de nós?” Não digo eu, a Isaura, mas nós deficientes da terceira idade. Porque mesmo os lares de idosos não estão preparados para atender pessoas com deficiência. Sei que a maioria dos idosos de hoje são deixados em clínicas, ou com outras pessoas para cuidar. Nem sempre são bem cuidados. Então, é uma coisa que todos precisam pensar a respeito. Tenho certeza de que, se a Lourdes estivesse aqui, já teria pensado em alguma coisa a respeito dessa questão de “quem vai cuidar de nós”. Realmente, nos dias de hoje, conseguimos muita coisa em termos de adaptação. Participei dessa luta e tenho orgulho de ter feito parte dessa história. Muitas vezes, passamos por situações terríveis. Só para lembrar, o Ano Internacional das Pessoas Deficientes aconteceu em pleno regime militar! Nessa época, não se queria contar quantos deficientes havia no Brasil. Sabíamos que, naquela época, se houvesse contagem do número de pessoas com deficiência, alguém ia ter de tomar alguma providência. Acredito que pouca gente sabe disso, mas as autoridades brasileiras não receberam o representante da Organização Mundial de Saúde (OMS) naquela ocasião. Ele ficou hospedado na casa de um deficiente, em São Paulo, e de outro, no Rio de Janeiro. Era nossa turma, formada por vários movimentos, que ficava transitando com ele pelos eventos. Então, a gente ficava na dependência das estatísticas da OMS para os países em desenvolvimento e para os subdesenvolvidos. Ao mesmo tempo, faziam a gente acreditar que o nosso país fazia parte do grupo dos países em desenvolvimento! Tínhamos – e acredito que ainda temos – nossos bolsões de pobreza. Viajei pelo interior do Mato Grosso do Sul e pelo Nordeste e vi em que estágio está o desenvolvimento daquelas regiões. Há muitos lugares que podem ser chamados de quinto mundo, com deficientes passando fome! Fui a lugares onde membros da terceira ou quarta geração de famintos param de andar com 5, 6 anos. Conheci um rapaz no interior do Maranhão que parou de andar aos 17 anos devido à desnutrição! Então, acredito que – mesmo que falemos hoje em coisas como internet e que está tudo maravilhoso – as coisas não tenham mudado muito pelo interiorzão do país. Voltando a falar sobre o Ano Internacional, houve uma grande movimentação e a gente estava envolvida com vários encontros, palestras e mesmo brigas. Tanto que, de repente, em Brasília, a gente formou uma comissão para invadir o Palácio do Governo. Naquele dia, o pessoal da guarda presidencial não sabia se segurava aquelas armas ou se ajudava a empurrar nossas cadeiras de rodas. Foi cômico, muito divertido mesmo. A gente queria dar a cara para bater. Além disso, havia uma diferenciação entre movimento e entidade. Porque as entidades para deficientes, tipo a Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), não
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gostavam de conversar com os deficientes. A visão dos membros dessas organizações era de que, por serem técnicos, eles entendiam tudo sobre o assunto. Eu me lembro de um médico, diretor da AACD, que foi convidado para uma palestra com dois ou três deficientes numa mesa-redonda. Ele se recusou, não quis participar. Ao mesmo tempo, a gente tinha muita dificuldade de se comunicar com os deficientes auditivos. Isso, quando a gente conseguia alguém que fizesse a linguagem dos sinais. Ao mesmo tempo, os deficientes visuais achavam que o que estava sendo passado aos deficientes auditivos era diferente do que estava sendo dito durante o congresso do Ano Internacional em Brasília. O Romeu lembra muito bem disso. Havia uma guerra. Além disso, nós, deficientes físicos, tínhamos de ter algumas adaptações que eles não precisavam. Então, não entendiam, porque viviam em um mundo diferente. A gente queria juntar todos. Achávamos que a luta tinha de ser de todo mundo que, de alguma maneira, fosse excluído. Havia dois participantes da Fraternidade que moraram na AACD. Eles tinham paralisia cerebral, com grande dificuldade motora, mas com uma inteligência brilhante. Eram o Serginho e o Zé Roberto. Eles tinham uma paralisia espástica muito acentuada. Um deles tinha uma cabeça fantástica! Como eles falavam com dificuldade, muitas vezes, a gente não entendia. Principalmente, o que o Serginho falava. Então pedíamos para ele repetir e ficava todo mundo em silêncio. Porque queríamos realmente ouvir o que ele falava. Isso era um princípio essencial na Fraternidade: dar voz a quem nunca a teve. Em certa ocasião, a Lourdes foi convidada para ir à Buenos Aires participar de um encontro da Fraternidade na América do Sul. Justamente nesse momento, ela teve um problema de saúde e precisou fazer uma cirurgia de emergência para retirar uma pedra na bexiga. Foi uma loucura e lá foi a Isaura para a Argentina, representando a FCD do Brasil. Aquele país estava num momento maluco, pois tinha perdido a Guerra das Malvinas há três ou quatro meses. O pessoal tinha muita dificuldade para sair de casa. A coordenadora da Fraternidade teve pólio no corpo todo e usava um respirador. Era uma menina fantástica! Havia também o coordenador espiritual, que era um padre. Aquele grupo tinha uma visão diferente da nossa sobre a questão da deficiência. Lembro que, nas reuniões, eles discutiam se a deficiência era um prêmio ou um castigo. Isso, para nós brasileiros, era uma loucura! Víamos aquelas pessoas todas com cara de santo, os deficientes com cara de coitados e nós todos ali com outra visão. Tudo era muito diferente para nós. Por exemplo, aqui no Brasil, onde quer que fossemos participar de eventos, a gente sempre saía para passear. Lá na Argentina, estávamos em um local que parecia um colégio de freiras e não tinha janelas voltadas para a rua. No dormitório, as camas eram separadas por biombos. Algumas meninas participantes tinham de voltar para casa diariamente. O padre Geraldo também foi com a gente. O pessoal entendeu que ele era o padre geral dos Jesuítas, então, ninguém falou nada, quando arrancou a porta e improvisou uma rampa para as cadeiras de rodas subirem os degraus que havia nos banheiros. Conversávamos entre nós, brasileiros, sobre a situação dos argentinos. O pessoal da Argentina – com mais tempo de Fraternidade e com mais experiência com doenças, como a poliomielite – tinha tratamentos de fisioterapia mais avançados. Mesmo assim, tinham uma visão que considerávamos atrasada. Houve muitas outras viagens e em todas aconteceram momentos engraçados. A Lourdes também passou por muitas dificuldades nas viagens que fez com o pessoal da FCD, naquela Kombi. Certa vez, depois de atravessarem uma região, começou a chover muito e não puderam voltar. Então, todos tiveram de dormir dentro da perua! Aconteciam coisas assim. Muitas pessoas falavam que ela deveria escrever sobre sua vida, como muitos deficientes fazem.
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E ela respondia: “Quem quiser escrever sobre a minha vida que escreva. Porque a minha vida eu vou é viver.” Desde que começaram os problemas financeiros, o hospital Umberto Primo foi, várias vezes, fechado e reaberto. Quando fechou definitivamente, a Lourdes estava doente e alguns funcionários a mantiveram por lá. Para isso, um restaurante da região mandava comida e as enfermeiras se revezavam para cuidar e dormir com ela. Quando a doença dela piorou, houve uma espécie de briga entre os hospitais de São Paulo. Todos queriam ficar com a Lourdes. Inclusive o governo do Estado queria que ela fosse para o Hospital das Clínicas. Ela falava: “Isaura, não quero sair daqui desse pedaço. Fiquei 50 anos aqui no Bixiga!” Finalmente, foi transferida para o Hospital Santa Catarina, onde faleceu. Muita gente não sabe, mas a Célia pagava uma pessoa para dormir com ela no hospital, uma enfermeira que era do antigo hospital Umberto Primo. Infelizmente, foram poucas noites, porque ela faleceu logo depois. Eu não conseguia visitar a Lourdes quando ela adoeceu de vez. Isso me desesperava, mas não conseguia… Ficava apenas na porta. Quando o câncer piorou e ela já estava delirando, passou a brigar comigo por telefone. Fiquei muito chateada e, ao mesmo tempo, não entendia o que estava acontecendo. Foi quando me disseram que ela realmente estava piorando e que eu deveria ir visitála. Nos seus últimos dias, eu entrei em choque. Não queria chegar perto, nem encostada na porta do quarto. Não consegui falar com ela. Porque aquela não era a Lourdes que eu conhecia. Não era aquela gordinha que a gente abraçava e beijava tanto. Sua fisionomia e seu corpo tinham mudado tanto. Quando ela ficou doente, o ex-dono da Kopenhagen foi visitá-la. Ele brincava dizendo que era advogado de um amigo secreto da Lourdes. Descobri, por acaso, quem ele era porque um amigo do meu irmão trabalhava no escritório da Kopenhagen. Não chegou de carro com motorista. Veio de táxi ao hospital, chegou ao quarto, tirou o talão de cheque, assinou uma folha em branco. Ele queria que a Lourdes falasse com ele sobre qualquer coisa que precisasse, para quem quer fosse, em qualquer parte do Brasil, para deficiente, criança, passagem aérea, tratamento, o que fosse. Quando a doença piorou, ele falou: “Se eu pudesse eu comprava a vida dessa mulher.” A gente também participava de movimentos de outras minorias ligados à Igreja Católica. Eram prostitutas, índios, sem-terras. Acho que, na época era algo mais verdadeiro e menos bagunçado do que é hoje. A Lourdes não cuidava só dos deficientes. Cuidava de todos ao seu redor. Como ela fazia amizade com o pessoal do hospital, levavam criança com câncer que tinha tratamento para conversar com a “vó Lourdes”. Depois que as crianças iam para casa, ela ligava para conversar, para brincar por telefone. Eram os “netos” dela. Eu brincava: “Lourdes, daqui a pouco vão ser os bisnetos.” A gente pegava a camisola dela e brincava: “Lourdes, quando você virar santa, vamos picar tudo em pedacinhos e vender como relíquias da santa.” Quando ela morreu, eu e a Célia choramos tanto, nos desesperamos tanto… O jornal aqui do bairro, o jornal italiano, queria que eu escrevesse alguma coisa sobre a Lourdes, porque ela era moradora aqui da região. Sempre falo para um jornalista, que mora aqui no prédio do lado, que não gosto de escrever, mas, gosto de falar, de contar as histórias sobre a Lourdes. Por isso, fiquei muito feliz de poder participar desse papo e falar sobre essa pessoa fantástica que era minha amiga, com quem convivi desde 1978. Infelizmente, acho que não estarei viva para ver a beatificação da Lourdes. Eu dei o meu testemunho. No meu caso, a oportunidade de conviver com ela foi um presente que não tem tamanho. A Lourdes me modificou totalmente. Devo a ela 99,9% da Isaura que sou hoje. Tenho de me sentir privilegiada. Agradeço a Deus todos os dias por ter conhecido a Lourdes. Essa foi minha vida dentro da Fraternidade.
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Imagem. Documento. DIA NACIONAL DE CONCENTRAÇÃO 1981 - Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes A Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes promove esta concentração, no âmbito internacional (5 continentes). Visa com isto a conscientização, ou seja, transmitir à população o fato de que as pessoas deficientes (físico, mental, sensorial...), como cidadãos íntegros e participantes na vida da sociedade, têm direito ao transporte, estudo, trabalho, reabilitação e lazer, direito este fundamental da pessoas humana, deficiente ou não. A própria ONU (Organização das Nações Unidas) instituiu que, nos países membros, 1981 seja o Ano Internacional da Pessoa Deficiente, com o tema: PLENA PARTICIPAÇÃO E IGUALDADE. Tendo uma limitação física, sensorial ou mental, o deficiente não está limitado de ser uma pessoa normal, que possa trabalhar, estudar, passear, casar, enfim, não está limitado de viver. UM POUCO DE HISTÓRIA A FCD é um movimento internacional, ecumênico, nascido em 1942 na cidade de Verdun, França, através di Monsenhor Henry François. Ele, com mais 50 deficientes, perceberam juntos que a deficiência não havia lhes tirado os valores e a capacidade e, com todas as limitações, estavam vivos e esta vida deveria ser vivida com intensidade. No Brasil, iniciou-se em 1972, no Rio Grande do Sul. Contamos atualmente com mais de 70 núcleos, em vários Estados. OBJETIVOS DA FCD... Pretende o desenvolvimento integral dos doentes e deficientes, tanto no plano humano como espiritual. Contribui para que nós deficientes nos integremos com outros deficientes, com a sociedade, uma vez que também somos sociedade. Atualmente, nosso trabalho se estende aos Hansenianos (leprosos). Não os evite, são pessoas como nós, que podem viver normalmente na sociedade pois, a hanseníase tem cura, não precisando ficar isolados em leprosários. Visite-os. Acreditamos que a luta dos deficientes, é a mesma luta do negro, índio, operário, etc., ambos marginalizados. Esperamos que, unidos e conscientes, consigamos reconquistar o nosso lugar e os nossos direitos, para uma vida digna na sociedade. Convidamos você, deficiente ou não, a participar e ajudar na construção de um mundo melhor, mais justo e humano. Entidades que apóiam a fraternidade: ADEVA – Associação dos Deficientes Visuais e amigos Clube dos paraplégicos de São Paulo ARPDB – Associação de reabilitação profissional do deficiente visual ABRADEF – Associação Brasileira de Deficientes Físicos SODEVIBRA – Sociedade dos Deficientes Visuais do Brasil NID – Núcleo de integração dos deficientes QUINTA RODA MDPD – Movimento pelos Direitos das pessoas deficientes UNADEF – União Nacional dos deficientes físicos AIDE – Associação de Integração dos Deficientes Maiores informações: Equipe Nacional: Maria de Lourdes Guarda (Coordenadora) Fone: 284-5493 Equipe Regional: Isaura Helena Pozzatti (Coordenadora) Fone: 251-3433 Legenda: Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
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Imagem. Documento em duas páginas. FRATERNIDADE CRISTÃ DE DOENTES E DEFICIENTES FÍSICOS. 16/09/1980 III ENCONTRO PREPARATÓRIO DO “I ENCONTRO NACIONAL DE PESSOAS DEFICIENTES”. RELATÓRIO DO SUB-GRUPO “LEGISLAÇÃO” Data: 10 de agosto de 1980 Local: Ginásio do DEFE, São Paulo/SP. Participantes: Leila (AID/SP); Vinícius (ABRADEF/SP); Ana Crespo (NID/SP); Carlos Lelis (AID/SP); e, Messias (FCD/PE). Temas p/ trabalho: Como agir durante o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, no campo da legislação. Os trabalhos não foram desenvolvidos como exigiria o assunto, em face da exigüidade de tempo. Partindo das sugestões oferecidas pela Mesa (extraída do plano de trabalho sugerido pela ONU), procuramos ver o que poderíamos debater dentro do tempo que tínhamos, e que resultasse em sugestões concretas para melhoria da legislação brasileira, pelo menos a nível nacional. Segundo a opinião do subgrupo os problemas que exigem importantes mudanças na legislação, ou mesmo o início de uma legislação inexistente são: educação/profissionalização para deficientes; melhoria das condições de transporte e acesso; introdução de normas nos códigos de obras municipais, visando a eliminação de barreiras arquitetônicas; atualização de legislação previdenciária, quer quanto à assistência médica/reabilitação, quer quanto ao regime de aposentadorias; incentivo às fábricas de equipamentos utilizado por pessoas deficientes, visando a melhoria de qualidade de produtos nacionais, bem como a introdução de tecnologia própria. Sobre os problemas “regime de aposentadoria do INAMPS”, bem como “incentivo às fábricas de equipamentos p/ deficientes”, chegou-se a formular os termos de uma minuta de anteprojeto de lei. Não foi um trabalho – continua –
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Imagem. Continuação do documento anterior. pronto, já que há a necessidade de um estudo mais minucioso dos problemas enfocados, todavia, como linhas gerais, concluímos que: - aposentadoria p/ INAMPS: “assegurar ao segurado portador de deficiência a possibilidade de obter um novo emprego, quando sua reabilitação o permitir, com o direito de retorno à ‘aposentadoria por invalidez’, caso venha a perder o emprego conseguido...”; e, - incentivo às fábricas de equipamentos p/ deficientes: “conceder incentivos às indústrias nacionais que fabriquem equipamentos para pessoas deficientes, (diminuição da incidência do IPÌ) e que demonstrem, concretamente, estar fabricando produtos de qualidade superior ou equivalente aos fabricados nas melhores procedências do exterior...” // “também conceder igual incentivo, quando as mencionadas indústrias fabricarem produtos desenvolvidos mediante tecnologia própria, de real interesse para as pessoas portadoras de deficiência...” // ... a verificação da qualidade dos produtos e/ou inovação na sua tecnologia ficaria a critério de comissão governamental, composta, também, de representante da entidade máxima de representação das PD. Ficamos de acordo também quanto à necessidade de constituirmos uma comissão encarregada de acolher sugestões para mudança na legislação, elaborar minutas de anteprojetos para ser encaminhadas ao Poder Legislativo. Essa comissão seria mais ou menos permanente; procuraria, também, obter legislação de outros países (muitos de nós já possuímos material da espécie) e adaptá-la à realidade brasileira. Recife-PE, 16 de setembro de 1980. Assinatura de Messias Tavares de Souza, Coordenador subgrupo Legenda: Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
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Imagem. Jornal O Estado de S. Paulo, de 07 de dezembro de 1980. Deficientes aprovam os planos de ação para 1981. A carta-programa e os membros da coordenação do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes foram aprovados ontem, na Assembléia Legislativa, por um grupo de deficientes que representam cerca de 15 entidades diversas e pretendem atuar em nome de 2,2 milhões de deficientes que vivem em São Paulo. O objetivo básico do movimento é uma atuação política formando uma espécie de “lobby” que ajude a vencer a grande carga da marginalidade praticamente imposta ao deficiente, no Brasil. Os coordenadores do movimento são o engenheiro Cândido Pinto de Melo, o professor José Evaldo de Melo Doim, o advogado Vinicius Gaspar Viana de Andrade, a advogada Leila Bernarba Jorge, o psicólogo Luís Celso Marcondes de Moura, o conselheiro de reabilitação Romeu Kazumi Sassaki e Maria de Lourdes Guarda. Ainda durante a reunião de ontem, ficou decidida a realização de vários simpósios em 1981, escolhido pela ONU como o Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Esses encontros culminarão com um grande congresso onde serão debatidos temas como as barreiras arquitetônicas para o deficiente, saúde e reabilitação e trabalho e profissionalização. Para os coordenadores do MDPD, todos os deficientes enfrentam preconceitos e barreiras em sua vida, o que dificulta a integração social. Segundo a carta-programa, a sociedade como um todo tem uma “noção errônea de que os deficientes seriam seres inferiores em capacidade profissional e respeitabilidade, incapazes de tomar decisões por si mesmos”, o que leva à existência de instituições de permanência “onde deficientes e anciãos deterioram-se solitários, humilhados e sem assistência até a morte”. Para evitar essa situação, os deficientes firmaram seus princípios básicos que são “a dignidade humana é integral e essencial, sem a necessidade de pré-requisitos”; “o acesso à vida, ao trabalho, às liberdades, à segurança e à plena realização individual não é uma dádiva ou concessão, mas sim um direito inalienável de todos” e “o Estado tem como obrigação intrínseca proporcionar à coletividade os instrumentos para a plena realização de todos os indivíduos”. Legenda: O Estado de S.Paulo, 7 de dezembro de 1980. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
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Imagem. Jornal Folha de S. Paulo, 22 de julho de 1980. Problemas dos deficientes físicos debatidos em SP. Contém duas fotos em preto e branco. 1. Inúmeras pessoas, sentadas e em pé, entre elas Maria de Lourdes Guarda na maca, empunham cartazes. Legenda: na platéia, muitos cartazes com as principais reivindicações. Foto de Adalberto Marques; 2. Mesa com participantes e platéia lotada. Legenda: Os deficientes físicos discutem seus problemas até amanhã, na PUC. Foto de Luis Parra. Começou ontem, na Pontifícia Universidade Católica (PUC), o 2º Congresso Brasileiro de Reintegração Social, promovido pelo Co légio Brasileiro de Administradores de Saúde, com o objetivo de discutir a importância da participação do deficiente físico no trabalho, educação, lazer e em todas as atividades da sociedade, “mas sem paternalismos”. Segundo dados da ONU, há cerca de dez milhões de deficientes físicos no Brasil. O congresso termina amanhã à tarde. O encontro foi aberto por um representante do deputado federal Tales Ramalho – também deficiente físico –, autor da emenda constitucional que garante aos deficientes físicos os mesmos direitos dos demais. O deputado não compareceu por estar adoentado. MARGINALIZADOS Um dos temas discutidos no primeiro dia foram as dificuldades impostas à participação do deficiente físico na sociedade. Segundo Romeu Sassaki, conselheiro do Centro de Desenvolvimento de Recursos para a Integração Social, os deficientes no Brasil são marginalizados do trabalho, educação e lazer até mesmo pelos centros de reabilitação e empresas que fabricam aparelhos especiais para incapacitados. “Há a própria barreira arquitetônica – explica Romeu – que impede o deficiente de frequentar certos locais.” Cita como exemplos escolas com escadarias, corredores estreitos, sem elevadores e os transportes coletivos, que não se preocupam com o deficiente. “A sociedade simplesmente ignora a existência do deficiente”, lembra Romeu. LEI AMPARA Em outubro de 1978, o Congresso Nacional promulgou a emenda constitucional do deputado Tales Ramalho que proíbe a discriminação aos deficientes e lhes assegura acesso a todas as áreas de atividade. No entanto, Romeu Sassaki reconhece que só a existência da emenda não soluciona o problema. “É necessária a mobilização dos próprios deficientes para pressionar os Estados e Municípios a criarem leis que lhes garantam trabalho e uma vida como a de todas as pessoas”, explica Sassaki. Ele conta que já há movimentos organizados em São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Curitiba, Salvador, Brasília, Recife e Ourinhos e que, muito em breve, pode surgir uma federação nacional de associações de pessoas com deficiências. SEM PATERNALISMO O presidente do Colégio Brasileiro de Administradores da Saúde, João Catarim Mesomo, explica que a realização do congresso objetiva “alertar as autoridades para o problema do deficiente físico, a fim de que, a médio prazo, se forma uma outra mentalidade em relação ao deficiente, principalmente quanto ao paternalismo, que só sufoca e não liberta.” Os deficientes reivindicam também que as empresas que produzem e vendem artigos para incapacitados, como cadeiras de rodas, consultem os consumidores para melhorarem o produto DUZENTOS PROTESTAM NA SÉ Cerca de 200 deficientes físicos realizaram ontem um ato público na Praça da Sé, para protestar contra as discriminações de que são vítimas e que os marginalizam da sociedade, deixando-lhes como alternativa apenas os subempregos. “Não reivindicamos privilégios, apenas meios para que possamos exercer os direitos comuns a todos os seres humanos. Como pode uma pessoa deficiente exercer o seu direito de voto, se ela é impedida de fazê-lo porque sua seção possui escadas? Como pode uma pessoas deficiente exercer seu direito de utilizar o transporte coletivo se os degraus do ônibus são altos demais?”, afirma uma carta aberta, distribuída à população pelo Núcleo de Integração de Deficientes (NID), que participou do ato público, convocado pela Associação Brasileira de Deficientes Físicos. Com faixas e cartazes reivindicando igualdade de tratamento, os deficientes físicos protestaram contra a “perseguição dos fiscais da prefeitura aos vendedores ambulantes” e exigiram o cumprimento da legislação que reconhece os direitos dos portadores de defeitos físicos. “Existe uma lei que obriga as empresas a contratarem entre 3 a 5% de deficientes físicos, em relação ao número de seus funcio nários, mas isso não vem ocorrendo, assim como não é respeitada a lei que regulamenta o trabalho os vendedor de bilhetes de loteria, que hoje é obrigado a comprar esses bilhetes no câmbio negro, pois as casas lotéricas monopolizam a comercialização”, afirmou
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Imagem. Continuação... Davi Pinto Bastos, presidente da Associação Brasileira de Deficientes Físicos. Segundo ele, existem no Estado um milhão e meio de deficientes, dos quais apenas cinco por cento conseguiram empregos. REIVINDICAÇÕES Os deficientes físicos reivindicam degraus mais baixos nos ônibus, pois “se para as pessoas não portadoras de deficiências físicas já é difícil galgar os degraus altos do ônibus, para uma pessoa que usa aparelho ortopédico ou membros mecânicos, esse ato comum se torna uma façanha quase impossível”, como afirma a carta aberta à população. Os deficientes pedem ainda a instalação de rampas automáticas nos ônibus para acesso às cadeiras de rodas, a redução do limite de velocidade que “põe em perigo a segurança de todas as pessoas, em particular a do deficiente”. Com relação aos táxis, os deficientes querem a abolição dos bancos dianteiros dos táxis-mirins, para facilitar o transporte de cadeiras de rodas e orientação aos motoristas, que atualmente recusam corridas por não compreenderem as dificuldades dos deficientes. Os deficientes se queixam da falta de conservação das calçadas, o que dificulta a locomoção em cadeiras de rodas, de faixas de segurança em todos os cruzamentos e duração muito rápida dos semáforos, que não permitem a travessia com segurança de deficientes, idosos e crianças. Legenda: Folha de S.Paulo, 22 de julho de 1980. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
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Imagem. Jornal Folha de S. Paulo, de 15 de março de 1981. Declaração dos Direitos abre Ano do Deficiente Cerca de 400 pessoas portadoras de deficiências físicas participaram ontem na Câmara Municipal da solenidade de abertura do Ano Internacional das Pessoas Deficientes, que prosseguirá com a realização de mesas-redondas e organização de encontros nos bairros e junto aos sindicatos e outras entidades de classe. Odete Cláudio Machado, cega, leu de uma publicação Braile a Declaração dos Direitos da Pessoa Deficiente, abrindo a cerimônia, à qual estiveram presentes o secretário-geral da CNBB, D. Luciano Mendes de Almeida, o deputado federal Horácio Ortiz, o juiz-corregedor dos Presídios, Renato Talli e representantes de diversas entidades de assistência. O Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes (MDPD) que organizou a solenidade, programou para o restante do ano uma série de atividades objetivando “conscientizar a sociedade a respeito da verdadeira imagem da pessoa deficiente como ser humano; defender os direitos dos deficientes; eliminar barreiras ambientais; atualizar a legislação de amparo ao deficiente; denunciar os casos de exploração e humilhação; criar uma política nacional que estabeleça padrões mínimos de qualidade e quantidade para os programas e serviços de educação e reabilitação de pessoas deficientes; levantar as áreas e aspectos da vida comunitária onde os direitos dos deficientes continuam esquecidos; incentivar a formação de núcleos de pessoas deficientes em bairros e cidades; e obter representatividade junto aos poderes constituídos para defender os interesses das pessoas deficientes”. Cândido Pinto de Mello e José Evaldo de Mello Doin, dois dos oito coordenadores do MPDP, ressaltaram durante a solenidade que a organização “tem caráter político não-partidário, existe há dois anos e se constitui em instrumento de pressão dos deficientes, rejeitando qualquer forma assistencialista de tratamento”. Dificuldades. A grande maioria das pessoas teve muita dificuldade para chegar ao plenário da Câmara, onde se realizou a solenidade. Para os que usam muletas, a rampa de acesso ao saguão de entrada representava o risco de uma queda; os que se movimentavam em cadeira de rodas não podiam subir o degrau de entrada do plenário. Quase todos precisavam da ajuda de parentes ou amigos para chegar ao local da reunião. Dona Maria de Lourdes Guarda, que devido a uma doença que provocou a calcificação de parte de sua coluna, vive há 34 anos deitada numa cama de rodas, teve que ser levada por quatro pessoas. Ela participa de entidades assistenciais há cerca de dez anos, e acha que “o melhor resultado que se pode obter com o Ano Internacional dos Deficientes é uma conscientização do povo e das autoridades no sentido de que nós temos capacidade para produzir, mas é preciso criar as condições para isso”. Legenda: Folha de S. Paulo, 15 de março de 1981. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
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Imagem. Jornal Shopping News, 4 de janeiro de 1981. A valente e engajada Maria de Lourdes. Contém foto em preto e branco. Retrato de Maria de Lourdes Guarda, sorrindo. Há 33 anos, Maria de Lourdes Guarda vive numa cama no quarto 259 do Hospital Matarazzo. Vítima de uma doença na coluna, quando tinha 20 anos de idade, ela se submeteu a várias operações até se convencer de que não poderia mais andar. Mas não desistiu de viver. Hoje, aos 53 anos, Maria de Lourdes é a responsável pela regional paulista da Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes Físicos, viaja constantemente numa maca para o interior ajudando a organizar novos núcleos da sociedade (mês que vem estará em São Bernardo do Campo) e, definitivamente, não pode ser considerada uma inválida. — Não vejo razão para não fazer nada — afirma ela. Posso transmitir a experiência que vivi até hoje para as pessoas que estão começando. Extrovertida, seus olhos azuis brilham quando fala de seu trabalho. Entre pastas, livros, agendas e anotações, Maria de Lourdes organiza seus programas com absoluta eficiência. No começo, lembra, foi difícil aceitar a situação. “Mas graças a minha fé assumi a responsabilidade de viver como podia”. Para se manter, começou a fazer trabalhos manuais. Até que, em 1974, convidada para um encontro de deficientes no Colégio São Luis, descobriu que havia muita gente inconsciente de suas potencialidades e que, por isso, vivia amargurada. “Então, me propus a ajudar de outra forma. Deixei de lado os trabalhos manuais e me engajei na luta de reintegração do deficiente à sociedade.” Legenda: Shopping News, 4 de janeiro de 1981. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
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Imagem. Foto colorida. Maria de Lordes Guarda rodeada de pessoas. Um homem está com um gravador. Legenda: Maria de Lourdes Guarda. Encontro de Delegados da Coalizão, julho de 1982, quando da criação do Dia Nacional de Luta - Vitória/ES. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Cláudio Vereza.
Imagem. Foto colorida. Maria de Lourdes Guarda posa para foto com cinco mulheres. Todas sorriem. Legenda: Maria de Lourdes Guarda, Isaura Pozzatti e amigas. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação irmã Leonor Guarda.
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José Roberto Amorim
Imagem. Retrato colorido de José Roberto Amorim. Contêm epígrafe: “Em 1981, durante o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, fiquei conhecendo a Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes (FCD), que hoje se chama Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência”
eu nome é José Roberto de Amorim. Nasci, em 28 de fevereiro de 1953, nesta casa, aliás, onde moro até hoje e se, Deus quiser, vou continuar morando, no bairro de Arthur Alvim, na zona leste da cidade de São Paulo. Meu pai trabalhava de segunda a sábado. Ele trabalhou no comércio, foi porteiro, fazia de tudo. Trabalhou na Coca-Cola e seu último emprego foi nas Lojas Clipper, fazendo coisas de carpintaria. Não era bem carpinteiro, mas quebrava o galho. Ele tinha muitas preocupações sociais. Ele queria que as coisas acontecessem, que todo mundo tivesse comida, roupas decentes, alimentação e transporte justos. Só que éramos uma família pobre, então, a realidade não era do jeito que ele gostaria que fosse. Aliás, acho que minha veia política veio daí. Lembro-me de que, certa vez, meu pai contou uma história que achei muito interessante. Daquelas que a gente guarda no coração. Perto de um Natal, ele estava trabalhando em uma determinada casa comercial. Não pagaram o décimo terceiro salário, nem o vale, até a véspera das Festas. Mas, ele queria fazer um almoço ou um jantar um pouquinho melhor para os filhos naquela data. Então, chegou para o chefe e falou: “Olha, se amanhã não sair o vale e não puder levar um franguinho para os meus filhos, posso vir aqui e fazer uma besteira. Posso até te matar. Porque mato pelos meus filhos.” Não deu outra. O pagamento foi feito no dia seguinte. Ele deu graças a Deus porque os seus filhos iam poder “chupar um ossinho de frango”, como costumava dizer. Meu pai era assim. Uma pessoa muito justa, muito trabalhadora e tinha esse lado “social”. Tanto que atuou muito no movimento do bairro. Para termos luz elétrica, aqui na região, por exemplo, ele reuniu alguns amigos e lutou por isso. Com a água encanada e o asfalto foi a mesma coisa. Até que, depois de um tempo, ele se decepcionou. Numa das reuniões da Associação de Bairro, viu o pessoal colocar uma garrafa de pinga em cima da mesa. Ele falou: “Espera aí! Vamos tratar das questões do bairro ou vamos beber? Não sou contra bebida, beba quem quiser. Mas, depois da reunião e lá no bar, aqui não.” Então, virou as costas, foi embora e nunca mais voltou. Esse relato mostra um pouco como era o meu pai. Ele sentava do meu lado e a gente conversava muito sobre política. Às vezes, não entendia o que ele falava, mas ouvia com muita atenção. Ele me dizia que era seu companheiro porque, como eu não podia sair, ficava ao lado dele ouvindo. Na época, achava aquilo chato, porque, como adolescente, tinha outras preocupações. Agora, compreendo o que ele queria dizer. Hoje em dia, tenho consciência de que aprendi muito. Aquelas conversas valeram muito para mim. Foram ideias que, de uma forma ou de outra, pratiquei na minha vida. Foi muito bom crescer com esses valores transmitidos por meu pai. Meus pais tiveram cinco filhos. Meu pai e dois irmãos já faleceram. Hoje, somos três irmãos – dois homens e uma mulher – e a minha mãe, que completa 92 anos agora em 2010. Meus pais tinham um planejamento muito legal. Queriam ter um filho a cada três anos.
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E essa é a diferença de idade entre meus irmãos. Mas, a diferença de idade entre eu e minha irmã mais nova é de seis anos. Depois, soube o motivo. Após meu nascimento, ainda queriam uma menina. Mas, como nasci deficiente, resolveram dobrar a diferença porque ficaram com medo porque, naquele tempo, não se tinha muita informação sobre o que era deficiência. As pessoas se perguntavam quem era o culpado e quem não era. Seria alguma coisa relacionada ao sangue? Ou seria um castigo divino? Quando nasci, não tive toda a assistência que a minha filha teve. Aliás, há um detalhe muito importante: quem fez o parto da minha mãe foi minha avó. Até que meus pais se conscientizaram de que minha deficiência foi uma dessas coisas que acontecem, uma fatalidade, minha mãe pensava em explicações. Ela conta que se assustou, quando um cachorro latiu perto dela durante a gestação. Nesse momento, teria acontecido a lesão que causou a falta de oxigênio responsável pela minha deficiência. Até hoje, quando conversamos a respeito, ela logo ela fala assim: “Ah, minha mãe não teve culpa.” Então, a gente até evita conversar sobre isso, para que não fique chateada. A gente sabe que ela não teve culpa. Aconteceu. Meus pais perceberam que tinha alguma errada comigo quando, na idade normal de uma criança sentar, eu não sentava. Então, os médicos pediram para minha mãe me dar vitaminas. Mas, não adiantou. Resolveram reunir uma junta médica para saber o que acontecia comigo. Naquela época, não se sabia muito bem o que era paralisia cerebral. Então, quando o médico deu o diagnóstico, dizendo que eu nunca iria andar, meu pai se assustou e ficou aborrecido. Antes de mim, tiveram três filhos e nada de errado tinha acontecido. Os médicos falaram para me colocarem na AACD (Associação de Assistência à Criança Defeituosa). Disseram que, assim, eu teria a possibilidade de aprender a ler e me desenvolver fisicamente um pouco. Foi o que aconteceu. Cheguei lá em 1959. Tinha 6 anos. Tive acesso à reabilitação que a AACD oferecia naquela época. Estavam começando e não tinham os recursos que têm hoje. Éramos alocados em um espaço com três casas alugadas, lá no bairro de Campos Elíseos, na região central da cidade. Uma das casas só era usada para fisioterapia. Não sei quem pagava o aluguel. Não havia adaptação nenhuma, as casas tinham escadas. Como éramos crianças, era fácil para os funcionários nos carregarem no colo. A AACD foi muito importante na minha vida. Primeiro, porque me deu reabilitação. Talvez tenha sido a melhor da época. Além disso, me deu a oportunidade de aprender a ler, que é algo fundamental. Fui alfabetizado dentro da associação. Para mim, com meus 6 anos, naquela época, tudo era muito legal. Havia professores e fisioterapia. A única coisa chata é que via meus pais apenas no segundo domingo de cada mês, o que era terrível. Mas, a gente acabava se acostumando porque a coisa acontecia normalmente. Depois que fui para a AACD, minha mãe conta que passei a abrir as mãos, que eram totalmente fechadas. Ela também comenta que, até então, minha fala era incompreensível. Hoje, falo até no rádio. Mas, quando me escutam, fico pensando se minha voz ainda é terrível, embora seja mais compreensível do que antes. Acho que o tratamento de foniatria – hoje chamado fonoaudiologia – me ajudou no desenvolvimento da fala. Mas, acho que, para isso, foi decisivo o fato de que, logo depois que saí da associação, entrei no movimento Fraternidade Cristã de Pessoas Deficientes. Durante as reuniões, você era obrigado a falar. Você falava ou não participava. Então, acho que foi no movimento que fui aperfeiçoando minha fala naturalmente. Houve dois momentos durante a minha internação na AACD. Entre 1959 e 60, ficávamos naquelas casas alugadas. Conhecíamos muito bem a cozinheira e a fisioterapeuta que, de vez em quando, brincavam conosco no quintal da casa. Não havia aquela postura formal de “sou fisioterapeuta, tenho minha sala e um tempo estabelecido para cuidar do seu caso”. Até o motorista era legal! Nos momentos em que não estava dirigindo, ele ficava empurrando a cadeira da gente para todos os lados. A lavanderia ficava na parte de baixo da casa e sempre íamos lá bater
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papo com as lavadeiras. Era um jeito muito gostoso de viver. Em 1961, foi construído o prédio atual da AACD, no bairro do Ibirapuera. Mudamos para lá e, a partir desse momento, passamos a ter uma vida de instituição mesmo. Com as novas regras da associação, nos afastamos um pouco daquelas pessoas das quais havíamos aprendido a gostar. (ponto final) Uma coisa que ficou muito marcante na minha memória é que toda vez que eu ia fazer alguma refeição, um atendente tinha de me ajudar a comer. Sempre gostei de conversar muito. Por isso, demorava para comer. Todo mundo acabava e eu ainda estava lá batendo o maior papo. Até que, um dia, a responsável pela cozinha falou: “Amanhã vou dar comida pra você.” Respondi: “Tá bom!” Ela veio e, como eu não tinha a mesma liberdade que tinha com as atendentes, comi mais rápido do que o meu normal. Acho que nunca comi tão rápido na vida! Com isso, eles queriam mostrar que não podia conversar com as atendentes enquanto me alimentava. Esse fato me marcou porque me senti podado. Não podia mais conversar com as pessoas. Tinha apenas que comer rápido. De repente, só poderia conversar com os amigos, como se os funcionários não fossem mais gente. Sei lá, fiquei muito preocupado… Quer dizer, me preocupei, mas, depois, passou. Só fui fazer a crítica desse modelo de reabilitação, mais tarde, na FCD, depois de adulto. Na ocasião, a associação dizia que haveria um acompanhamento quando a gente saísse de lá. Mas isso não acontecia. Quando saí, em 1966, com 13 ou 14 anos, a assistente social disse que viria na minha casa, anualmente ou a cada seis meses. Até hoje, nunca veio ninguém da AACD me visitar aqui em casa. Nem mesmo um telefonema! Voltei lá, várias vezes, para ir ao médico. Nunca houve alguém que quisesse saber detalhes sobre como eu estava fisicamente ou no que estava pensando, coisas assim. Coincidentemente, neste ano, fui até lá procurar umas cirurgias e ouvi: “Zé! Faz dez anos que você não aparece aqui?!” Quase falei: “Bom, faz 40 anos que vocês não aparecem na minha casa!” Mas, pensando bem, naquela época, éramos cerca de 50 crianças. Hoje, atendem umas 600 pessoas ou mais diariamente, afinal será que não é seu papel? Não tem como acompanhar tanta gente. Por isso, luto por uma política de saúde e reabilitação descentralizada oferecida pelo município e não apenas em instituições como a AACD. Quando me mandaram para casa, disseram: “Nós não podemos fazer muito mais do que já fizemos.” Eu me senti estranho porque não sabia o que fazer da minha vida a partir daí. Não ouvi nada positivo como: “Olha, vamos acompanhar você no que for necessário. Se precisar de uma escola, vamos brigar juntos.” Não. Quase disseram: “A gente fez o que pôde, vá pra casa e se vira.” Só não falaram isso porque seria uma grosseria, mas, a mensagem era “se vira”. Ficou claro para mim que, dali em diante, seria “só por Deus”. Enfim, a associação me deu reabilitação, mas, não tenho saudade nenhuma daquele tempo. Diante disso, meu pai falou: “É meu filho e vou levá-lo pra casa”. Meus pais não tiveram nenhuma orientação sobre o que deveriam fazer, qual era a melhor forma de lidar comigo e minha deficiência. Naquela época, no meu bairro, não tinha nada, não tinha fisioterapia em lugar nenhum. Tínhamos apenas a estrutura da casa de uma família pobre. Tínhamos uma televisão em preto e branco. Eu passava o dia acompanhado pela minha mãe, enquanto os outros estavam trabalhando ou estudando. Então, pensava: “Pô, mas o que eu vim fazer neste mundo?” Na ocasião, não havia praticamente nada aqui no bairro para os jovens entre os 14 e 16 anos. De todo modo, não conseguia nem sair na rua. Primeiro, porque não tinha cadeira de rodas, só tinha a cadeira de madeira que meu pai tinha feito. Em segundo lugar, as ruas, na época, eram de terra. Hoje em dia, andar de cadeira de rodas no asfalto é complicado. Andar numa rua de terra era terrível. Quando chovia, nem no portão conseguia chegar. Quando olhava para o lado esquerdo de minha casa, via uma mata, onde hoje estão os prédios da Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação). Ao virar para o lado direito, enxergava o fim da rua. Assim, nem havia o desejo de sair de casa. Era óbvio para mim que não tinha como fazer isso.
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Em 1981, durante o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, fiquei conhecendo a Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes (FCD), que hoje se chama Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência. Quando tive de me apresentar, numa das primeiras reuniões, falei que assistia a muitos filmes da Sessão da Tarde, na minha TV em preto e branco. Nada mais acontecia, pois, o médico da AACD disse para o meu pai que eu não tinha mais jeito e me deu uma sentença fatídica: eu não podia fazer nada na vida. O pessoal da FCD me disse: “Olha, é mentira desse cara. Você pode fazer o que quiser.” E, desde então, não paro mais em casa. Estou sempre em reuniões, representando a FCD em algum lugar. Antigamente, tínhamos aquele almoço familiar, de vez em quando, tinha até churrasco. Mas, agora, dificilmente, almoço em casa aos domingos. Meu pai até falava: “Puxa vida, Zé, antes de você entrar nessa tal de FCD você almoçava com a gente. Agora você nem participa mais!” Mas, acontece que abracei esse movimento com muito carinho. Nem podia ser diferente. Afinal, o pessoal da FCD mudou minha vida, quando me disse: “Olha, você pode tudo, pode até não fazer o que eu faço, exatamente como faço, mas vai fazer a mesma coisa, só que da sua maneira.” A turma da Fraternidade me mostrou que eu não precisava seguir exatamente o que a AACD ensinava: “Para fazer a transferência da cadeira de rodas para cama, você tem que levantar o pé esquerdo e jogar a bundinha para a esquerda.” Meus amigos me disseram: “Você não precisava fazer isso, faz do seu jeito, se joga”. Antes, meu pai me pegava no colo para me colocar na cama ou na cadeira de banho. Um dia, ele caiu do telhado e ficou engessado por um tempo. Ele ficou todo preocupado porque não podia me ajudar enquanto estivesse naquela situação: “E agora, meu filho, como é que vou te colocar na cama?” Respondi: “Deixa comigo!” E pulei da cadeira para a cama. Já, no dia seguinte, a minha mãe só me deu a mão e voltei para a cadeira. Devo à FCD – e não à AACD – essa noção de autonomia. Foi a Fraternidade que me mostrou que eu poderia fazer as coisas do meu jeito, que não estava limitado às indicações da fisioterapeuta da associação. Foi a partir daí que decidi acreditar um pouco mais em mim e comecei minha atuação política. Embora tenha vivido sempre nessa região, não conheço muito o pessoal daqui. Isso aconteceu porque, quando comecei a militar e a aprender a fazer articulações – por assim dizer –, minha atuação política e social aconteceu muito mais em Itaquera, onde a Fraternidade tinha uma presença muito forte, embora atuasse em toda a cidade de São Paulo. Durante os trabalhos relacionados à Constituição de 1988, a FCD atuou com o MDPD (Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes), com o NID (Núcleo de Integração de Deficientes), e com todos aqueles movimentos e entidades, da época, para definir o que iríamos mandar para Brasília em termos de reivindicações de leis. Havia uma mobilização em nível nacional e o pessoal de São Paulo estava muito engajado e ativo, pois, sabia o quanto era importante discutir e colocar no papel os pontos a serem reivindicados junto ao poder público. Foi nesse momento que senti a necessidade de voltar à escola. As coisas estavam acontecendo e eu tinha apenas o quarto ano primário. Eu queria aprender para colaborar mais. Mas, devido à minha deficiência e à minha idade – estava com 44 anos –, as escolas da época não me aceitavam. Só venci essa barreira quando consegui contatar uma pessoa da Secretaria da Educação, com quem chegamos a trabalhar no Conselho Municipal das Pessoas Deficientes. Ela falou: “Olha, Zé, conversei com alguém na Secretaria e descobri que tem uma escola próxima da sua casa que vai te atender.” Fui lá, e me deram a oportunidade de voltar a estudar. Abracei isso com as duas mãos e hoje tenho o segundo grau completo. Apresentei toda a documentação necessária para a matrícula e a direção pediu para que eu fizesse um teste para saberem meu nível de aprendizado. Depois de aprovado, o diretor veio até mim, com uma professora, e disse: “E, agora, o que a gente faz com você?” Respondi: “Ué? Vocês vão ter de me ensinar, a partir de agora.”
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Só havia um detalhe: a secretaria não tinha nenhuma política ou fórmula para ensinar uma pessoa que não escrevia com a mão. Eles não sabiam como ajudar. Então falei: “A gente vai ter que desenvolver juntos.” Foi muito legal porque, depois de conversar com as professoras, elas se colocaram à disposição para encarar esse desafio. Lembro que a professora de Português me disse: “Olha Zé, não sei como a gente vai fazer, porque essa matéria exige escrita.” Respondi: “É, mas eu não escrevo.” A solução apareceu logo. A Elza me doou um computador. Na época, os monitores tinham aquela tela verde. E não tinha nenhuma adaptação. Comecei a teclar com a língua. Minha mãe ajudou com um dinheiro que havia guardado e compramos uma impressora. Foi assim que comecei a fazer as lições em casa. Mas, não tinha como acentuar as palavras. Então, chegava à escola e pedia para a professora me mostrar quais palavras eram acentuadas para que eu fizesse as correções. Foi assim durante todo o primeiro grau. Depois, me deram outra oportunidade, no Supletivo Clara Mantelli71, no bairro do Belém, onde fiz o segundo grau. Naquela escola, você estuda, faz os exercícios e presta a prova. Para os outros alunos, tanto fazia ir de manhã, à tarde ou à noite, de segunda a sexta. Mas, eu tinha um horário predeterminado pelo uso que fazia do transporte Atende72. Por causa da minha dificuldade para escrever, uma professora precisava ficar comigo na hora da prova. Tinha um professor que me perguntava: “O teu acompanhante não pode fazer a prova com você?” Eu dizia que não. Não queria correr o risco de que meu acompanhante me ajudasse com as respostas, caso ele soubesse. Eu dizia: “Quero que você, como professor, assuma isso, pois quero ser o mais justo e realista possível.” Nesse sentido, sempre defendi que é muito melhor tirar zero ou dez, por mim mesmo, do que ser aprovado porque outra pessoa me ajudou a responder as questões. Foi um drama estudar Matemática e Física porque você tem que escrever as fórmulas. Não tem como só decorar. Eu não tinha como fazer isso, tinha que guardar na cabeça. Mas, mesmo assim, consegui. Foi pura força de vontade. Tinha uma coisa legal nessa escola: eu não era a única pessoa deficiente. Outra coisa bacana é que, na época, o colégio já tinha internet. Mas ficava no andar de cima do prédio que não tinha elevador. Como comecei a fazer parte do Conselho Escolar, numa das reuniões, falei, numa boa: “Diretor Carlos, o pessoal deficiente de cadeira de rodas quer usar a internet.” Ele respondeu: “Mas, Zé, é lá em cima”. Devolvi na hora: “É só pegar o computador e trazer aqui pra baixo. Você pega um fio, puxa por fora da janela e clica aqui no PC.” Eles fizeram exatamente assim. A partir daquele momento, as coisas foram mudando na escola. Veio o banheiro e outras adaptações. Foi tudo uma questão de conversar e mostrar as necessidades. Mas, não precisava ser assim. Fico chateado porque as leis que obrigam todas as escolas a serem adaptadas não são cumpridas. As justificativas são as mais absurdas: “Ah, mas, aqui não tem deficiente.” Então, não sei se já não era hora de a gente dar um jeito para que as coisas aconteçam. Fico triste também com a posição de alguns deficientes. Outro dia, durante um relato na reunião da FCD, em Artur Alvim, um deles falou: “Justifico o meu voto porque tem escada na minha zona eleitoral.” Então, perguntei por que não transferia o título para uma escola acessível. Ouvi dele: “Ah, mas, são eles que têm que adaptar.” Ele estava certo, mas fui além e quis saber por que ele não reivindicava essa adaptação. Sua resposta foi: “Ah, não vou brigar por uma coisa que eles são obrigados a fazer.” Fico chateado com esse tipo de postura. Acredito que ainda temos muito pelo o que brigar, sim! Muitas mudanças aconteceram
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. Centro Estadual de Educação Supletivo Dona Clara Mantelli.
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. O Serviço de Atendimento Especial (Atende), criado pelo Decreto municipal nº 36.071, de 9 de maio de 1996, é uma modalidade de transporte porta a porta, gratuito, para pessoas com deficiências severas.
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na vida das pessoas deficientes porque elas “chutaram o pau da barraca”, brigando com os representantes do governo. Em todas as escolas por onde passei, alguma adaptação foi feita no banheiro ou em relação à acessibilidade ao andar de cima. Outras pessoas com deficiência que estudarem lá vão se beneficiar dessas melhorias. Além da consciência política, a FCD me deu outra perspectiva de vida. Se a AACD tinha me proporcionado uma reabilitação física, o movimento me ofereceu uma espécie de “reabilitação social”. Por exemplo, até então, minha mãe tinha de me dar comida na boca. Tinha que ser ela. Precisava levá-la – ou alguém da minha família – para todo lugar aonde eu fosse. Lembro que quando fui, pela primeira vez, num encontro com o movimento, minha mãe foi comigo. Mas, num determinado momento, à noite – foi até engraçado –, quando ela foi até o quarto dos homens para escovar meus dentes, um colaborador da FCD de Americana, que eu admirei muito, disse: “Quer dizer que é a senhora que tem de escovar os dentes dele? Não, dona Garia, pode deixar que a gente vai dar uns tapas no seu filho. Imagina! Deixa com a gente.” A partir daquele momento, percebi que era legal ter a mãe ao lado, mas não precisava ser 24 horas por dia. Ela poderia até cuidar de outros deficientes. A dona Garia começou, então, a participar de um rodízio, no qual a irmã de um cuidava de mim, a minha mãe cuidava de outro, e assim por diante. A gente começou a perceber que não era só a mãe que podia cuidar, que as outras pessoas da comunidade também podiam. É por isso que a gente defende muito a inclusão do deficiente na comunidade. Porque os pais, as mães, os irmãos, eles vão passar. Quem vai morrer primeiro eu não sei. E aí se eu ficar por último? Como é que eu vou fazer para tomar banho, para comer? Então, você tem que acreditar na outra pessoa, na pessoa que está do seu lado. Essa foi a “reabilitação social” que recebi da FCD. Continuo dependendo de ajuda. Eu não como sozinho, então, alguém tem que me dar, mas, hoje em dia, não dependo só da minha mãe. Qualquer pessoa pode me ajudar. Pode até ser minha mãe, mas, também pode ser minha esposa ou uma vizinha. A gente tem que acreditar nas pessoas. E, muito mais de eu acreditar, a minha família tem que acreditar que as pessoas podem cuidar de mim. O próprio jeito de a FCD trabalhar, indo buscar o deficiente em casa, ensina a família que ela tem que acreditar naquele colaborador. O colaborador é a pessoa não deficiente que me ajuda, me empresta as mãos. Eu costumo até dizer que sou tão favorecido por Deus que, de repente, em determinados momentos, quando três pessoas estão me ajudando, tenho seis mãos! Desse jeito, posso fazer um monte de coisas. Posso sair na rua para, por exemplo, comemorar – todo dia 21 de setembro – o Dia Nacional de Luta das Pessoas Deficientes. Uma vez, até fechamos a Avenida Paulista! Foi uma loucura! Nas fotos da época, estou lá, com cara de moleque, segurando meu pirulito – que era como chamávamos os cartazes nos quais escrevíamos nossas reivindicações –, com alguém empurrando minha cadeira de rodas. Certa vez, fui a um seminário do movimento em um hotel fazenda e passei por uma experiência muito interessante. Na hora do almoço, vi o Serginho sendo ajudado a se alimentar por uma pessoa surda e os dois estavam “conversando”! Aquela cena fez com que começasse a me perguntar como é que os dois estavam se entendendo. Ele não podia fazer gestos porque suas mãos tinham movimentos involuntários. Ao mesmo tempo, o Serginho tinha uma dificuldade tremenda para articular a fala. Quem o conhecia tinha alguma facilidade para entendê-lo, mas isso não acontecia com quem não estava acostumado. Mas, os dois estavam se comunicando sem nenhuma dificuldade! Como, eu não sei. Parece que, em termos dos direitos da pessoa deficiente, hoje em dia, a legislação brasileira é uma das mais avançadas do mundo. Se for assim, acho que nossa função agora é fazer com que esses direitos sejam respeitados. Porém, percebo que, mesmo com tantos avanços, alguns deficientes ainda estão acomodados, esperando a ajuda do vizinho para se locomover. Impedimentos, como o medo ou falta de motivação por causa da idade avançada,
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não permitem que essas pessoas procurem as escolas que já têm estruturas acessíveis para continuar seus estudos. Mas, eu quero fazer uma faculdade. As rampas e os elevadores nas estações do metrô não estão lá porque o governo de São Paulo é bonzinho. Foi resultado de uma luta inacreditável. Foi um custo até eles perceberem que o metrô de Artur Alvim não tinha acessibilidade na calçada! Eu telefonava para eles e dizia: “Olha, gente, não tem rampa de acesso para a calçada!” Até que, finalmente, conseguimos marcar uma visita com os funcionários responsáveis por esse setor e começaram a construir a tal rampa. Essas conquistas não acontecem em apenas um dia. São frutos de um trabalho contínuo. Gostaria que todos agissem para buscar seus direitos, mas não é o que acontece. Mesmo com as decepções momentâneas – inclusive vindas dos próprios deficientes –, continuo com minha atuação. Mesmo que minha filha não precise de adaptação, tenho de pensar que, talvez, ela seja uma professora ou uma fisioterapeuta que saberá como isso é importante. Costumo dizer que, depois que comecei a fazer política, fiquei viciado nessa prática. Mesmo apanhando muito por querer ver as coisas acontecerem rapidamente e com eficiência. Até hoje, fico agoniado por ver como os políticos demoram em resolver algumas ações que, por experiência, sei que são muito simples. Hoje, tenho uma casa “adaptada”, dentro daquilo que posso chamar de acessível. Há um computador adaptado e alguns outros recursos também. Mas sei que nem todo mundo tem essa infraestrutura. Então, tenho de pensar no “carinha” que mora lá na favela. Lutamos muito e conseguimos alguns programas de assistência social. Porém, muitas dessas conquistas ficaram limitadas às subprefeituras, que são os órgãos municipais que administram os bairros da cidade de São Paulo. Sei que, se não reivindicarmos sempre, o poder público não vai se mexer para facilitar a vida da pessoa com deficiência que mora nas favelas! Eu posso ir à subprefeitura, reclamar e reivindicar. Mas o “neguinho” lá da favela não pode. Ele não tem nem telefone nem conhecimento para ligar e dizer: “Olha, quero um carro do serviço Atende aqui, porque, se você não mandar, vou reclamar meus direitos!” Mesmo esse serviço, o Atende, precisa ser melhorado. Ele vem me buscar porque hoje participo do Conselho Municipal de Saúde que fez um acordo com o Atende para que eu seja levado às reuniões. Mas as pessoas da favela, geralmente, não têm nem os recursos – no caso, o telefone –, nem o conhecimento necessário para reivindicar seus direitos. Recentemente, presenciei uma discussão, no Conselho Municipal de Saúde, que achei incrível. Estávamos conversando sobre a necessidade de divulgar para a população o funcionamento do serviço emergencial das ambulâncias do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência). No meu ponto de vista, a população precisa saber que o Samu trabalha com uma hierarquia de importância. Atende primeiro os chamados mais urgentes. Mas, o povo não sabe disso. Ligam e ficam naquele desespero até o socorro chegar. Um dos médicos que representava a secretaria disse que não teríamos de informar a população a esse respeito. Quase perdi o controle e esculhambei: “Por quê? Qual o problema? As pessoas precisam saber como o serviço funciona!” Algumas pessoas querem sonegar as informações de um jeito que até parece que a ditadura militar ainda não acabou no Brasil. Esse médico me deixou preocupado. Percebi que, mesmo depois de 30 anos de luta do movimento, não posso deixar de representar a população em determinados lugares. Ainda é necessário ter alguém como eu para brigar e ajudar as pessoas. Penso assim porque sou da geração que militou muito por várias causas. Lutamos por transporte, por salário, por emprego e várias outras questões sociais que envolviam pessoas deficientes. Sou de uma época durante a qual a gente só via ônibus ou trem com acessibilidade em filmes europeus, porque nem no Canadá tinha esse serviço. Era um sonho. E o primeiro enrosco na vida de um deficiente sempre foi o transporte, portanto, a gente brigava muito por
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isso. Eu participava de reuniões, não apenas na FCD, mas também em um fórum itinerante. Ao meu lado, estavam várias pessoas: o Gilberto, o Cândido, o Luiz Baggio, a Lia Crespo. A linha Norte-Sul do Metrô da cidade de São Paulo, por exemplo, não tinha nenhuma adaptação até que o MDPD e outras entidades de pessoas deficientes moveram e ganharam uma ação na Justiça, obrigando o Metrô a fazer acessibilidade em todas as estações de todas as linhas. Quando não tinha nenhuma acessibilidade nas estações, passávamos por uma situação terrível porque tínhamos nossas cadeiras erguidas pelos seguranças, ou mesmo pelos usuários, para pular as catracas do metrô. As pessoas ficavam olhando, tentando entender o que estava acontecendo e pensando: “O que esse cara está fazendo aqui?” Mas, não tínhamos alternativa. Fazíamos isso ou não andávamos pela cidade! As rampas e os elevadores que hoje existem nas estações do metrô não estão lá porque o governo é bonzinho. Para que isso acontecesse, nós, dos movimentos, fizemos verdadeiras loucuras! Chegamos a amarrar um deficiente, num Dia Nacional de Luta das Pessoas Deficientes, nas escadas do metrô para fazer protesto! Eu me lembro de outra coisa muito legal que fizemos em uma das estações. Chegamos em, mais ou menos, 40 cadeirantes. Claro que não tinha elevador. Decidimos que queríamos sair da estação por uma escada de cimento que tinha lá. Os funcionários do metrô foram logo dizendo que não era possível. Respondemos que tínhamos de sair porque íamos ao cinema. Ficaríamos ali, nem que demorasse o dia inteiro, até que todos fossem levados até a calçada. Ao mesmo tempo, já tínhamos preparado uma manifestação do lado de fora, com carro de som e com a imprensa. Esse episódio aconteceu depois do Ano Internacional. Mesmo com toda essa história, ainda há coisas a serem feitas. Muitas leis ainda estão paradas no Congresso, na Assembleia ou na prefeitura. Ao mesmo tempo, existem deficientes que ainda não assumiram seus direitos! Não estou me referindo apenas à questão do voto! Parece que há certa acomodação ou falta de informação. Não sei bem ao certo. Ninguém mais age como eu, quando cheguei, na primeira escola onde estudei. Disse ao diretor que precisava construir um banheiro adaptado. Enquanto isso não acontecia, eu faria xixi em sua sala, porque não tinha outro lugar. Cada vez que isso acontecia, ele tinha de sair da sala. A outra opção seria eu urinar na sala de aula. Mas, aí, a professora teria de tirar os 40 alunos da sala. Então, era mais fácil que apenas uma pessoa saísse de um espaço para que eu fizesse minhas necessidades usando “papagaio”. A direção achava difícil fazer a reforma. Mas eu insistia para fosse feito o banheiro acessível. Às vezes, perguntavam se valia à pena tanto esforço, porque logo eu sairia da escola. Um pensamento absurdo, como se depois de mim não fosse aparecer mais nenhum aluno deficiente! Até que a direção me perguntou como poderia resolver a situação. Orientei para que pedisse um projeto ao Conselho Municipal das Pessoas Deficientes. Corremos atrás da verba e o banheiro foi feito. Outras pessoas, com certeza, estão usando. Eu acho que tudo isso é vida, é vida que acontece. Isso aconteceu por volta de 1998. Eu me lembro que, uma vez, um padre veio aqui: “Vamos fazer a Eucaristia dentro da sua casa”. Eu disse: “Não quero”. “Mas, você não é católico?”, perguntou o padre. Respondi: “Sou”. E o padre: “Mas, você é orgulhoso?” Falei: “Eu não. Acontece que quero ir lá até a igreja, caramba!” E o padre disse: “Mas, é tão difícil. Alguém tem que te empurrar até lá. Não é mais fácil eu vir aqui, conversar com você?” Respondi: “Mas, padre, eu não quero ver só você. Quero ver a dona Maria, a dona Teresinha, o João, o Pedro, o Antônio. Quero participar da comunidade, sei lá, quero participar da festa!” Hoje, a mesma igreja tem guia rebaixada, tem fileira de banco adaptada. Essa é uma realidade que acontece até hoje. Por isso, a luta não pode parar! Atualmente, tem dia em que até peço para minha esposa dizer que não estou, quando alguém telefona, porque quero ficar em casa curtindo e brincando com minha filha. Mas, ainda tenho alguns planos. Pretendo, talvez, no ano que vem, montar um projeto de atendimento, talvez criar uma
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ONG, não só para o pessoal deficiente, mas que integre vários setores da população. Falo sobre os meninos de rua terem acesso a alfabetização, artesanato, talvez, computação, alguma coisa que identifique o potencial dessas pessoas. Nesse sentido, a FCD tem um grupo de cerca de 30 membros aqui na região. São pessoas que moram em Artur Alvim, na Penha, no Itaim Paulista, entre outros bairros. É possível contatar outras associações, fazer parcerias com Rotary Club, por exemplo. A minha irmã já se prontificou a ajudar na área de alfabetização. Outra pessoa vai dar aula de pintura. Começamos assim e vamos crescendo. Tenho falado a respeito de trabalhar com os deficientes e buscar oportunidades de trabalho para eles aqui no bairro mesmo. A pessoa deficiente não precisa trabalhar no centro da cidade se o comércio da região estiver disposto a contratá-la. Mas, para isso, é necessário um processo de conscientização de todos os lados. Eu até falo em aposentadoria, mas não consigo parar. Participo de uma reunião sempre pensando no encontro do mês seguinte. Por isso, minha mulher fala assim: “Zé, fica em casa hoje. O que você vai fazer lá? Vai se chatear, vai ficar bravo.” Mas, na hora que chega o carro, a única coisa que me vem à cabeça é: “Vamos lá, alguém está precisando.” Acho que quero dividir aquilo que aprendi no movimento. Se vão aproveitar da mesma forma que eu, é outro problema. Eu quero que apareçam novas pessoas para continuarem essa luta que eu, o Serginho, o Janilson, o Gilberto, o Rui, a Lourdes Guarda e todo o pessoal da minha época começou. Estou na ativa, mas sempre esperando que apareçam outros que possam levar a luta, para que eu possa ficar na retaguarda. Mas, tenho percebido como é difícil. Não vejo mais, por exemplo, as entidades saírem na rua! Nesse ano aconteceu uma coisa que me chamou a atenção e me deixou preocupado, mas ninguém falou nada a respeito. Eu e um amigo começamos a colocar frases do dia, frases de luta, pelo Orkut. Foi quando me assustei: “Meu Deus! Estamos fazendo um movimento pela internet!” O que significa isso? Significa que a gente não está mais saindo na rua, como fazíamos antes. Eu me lembro de uma manifestação muito legal, que fizemos durante a gestão do prefeito Celso Pitta. Naquela época, havia pouco transporte adaptado, embora houvesse uma lei dizendo que metade da frota deveria ser acessível. Então, fomos para o metrô D. Pedro II para, dali, seguir para a prefeitura, que era no Palácio das Indústrias73. Quando estávamos saindo do metrô, caiu o maior temporal! Mas, estávamos tão empolgados que nem a chuva segurou a gente. Não sei de onde surgiram dois carros de polícia, com os policiais falando: “Não vamos impedir, não. Vamos acompanhar o pessoal.” Eles fizeram isso até porque não tinham onde colocar tanto cadeirante. Chegamos ao gabinete do prefeito todos molhados e nos disseram que o Pitta não estava. Dissemos: “Ah, procura ele porque a gente só vai sair daqui depois que o prefeito aparecer.” Em dez minutos o homem apareceu. Aí, claro, tivemos de eleger uma comissão, e fomos falar com ele sobre o transporte acessível. Estávamos ensopados, mas muito contentes por estarmos sendo atendidos pelo prefeito. No mês passado, voltei ao Parque do Carmo e queria muito rever o casarão, porque ele tem uma história. Entre 1992 e 1994, no tempo da Erundina, olha só que loucura, o movimento queria que fosse feita uma rampa no local. Naquele espaço a prefeitura desenvolvia programas de desinstitucionalização de pessoas com doença mental e oferecia formação profissional para esse público. Era um Centro de Convivência e a gente também queria ter acesso. Foi uma fase muito bonita da minha vida porque nós convivíamos com aquelas pessoas num mesmo espaço. Mas, para conseguir isso, tivemos que brigar muito para que fosse construída a rampa de acesso. A arquiteta falava: “Não pode
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. O Palácio das Indústrias, antiga sede da Prefeitura de São Paulo, no centro da cidade, foi transformado, em 2009, em um museu público de ciências batizado de Catavento.
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porque a casa foi tombada. Isso vai descaracterizar”. A gente dizia: “E daí se vai descaracterizar? Queremos ter acessibilidade” A prefeitura fez a proposta: “Então, vamos colocar a rampa atrás da casa.” Respondemos: “Não, mas não vão mesmo. Queremos a rampa na frente da casa.” A gente batalhou na Justiça, uma luta muito grande. O casarão virou um museu e a rampa está lá até hoje. Por causa da história dessa rampa, outras partes do parque também estão adaptadas. Queria ver esse espaço porque sei o quanto lutamos pela rampa. Não fomos apenas nós, daquela época, que ganhamos. Mas, no dia da visita, o casarão estava fechado. Você pensa assim: “Puxa, eu fiz alguma coisa na vida, eu sou história!” Infelizmente, não vemos mais isso hoje em dia. Nós, deficientes mais antigos, esperávamos que os mais novos começassem a assumir um pouco mais, e até rediscutissem o que é a luta e para onde ela vai, quais as reivindicações a partir de agora etc. Mas, quando chegamos ao Conselho Municipal das Pessoas Deficientes, percebemos que não existe mais o tesão e a seriedade de antes. Os temas atuais são passeios para ver orquídeas e não sei mais o quê. Não sei, não. Acho que estão passeando muito com os deficientes e não estão oferecendo mais proposta de política para o grupo. O pessoal do movimento da minha época viu uma cidade que não tinha nada e, de repente, hoje, você basta andar para ver várias mudanças, como os shoppings todos adaptados. Mesmo a Secretaria da Saúde, onde lembro que eu tinha de entrar numa sala para usar o papagaio, hoje tem um banheiro adaptado dentro da sala do conselho. É uma vida inteira e, quando começo a lembrar de tantas coisas que foram feitas, acho que fui premiado. Sempre pensei que existe o deficiente José Roberto, aquele que sabe e lamenta suas condições, mas assume sua deficiência. E existe o homem José Roberto, com seus sonhos, que gostaria de casar e ter filhos. Depois de ter namorado bastante, conheci a pessoa certa para ser minha esposa, pela vida inteira. De repente, conheci a Zelinda, casei e tivemos a Yara, nossa filha. Combinamos várias coisas antes mesmo do casamento. A gente sonhava em ter três filhos. Só que a realidade é outra. Conversamos sobre isso. Discutimos se poderíamos realmente sustentar três crianças. Sou contra aquele tipo de família que tem dez filhos ou mais e não pensa no sustento. Além disso, não acredito que a saída seja apelar para o governo para comer e conseguir roupas. Quando a Zelinda estava esperando a Yara, ficamos preocupados em saber se a criança seria ou não deficiente. Mas os médicos garantiram: “Zé, não tem nada a ver. Sua filha está ótima e é normal. Ela vai crescer, estudar, bagunçar, te dar dor de cabeça e mais um monte de coisas. Mas não vai ser deficiente. Pode parar de pensar nisso”. Temos uma menina que anda por todos os lados e bagunça tanto que temos de mudar as coisas de lugar para que ela não derrube. Eu gosto de ver isso. Claro que brigo, mas, no fundo, fico feliz. A mãe dela tem de arrumar tudo de novo. Mas, graças a Deus, foi um sonho que realizei. Tive uma filha que gosto muito. A Zelinda e eu nos conhecemos de uma forma engraçada. Estudávamos juntos e ela estava fazendo uma prova de arte. De repente, a minha cadeira bateu na dela. Foi quando a Zelinda olhou feio para mim e olhei feio de volta. Mas, logo depois, ela estava me dando o jantar no refeitório da escola. Até então, apenas olhava para mim e estranhava os movimentos do meu corpo, porque me mexo muito. Fomos aos poucos nos aproximando e a coisa foi acontecendo. A gente foi conversando. Mesmo ela tendo paralisia do lado direito do corpo, começou a me ajudar na escola, me empurrando para cá e para lá, a ponto de eu quase não precisar mais de acompanhante. Isso terminou se repetindo um pouco aqui na rotina de casa. Claro que ela não faz tudo, mas faz a maioria das coisas. Geralmente, quem me ajuda é meu irmão. Mas, quando ele não está, a Zelinda me ajuda a subir na cadeira, a calçar o sapato, a me vestir etc. Então, se tenho que sair dali a uma hora, ela começa a me arrumar duas horas antes. Hoje em dia, ela tem que se dividir em duas,
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porque tem a nenê e eu, o bebezão dela… E nossa família criou alguns hábitos interessantes. Na hora da alimentação, no almoço ou no jantar, em vez de colocarmos três pratos, resolvemos melhorar a situação: colocamos tudo num prato só e vamos distribuindo. A gente vai se adequando às necessidades. Nesse sentido, a nenê ainda dorme conosco. Porque daria muito trabalho colocá-la num berço. Até porque a Zelinda dorme sem o aparelho, que é o que lhe dá equilíbrio. Então, caso precise cuidar da menina, fica mais fácil se ela estiver dormindo com a gente. Quando a nenê desmamar e dormir mais tranquila, aí, sim, vai para a caminha dela. Como temos o hábito de adaptar tudo, a Yara sobe no caixote da minha cadeira de rodas onde apoio meus pés para comer, porque fica mais fácil para gente. Como ela vê a mãe dar comida na minha boca, ela quer fazer o mesmo. Então, estamos até planejando, quando ela crescer um pouquinho mais, vamos fazer uma macarronada com bastante molho, para gente se divertir e fazer uma farra com ela. Quero que a Yara estude. Não sei se vai ser médica, professora... Deixarei que ela escolha a profissão que quiser. Convidei um casal amigo para batizá-la e falei: “Olha, ela terá uma formação cristã, não necessariamente católica. Porém, se um dia ela resolver ser ateia, ninguém vai proibir.” Vamos dar uma formação moral e religiosa cristã. Conversaremos a respeito sempre que tivermos oportunidade. Mas a gente nunca sabe o futuro de ninguém. Ela vai ter liberdade para escolher as coisas. Isso é algo que a vida me ensinou. Não adianta dizer que tem de ser deste ou daquele jeito. Por isso, minha filha terá de descobrir o jeito dela de estar no mundo e fazer o que quiser. Tive o casamento que eu sonhava com a Zelinda, que comprou minha proposta. Não é fácil conviver com o José Roberto, um cara chato, totalmente dependente, tem que puxar a calça dele, colocar o papagaio, dar banho, mas que também precisa de uma companhia para sair e ou ter alguém para conversar nas noites de sábado. Agora, tenho duas pessoas! Sei que minha filha vai me acompanhar com certeza. Quero passar para ela toda essa vontade de transformar as coisas que tenho. Resumindo: tenho uma vida feliz. Mesmo que o dinheiro seja curto e acabe antes do fim do mês. Eu divido com a minha mãe a pensão por morte do meu pai. Já, a Zelinda recebe o Loas74, por ser órfã e deficiente de paralisia infantil. Depois que conseguiu esse benefício, até apareceram algumas oportunidades de trabalho. Mas, para aceitá-las, ela teria de abrir mão do Loas. Pensamos bem e decidimos que era mais seguro continuar com o benefício, pois hoje ela poderia estar empregada e amanhã perder o emprego. A gente tem vontade de inventar alguma coisa que possa vender aí na frente da casa para aumentar a renda, quando a nossa filha começar a ir para a escola. Engraçado que, antigamente, adorava sair de casa, ir para o cinema, voltar tarde, ia para pizzaria e outros lugares. Hoje, saio para fazer minhas coisas, minhas palestras, minhas reuniões e logo fico doido para voltar para casa. Isso acontece por vários motivos. Um deles é saber como é gostoso chegar ao portão e escutar “papai!”. Interessante porque cheguei a ouvir que não poderia ser pai “porque não tinha mão”. Nunca entendi essa frase, mas tudo bem. Eu ficava pensando no significado dela. Quando minha filha estava para nascer, não tive coragem de ficar ao lado da Zelinda, “na hora do vamos ver”. Mas, o que mais queria era carregar minha filha no colo. Mas, não podia pegá-la porque minhas mãos são pesadas e qualquer movimento errado poderia machucá-la. Fiquei encucado sobre como poderia carregar a minha filha
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. O Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC-Loas) é um benefício da assistência social, integrante do Sistema Único da Assistência Social (Suas), pago pelo governo federal, operado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e assegurado por lei.
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no colo. Uma enfermeira ou voluntária do hospital segurou a bebê bem perto e beijei minha filha com duas horas de vida. Foi a coisa mais importante que me aconteceu. Hoje é gostoso acordar às 2 da manhã e ouvir: “Papai, vamos ver a Xuxa?” Então, vamos ver… Fazer o quê? Quero que a Yara cresça vendo muitos deficientes e com naturalidade. Já pedi para os padrinhos dela que me ajudem num ponto só: participar das reuniões de pais e mestres na escola dela, porque sou “papai coruja”. Já em relação aos coleguinhas dela, penso que vão falar: “Olha, sua família é diferente. Seu pai usa cadeira de rodas e sua mãe anda de aparelho, com muleta.” Já pedi para que, se isso acontecer, os padrinhos falem para ela: “Olha, seus pais são diferentes, mas são teus pais, viu?” Mas, talvez isso nem aconteça. Porque a gente sempre leva a Yara na AACD, onde está cheio de casais de pessoas deficientes com filhos. Se tiver reunião em Itaquera ou em outro lugar onde haja núcleo e ou grupos de FCD, a Yara vai junto. Lá, também encontramos um monte de casais com deficiência que já têm filhos. Eles brincam todos juntos. Acho que assim ela vai percebendo que é algo natural da vida. Então, essa vivência com pessoas com deficiência talvez não seja algo estranho na cabecinha dela. Agora, estou com uma ideia fixa na cabeça. Quero fazer mais uma loucura na vida: candidatar-me a vereador. Se isso vai acontecer ou não é outro problema. Mas, estou buscando isso, que é uma coisa que meu pai fazia muito. Ele era uma pessoa muito política, mas nunca se candidatou a nada. Não sei se será na próxima eleição. O PT não me deu retorno até agora, mas, vamos lá. Posso até não ganhar, isso são outros quinhentos. Mas tenho de tentar ser vereador. Inclusive, ontem, estava falando sobre esse projeto para um amigo. Não quero ser só o representante. Quem vai fazer a política junto comigo serão as pessoas. Não estou levando nenhum projeto. Quero que as pessoas me tragam suas necessidades. Não será um gabinete fechado. Talvez eu até quebre a estrutura. Quero que o pessoal assine os documentos. Se não puder, vou brigar para que seja possível. Quero que os objetivos sejam atingidos. Um exemplo é todo transporte ser adaptado e circular à noite toda e nos fins de semana. Assim, o Atende vai poder atender apenas as pessoas que realmente não possam sair de casa de outro jeito. Uma vez, saí de casa, em um domingo, para visitar uma deficiente em outro bairro. Um amigo meu foi empurrando a cadeira. Planejávamos ir de ônibus adaptado. Chegamos ao ponto e esperamos o carro por um bom tempo. Começamos a achar estranho e fomos conversar com o coordenador da linha. Ele nos disse que a empresa não liberava esse tipo de ônibus aos domingos, embora tenha se oferecido para nos ajudar a entrar em um veículo comum. Achei um absurdo e na segunda-feira liguei na secretaria para denunciar essa situação e falar para que isso mudasse. Afinal de contas, como a empresa iria saber se um cadeirante sairia ou não aos domingos? O mesmo vale para o limite de horários nas linhas noturnas. Até porque há deficientes que estudam à noite e saem da aula depois das 10. Acho até que tem discriminação aí no meio dessa história. Já, no caso do Atende, hoje ele é um serviço sobrecarregado exatamente porque a lei sobre ônibus acessíveis não está sendo cumprida. Se tivermos mais veículos adaptados, isso vai facilitar a vida de todos. Meu vizinho poderá muito bem me deixar no ponto de ônibus mais próximo porque terei certeza que em tal horário irá passar um veículo acessível. Eu dou palestras para a juventude e observo algumas coisas. Certa vez, uma amiga e eu estávamos conversando com um grupo de jovens em Mogi. O maior problema deles é a droga. Na ocasião, estava lá uma moça numa situação realmente difícil. Falamos sobre fé, possibilidade de conquistas e outras coisas. A moça começou a se emocionar. Quando terminamos, essa jovem veio conversar com a gente: “Olha, eu gostaria muito de adotar uma criança. Mas, uso droga e nenhum juiz vai me conceder a guarda”. Então, falamos: “Por que você não larga as drogas e tenta trabalhar e ajudaremos no processo de adoção. Temos uns conhecidos que podem auxiliar nesse processo. Depois também ajudaremos no começo da criação”.
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Tempos depois, ganhei uma cadeira motorizada e comecei a rodar por aí. Num belo dia, fui ao shopping Tatuapé e, de repente, comecei escutar: “Psiu, psiu”. Pensei logo que era alguém me paquerando. Mas, quando me aproximei, ela falou assim: “O senhor se lembra de mim?”. Respondi: “Olha, me desculpa, mas não lembro não”. Ela me recordou: “Sou aquela moça que usava droga e estava naquele grupo de Mogi e que queria adotar uma criança. Eu queria dizer para o senhor que larguei a droga, adotei a criança e, olha, estou trabalhando!” Pensei: “Puxa vida! Quer melhor salário que isso?” Nunca mais vi essa pessoa. Sei apenas de notícias que o pessoal me dá de que a neném está crescendo, que ela está cuidando. Isso me fez sentir o homem mais feliz do mundo por ter ajudado alguém a se salvar! É isso que me deixa feliz. O que não impede de querer outras coisas para mim. Sei lá, quero algum dia, voltar a estudar, fazer faculdade. Mas depois de toda essa minha trajetória, gostaria que os deficientes se aceitassem mais, que eles “saíssem da casca do ovo”. Digo por experiência: pode sair, porque é o maior barato! E dar a cara para bater é importante. Quer dizer, fiz muita coisa que não deu certo. Bati a cara no muro. Mas essa batida surtiu muitas outras coisas. A gente também aprende com os próprios erros! Devemos investir e acreditar em nós mesmos. E o mais importante é ajudar o próximo. E isso não quer dizer dar dinheiro, mas, sim, agir. Aquela rampa no metrô, aquele elevador que ajudei a colocar etc. Se algum dia a história disser: “O Zé Roberto esteve aqui. O Serginho esteve aqui”, legal. Eu e o pessoal do movimento ficaremos muito agradecidos. Mas, se não tiver, a gente vai ficar agradecido da mesma maneira porque ninguém vai destruir o que a gente fez. Será muito gostoso passar num lugar e falar para a Yara assim: “Olha, minha filha, isso daqui o seu pai ajudou a fazer. Então, o seu pai não foi uma porcaria, que deixou de fazer as coisas porque estava sentado numa cadeira de rodas. Ele ‘chutou o pau da barraca’ e brigou muito.” As pessoas têm me procurado. Na semana que vem, vou receber metade de uma turma de estudantes de Terapia Ocupacional da USP para conversar sobre algumas propostas. Isso acontece há cerca de dez ou 15 anos. Então, acredito que alguma coisa boa deve ter acontecido nesse tempo todo. Talvez, tenha algo para ensinar, então, por que vou deixar de fazer essas coisas? Eu tinha vontade de ir para o litoral ou para o interior, ficar num lugar tranquilo, mas, decidi ficar aqui. Quero que a Secretaria da Pessoa Deficiente me chame quando precisar. Basta alguém vir me buscar. O deficiente precisa assumir a sua deficiência, porque isso é assumir aquilo que você é. Antigamente, tinha vergonha de ir para uma reunião porque balanço a cabeça quando falo. Hoje em dia, não estou nem aí. Semana passada, “quebrei um pau” com o representante da Secretaria Municipal de Saúde. Foi mais uma boa discussão política. Já superei essa história de milagres tipo: “Levanta dessa cadeira! Você não tem fé?” Hoje, não sinto necessidade de sair da cadeira de rodas. Ela já faz parte do meu corpo. O difícil é ter uma cadeira de rodas nova neste país, mas tudo bem… Fui fazer o pedido de uma cadeira de rodas comum na AACD e me disseram: “Olha, você vai ter que esperar dois anos.” Respondi: “Se estiver vivo até lá, vou agradecer!” É um absurdo ter de esperar dois anos para poder ter uma cadeira de rodas comum, não motorizada! Apenas, tenho receio de que essa cadeira que estou usando não aguente. Mas, vai aguentar, a gente chega lá. É um absurdo você necessitar de uma cadeira motorizada que custa 8 mil reais, quando você ganha um salário. Mas, mesmo assim, acredito que as coisas vão mudar! Só depende de a gente sair do portão para fora. Nem que seja para ficar na calçada mostrando a cara. Alguma coisa vai acontecer! Tenho certeza. Havia o medo de que, quando alcançássemos nossas conquistas, o movimento acabaria. Porém, sempre achei que a pessoa que quer ter uma vida o mais normal
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possível não vai parar de brigar nunca. Penso que aproveitei bem minha vida. Que fiz muito mais do que ficar apenas vendo a Sessão da Tarde. Aliás, nem sei se esse programa ainda existe. Acho que não passei pela vida em vão porque vou deixar algumas coisas para as outras gerações. O que digo para as pessoas deficientes, que estão começando a lidar com essa situação agora, é que basta acreditar em si. Apenas isso. Acreditar e acreditar. Daí em diante, as coisas acontecem naturalmente. É isso. Obrigado.
Imagem. Jornal da Tarde, de 02 de janeiro de 1981. Símbolo da ONU para o Ano Internacional dos Deficientes. Sobre fundo preto símbolo e letras na cor branca. O símbolo consiste de um triângulo, formando a imagem estilizada de duas pessoas, uma de frente para a outra, com os braços estendidos e as mãos dadas, como crianças brincando de rodopio. Todo o conjunto é rodeado e protegido por folhas de louro, as mesmas que formam o símbolo das Nações Unidas. Sob o símbolo, título da matéria: “Um Símbolo para 1981, o Ano Internacional dos Deficientes”. Início da matéria. Este é o desenho que a ONU escolheu para simbolizar o Ano Internacional das Pessoas Deficientes que começou ontem. Ano em que os deficientes físicos ou mentais (que a ONU calcula serem 500 milhões em todo o mundo) pretendem, acima de tudo, lutar para ter oportunidades iguais às outras pessoas.
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Imagem. Continuação. Página 18. Os cegos, surdos, paralíticos e portadores de outras deficiências físicas ou mentais devem conquistar no Brasil um alto nível de organização, que tenha o poder de assegurar o respeito a seus direitos. Esse é, na verdade, o objetivo básico a ser anunciado por seus líderes neste ano, que a Organização das Nações Unidas (ONU) considera o Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Os líderes fazem parte da coordenação do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes (MDPD), criado há um ano com representantes das várias associações que pretendem promover os interesses dos deficientes brasileiros. Até agora, o MDPD concentra suas atividades no Estado de São Paulo. No entanto, seus líderes começam a criar núcleos do Movimento em diferentes regiões do País. Em São Paulo, os mais ativos coordenadores do MDPD são estes deficientes: Leila Barnaba Jorge, advogada; Cândido Pinto de Melo, engenheiro eletrônico; José Evaldo de Melo, professor de História Econômica; Vinicius Viana de Andrade, advogado; Luiz Celso Marcondes de Moura, psicólogo, e Maria de Lourdes Guard, presidente da Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes Físicos. Embora não sejam deficientes, integram ainda a coordenação do Movimento o conselheiro de reabilitação Romeu Kasumi Sassaki e o ortopedista José Robinson de Carvalho. Os coordenadores ressaltam a necessidade de ultrapassar os limites das associações tradicionais, que aparecem divididas por defenderem os interesses diferentes dos vários tipos de deficientes físicos e mentais. Na opinião dos líderes, o MDPD deverá fortalecer a capacidade organizativa dos deficientes brasileiros, além de sustentar suas campanhas reivindicatórias e de mobilizar a sociedade em torno de uma prioridade: eliminar o atual sistema paternalista, que nega ao deficiente o direito de determinar o caminho mais adequado à sua integração no processo de desenvolvimento nacional. Romeu Sassaki admite que o deficiente continua marginalizado no Brasil. E justifica a opinião, lembrando que o Brasil ainda desconhece sua população portadora de deficiências físicas e mentais. Aplicando um método utilizado pela ONU, Romeu calcula em cerca de 12 milhões os brasileiros deficientes físicos e mentais. Com o mesmo critério, julga que 70% deles estão desassistidos. — É insignificante — diz Romeu — o número de centros para reabilitação da população brasileira de deficientes. Igualmente baixo é o nível de formação profissional dos que se ocupam com a reabilitação dos deficientes. Torna-se portanto evidente a extrema falta de interesse pela promoção humana e social dos portadores de deficiências físicas e mentais no Brasil. Alguns deles já nasceram com deficiências, enquanto outros as adquiriram em acidentes de trânsito e, principalmente, de trabalho. Preocupados com os acidentes de trabalho e doenças profissionais que geram deficiências, os maiores sindicatos paulistas acabam de criar o Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e Ambientes de Trabalho (Diesat). O Médico Herval Pina Ribeiro, coordenador técnico do Diesat, cita dados da Secretaria de Planejamento do INPS para mostrar que os acidentes de trabalho e doenças profissionais são responsáveis pelo “brutal aumento” dos casos de invalidez permanente. Em 1977, o Brasil registrou 2.378 casos de invalidez permanente e, só no primeiro semestre de 1980, teve 8.278 casos. Os dados do INPS revelam ainda que as doenças profissionais, geradoras de deficiências, aumentaram sua ocorrência no Brasil, onde elas representavam em 1977 apenas um total de 3.013 casos e, no primeiro semestre de 1980 já totalizavam 2.163 casos. Denúncia: a omissão do governo brasileiro. Os dados oficiais admitem que teriam ocorrido no Brasil, de 1971 a 1976, apenas 17.282 casos de doenças profissionais. O total incluiria 16.417 casos de dermatoses (doenças de pele), de saturnismo (envenenamento por chumbo) e de surdez, o que representaria quase 95% das ocorrências. Assim, ficariam reduzidos a 865 (5%) os casos de todas as outras doenças, durante seis anos. Entre elas, a silicose, doença ainda incurável, provocada pela inalação do pó de sílica, que acaba gerando nos pulmões lesões irreversíveis. O mais recente estudo sobre a incidência da silicose no Brasil é a tese de doutoramento do professor Renê Mendes pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Seus cálculos denunciam a omissão dissimulada nos dados oficiais. Renê Mendes mostra que o Brasil tem de 150 mil a 200 mil trabalhadores expostos ao risco de inalação do pó de sílica. E, baseado em uma amostragem representativa, calcula que 30 mil são doentes de silicose. Desse total, a região Sudeste concentra 20 mil silicóticos; só em Minas, 7.400; no Rio de Janeiro, 6.900; e, no Estado de São Paulo, cerca de 5.100 silicóticos. Sensibilizados com a desgraça dos silicóticos, os líderes de ativos sindicatos paulistas promoveram, em maio de 1979, a primeira Semana de Saúde do Trabalhador (Semsat), quando discutiram com médicos as doenças pulmonares adquiridas em ambientes de trabalho: silicose, asbestose, bissinose e outras igualmente incapacitantes. Só então observaram o desinteresse oficial pelas doenças profissionais. Embora a inalação do pó de amianto provoque nos pulmões as lesões da asbestose, os participantes da Semsat concluíram que o Brasil não tem dados sobre a incidência dessa doença, e, ainda, que só tinham sido relatados, até então, quatro casos entre trabalhadores brasileiros, expostos ao risco da asbestose. Mas os médicos explicaram aos trabalhadores que esse risco não é desprezível. Em outros países, a crescente utilização do amianto está aumentando a incidência da asbestose e do câncer pulmonar entre os trabalhadores expostos. Por isso, os participantes da Semsat recusaram-se a aceitar que só tivessem ocorrido, até então, quatro casos de asbestose no Brasil. Indignados, preferiram julgar os quatro casos como indicativos do desinteresse nacional pelas doenças profissionais. Mas indicativa de idêntico comportamento lhes pareceu a ignorada incidência da bissinose, outra irreversível lesão pulmonar, devida à inalação de poeiras de algodão, sisal e linho. Apenas em 1973, uma equipe da Faculdade de Saúde Pública da USP divulgou um estudo sobre a bissinose na cidade de São Paulo, não permitindo verificar a incidência nacional dessa doença incapacitante. Vinculada ao Ministério do Trabalho, a Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro) formou, de 1973 a 1978, o total de 57.273 especialistas, dos quais 10.717 médicos do trabalho e 11.389 engenheiros em segurança do trabalho. Mas os participantes da Semsat acusaram a Fundacentro de não pesquisar a epidemiologia das doenças profissionais. Para os participantes da Semsat, é imperdoável o desinteresse das autoridades e instituições pelo levantamento dos índices brasileiros de doenças incapacitantes, adquiridas em ambientes de trabalho insalubres. O desinteresse pareceu-lhes revelar a insensibilidade do Brasil em relação a importantes fontes geradoras de deficientes físicos, que exigem sua reintegração na sociedade. Existem escolas, mas faltam professores. O governo do Estado de São Paulo tem, hoje, em suas escolas, um total de 990 classes especiais, onde estudam 13.817 crianças cegas, surdas, paralíticas e retardadas mentais. Embora seja muito maior a população paulista de crianças deficientes, está em melhores condições de atendimento do que as crianças portadoras de deficiência físicas e mentais em outros Estados brasileiros. É o que admitem alguns técnicos do Centro Nacional de Educação Especial (Cenesp), vinculado ao Ministério da Educação e Cultura, que coordena as atividades educacionais programadas no Brasil para as crianças portadoras de deficiências físicas e mentais. Segundo eles, São Paulo oferece às crianças deficientes a rede escolar pública e muitas instituições particulares. Entretanto, o Estado de São Paulo sente falta de professores habilitados para o ensino de crianças deficientes. Para exercer as atividades programadas para as atuais 990 classes especiais, há apenas 699 professores admitidos pela Secretaria da Educação. O governo estadual procura compensar a falta de professores especializados adotando um sistema de ensino itinerante. Entre as crianças deficientes, os técnicos paulistas da Secretaria da Educação parecem mais preocupados com as portadoras de retardamento mental, classificadas em três níveis de quociente intelectual (QI): as educáveis (55 a 79 de QI), as treináveis (30 a 54 de QI) e as dependentes (QI inferior a 30). Só o retardado educável pode ser matriculado nas classes especiais do Estado. O retardamento ou deficiência mental é, muitas vezes, efeito da desnutrição ocorrida durante o primeiro ano de vida de uma criança. “Há relação de causa e efeito entre prejuízo nutricional, crescimento do cérebro e desenvolvimento mental”, concluíram os
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Imagem. Continuação. professores Eduardo Marcondes e João Yunes, da Clínica Pediátrica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. A conclusão se apóia em exames e medições dos cérebros de 2.647 crianças brasileiras (1.367 do sexo feminino e 1.280 do masculino) na faixa etária de três dias a três anos. As observações dos autores estão publicadas na revista Arquivos de Neuro-Psiquiatria, sob o título “Perímetro cefálico em crianças de até três anos: influência de fatores sócio-econômicos”. Para pesquisar a possível cura de lesões ou distúrbios nos movimentos, nos nervos e no psiquismo das desnutridas crianças brasileiras, o professor Eduardo Marcondes criou uma grande equipe nos departamentos de Pediatria e Neurologia da Faculdade de Medicina da USP. O supervisor neuropediátrico da equipe foi o professor Antônio Branco Lefèvre, que examinou a deficiência mental. Concluindo o relatório sobre a importante pesquisa, seus autores atribuíram “a deficiência mental comprovada nas crianças à carência nutricional, provavelmente presente no primeiro ano de vida, a julgar pelo perímetro cefálico reduzido, observado em todos os casos”. Mas a Fundação Serviços de Saúde Pública (FSESP) mostra que apenas 29,8% das crianças brasileira escapam da desnutrição. Uma mudança no comportamento da ONU. Há 30 anos, a ONU promove programas para reabilitação de deficientes por intermédio de seus órgãos especializados: a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Mas a ONU mudou de comportamento em relação aos deficientes. Em 1950, quando começou sua experiência em programas de reabilitação, a ONU parecia interessada em trabalhar para os deficientes. Agora, porém, mostra-se disposta a exercer uma atividade com eles. A mudança de comportamento tornou-se evidente quando a assembléia da ONU aprovou a proposta da Líbia, pedindo que fosse instituído o Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Confirmando a mudança de comportamento, a ONU ressaltou a necessidade de “estimular os portadores de deficiências e suas organizações a tomarem parte ativa nas atividades previstas para o Ano Internacional das Pessoas Deficientes”. Além disso, a ONU recomenda que os deficientes tenham oportunidades iguais às oferecidas a todos os integrantes da comunidade, eliminando o paternalismo. O secretário geral da ONU, Kurt Waldheim, determinou que sejam removidas as barreiras arquitetônicas nos edifícios que abrigam órgãos das nações Unidas, onde deve ser facilitado o acesso de “todas as pessoas sem descriminação”. No entanto, a mudança de comportamento pode remontar a 1975, quando a assembléia geral das Nações Unidas adotou a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes. Segundo o artigo 12 da Declaração, “as organizações de deficientes poderão ser consultadas, com grande vantagem, em todas as questões relacionadas com o exercício dos direitos inerentes aos portadores de deficiências”, No mesmo sentido, o artigo 9º da Declaração dos Direitos das Pessoas Surdas-Cegas, aprovada por unanimidade em setembro de 1977, durante a Conferência Mundial Helen Keller, do Conselho Mundial para Bem-Estar dos Cegos, determinou que os surdos e cegos devem ter a oportunidade de serem consultados em relação a todas as questões que afetem seu interesse direto, como grupo social. Com maior clareza, a declaração de Manila, aprovada pela Segunda Conferência Internacional sobre Legislação das Pessoas Deficientes, proclamou em 1978 que a lei deverá garantir a máxima participação dos deficientes no processo decisório, na formulação de políticas e na implantação de planos nacionais que tenham relação com seus respeitáveis interesses coletivos. As associações particulares apóiam a mudança de comportamento da ONU. Nos Estados Unidos, a organização pelos Direitos das Pessoas Deficientes, fundada na Califórnia em 1979, institui uma Carta de Direitos do Deficiente, que tem 16 artigos. Um deles assegura, expressamente, ao deficiente “o direito de determinar seu próprio destino e definir suas próprias escolhas de vida”. A ONU calcula em 500 milhões a população mundial de portadores de deficiências físicas e mentais. No entanto, já observou que 60% dessa população não têm acesso às técnicas de reabilitação, o que contribui para a total marginalização dos deficientes no mundo. Daí a prioridade que a ONU atribui aos programas destinados à assimilação e aplicação das técnicas de reabilitação. Um documento, pedindo o fim do paternalismo. Os líderes do MDPD prometem distribuir ao público, nesta semana, cinco mil cópias de um documento que o JT divulga com exclusividade: a Carta-Programa do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes no Brasil. Assim, a distribuição da Carta-Programa coincide com a abertura do Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Seus autores começam argumentando: “A problemática das pessoas deficientes em nosso país está contida em um universo mais amplo, que abrange a formação e a situação do povo brasileiro, com o qual se confunde. A marginalização de segmentos sociais diferenciados tem sido acobertada pela tendência paternalista da elite brasileira. Esses segmentos incluem os deficientes, favelados, negros, homossexuais e prostitutas, entre outros”. “A idéia de que não existem preconceitos e de que todos os segmentos sociais estão integrados é veiculada como senso comum, corporificado em leis ditas protecionistas, que são elaboradas de cima para baixo e que mascaram a realidade”. “As atitudes paternalistas foram aceitas, pacificamente, durante longo tempo, sem questionamento e sem consciência de uma realidade que, a cada dia, se torna mais ameaçadora. Neste sentido, observa-se ainda hoje a marginalização dos deficientes refletida nos seguintes fatos”. “Um deles é a noção errônea de que os deficientes seriam inferiores em capacidade e em respeitabilidade, incapazes de tomar decisões por iniciativa própria. Outro é o despreparo de entidades e profissionais da reabilitação, que assumem inadvertidamente uma postura de superioridade com seus clientes, não os consultando sobre suas necessidades e opções pessoais”. Na Carta-Programa, há denúncias mais contundentes, quando seus autores acusam, com veemência, “instituições de permanência, onde anciãos e deficientes deterioram-se solitários, humilhados e privados de assistência até à morte”. Ou ainda “as barreiras ambientais impedindo o acesso das pessoas deficientes à escola, ao trabalho, às urnas de votação e aos locais de lazer”. Mas os autores da Carta-Programa não se limitam a denunciar sintomas de injustiça ou desigualdades sociais, que pretendem corrigir. Com esse objetivo, definem os três princípios específicos para uma mudança de comportamento em relação aos portadores de deficiências: “1º — As pessoas deficientes são uma parcela integrante da sociedade e exigem o respeito efetivo aos direitos e às responsabilidades que lhes estão reservados, para que possam participar plenamente da vida comunitária e, assim, contribuir como seres humanos socialmente úteis”. “2º — As pessoas deficientes não reivindicam benefícios que tenham as características de privilégios, dádivas ou concessões, mas reclamam o que é de seu pleno direito como cidadãos de um país e como seres humanos integrais”. “3º — As pessoas deficientes proclamam que apenas uma ação conjunta, consciente e dotada de poder de pressão será capaz de esclarecer e mobilizar a sociedade e o Estado para o diferencial de necessidades, que caracterizam os portadores de deficiências”. Legenda: Jornal da Tarde, 02 de janeiro de 1981. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
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Lilia Pinto Martins
Imagem. Retrato colorido de Lilia Pinto Martins. Contêm epígrafe: “O movimento das pessoas com deficiência deslanchou mesmo, ganhou uma consistência muito grande, durante 1981. Mas acho que, naquele momento, não estávamos nos dando conta do quanto o AIPD viria a ser influente para as organizações do movimento.”
ontraí pólio aos 2 anos de idade, durante a época da guerra, em 1941 ou 1942, no Rio de Janeiro. Na ocasião, não havia nenhum recurso no Brasil. Minha família foi surpreendida com essa realidade e me disponibilizou o que havia de melhor na ocasião. Quando tinha, talvez, uns 3 anos, frequentei uma clínica e fiz minha primeira operação em São Paulo. Durante muito tempo, fiz exercícios físicos, de acordo com as condições que existiam, porque ainda não havia fisioterapia, nem nada mais especializado na área da reabilitação. Passei longos anos da minha infância nesse esquema de fazer tratamento e cirurgias. Sempre tentando andar, usei aparelhos ortopédicos muito pesados, iam da cintura até os pés e faziam com que eu me parecesse mais com um robô do que com uma pessoa. Além disso, eu me lembro muito bem do medo que sentia ao andar de muletas com um aparelho que me pesava horrivelmente e não me dava o equilíbrio necessário. Até os 8 anos de idade, como era tradição na época, fiz mais umas seis ou sete cirurgias ortopédicas, todas visando a melhores condições para a marcha, e, depois, acho que encerrei. Acho que, no fundo, eu tinha uma percepção de que não voltaria a andar e desejava outro tipo de coisas para mim, queria parar com aquelas tentativas que me frustravam muito. Então, com uns 8 ou 9 anos, comecei a tomar grandes decisões que foram muito importantes para minha vida inteira. Na infância, não pude frequentar escolas comuns, pois nenhuma me aceitava. Eu lembro, até muito constrangidamente, que, na época, meus pais até me levaram para um teste na Sociedade Pestalozzi (instituição que atende crianças, adolescentes e adultos com deficiência intelectual). Felizmente, não fui aprovada. Caso contrário, teria feito meu primário – meu início de escolarização – na Pestalozzi. Não que eu tenha algo contra, mas acho que essa reprovação me deu a oportunidade para não me fechar num esquema mais especial. Na infância, tinha aulas particulares em casa. Não eram exatamente professoras. Eram pessoas mais velhas, senhoras, que faziam aquilo como um hobby. Não me davam nenhuma noção de dever, de disciplina, tanto que eu as enganava o tempo todo. Eu colava de mim mesma! Desse modo, acabei ficando muito por minha própria conta. Só fui frequentar escolas bem mais tarde. Tenho um casal de irmãos, gêmeos entre si, com apenas um ano de diferença em relação a mim. Eles iam para o colégio e me lembro de que eu meio que tirava uma casquinha daquela oportunidade que tinham. Eu frequentava as festas escolares, as festividades de fim de ano... E vivia aquilo um pouco como se fosse o “meu espaço”. Na época, era muito comum as meninas fazerem cadernos de recordação, que depois eram passados para que as coleguinhas escrevessem bilhetinhos a serem guardados como lembrança. As minhas coleguinhas, para quem eu fazia o meu caderno, eram as amigas da minha irmã, do meu irmão, enfim, eu vivia através deles. Isso me marcou profundamente. Por causa da deficiência, as pessoas todas, mas, principalmente, meus pais, me compensavam com privilégios. Por exemplo, como não ia à escola, eu podia acordar quando bem
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quisesse. Se resolvesse almoçar numa determinada hora, tudo bem. Se não, estava bom também. Se não queria tomar banho, não tomava. Na época, desfrutei desse poder como um ganho, mas, para uma criança, essa era uma situação meio esquizofrênica e acabou sendo prejudicial para minha vida futura. Ter todo esse poder de decisão e saber que meu desejo imperava sobre qualquer noção de disciplina ou obrigações me causaram dificuldades quando, mais tarde, precisei assumir compromissos. Também me prejudicou o fato de não ter essa noção de um espaço mais particular, onde eu pudesse experimentar o desejo como meu, sem que aquilo fosse alguma coisa disponibilizada pelo outro. Acho que eu mesma tive saúde o suficiente para romper com isso. Decidi fazer o exame de admissão para entrar num colégio particular tradicional do Rio de Janeiro e comecei a minha carreira escolar. Fiz o que, na época, era o ginásio, cursei o clássico (divisão do ensino secundário, escolhido por estudantes que desejavam cursar faculdade na área de Humanas), no mesmo colégio, e, depois, então, fui para a faculdade. Dali em diante, o processo se desencadeou normalmente. Na mesma ocasião em que resolvi frequentar uma escola, também dei um basta em todos os tratamentos. Aos 8 ou 9 anos, eu mesma tomei essas decisões. Só, então, minha família me comprou minha primeira cadeira de rodas. Até então, para me locomover, eu me arrastava pelo chão. Usava roupas que eram práticas para a circunstância. Andava sempre com uma calça comprida que, naquela época, se chamava jardineira e tinha umas alcinhas que abotoavam numa espécie de suspensório. Isso mantinha a roupa no lugar, enquanto me arrastava. Eu vivia dentro daquela roupa e me locomovia por toda parte dessa maneira. Ao coincidirem essas três coisas – o meu rompimento com aquela inércia, o fato de ter ido para uma escola e de ter recebido a primeira cadeira de rodas –, foi como se a noção da minha deficiência tivesse ganhado realmente uma referência e uma realidade. Talvez, até aquele momento, meus pais, inconscientemente, por dificuldade deles, talvez ainda esperassem um milagre que fizesse com que eu saísse andando. Mas no momento em que eu mesma senti que aquilo era uma ilusão, de certa maneira, acho que eles também desistiram daquela fantasia. Ao receber minha primeira cadeira de rodas, foi como se eu tivesse sentado, realmente, em cima da minha deficiência. Deixei de lado a reabilitação, o tratamento e realmente ganhei a vida. Fui estudar e sempre fui uma boa aluna. Da minha família, eu tive o que considero um presente. Era uma família muito grande, tanto por parte do meu pai quanto da minha mãe. Portanto, eu tinha muitos tios e primos. Uma família que sempre se reunia, estava junta para comemorar tudo: festa de aniversário, Natal, Dia das Mães etc. E tudo isso muito centrado ao redor da minha avó paterna. Com isso, convivi muito com esses primos. Tenho uma lembrança muito agradável, muito prazerosa daqueles anos em que éramos crianças e eu dormia na casa dos meus primos. Era uma verdadeira farra. Depois, mais tarde, papai construiu uma casa de campo, na qual a família toda passou a se reunir e na qual os primos sempre iam passar as férias conosco. Apesar de não ter tido uma convivência escolar – naquela época, eles recusavam mesmo as crianças com deficiência –, tive esse contato muito forte, muito intenso com primos da minha idade. Meus tios também achavam que eu podia ir para qualquer lugar. Eles se disponibilizavam a me levar. E, naquela época, uns moravam em sobrados. Mas me levavam escada acima, eu dormia com a criançada. Não tinha nenhuma diferença. Isso me fortaleceu. Até hoje, reluto entre dois planos. Num deles, vejo minha infância como um período de muita alegria, de muito encontro, com relacionamentos muito fortes, que me deram sustentação para toda uma vida de relação futura. Ao mesmo tempo, há o outro plano, marcado pela negação e pelo sofrimento, porque não é fácil para uma criança se submeter a cirurgias
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durante vários anos de sua vida, viver a questão da imobilidade, da diferença, de não poder brincar como as outras crianças. Por outro lado, às vezes, havia certa tirania, da minha parte, digamos assim. Eu ditava as regras. Quando a gente brincava de correr, eu determinava: “Não vale pular a janela, isto está fora da regra.” Se eu não podia pular a janela, ninguém podia. As coisas eram feitas a meu modo e as outras crianças acabavam se adaptando à minha maneira de brincar. Hoje em dia, penso muito em escrever sobre a questão dos irmãos das crianças com deficiência, porque realmente eles têm uma situação muito difícil também para enfrentar. Meu irmão, até hoje, comenta que era muito difícil para ele ir à escola e me deixar em casa... A culpa que isso trazia... Como não usava cadeiras de rodas e vivia pelo chão, eu trazia eles para uma situação, não digo igual, mas próxima à minha. Lembro de nós duas – minha irmã e eu – brincando durante horas. Ela também sentada no chão. Não sei o peso que isso tem na cabeça deles. Sei que tem um peso. E, para mim, também. Acho que é complicada esta coisa de você sentir que tem de trazer o outro para uma situação próxima da sua, não reconhecendo uma diferença. Eles tinham uma condição de mobilidade que eu não tinha. “Todos são irmãos, todos são iguais”, diziam. Mas me pergunto o quanto foi justo impor, de certa maneira, a meus irmãos a negação dessa diferença. Foi construída uma “amarração” entre nós, os irmãos. Um não podia ir para onde o outro não fosse. Criou-se uma situação em que o meu impedimento construía o impedimento deles. Estou falando isso em termos emocionais, no nível do inconsciente. Mas acho que isso trouxe elementos muito fortes, os quais a gente vai descobrindo ao longo da vida. Faço análise já há muitos anos, o que, para mim, foi fundamental para entender todos esses questionamentos da vivência da infância. Durante meu período de adolescência, convivi com turmas. A gente sempre frequentou Itaipava (bairro de Petrópolis, RJ), onde temos nossa casa. Havia turmas de adolescentes que iam lá. Tudo muito facilitado em função da minha condição. Eu lembro que, sempre, a nossa era uma casa de portas abertas. Era lá que se reuniam os amigos, durante nossa adolescência e mesmo mais tarde, na juventude. Era uma casa aberta para que as pessoas se dispusessem a vir e me colocassem junto, participando. Ao mesmo tempo, acho que tive um talento também, no sentido de que as pessoas conviviam muito intensamente comigo. Tive grandes amizades nessa época, com pessoas com as quais até hoje ainda tenho certa relação. Essas pessoas achavam, assim, tranquilo me carregar para aonde fossem. Lembro que havia uma piscina de água natural em uma fazenda próxima. Nas férias, a turma toda gostava muito de ir para lá. Embora o caminho fosse de terra, com ladeiras – portanto, um trajeto difícil de ser percorrido –, todo mundo me levava, puxava a cadeira ou um levava a cadeira e o outro me carregava no colo. Para eles, não era um problema eu ir junto. Também frequentei o tempo todo a praia com meus amigos. Sempre tendo um para me levar no colo, já que a cadeira não chegava até a areia. Ficava o tempo todo com todo mundo. Meus pais facilitaram essa conjunção muito grande, por conta daquela casa aberta para todos. Mas também houve uma disposição minha também, para esse encontro, para essa necessidade de relacionamento. Agora, o grande impacto foi na época da minha formatura em Psicologia. Acho que foi nesse momento que a festa acabou. Eu me vi adulta, tendo que assumir um lado profissional e, ao mesmo tempo, tive que enfrentar uma realidade para a qual não estava preparada. Assim que me formei entrei numa crise muito forte, muito intensa, a grande depressão da minha vida. Era a época dos casamentos. O período em que as pessoas jovens, entre os 20 e os 30 anos, iam se casando. Minha irmã se casou, as outras amigas e um grande amigo meu também se casaram. Realmente, entrei numa crise muito grande por conta disso. Entrei em pânico e foi quando comecei a fazer análise. Eu estava sobrando, não tinha feito uma relação. A questão da sexualidade era a grande dificuldade na minha vida pessoal. Foi muito difícil. Não ousei
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enfrentar. Naquela época, não conseguia me assumir ou me colocar como uma pessoa sexualizada. Era sempre a pessoa amiga. A companheira sempre disposta a ouvir, a confidente. Eu era o ombro amigo, sempre disponível para escutar os dramas, as crises, as histórias dos namoros de cada um dos amigos. E, claro, eu me apaixonei várias vezes. Mas foi uma coisa muito minha. Não ousava me arriscar para ver se poderia acontecer ou não uma relação de fato. Minha vida profissional me aproximou dessas questões, em nível pessoal e profissional. E foi uma troca muito importante. O diretor da Faculdade de Psicologia da PUC, no Rio, na qual me formei, me ofereceu a possibilidade de um estágio na Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR), que é lá no Rio. Não só fiz o estágio, como também, depois, fui contratada como profissional. Fiz minha carreira em torno disso. Fiquei muitos anos na ABBR. Muito da minha experiência profissional foi resultado dessa troca muito grande entre os clientes e eu. Pude me retratar em várias situações enfrentadas pelas pessoas que eu atendia. Para mim, foi uma experiência muito importante porque, através da compreensão de uma pessoa que eu atendia, podia compreender muitas questões em torno da deficiência e do que ela significa. Na ABBR, o cliente prioritário era a pessoa com deficiência física. Evidentemente, uma situação muito próxima à minha. Havia aspectos favoráveis e desfavoráveis dessa situação, na contratransferência, por exemplo. Uma vez, fui atender um paciente recém-internado numa enfermaria, por causa de uma lesão medular. Quando entrei e me apresentei como psicóloga da instituição, ele não aceitou, não quis ser atendido por mim. Percebi que, para ele, a grande pergunta ainda era: o que será de mim? Supus que minha condição de deficiente, talvez, estivesse confirmando a realidade que ele ainda não podia admitir. Por outro lado, atendi outras pessoas para as quais a situação em comum – a deficiência – facilitou muito a comunicação, a criação de uma identidade. Muitas vezes, trabalhamos em grupos essas questões. Mesmo mais tarde, já no Centro de Vida Independente do Rio de Janeiro (CVI-RJ), formamos grupos para discutir o que é ser uma pessoa com deficiência e sua sexualidade. Sempre com essa mesma preocupação: a de uma troca entre iguais. É muito difícil sair daquela posição de profissional – dona da verdade, que sabe mais do que a pessoa que está sendo atendida – e assumir uma atitude mais disponível para compartilhar situações e experiências, dar para a outra pessoa a possibilidade de um papel ativo. Para o Movimento de Vida Independente, essa é a tônica básica do conceito e da filosofia de vida independente. Tive que passar por uma série de circunstâncias que me trouxeram muitos conflitos. Saí de uma posição muito empoderada, como profissional, para poder viver a experiência de quebrar parâmetros, na época, muito bem definidos da análise, da psicologia analítica, nos quais o terapeuta, o analista, tinha que ter uma postura muito formal e controlada, para, só assim, deixar a pessoa fluir e, com isso, o inconsciente poder vir à tona. Uma posição teórica que você assume. Mas, na situação em que estava, tive que me adaptar, sem nunca tentar fugir da minha visão, da minha concepção de vida, existencial. Minha compreensão ainda é psicanalítica. Mas faço, hoje, o que já é uma proposta muito natural, isto é, transpor uma teoria psicanalítica para uma situação institucional. Você não faz psicanálise em uma instituição. Melhor dizendo, você faz psicanálise em uma instituição, mas não nos moldes da psicanálise tradicional, clássica, de consultório. E isso foi muito importante para mim, porque comecei realmente a criar espaços institucionais para um trabalho psicológico. Além dessa influência na vida profissional, como pessoa, a convivência com outros deficientes foi muito importante também para meu desenvolvimento individual. Mas uma coisa demorou um pouco mais para ser resolvida: a questão da sexualidade. Apenas quando já era uma pessoa mais madura, consegui quebrar certas resistências e dificuldades para me aproximar. Só tive a minha primeira relação sexual lá pelos 40 e tantos anos. E foi uma coisa fortuita, que surgiu.
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Na época, fiz uma pesquisa em torno da questão do que é ser uma mulher com deficiência. Achava, como ainda acho hoje – apesar dos avanços que surgiram –, que a condição da mulher com deficiência não tinha espaço algum. Em todas as discussões sobre sexualidade das quais participava, os homens sempre tomavam a frente. Todas as preocupações eram em torno deles, principalmente, daqueles com lesão medular, em virtude da questão da ereção e da possibilidade ou não de virem a ter filhos. As mulheres que frequentavam o grupo não se manifestavam. Elas próprias se colocavam muito pouco. Achei que tinha uma contribuição a dar, se pudesse refletir, junto com outras mulheres, o que significa se assumir com um corpo diferente e, assim mesmo, se reconhecer como uma mulher com sexualidade. Levei uns dois anos trabalhando, nessa pesquisa, da forma mais ampla possível. Entrevistei individualmente muitas mulheres com deficiência e fiz discussões com grupos de mulheres com deficiência, exatamente para tratar dessa questão da sexualidade. Tive algumas respostas que mudaram consistentemente minha maneira de entender essa questão. Ao mesmo tempo em que trabalhava com essas mulheres, fui reconstruindo, na minha cabeça, talvez, toda uma visão sobre o que seria ser uma mulher com deficiência. Eu tinha meus parâmetros, a minha visão de mundo, minhas dificuldades e resistências. E vi mulheres que já tinham quebrado há muito tempo essas noções, tinham ido à luta, enfrentado o desafio e construído relações afetivas e sexuais. Mulheres que tinham encarado a maternidade e estavam com relações firmadas. Mas também colhi muitos depoimentos de mulheres que confirmavam minha suspeita de que elas são muito mais rejeitadas do que os homens com deficiência. Muitas mulheres assinalaram que havia sempre um grande momento de crise, quando se apresentavam com sua deficiência e toda sua realidade. Nesse momento decisivo, havia a possibilidade de construir uma relação, em moldes muito mais verdadeiros, reais, ou, então, a relação não prosseguiria. Ao longo desse trabalho, claro que me mobilizei muito e, a partir daí, acho que pude reformular uma série de coisas. Acho que disso resultou uma mudança nos meus parâmetros de vida. Um pouco depois desse período, comecei a ter uma vida sexual ativa. Eu já não era uma pessoa jovem. Não sei se pela minha história, construí sempre relações intermediadas por terceiros. Já que a minha vida sempre foi muito assim, de viver em grupo, junto com a família, acabei construindo relações sobre as quais não tinha certeza se eram ou não eventuais, apenas para uma satisfação sexual. Não me colocava realmente como uma pessoa valorizada para uma relação mais constante, mais estável. Fiz muitas relações nesses moldes. Eu até sabia que esses homens tinham relações com outras mulheres. A última delas, a mais recente, é uma relação com um homem que sempre está viajando. A gente tem muito mais um contato pela internet do que pessoalmente, na vida real. Essa relação foi muito importante em vários níveis, mas, a partir de um momento, ele disse que tinha outra pessoa. Ainda sustentei isso, por algum tempo, mas, depois, realmente, comecei a me questionar. Será que essa é uma relação da qual se pode esperar alguma coisa? De que maneira posso reclamar uma presença, um compromisso, ou seja lá o que for, se já está sendo dito claramente que existe outra pessoa. Esse tipo de situação sempre caracterizou minhas relações e, atualmente, estou meio, assim, parada. Não sei se é uma coisa na qual pretenda insistir. Não sei. Pode acontecer. Não vou me negar a isso. Mas, talvez, tenha de reconhecer que não pude lidar bem com essas circunstâncias. Não foi um aspecto da minha vida no qual tenha tido sucesso. É uma lacuna na minha vida. Não vou dizer que não tenha lastimado, mas essa é minha realidade. Por um lado positivo, acho que construí relações muito intensas, muito íntimas, com amigos que são realmente amigos de longos anos. São amigos e amigas com os quais tenho muito prazer em estar junto. Meu envolvimento com o movimento das pessoas com deficiência começou quando trabalhava na ABBR, cujo serviço social fazia um trabalho com grupos de pacientes internos. E,
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por uma dessas coincidências felizes – ou porque, historicamente, havia um momento para isso –, dentre as pessoas internadas, havia algumas muito ativas, bastante transgressoras dos modelos tradicionais, pessoas com um nível cultural muito elevado, com grande capacidade de liderança também. Acho que, naquele momento, elas já se apresentavam assim. O trabalho desse grupo fez com que se desenvolvesse a primeira ideia de um clube, que reunisse as pessoas internadas naquela ocasião, para que começassem a trabalhar ativamente o significado do estar hospitalizado em um centro de reabilitação. O nome do clube era Clube dos Amigos da ABBR (Clam/ABBR), Clam de Clandestino, o que dava bem a noção de que a gente queria transgredir e, já naquela época, sair daquele modelo médico vigente. Acho que foi o primeiro protagonismo do nosso movimento. Uma história muito particular, que aconteceu no Rio de Janeiro, na década de 1970, e acho que foi o início de tudo. Naquele momento, estávamos iniciando um esboço do que viria a ser o movimento para reivindicar e defender nossos direitos. As pessoas que formavam o Clam/ABBR – praticamente todas elas – se tornaram líderes ativos, ficaram à frente, no início do nosso movimento. Antes do Clam/ABBR, naquela época, a única coisa que existia, lá no Rio, eram duas associações, de caráter esportivo, o Clube do Otimismo (fundado, em 1958, por Robson de Almeida Sampaio) e o Clube dos Paraplégicos, que misturavam a atividade esportiva com a função de oferecer uma subsistência básica, uma moradia, um abrigo, pois seus participantes eram pessoas bastante pobres. Através do Clam/ABBR, começamos a trabalhar questões que surgiam dentro do hospital, Mas que, depois, foram extrapoladas para toda a sociedade. No Clam, tinha o setor de acessibilidade (que, na época, não se chamava assim, evidentemente), cujo objetivo era remodelar todas as instalações da instituição, para que as próprias pessoas lá dentro tivessem acessibilidade. Outro setor trabalhava a questão da profissionalização das pessoas com deficiência. Havia também uma atuação mais política, de conscientização, trabalhada em grupos. Tudo isso aliado à prática de esportes, na época, uma ação muito congregadora. O primeiro presidente do Clam foi Fidélis Bueno, um piloto e autor do livro O Último Voo, Depoimento de um Piloto Acidentado (Arte Final, 1982), que sofreu um acidente de avião e ficou com lesões causadas por queimaduras em todo o corpo. Era uma pessoa brilhante, muito congregadora. Inicialmente, eu participava a distância, mas, quando Fidélis Bueno teve alta e saiu do hospital, ele me convidou para ficar na presidência. Relutei muito porque eu era psicóloga da instituição e não sabia como conciliar uma atividade com a outra. Era uma atividade que me envolvia com as pessoas internadas, principalmente. Eu achava que isso ia confundir um pouco meu papel de profissional, estando em uma relação muito mais informal. Temi que, talvez, me tirasse – não digo a neutralidade, pois não gosto dessa palavra –, mas um pouco do distanciamento necessário para ter um olhar que não fosse apenas o de uma relação informal. Eu queria me preservar como profissional. Foi um conflito muito grande que travei comigo mesma, mas acabei aceitando o desafio. Alguma coisa me chamava para isso. Realmente, nesse momento, me foi aberta outra dimensão, outra possibilidade de participação. Foi muito difícil, mas, ao mesmo tempo, foi empolgante estar nessa nova postura, dentro da instituição na qual trabalhava. Ter uma aproximação muito maior com as pessoas e, simultaneamente, ter o cuidado de não sair de uma postura profissional. Parece que não, mas foi muito difícil, e tive que trabalhar isso comigo mesma por muito tempo. Acabei me envolvendo bastante. Foi desse grupo inicial do Clam que se formou a primeira associação de pessoas com deficiência do Rio: a Associação dos Deficientes Físicos do Rio de Janeiro (Adeferj), criada em 1977, antes, portanto, do Ano Internacional das Pessoas Deficientes (AIPD), que foi em 1981. Fui a primeira presidente da Adeferj, da qual participavam Paulo Roberto Guimarães Moreira, paraplégico; Luís Carlos Oliveira de Morais, médico e também paraplégico; o próprio Fidélis, que era piloto e ao mesmo tempo tinha toda uma
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formação ligada à Sociologia. Mais tarde, apareceram Rosângela Berman Bieler e Izabel Maria Loureiro Maior, que também tinham participado do Clam e, depois, tornaram-se reconhecidas internacionalmente como grandes líderes do movimento. O José Gomes Blanco (único representante da Coalizão Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes na Comissão Nacional do Ano Internacional das Pessoas Deficientes) era de outro clube, era fundador da Sociedade dos Amigos do Deficiente Físico (Sadef), com a qual tínhamos uma ligação muito forte, principalmente, quando era presidida pelo Blanco. Havia um time de basquete do Clam que disputava torneios com a Sadef, com o Clube do Otimismo e o Clube dos Paraplégicos. Essa ligação, feita através do esporte, foi trazida para a Adeferj, quando ela foi criada. Apesar da prática do esporte ser um catalisador, a Adeferj tinha objetivos políticos mesmo. Objetivos esboçados no Clam que foram assumidos pela Adeferj. Por exemplo, trabalhar com a questão das barreiras arquitetônicas – como a gente dizia na época – e com a capacitação profissional das pessoas com deficiência. Sobretudo, começamos a, realmente, fazer um trabalho político para reunir as várias associações que foram sendo criadas. Havia um movimento de cegos que tinha lideranças importantes, uma atuação muito forte e um nome enorme do qual não me lembro mais. Começamos cada organização dando ênfase à questão da sua área de deficiência. Naquele momento, a gente não queria se agregar a outros movimentos. A gente queria se caracterizar como o movimento das pessoas com deficiência física, o movimento das pessoas com deficiência visual. Ninguém queria muito se misturar, apesar de que, já naquela época, fazíamos grandes eventos, ainda não nacionais, mas restritos ao Rio. Nessas ocasiões, as associações todas de luta se uniam e trabalhávamos com os cegos, com os hansenianos, com a deficiência física, auditiva. Esses eventos que promovíamos sempre tiveram um caráter amplo, analisando todas as áreas de deficiência. Até que houve um momento em que nós mesmos começamos a criticar essa composição. E, cada vez mais, começamos a encaminhar as questões em um bojo único, no qual trabalharíamos a questão dos vários tipos de deficiências como uma coisa só. Mas, em 1977, no início de tudo, os movimentos eram separados em categorias: deficientes físicos, visuais, auditivos, hansenianos que também, na época, participavam ativamente. Até que culminou, em 1981, com o Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Aí, sim, houve o grande boom, as organizações se fortaleceram e, mais adiante, em 1988, essas associações de luta participaram unidas durante a Assembleia Geral Constituinte. Acho que foi o primeiro movimento importante que atuou, efetivamente, naquela ocasião, para que a Constituição Federal contemplasse a questão da deficiência. Foi através do movimento de pessoas com deficiência que isso aconteceu. Acho que é uma coisa da maior importância, pois, a partir dali, passamos a ter uma Constituição que atendia, mais especificamente, aos direitos das pessoas com deficiência. Em função do nosso movimento, do trabalho dessas associações que se organizaram numa coalizão nacional, foram criadas leis, em todos os âmbitos, federal, estadual e municipal em defesa de nossos direitos. Eu me lembro de ter participado do 1º Congresso Brasileiro de Pessoas Deficientes, que reuniu 600 participantes, em Recife, em 1981. A grande liderança local era Messias Tavares. São Paulo também já estava presente no movimento. Nesses encontros nacionais, reuniam-se as lideranças de vários Estados brasileiros. Naquela época, a gente era muito mais aventureira do que qualquer outra coisa. Eu lembro que a gente passava por situações complicadas para participar de um evento. Você ia de qualquer maneira. Você não tinha nada previsto. Eu lembro que, uma vez, fui a São Paulo participar de um evento. Ficamos nos alojamentos dos atletas do Estádio do Pacaembu. Para
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nós, foi uma barra, ficamos em um alojamento coletivo, homens e mulheres juntos, e com um banheiro horroroso. Mas não me lembro da ocasião como sendo desagradável, porque, ao mesmo tempo, havia muita convivência e energia, principalmente, nesses encontros entre pessoas com vários tipos de deficiência. Convivíamos e começamos a fazer uma série de brincadeiras em torno disso. Foi muito interessante porque tirou muito daquela impressão de a deficiência ser uma coisa séria, pesada. A gente brincava e se divertia. Os cegos diziam, brincando: “Não aguento mais esse ambiente cheio de cadeirantes que só atrapalham a passagem.” A gente convivia com as nossas diferenças de uma maneira muito boa, interessante e, principalmente, enriquecedora. A gente fazia reuniões em qualquer espaço que nos fosse cedido, até nos quartéis da polícia, por exemplo. Vários encontros nossos, naquela época, foram realizados onde dava. A Adeferj tinha uma sala cedida e fazia reuniões, na época, na Sociedade das Bandeirantes. Depois, mais adiante, usamos um espaço cedido na Casa do Estudante, lá no Rio, que era um prédio antiquérrimo, caindo aos pedaços. Era uma coisa muito desagradável. Você não tinha acomodação boa, não tinha banheiro adaptado. A gente tinha que fazer uso como podia. Mas isso mostra como era a situação na época, quando não havia nenhuma condição favorável para uma ação nossa. E, se a gente não fosse dessa maneira, não iria para lugar nenhum. Apesar de todos os avanços, ainda hoje, você precisa enfrentar muitas dificuldades. Para muitas coisas, acho que você acaba tendo que ter uma disposição para ir, é claro. Agora, a gente tem, em nossa defesa, muita coisa já construída, muitas leis, muitos decretos, que já reforçam essa nossa força, esse nosso poder. Naquela época, a gente ia porque tinha que ir e porque queria ir. O desejo era muito forte. Então, enfrentamos viagens de ônibus sem adaptação nenhuma. Aquele grupo de cadeirantes ou de cegos fretava ou até conseguia ônibus da prefeitura, o que fosse necessário, para se deslocar. Acho muito importante mostrar o retrato do Brasil, há 30 ou 40 anos. Não havia nada, nada, nada. Na década de 1950, por aí, começaram a surgir os primeiros centros de reabilitação, pois, antes disso, também não havia nada desse tipo. A partir da década de 1950, começou a se formar o primeiro centro de reabilitação. Foi o grande boom da especialidade, lá no Rio. A ABBR foi fundada em 1958. A partir daí, começou um processo mais consistente em torno da reabilitação. O movimento das pessoas com deficiência deslanchou mesmo, ganhou uma consistência muito grande, durante 1981. Mas acho que, naquele momento, ainda não estávamos nos dando conta do quanto o AIPD viria a ser influente para as organizações do movimento. Acho que os encontros nacionais foram um grande desafio. Naquela época, para as pessoas com deficiência, deslocar-se a partir de vários Estados, para fazer um encontro nacional, era verdadeiramente uma aventura. Você não tinha recurso nenhum ou, quando conseguia algum recurso, era sempre com muita dificuldade. Mesmo ganhando a passagem de ônibus ou de avião, a viagem sempre era uma coisa muito difícil para a gente. Muitas vezes, eu me desloquei, de carro, com um amigo. Naquela época, as pessoas já começavam a ter carros adaptados. Eu ainda não dirigia. Mas ia com amigos que dirigiam. Tomávamos essa iniciativa. Era por nossa conta, ninguém estava pagando nada, nem as associações dispunham de recursos para bancar absolutamente nada. A gente pedia doações de passagens ou ia e vinha com dinheiro próprio, do jeito como conseguia. Os encontros nacionais foram grandes momentos para o movimento. Havia a participação de organizações de várias regiões do Brasil. Os conflitos eram emergentes. Havia diferenças muito grandes entre o que os grupos desejavam e reivindicavam na época. Houve muita guerra entre nós, dentro do movimento. Mas não era uma guerra destrutiva, alguma coisa que desagregasse o grupo. Acho que era um momento mesmo de muitos questionamentos,
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de uma visão de vários ângulos. Os cegos, com uma reivindicação; nós, do movimento dos deficientes físicos, com outras questões. Era uma briga saudável, porque confrontava as nossas diversidades. Dessa maneira, encaminhávamos as questões e obtinha-se um consenso. Mas houve muitos conflitos. Realmente, aquele foi um momento muito forte e, consequentemente, as pessoas batalharam muito as suas reivindicações. Acho que foi um momento histórico. Acho que esse seu trabalho é muito importante por resgatar essa memória. Acho que precisamos mesmo falar sobre isso. Essa história não vai ser conhecida, se não dermos o testemunho da nossa participação. Hoje em dia, por exemplo, temos muitas pessoas representativas do movimento em órgãos públicos, em cargos importantes. Mesmo aqui, dentro deste congresso, no qual a gente está trabalhando a questão da Convenção, percebemos a importância, a representatividade, a evolução do movimento. Posso estar exagerando, mas atribuo uma força política muito grande ao movimento. Acho que foi fundamental a nossa presença e representação. Mais do que isso, acho que foi a nossa voz que prevaleceu. O que consta, hoje, na legislação ou na Constituição, não foi coisa que a gente recebeu de outros. Não foram juristas que nos deram de presente. Ou, melhor dizendo, as leis podem ter sido feitas pelos políticos e até por juristas. Mas foram feitas sob a nossa orientação, a nossa inspiração, dentro do espírito que a gente colocou. Sempre fui contra a ideia de um estatuto da pessoa com deficiência e sou cada vez mais contra. Diante da Convenção, acho que as propostas de criação de um estatuto não deviam ser mais discutidas. Com a Convenção, acabou, definitivamente, qualquer influência ou qualquer representatividade que qualquer estatuto pudesse ter. Além do mais, o grupo que defende a existência de um estatuto não tem a representatividade que tínhamos no início do movimento. Agora, discute-se um estatuto que vem de cima para baixo, quando sempre trabalhamos de baixo para cima, no sentido de conseguir não só uma legislação, mas, até mesmo, órgãos de governo, como secretarias ou coordenadorias específicas. Acredito que isso ocorreu em virtude da força do movimento. E não só isso, havia também a enorme contribuição de pessoas com deficiência que eram também profissionais e atuavam em suas áreas específicas, como psicólogos, assistentes, arquitetos, médicos. Eu lembro que, desde cedo, no âmbito da minha profissão, participei de reuniões de trabalho, no Ministério da Saúde, e criamos, na época, um primeiro esboço do que seria a Reabilitação Baseada na Comunidade (RBC), que teria toda uma perspectiva de trabalhar na comunidade, ao invés de trazer as pessoas todas para um centro de reabilitação, que não comportaria, nem comporta atualmente, o número de pessoas que realmente precisam de reabilitação. Fomos criando e nos entranhando nos espaços das políticas públicas. Não aceito – e tenho sérias dúvidas sobre – alguns dos interesses que perpassam as pessoas que estão aflitas e desejosas de colocar um estatuto em funcionamento. Eu – que participei do movimento durante quase quarenta anos – tenho uma visão de que fomos muito atuantes, conseguimos uma representação de fato, que nos dá, até hoje, uma força que acho que a gente não pode perder, tem que cuidar com muito carinho e formar novas lideranças. É preciso promover, cada vez mais, essa representatividade. Agora, já são outras questões, já avançamos muito, Mas ainda existem muitos buracos negros que a gente precisa preencher. Eu me sinto muito orgulhosa de ter participado disso. De ter contribuído para que, no Brasil, exista, atualmente, uma situação que, realmente, me parece muito favorável. Quando você vê como está a situação em outros países da América Latina e dos países africanos de língua portuguesa – que é a visão que estamos tendo neste congresso – percebemos o quanto estamos à frente deles em muitas questões. O Movimento de Vida Independente foi trazido (em 1988) por Rosângela Berman Bieler, a partir dos centros de vida independente que ela conheceu nos Estados Unidos.
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Na época, isso coincidia com um desejo nosso – meu, da Rosângela e da Sheila Bastos Salgado, que é fisioterapeuta, sem deficiência. Nós três tínhamos, na época, uma ideia de uma organização, mais prestadora de serviços do que propriamente uma entidade de luta, de reivindicação política, porque, naquela época, a gente já tinha avançado bastante nesse aspecto. Foi um momento em que, no Rio, o movimento de pessoas com deficiência declinou bastante. As lideranças acabaram se desviando daquele foco central e, até o momento, acho que o Rio ainda está muito fragmentado em torno de várias lideranças, com objetivos diferentes. Mas, talvez, agora, (o movimento) surja de outra maneira, com os conselhos, os centros de vida independentes estaduais. Não sei, vamos ver. É um momento que ainda estou observando. Mas, de qualquer modo, quando a Rosângela trouxe essa ideia dos CVIs, vimos que tinha tudo a ver com o que desejávamos na ocasião. Nós três – Rosângela, Sheila e eu – fundamos o CVI-Rio e começamos a formar uma equipe de trabalho, para desenvolver este projeto. Havia serviços que ficaram caracterizados como específicos do movimento de vida independente, como o Aconselhamento entre Pares (troca de experiências entre pessoas). O módulo básico dos CVIs é o fortalecimento da pessoa com deficiência e sua inclusão social. Acho que tem tudo a ver com o que se discute, atualmente, quando se fala da pessoa com deficiência como protagonista da sua própria ação. Essa era a ideia básica do movimento: a pessoa com deficiência precisava ser pessoa antes de tudo, antes do que ser/ter uma deficiência. Além do mais, ela própria devia ser o agente da sua própria ação. Ela devia ter um papel ativo em qualquer processo em que fosse inserida. Era preciso sair de um modelo médico, vigente na época, em que a pessoa era simplesmente colocada passivamente na ação. Eram os especialistas que diziam o que era bom para a pessoa com deficiência, de que maneira ela podia caminhar ou até de que maneira ela tinha que caminhar. Na época, eu lembro que as pessoas com lesão medular tinham, obrigatoriamente, que fazer treinamento de marcha, mesmo que se arrastassem durante duas horas para avançar meio metro de distância. Elas tinham que estar preparadas para a marcha, qualquer que ela fosse. Eu via essa intervenção como muito ditatorial e, hoje em dia, vejo e acho fantástico que a pessoa tenha a opção pela cadeira de rodas logo de cara. Você, hoje, tem a opção de que, mesmo podendo andar, você use a cadeira por uma questão de maior conforto e maior mobilidade. Antes, era inadmissível pensar em uma cadeira de rodas como um elemento mais cômodo e que daria mais autonomia. A cadeira sempre foi considerada um peso, alguma coisa extraordinária que ocupa um espaço enorme. Como é que você – como pessoa – poderia escolher essa situação como sendo a melhor? Hoje em dia, você vê pessoas que usam prótese, pessoas que preferem não usar. Já está acontecendo isso. Sempre trabalhei em reabilitação, mas mesmo na época, como psicóloga, via certos casos em que a instituição estava querendo, por exemplo, protetizar uma pessoa sem perguntar se aquele era o desejo real dela. Por exemplo, havia uma menina de 5 ou 6 anos que já andava nos cotos, tinha uma agilidade incrível. Ia para todo lado, brincava, pulava etc. Quando foi protetizada nos dois membros, ela ficou parada, não se mexia, ficou como um robô. Começou a ficar triste. Questionamos se, naquele caso em particular, não seria melhor deixar as próteses para mais tarde, quando ela fosse adolescente e, se quisesse, poderia retomar as próteses, como também poderia não retomar. Essa liberdade de poder fazer suas opções em torno do que quer para o seu corpo é um ganho fundamental. O CVI-Rio trabalha muito essas questões particulares, dando a liberdade para a pessoa fazer suas próprias opções e escolher seu caminho. Não somos nós que vamos dizer o que é melhor para a pessoa. Ela é que tem que se encontrar, tem que se fortalecer naquilo que ela é, tem que ter consciência das suas próprias limitações, deficiências etc. A pessoa com deficiência precisa ter instrumentos que favoreçam sua vida prática de todo
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dia. Acho que é uma visão muito nova, muito diferente. Acho que o básico, agora, é trabalhar em torno disso. A partir de 1988, os movimentos políticos, lá no Rio, começaram a decrescer. Nós – que tínhamos criado uma associação muito forte que era a Adeferj – nos transferimos para o CVI-Rio e nos focamos em torno dessa nova organização. Ela deu e dá muito trabalho para conseguir sobreviver. Não é fácil manter uma organização em padrões razoáveis de ação. Acho que as conquistas que a gente obteve estão à altura da nossa luta. E acho até que – com essa nossa presença – conseguimos adesão de pessoas que também foram importantíssimas fora do movimento. Não fomos nós, sozinhos, que construímos isso. Mas acho que a nossa presença foi importante para mudar a cabeça de legisladores, de órgãos públicos, de governos, para favorecer políticas públicas que respeitem as necessidades das pessoas com deficiência. Precisamos estar ainda vigilantes, principalmente agora, para que a Convenção – que tem status de preceito constitucional – seja respeitada, pois ela contempla realmente essas novas ideias, essa nova postura, essa nova visão em relação à pessoa com deficiência. Acho que o movimento ainda tem um papel. Temos atuado, no egislativo, no executivo. A Convenção foi elaborada, aprovada na ONU e ratificada pelo governo brasileiro a partir de uma atuação consistente da Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde) e do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (Conade). Existem pessoas com deficiência à frente dos principais órgãos relativos a esse segmento social. É muito importante não perder essa posição que a gente ocupa, e, cada vez mais, incluir profissionais com deficiências em todas as áreas, pois acho que a questão da deficiência perpassa todas as áreas da atividade humana: saúde, educação, transporte, lazer, esporte, trabalho etc. E todas elas precisam considerar as questões das pessoas com deficiência. Dentro do movimento do qual participo, é uma preocupação constante a continuidade, a formação de novas lideranças. A gente tem que tratar dessa questão de uma maneira muito séria e muito objetiva. Mas, ao mesmo tempo, vejo novas lideranças se agregando ao movimento e isso tem acontecido de uma maneira espontânea. As pessoas se sentem mobilizadas, atingidas por uma ação que consideram séria, consistente, e a adesão é espontânea. Hoje, temos a companhia de várias pessoas que se somam ao movimento e que são pessoas de outra geração, com outra vivência, com outra postura. E isso é importantíssimo para a renovação do movimento. E é nossa responsabilidade cuidar para que novos líderes assumam nosso lugar. O Movimento de Vida Independente representou, no Brasil, uma coisa muito nova. Existem, atualmente, quase 20 CVIs atuantes. O CVI-Brasil é um conselho formado pelos CVIs brasileiros, que orienta as políticas e a composição dos CVIs. Por ter essa representatividade em nível nacional, o representante do CVI-Brasil pode ser eleito para a diretoria do Conade, como aconteceu com o Alexandre Baroni, originário do CVI-Maringá e atual presidente do CVI-Brasil. O Movimento de Vida Independente trouxe ao Brasil uma nova maneira de encarar a questão da deficiência e essa visão precisa ser cuidada por nós, que somos do movimento, pois, hoje, muitas pessoas que sequer participam de um CVI fazem parte da lista virtual de discussão do Movimento de Vida Independente. Os CVIs dos Estados Unidos são autônomos, isolados, não formam essa composição de unir os Estados. Aqui, apesar de ser um movimento ainda em organização, que não está totalmente consolidado, temos o CVI-Brasil. Por isso, vejo um futuro para o movimento. Espero que permaneça para propor projetos e fiscalizar as políticas públicas, que são atividades muito próprias do nosso movimento.
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Imagem. Jornal Correio Braziliense, Brasília, de 20 de abril de 1980. Contém foto, tipo retrato, em preto e branco de mulher, com legenda: “Maria Luiza, da Associação: pela reabilitação social”. (...) Deficientes vão a Figueiredo. Eles vão pedir rebaixamento das calçadas e espaço nos ônibus para as cadeiras de rodas. Maria Luiza fala dos objetivos da Associação e, entre eles, o destaque é para a formação educacional ou profissional, com a possibilidade de uma colocação no mercado de trabalho. “Temos muitos planos nesse sentido. Aqui, no Sarah, nós temos um programa para isso. Eu, por exemplo, era bibliotecária em Salvador, minha terra. Então, nada mais justo que eu continue exercendo essa função. Temos aqui sapateiros, recepcionistas, vamos ter telefonistas, etc. O nosso trabalho é o de encaminhar o deficiente para as empresas. O deficiente físico é capaz de exercer qualquer função, desde que queira”. O vice presidente da ADF-Brasília, Benício Tavares da Cunha, diz que há necessidade de uma lei que obrigue empresas reservar 10% de seu quadro de funcionários para deficientes. “Isso é muito importante e necessário. É uma forma de termos emprego.” Outra função da Associação é ajudar aos que necessitam de tratamento médico e aparelho locomotor, “Sempre recebemos pedidos de internamento, de tratamento fisioterápico e estamos fazendo tudo para encontrar vagas para esses necessitados. Quanto à parte de aparelho locomotor, nós pedimos que sejam exigidos menos documentos, porque a burocracia para o recebimento desses aparelhos é muito grande e demora muito tempo.” Para facilitar o recebimento dos aparelhos, a ADFBrasília está solicitando ao Ministro da Previdência Social, Jair Soares, que instale na sede do Sarah Kubitschek, um pequeno posto especificamente para esse fim.” Assim, o deficiente não tem que ficar de um lado para o outro mexendo com papéis”. Outra preocupação da Associação é a relação família-deficiente. Nilton Pelegrini, também membro da Associação, diz que, às vezes, uma família pode destruir um paciente por não aceitá-lo com naturalidade. “Quando um homem fica com qualquer tipo de deficiência, a família o trata como um aleijado, o que não é verdade. É preciso um trabalho junto às famílias para fazer com que elas entendam que o deficiente físico é uma pessoa capaz. REIVINDICAÇÕES Entre as reivindicações que a Associação dos Deficientes Físicos de Brasília está fazendo ao governo está o rebaixamento nas calçadas, para que eles possam subir, com suas cadeiras de rodas, sem precisar pedir ajuda. Benício Tavares diz que esse é um dos principais pontos de solicitação. “É uma barreira arquitetônica e, como essa, existem diversas outras, mas vamos primeiro a essa. Você já viu o quanto é difícil, para não dizer impossível, uma pessoa, em cadeira de rodas, subir uma calçada? Pois é, então porque não rebaixar o piso? Isso nos facilitaria muito. Outra coisa necessária são as rampas nos edifícios. Não podemos subir escadas com as cadeiras e uma rampa dá para subir. Existe uma rampa no Conjunto Nacional, mas é impraticável ir até o segundo andar da rodoviária. Ir ao aeroporto. Ir a um cinema ou teatro, também é uma dificuldade porque a maioria deles tem escadas. Os restaurantes são muito apertados para as cadeiras, os elevadores são pequenos, as portas são estreitas, enfim é uma série de coisas, de barreiras, que nos impedem de circular com mais mobilidade.” O grande problema, para Benício, são os ônibus. Ele vai pedir, em nome da Associação, ao Secretário de Serviços Públicos, José Geraldo Maciel, que, no plano de melhoria de transportes coletivos, dê atenção aos deficientes. “Uma pessoas com deficiências, que mora na cidade-satélite e tem um trabalho aqui no Plano Piloto, tem uma imensa dificuldade em relação ao transporte. Simplesmente, não há lugar no ônibus para a cadeira de rodas e, para entrar, a dificuldade também aparece. Esses problemas têm que ser vistos pelos governantes.” REUNIÃO De 17 a 23 de outubro, haverá, em Brasília, uma reunião de todas as associações estaduais para a formação da Associação Nacional dos Deficientes Físicos. Durante a reunião, será tirado um documentos com todas as reivindicações dos deficientes, para ser encaminhado ao Presidente da República. “Na mesma ocasião, teremos também os VI Jogos Nacionais sobre Cadeira de Rodas. Serão disputadas as seguintes modalidades: corrida, vôlei, atletismo, arco e flecha, tiro ao alvo, tênis de mesa e sinuca. Para esse evento, nós esperamos cerca de 1500 pacientes.” Diversos grupos estão atuando nas cidades-satélites, em conjunto com a ADF-Brasília. Benício diz que os deficientes devem procurar os coordenadores dos grupos para uma maior reintegração. Os coordenadores e locais dos grupos são: QMN 4, conjunto F. casa 20, Ceilândia: coordenadora – Luiza: QNM 34, conj. F. casa 17. Guará II, coordenador Jaime e Quadra 1. Conj. G casa 425. Gama. Coordenador Damião. Segundo Benício, o próximo programa da ADF-Brasília é a formação de cursos como os de datilografia, Inglês, recepção e computação. Legenda: Correio Braziliense, 20 de abril de 1980, Brasília/DF. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Maria Luiza Costa Câmera.
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Luiz Baggio Neto
Imagem. Retrato colorido de Luiz Baggio Neto. Contêm epígrafe: “O Ano Internacional das Pessoas Deficientes (AIPD) foi como um parto para a personalidade da pessoa com deficiência, cujos direitos básicos devem ser assegurados e cuja autonomia e identidade devem ser reconhecidas. Quem já estava discutindo essas questões teve a oportunidade de ampliar o debate com outras pessoas.”
ive pólio em 1957, quando ainda não havia a vacina Salk (desenvolvida em 1955), nem a Sabin (desenvolvida em 1962). A pólio foi muito severa comigo. Tive uma tetraparesia (incapacidade parcial de realizar movimentos voluntários com todos os membros do corpo) e passei muitos meses no Hospital das Clínicas (HC), no chamado “pulmão de aço”, um aparelho que fazia uma respiração forçada. Meus pais, evidentemente, tiveram uma atitude muito positiva que foi importante para minha recuperação. Logo que saí da fase aguda da pólio e deixei o hospital, eles decidiram partir para a reabilitação. Nos primeiros anos, um fisioterapeuta do próprio HC fazia os exercícios na minha casa. Depois, entrei para a AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente) que, naquela época, era o único centro de reabilitação que existia, embora incipiente. Lá cursei o primário e fiz reabilitação até os 20 anos de idade. Como todo sequelado de pólio, passei por seis ou sete cirurgias. Todas extremamente traumáticas porque comprometeram períodos muito importantes da minha vida. Aos 16 anos, fiz uma cirurgia de coluna que me deixou um ano e meio engessado, deitado na cama. Sem qualquer outra possibilidade, meu único relacionamento com o mundo externo era feito através das pessoas que vinham me ver no meu quarto. Foi uma fase cheia de problemas, pois é na adolescência que acontecem uma série de experiências e vivências importantes para o amadurecimento. Evidentemente, em algum momento da vida, todas as pessoas deficientes passam por situações emblemáticas de gravíssima discriminação. Mas, de forma geral, não tive falta de apoio, amizade, nem sofri discriminação por parte das pessoas próximas a mim. Não me casei. Brinco dizendo que escapei por duas vezes! Não sei se foi bom ou ruim. A gente nunca sabe avaliar essas coisas. Mas não me casei, nem tive filhos. Acho que isso não foi um grande problema. A partir do ginásio, estudei em escolas particulares da rede regular de ensino. Quando fazia o terceiro colegial, no Objetivo, na Avenida Paulista, apesar dos apelos de meu pai ao diretor, durante um ano inteiro, todos os dias, tive de subir e descer cerca de 20 degraus, carregado por meus amigos e colegas de classe, para ter acesso a minha sala de aula. Às vezes, era divertido, em outras, era um sufoco. Quebrei a cadeira de rodas duas vezes e vivi momentos de pânico. Obviamente, desconsideravam meu direito de estar ali. Hoje, se fizessem isso, era fácil, era só chamar a polícia ou o Ministério Público. Eu me formei em Letras, pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), da Universidade de São Paulo (USP). Fiz boa parte do curso onde hoje é o Conjunto Residencial, o Crusp. Nesse prédio, os elevadores só param num nível intermediário entre um andar e outro. Portanto, era inevitável ser carregado para subir ou descer escadas. Na ECA (Escola de Comunicações e Artes, USP), tive professores que não facilitaram em nada a minha vida. Lucila Bernadete, que ministrava o curso optativo sobre Literatura e Cinema, disse-me que não havia possibilidade de remanejar as aulas para o andar térreo. Acabei desistindo sem terminar o curso porque não aguentava mais esperar duas horas para reunirem seguranças do câmpus suficientes para me subir ou descer. Entrava na aula sempre atrasado e saía bem mais tarde do
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que todo mundo. Por ironia do destino, após alguns anos, encontrei a Lucila numa reunião de deficientes. Tinha sofrido um acidente e ficado paraplégica. Ironia muito triste porque ela era uma pessoa intelectualmente maravilhosa e, como pessoa, se tornou minha amiga também. Apesar de ter criado o USP Legal e abrigado a rede Saci75, esses são percalços que as pessoas com deficiência ainda vivenciam na Universidade de São Paulo. Em 1979, criei uma editora e entrei para o mundo dos livros. Mais tarde, trabalhei para editoras como Ática, Brasiliense e Difel. Na década de 1980, para um cara como eu, que usa metade de um braço, trabalhar era considerado um absurdo. No entanto, a partir de um convite que jamais imaginei receber de uma pessoa muito amiga, trabalhei como funcionário na Editora Clube do Livro. Dei minha contribuição, até que a empresa teve outro rumo. Em 1992, depois de um período dedicado ao movimento dos deficientes, voltei a montar uma editora, a Nova Alexandria, da qual me desliguei em 2004. De lá para cá, tenho me dedicado exclusivamente à atuação na Associação Brasileira da Síndrome Pós-Pólio. Comecei no movimento de pessoas deficientes em 1981, em pleno Ano Internacional das Pessoas Deficientes (AIPD), a partir de um convite feito por meu amigo Gilberto Frachetta. Eu gosto de brincar dizendo que, na verdade, ele é – ao mesmo tempo – meu melhor amigo e pior inimigo. O melhor amigo porque é um grande companheiro e pior inimigo porque me botou naquela jogada toda. Eu era estudante da USP, com ideais democráticos já consolidados, aquela coisa de esquerda, trotskista, leninista, revolucionária, e acreditava, como acredito até hoje, que era fundamental construir uma sociedade mais justa. Mas, em relação à deficiência, até então, só tinham me convidado para participar de clubinhos destinados à recreação e ao jogo de cartas. Para mim, isso era insuportável. Então, quando o Gilberto me convidou para participar de um grupo de pessoas deficientes, parti para cima dele com quatro pedras na mão. Ele me explicou os objetivos do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes (MDPD), criado no bojo da abertura democrática, e topei na hora. Gilberto tinha um carro adaptado e vinha me buscar em casa para participar das reuniões mensais do MDPD. Descobri um monte de gente deficiente brigando por questões fundamentais, como acessibilidade e transporte, coisas básicas que não eram atendidas. A gente gritava, brigava, fazia abaixo-assinados e moções. Formavam-se grupos para fazer os trabalhos e redigir as reivindicações. Aquilo me entusiasmou, eu me engajei e nunca me afastei totalmente, a não ser nos períodos em que estive profissionalmente muito absorvido. Em São Paulo as lideranças eram Cândido Pinto de Melo; Rui Bianchi do Nascimento; Lia Crespo; Ana Rita de Paula; Gilberto Frachetta; Leila Bernaba Jorge; Maria de Lourdes Guarda; Sérgio Lisboa; José Roberto Amorim; Evaldo Doin e muitos outros. Havia também o Messias Tavares, em Recife; o Robinson de Carvalho, em Ourinhos; e o Thomas Frist, da Sorri-Bauru. Havia aquela coisa de entidade “de” deficientes e “para” deficientes. E as “para” eram tratadas com um pouco de desconfiança: “Ah, você é ‘para’... O que está querendo aqui?” Havia também os cariocas, da ABBR (Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação), muito engajados, e um pessoal do Rio Grande do Sul. A nacionalização do movimento era muito difícil, pois claro, não havia, como hoje, internet, nem Skype. Tudo era na base do telefone e do correio. O telefonema interurbano era caro e a carta demorava muito. Não era fácil, mas todo mundo, ao seu modo, estava tentando construir uma plataforma básica de reivindicações para dar o salto. Muitas dessas pessoas já morreram. Foram fundamentais
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. A Rede Saci disponibiliza, em seu site, artigos, reportagens e análises que fornecem informações para estimular a inclusão social e digital, a melhoria da qualidade de vida e o exercício da cidadania das pessoas com deficiência..
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para o que somos hoje e para o que o movimento é atualmente. Com o desaparecimento delas, perdeu-se também parte da história, lamentavelmente. Entrei no movimento no começo de 1981 e, em outubro, já estava no 1º Congresso Brasileiro de Pessoas Deficientes, que reuniu 600 participantes em Recife. Aquilo foi realmente uma vertigem, uma coisa alucinante. Constatamos in loco problemas agudos como a pobreza e a discriminação dentro das famílias. As pessoas que mais deveriam dar apoio eram as que mais discriminavam. Isso era, até então, uma coisa desconhecida para mim. Em Recife, essa realidade se mostrou de forma muito cruel. Havia, portanto, a necessidade de criar um movimento muito forte. Naturalmente, por causa do AIPD, alguém da Coseas (Coordenadoria de Assistência Social da USP), da USP, resolveu fazer um censo das pessoas com deficiência na universidade. Foi uma coisa absolutamente primária. Mandavam um questionário para que a secretária de cada unidade, quando encontrasse alguém mancando ou em cadeira de rodas, perguntasse se a pessoa era deficiente, se era homem ou mulher etc. Evidentemente, era uma pesquisa com um recorte ridículo. Na época, devia haver – em todo o campus da Cidade Universitária – uns sete ou oito estudantes com deficiência. Mas essa pesquisa foi motivação suficiente para que eu, já esquentado pelos caldeirões do movimento, começasse a esboçar um grupo de pessoas com deficiência na universidade. Criamos o núcleo de estudantes da USP e acabamos tomando posse de uma sala que, por iniciativa da Coseas, deveria ter alguns toca-fitas cassete, imagine, para os cegos ouvirem os livros gravados. O local nunca funcionou desse jeito. Por um lado, não havia quem lesse e gravasse os livros e, por outro, os cegos não precisavam daquilo. Mas, sim, de um ambiente arquitetônico mais fácil para se locomover e de acesso a publicações em braile. Começamos a trabalhar com a Prefeitura da Cidade Universitária, a Coseas e o Fundusp (Fundo de Construção da Universidade de São Paulo), para garantir acessibilidade nos prédios. Conseguimos fazer algumas intervenções de imediato. Mas, outras foram incorporadas às plantas das futuras edificações do câmpus. O elevador do prédio da Letras é um exemplo. Se, hoje, essa unidade tem relativa acessibilidade às pessoas com deficiência, isso se deve àquele grupo guerrilheiro. Dentre os participantes mais ativos do núcleo da USP, lembro-me do hoje promotor Ricardo Fonseca e do Pedro Aquino. Havia também a Cristina Correia (Nia) e o Admon, estudante de jornalismo, que já não estão vivos. Havia outros que começavam a participar, mas logo desistiam. Havia pessoas com muita vergonha de ser deficiente. Na época, quando um deficiente entrava na USP, era como se tivesse deixado a deficiência para trás, durante o vestibular. Tinha virado anjo e dizia para si mesmo: “Certo, cheguei até aqui, não sou mais deficiente, nada me segura.” Eu me lembro, claramente, de ter procurado algumas pessoas para saber das condições de acesso. Elas negavam ter qualquer dificuldade. Quando eu insistia: “Mas você não tem problema nenhum para andar na USP usando muletas e cadeira de rodas?” O cara, já indo embora, dizia: “Não tenho nenhum problema, não!”. Evidentemente, considerava até uma ofensa ser questionado. Entre 1986 e 1989, apresentei, na Rádio USP FM, um programa semanal sobre pessoas com deficiência. Rui Bianchi do Nascimento, meu amigo e também militante do movimento, era o coprodutor e, muitas vezes, me substituiu. Eu acreditava que a gente não poderia tratar da questão da pessoa com deficiência, naquele programa, naquele momento, de forma rígida, acadêmica. Caso contrário, correríamos o risco de aprofundar a antipatia e a separação entre nós e a sociedade. Por isso, o programa era muito irreverente, irônico e brincalhão. Eu me lembro do nosso programa de abertura, cuja vinheta inicial era a música Inútil, do Ultraje a Rigor, que dizia “A gente não sabemos votar, a gente não sabemos trabalhar, a gente não sabemos...” Era um programa muito legal! Havia um público fiel. Mas também recebi uma ou duas cartas de deficientes visuais revoltados, porque, no entender deles, eu estava tratando com deboche a questão das pessoas com deficiência. Acontece que eu não temia dizer palavras como “aleijado”’, “chumbado” etc., pois era assim que grande parte da população conhecia e se referia às pessoas com deficiência. Hoje, vejo que parecia
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mesmo um programa estranho. Amadureci muito com essa experiência. Do ponto de vista pessoal, foi um ganho fabuloso. Pude refletir muito sobre minhas ideias, minha participação no movimento de pessoas com deficiência e os rumos que ele deveria ter. Foi quando senti que a gente precisava consolidar um diálogo muito mais estreito com o Estado, principalmente, em função da Constituição Federal que havia acabado de ser promulgada. Além disso, deveríamos manter a atitude meio guerrilheira, que, atualmente, em grande parte, não existe mais. Foi muito produtiva essa época heroica do movimento. Participamos das discussões da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), para elaborar a primeira norma sobre acessibilidade, a NBR 9050. Na ocasião, tínhamos poucos elementos para estruturar a questão da acessibilidade e do transporte no Brasil. Como parâmetro, tínhamos apenas algumas normas regionais dos Estados Unidos. Não havia ainda a Americans with Disability Act (ADA)76, que é uma lei que nós deveríamos ter também aqui. Um dos momentos dos quais participei intensamente ocorreu quando começamos a dialogar com a Companhia do Metropolitano de São Paulo. Estivemos conversando com um sujeito que se orgulhava de ter a carteira profissional número 2 do Metrô. Numa de nossas assembleias, com 30 ou 40 pessoas, ele afirmou categoricamente que a companhia não previa a presença de pessoas com deficiência em estações e trens, porque alguém com cadeira de rodas ocuparia o espaço de duas ou três pessoas em pé. Além disso, para ele, o embarque e o desembarque dessa pessoa seriam, naturalmente, muito lentos, e os atrasos iriam denegrir a imagem de eficiência do Metrô. Obviamente, o cara saiu de lá tomando pedradas de todo mundo. Continuamos a cobrar soluções do Metrô e acabamos tendo acesso às plantas da linha Norte-Sul, que é a mais problemática. Descobrimos que um dos arquitetos do Metrô, Roberto MacFadden, que foi presidente da Emurb (Empresa Municipal de Urbanização), tinha previsto poços de elevadores em várias estações, sobretudo na linha Leste-Oeste. Quando a direção do Metrô se recusou a implantar os equipamentos, ele sugeriu, então, que os espaços projetados fossem usados para instalar monta-cargas, um tipo de elevador de carga. Portanto, se não soterraram os buracos, ainda devem estar lá. Esse foi o tipo de embate e surpresa que tivemos. Lembro-me de que, num 21 de setembro, data escolhida pelo movimento para ser o Dia Nacional de Luta das Pessoas Deficientes, a gente fez um bloqueio na estação Sé do Metrô. Não havia seguranças suficientes no local para ajudar a transportar, ao mesmo tempo, 30 cadeiras de rodas pelas escadarias. Todos os seguranças da companhia foram deslocados para nos atender. O Metrô parou, literalmente. Para piorar a imagem da companhia, houve um acidente com uma moça deficiente. Os debates para incluir nossas reivindicações durante a Constituinte foram fundamentais também. Embora sem uma participação mais objetiva, pois não estivemos com os parlamentares, pudemos levar, através dos partidos e dos parlamentares próximos a nós, algumas das questões. E, sobretudo, fizemos um barulho na imprensa, para que fossem incluídas. Com a Constituição de 1988, a gente deu um salto gigantesco. Quer dizer, do Saara que era o Brasil no que diz respeito aos deficientes, saltamos para o reconhecimento de alguns direitos básicos. Depois da Constituição, vem o susto da sociedade: “Puxa, mas esses caras têm mesmo que andar de ônibus? Que absurdo! Como é que faz? Põe elevador? Abaixa o ônibus?” Essa discussão acabou se tornando bizantina por culpa nossa também. Hoje, a gente não tem condições melhores por falta de vergonha no país.
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. A lei federal Americans with Disabilities Act (ADA) foi assinada em 26 de julho de 1990, pelo presidente George H. W. Bush. A ADA representa – para as pessoas com deficiência – o mesmo que a lei federal que aboliu a discriminação e a segregação racial, de 1964, significa para os afro-americanos.
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Eu fui eleito duas vezes presidente do Conselho Municipal da Pessoa Deficiente (CMPD), criado na gestão da prefeita Luiza Erundina, pela Lei nº 11.315, de 21 de dezembro de 1992. O Gilberto Frachetta tinha sido o primeiro presidente. Embora fosse um governo bastante democrático e aberto, que criou conselhos de participação popular para tratar de políticas públicas, nada era obtido sem luta. A gente almoçava com o secretário e batia nele à tarde. De manhã, a gente ia para a imprensa acusar a CMTC (Companhia Municipal de Transportes Coletivos) de não estabelecer diálogo conosco e, no dia seguinte, a companhia tinha preparado um ônibus para inaugurarmos. A Cida Fukai, a Vera Dana e a Silvana Cambiaghi tiveram participação fundamental no grupo de barreiras arquitetônicas do CMPD. Essas pessoas construíram, junto com a Secretaria de Habitação, um Código de Edificações da cidade de São Paulo, absolutamente, acessível. Com o apoio da então secretária da Habitação, Emília Maricato, foi possível fazer, de fato, uma base de acessibilidade, de inclusão da pessoa com deficiência na cidade. São Paulo seria um paraíso se seguisse e aprimorasse realmente esse código, sem falcatruas e sem corrupção. Houve outras iniciativas também muito positivas. Por exemplo, mesmo sem uma legislação adequada, o Contru (Departamento de Controle do Uso de Imóveis) nos ajudava a cobrar acessibilidade nos cinemas restaurantes e outras áreas de uso público. Em São Paulo, o primeiro local a ser projetado com acessibilidade foi o Cine Astor, inaugurado em 1961, no edifício Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, de saudosa memória. O Contru não fez outra coisa a não ser uma grande chantagem com eles. Ameaçou aplicar uma multa lascada se não colocassem seis áreas para cadeira de rodas, uma rampa, sanitário acessível etc. Com a CMTC, chegamos a estabelecer as normas básicas de acessibilidade e a criar um projeto para todos os ônibus, Mas com a extinção “malufiana”77, da CMTC, a coisa mudou e a briga está aí até hoje. Embora houvesse muitos embates, naquela época, o CMPD foi bastante eficaz. Mas em essência, os conselhos dão o seu recado. Não estou frequentando conselhos, nem sei quem que vai lá. Desde o começo até hoje, as reivindicações continuam as mesmas que eram e continuam sendo básicas: educação inclusiva (que eu gostaria que fosse menos teórica e mais objetiva do que é hoje); acessibilidade irrestrita, ou seja, que o desenho universal seja uma determinação para tudo. Saúde para todos e que, de fato, o Estado assuma a questão da reabilitação como algo próprio dele, e não algo contratado, mediado por outros interesses que não os da própria população, como até hoje tem sido feito. Transporte acessível. Sem essa história de 1%, 10%, 5% da frota. Todos os ônibus e todas as estações do Metrô têm que ser acessíveis. Tem que haver uma frota de táxi acessível. No Exterior, pode-se perceber que dignidade não é uma coisa que se empresta. Mas, sim, algo que a sociedade reconhece. No Brasil, não tem dignidade para as pessoas de um modo geral, tanto para as com deficiência quanto para as não deficientes. Não existe dignidade, o povo brasileiro não é digno. Ele é uma vítima da sua história. Estive recentemente em Miami e vi duas coisas que me deixaram absolutamente comovido. A primeira é que todos os ônibus são acessíveis. O ônibus para, abaixa, todo mundo espera você embarcar e travar a cadeira de rodas. Dentro do ônibus, uma voz diz “parada requerida”, “esquina da rua tal com a rua tal”. A mesma mensagem também aparece por escrito. Quando para no ponto, o ônibus também diz: “Número 23, vai para o Boulevard não sei o quê”. Ou seja, acessibilidade total no transporte público. Isso é cidadania. A segunda coisa que me comoveu muito foi ver que, em todos os ônibus, há um embleminha, em cima de um banco, dizendo: “Este banco é dedicado a Rosa Parks”, a primeira negra a se recusar a ceder seu lugar no ônibus, em 1º de dezembro de 1955, na cidade de Montgomery, Estado do Alabama, para um passageiro branco, dando início ao fim de todo o sistema racista norte-americano.
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. Paulo Maluf foi prefeito de São Paulo entre 1993-1997.
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No Brasil, os ônibus têm simbolozinhos em cima dos bancos preferenciais para idosos, grávidas e aleijados, ou seja, os caras que estão em “desvantagem”. Só os ferrados têm acesso àquele troço. É muito diferente de ter conquistado o reconhecimento à cidadania, que precisamos alcançar não apenas como deficientes, Mas também como brasileiros. Há também outras questões fundamentais, como o direito ao lazer, ao entretenimento, à sexualidade, ao amor. Existem muitos deficientes vivendo situações de discriminação absoluta. Nunca há a imagem de uma pessoa deficiente associada a uma relação amorosa, na publicidade, por exemplo. Sempre é o herói superando coisas absurdas, uma tarefa gigantesca, maior do que ele, ou é uma criancinha simpática, com uma síndrome de Down. Isso só para falar em mídia. Mas nunca o amor está associado, com naturalidade, à pessoa com deficiência. A pessoa com deficiência ainda é vista como incapaz. Há medidas e leis para atender suas necessidades. Mas nunca a pessoa com deficiência é incluída no debate. Nunca ela é vista com autodeterminação. Assim como os índios são imbecis, os velhos são caducos, os deficientes são incapazes. Então, é preciso “tomar conta” deles e oferecer algo benéfico, “um conforto, para que a vida não seja tão dura e a cruzada não seja tão dolorosa...” Quando, a partir dos anos 1990, começaram a falar de “inclusão social’’, perguntei: “Mas vocês estão falando de participação plena e igualdade?” As pessoas respondiam: “Nãããããããooo! Segundo Fulano de Tal, na inclusão, a sociedade deve se modificar para atender às necessidades dos deficientes e não o contrário.” Bem, “Participação Plena e Igualdade” era o lema do Ano Internacional e se reflete perfeitamente bem no movimento pela inclusão. Mas talvez, eu esteja dando uma de ignorante que desconhece as sutilezas do emprego da expressão. É bonita a palavra “inclusão”. Mas, aqui, sentado na minha cadeira, digo que o papo é o mesmo. Enfim, nossas reivindicações sempre foram e continuam sendo acesso a tudo o que é de direito de um indivíduo que vive em sociedade e tem dignidade. Acho que as conquistas não estão à altura das reivindicações e da luta que foi empreendida. A gente vive um problema fundamental na sociedade brasileira. Não sei se decorrente de nossa origem latina ou se tem outra causa. Talvez seja essa maldição do cristianismo, que é profundo na nossa cultura. Talvez, se fôssemos mais helênicos, seríamos mais felizes. Mas acredito que somente quando a questão da tutela cair por terra, poderemos, de fato, conquistar nossa autonomia e seremos vistos como pares e não párias. Apesar disso, evidentemente, é impossível não ter melhorado nada de 1980 para cá. Melhorou, sim. As pessoas começam a ver, pelo menos, que existem direitos assegurados. Hoje, por exemplo, há vagas de estacionamento reservadas para deficientes. Quem não respeita já é considerado “malvado”. A criança não vai muito bem na escola, mas tem a rampinha. Essas coisas foram conquistas. A gente não pode radicalizar e dizer que a luta não adiantou nada. Adiantou, sim. Houve conquistas importantes. As pessoas estão mais presentes nos ambientes. Podemos notar isso. Demorei a comprar uma cadeira de rodas motorizada porque, até há pouco tempo, ela seria inútil, não havia acesso aos lugares mais comuns. Hoje, restaurantes, hotéis e cinemas já têm que ter, obrigatoriamente, a acessibilidade garantida. Naturalmente, não adianta ter acessibilidade na Avenida Paulista se, lá no Jardim Umarizal, Zona Sul, de São Paulo, há um centro de saúde, cujo médico nem desconfia do que seja uma poliomielite, por exemplo. Ainda são necessários centros de reabilitação públicos, onde as pessoas com deficiência possam ser reabilitadas o mais próximo possível da sua casa. Muitas coisas ainda precisam ser conquistadas, Mas muita coisa foi feita. Sem dúvida nenhuma, o ambiente está um pouco mais favorável. Já não é estranho você chegar e dizer: “Olha, cara, aqui está faltando uma rampa”, e a pessoa perceber que está contra a corrente. Eu me sinto privilegiado de hoje estar dirigindo uma organização como a Associação Brasileira de Síndrome Pós-poliomielite. É importante continuar lutando
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porque a pólio é uma doença erradicada em muitos países, mas nós ainda estamos aqui, vivos e sofrendo as consequências do agravamento das sequelas da poliomielite e das complicações inerentes ao passar do tempo, à velhice. Vejo que as pessoas continuam interessadas e atuantes. A sociedade está menos lenta para responder às inquietações dos deficientes. Os nossos parlamentares ouvem o que querem ouvir, evidentemente. Mas de um modo geral, sinto que há mais permeabilidade na aproximação com o Estado. No que diz respeito à questão da Síndrome Pós-pólio – uma novidade no Brasil, assim como em muitas partes do mundo –, conseguimos estabelecer alguns diálogos, por exemplo, com a Previdência Social. O Ministério Público é atuante e nos ajuda muito no momento em que a coisa endurece. Temos algum acesso à Secretaria de Saúde, apesar dos famosos “grupos de trabalho”, que não passam de formas de não fazer alguma coisa. Mesmo assim, percebe-se que há a possibilidade de diálogo e que a pressão sobre a sociedade tem um resultado mais imediato. As pessoas, talvez, não percebam, Mas existe uma abertura maior. Talvez, a gente tenha que acertar um pouco o foco, centralizar as forças e atuar com mais impacto. Da década de 1990 para cá, o movimento enfraqueceu um pouco, no Brasil. A preparação de novos líderes sempre foi um problema. Não foram criados parâmetros de atuação para as gerações seguintes. Mas poucas pessoas já eram líderes quando emergiu o movimento dos deficientes, exceto, talvez, Cândido Pinto de Melo e Gilberto Frachetta, que vinham do movimento estudantil e político. Os outros foram se formando durante a fase heroica. Quando digo isso, não estou valorizando. Não estou dizendo: “Olha, que maravilha ser herói!” Na verdade, era muito mais uma coisa tipo “vamos botar para quebrar e ver no que dá”. Os embates eram muito maiores. Hoje, temos uma forma de atuação muito mais light. O Ano Internacional das Pessoas Deficientes (AIPD) foi como um parto para a personalidade da pessoa com deficiência, cujos direitos básicos devem ser assegurados e cuja autonomia e identidade devem ser reconhecidas. Quem já estava discutindo essas questões teve a oportunidade de ampliar o debate com outras pessoas. Pessoalmente, 1981 foi o ano em que percebi que não convivia com outras pessoas com deficiência e me engajei no movimento de luta dos deficientes. O Brasil tem problemas com a história, sobretudo a recente. Não é preciso saudosismo, mas é necessário saber o que já foi feito para fazer algo novo. Além de resgatar, é preciso apontar para a frente. Por isso, o evento comemorativo dos 25 anos do AIPD foi fabuloso! A gente reviu a história do movimento, os colegas e a própria trajetória. Coisas que a gente deixa para traz, mas que, na verdade, contribuíram para a nossa própria personalidade. Resta saber em que medida aquele resgate foi só um reconhecimento ou se também impulsionou algumas ações que vieram em seguida e se vai inspirar as que devem vir. Concordo com o Ricardo Fonseca (primeiro juiz cego do Brasil), quando diz que, agora, devemos revisar e repensar como consolidar nossos direitos, pois muitos deles têm uma fragilidade legal muito grande. Tudo bem que esteja na Constituição que educação básica é para todos. Mas está no plano de educação do governo de não sei quem que a educação deve ser inclusiva. Quem me garante que, no próximo ano, não haverá uma “educação dispersiva” ou qualquer outra balela. Temos que ampliar o diálogo interno e também tentar estabelecer contato com organizações da América Latina, que têm as mesmas dificuldades. A Argentina, por exemplo, com uma economia que até está mais ou menos dando certo, é um abismo para as pessoas com deficiência. Precisamos criar instrumentos sólidos para garantir nossos direitos. Neste momento, não temos que discutir com o Executivo a implantação deste ou daquele programa. Temos que consolidar os aspectos legais dos nossos direitos para que não haja mais discussão. Encerrar o papo. Ou seja, enraizar as nossas conquistas. Essa é a nossa perspectiva agora.
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Imagem. Frente do Boletim nº 1 do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes – MDPD. Contém carimbo do símbolo da ONU para o AIPD. [Frente] Boletim 1981 ano 1 – nº 1 MDPD. R. Joaquim Antunes 611/53 05415 S.Paulo – SP 284.5493 e 65.6739. Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes – M.D.P.D. [Coluna da esquerda] O nosso protesto. Em nossa última reunião geral de 8/1, o plenário protestou de forma veemente quanto ao comportamento da presidente da Comissão Nacional para o AIPD que quase não se dirigiu às PD e não quis receber os Coordenadores do MDPD presentes na Abertura do AIPD em Bauru-SP. Tendo em vista estes acontecimentos e os anteriores, que refletem a forma de como esta Comissão foi nomeada, imposta e sem participação de representantes de Pessoas Deficientes, o plenário, por maioria de votos, resolveu renega-la. Entretanto, visando aprofundar a discussão, a Coordenação resolveu incluir o assunto na pauta da próxima reunião (21/03 FMU - Av. Stº Amaro), para definir-se a forma de como será traduzida esta decisão. Apoio e Estímulo ao Desenvolvimento do AIPD – Comissão Estadual. AIPD – Decreto nº 16.742 de 05/03/1981, do Exmo. Sr. Governador do Estado de São Paulo, criou junto a Casa Civil do Gabinete do Governador a Comissão de Apoio e Estímulo ao Desenvolvimento do AIPD que será integrada por representantes das Secretarias da Administração, Informação e Comunicações, Educação, Promoção Social, Saúde, Relações do Trabalho e Transporte, além de Ivan Ferraretto (AACD), José Geraldo Bueno (DERDIC), Stanislau Krynski (APAE), D. Dorina de Gouveia Nowill (Fund. p/Livro do Cego do Brasil), José Rodrigues Louzã (HC.FMUSP), Edmundo Pinto Fonseca (Fund. Centro Pesq. Oncologia), Luis Celso M. Moura (CEDRIS), José Evaldo de M. Doin (MDPD). Esta comissão terá a Presidência do Sr. Calim Eid (Secretário da Casa Civil) e Secretaria de Otto Marques da Silva (HC.FMUSP). [Coluna da direita] Nós fazemos o A.I.P.D. O MDPD elaborou uma programação com realização de Mesas Redondas mensais, abordando questões de interesse das PD, cujo objetivo é conscientizar, discutir e indicar soluções, comprometer o Estado e a Sociedade para as necessidades das PD e sobretudo levar às PD a lutar por seus legítimos direitos. Mesas Redondas: Dia/Mês – Assunto: 25, abril - Espaço Urbano (inter/exter); 23, maio - Trabalho; 27, junho - Transportes (indiv/colet); 18, julho - Assistência Médica, Reabilitação e Equipamentos Auxiliares; 29, agosto - Legislação; 19, set. - Lazer e Esportes; 17, out. - Educação; 21, nov. - Relações Humanas e Sociais. Todas as mesas redondas serão realizadas no Colégio Anchietanum, R. Apinagés, 2033, Sumaré, a partir de 13:00 horas. Pague sua mensalidade: mínimo de: Entidade Cr$ 500,00, Individual Cr$ 10,00. Calendário de reuniões: Dia/Mês – Local: 21, março – FMU; 11, abril – FMU; 09, maio – FMU; 13, junho – FMU; 11, julho – Anchietanum; 08, agosto – FMU; 12, setembro – FMU; 10, outubro – FMU; 14, novembro – FMU; 05, dezembro – Anchietanum. FMU – Faculdades Metropolitanas Unidas, Anchietanum – Colégio Anchietanum.
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Imagem. Continuação. Verso do Boletim nº 1. [Coluna da esquerda] A guarda agora é nacional – Durante a IV Assembléia Nacional da Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes (FCD), realizada em São Bernardo do Campo de 18 a 25 de Janeiro de 1981, Maria de Lourdes Guarda foi eleita como coordenadora Nacional, na mesma chapa Célia Camargo Leão foi eleita vice-coordenadora e o Pe. Geraldo M.L. Nascimento conselheiro Nacional. MDPD no interior – Realizada em Bauru em 28 de fevereiro a reunião do MDPD que contou com cerca de 70 pessoas representando entre outras as cidades de Marília, Bauru, Ourinhos, Jacarezinho, Lins, Rio Claro, Andradina e Pederneiras. Discutiu-se a Carta Programa do MDPD e formas de ampliar o Movimento no Interior. Luis Celso e Robson representaram a Coordenação. MDPD faz a justiça – Está sendo formada a comissão jurídica do Movimento, tendo como coordenadora a companheira Leila Bernaba Jorge. Uma das primeiras medidas foi o envio de uma carta à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos pedindo esclarecimentos sobre o caso de um deficiente físico (seqüela de pólio), de Araçoiaba da Serra (SP) não ter sido admitido para trabalhar mesmo passando no concurso. Interessante é que a EBCT está lançando selo comemorativo do AIPD. Recebemos: - A revista “Reabilitação”, editada no Rio de Janeiro, bem cuidada publicação com matérias de interesse geral e notícias variadas; - Carta da coordenadora do núcleo da FCD em Marília, Olympia Salete Rodrigues tecendo proveitosos e oportunos comentários sobre o MDPD e suas reuniões mensais; - A revista “Missões”, que conta a colaboração do companheiro Pe. Hilário. O Espírito Santo comunicou-se com o MDPD. Recebemos um Boletim do Grupo Capixaba de Pessoas com Deficiência com sua programação para o AIPD e avisando que a abertura será feita no dia 20 de março de 1981, às 17:00 hs em Vitória-ES. [Coluna da direita] Encha o Bexiga – o Bairro do Bexiga promoverá nos dias 11 e 12 de abril, uma festa com os objetivos de comemorar o Ano Internacional das Pessoas Deficientes e de proporcionar à comunidade daquele bairro um dia de lazer integrado, pois esta festa não será feita para os deficientes, mas com eles. Na ocasião, serão programados jogos e divertimentos que poderão ser disputados tanto por deficientes como por não-deficientes, sempre em nível de igualdade, As entidades interessadas em participar poderão entrar em contato com a coordenação do MDPD. Acampamento integrado – Nos dias 28 e 29 de março, o NID – Núcleo de Integração de Deficientes promoverá um acampamento no sopé do Pico do Jaraguá, que contará com a participação de pessoas deficientes e não-deficientes. Esta experiência será objeto de uma palestra que o NID irá proferir durante o Congresso Internacional Sobre Lazer e Desenvolvimento, a realizar-se em setembro deste ano, em São Paulo. Adesivos – O MDPD recebeu da AIDE – Associação de Integração dos Deficientes, como forma de colaboração, 1000 (mil) adesivos para serem vendidos, sendo que o valor total da venda ficará para o Movimento. Formigas e elefantes - O Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes teve um encontro com o prêmio Nobel da Paz, Adolfo Perez Esquivel, no dia 26 de fevereiro. Com uma parábola sobre a força da união das formigas contra o tamanho do elefante, mostrou bem a importância do entendimento que deve existir entre todas as entidades de e para deficientes, apesar das diferenças, no trabalho conjunto e na reivindicação dos direitos das pessoas deficientes dentro da sociedade. Super 8: Deficientes em Ação – A AIDE – Associação de Integração dos Deficientes e o MDPD estão promovendo, juntamente com a RTC – Rádio e Televisão Cultura, o I Concurso Nacional de Filmes Super 8 sobre as Pessoas Deficientes, dentro do programa Ação Super 8. [Rodapé do Boletim: As pessoas deficientes não reivindicam benefícios que tenham características de dádiva, privilégios ou concessões, mas reivindicam o que é de pleno direito delas como cidadãos de um país e seres humanos integrais. — Carta Programa MDPD. Legenda: Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
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Imagem. Jornal Folha de S.Paulo, com data manuscrita 5/1/81. Folha de S. Paulo – Um Jornal a Serviço do Brasil. Questão de direito. Ao menos em termos de Brasil, os tais “anos internacionais” promovidos pela ONU têm sido de uma perfeita inutilidade. Ou alguém acreditará que tenhamos dado um só passo na direção da solução do problema do menor no Ano Internacional da Criança? É pois com o ceticismo justificado pela experiência passada que se espera o que acontecerá em 1981, proclamado pela ONU o Ano Internacional do Deficiente. Não custa entretanto alimentar esperanças. Pode ser que a consciência nacional realmente desperte para a situação de parcela ponderável da nossa população, marginalizada por deficiências físicas ou mentais. O mínimo a desejar dos governantes seria a revisão da legislação que faculta ao deficiente o direito ao trabalho. Há disposições dispersas, inspiradas quase sempre na melhor das intenções, mas nem sempre capazes de ultrapassar invencíveis óbices burocráticos e preconceitos. Experiente alguém, em cadeira de rodas, tomar posse num cargo público, ainda que conquistado por concurso. Tamanhas barreiras se levantarão contra ele — mesmo que a sua deficiência não o incapacite para determinados tipos de trabalho — que será necessária quase uma sobre-humana força de vontade para vencê-las. Nesse sentido, o que se impõe, também, é uma verdadeira mudança de mentalidade; burocratas de segunda ou terceiro escalão precisariam compenetrar-ser de que não lhes cumpre dificultar — se não desejam ajudar — aqueles que, parcialmente incapacitados, ainda assim não se resignam à passividade e à acomodação. As reivindicações dos deficientes físicos incluem alterações arquitetônicas nas cidades — de maneira que sua locomoção seja facilitada —, alterações na legislação sobre equipamentos importados e uma ou outra coisa mais. O essencial, porém, é que se encare a situação desses milhões de brasileiros sob uma óptica não sentimental ou paternalista. Não é de caridade que necessitam, nem reclamam favores especiais. No fundo, como toda minoria, desejam apenas o reconhecimento de seus direitos; querem, em síntese, uma oportunidade para mostrar que podem ser úteis à sociedade, num momento em que esta reclama a participação de todos. O decorrer do ano mostrará se a proclamação da ONU vai sensibilizar os brasileiros para um problema de profundo significado humano e social. Milhões de pessoas podem escapar à marginalização completa se a sociedade, como um todo, compreender-lhes as aspirações; não serão necessários maciços investimentos, nem aparatosas campanhas, muito menos exibições de emotividade barata. Em favor dos deficientes, pede-se apenas que seus direitos sejam respeitados. E que se lhes dêem as oportunidades a que todo ser humano faz jus. E.M.N. Legenda: Folha de S.Paulo, 05 de janeiro de 1981. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
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Imagem. Jornal O Estado de S. Paulo, de 25 de outubro de 1981. Da Sucursal de Recife. Congresso começa no Recife. Com a participação de cerca de 600 deficientes, tem início amanhã no Recife o I Congresso Brasileiro de Pessoas Deficientes, que terá um caráter político e reunirá também autoridades e cientistas, como o professor Nelson Chaves que, mesmo hospitalizado, confirmou sua presença. Um dos membros da Comissão Executiva Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes, Messias Tavares de Souza, foi enfático ao dizer que a participação do nutricionista pernambucano Nelson Chaves é uma homenagem ao trabalho dele em prol dos deficientes mentais, uma vez que a carência de alimentação provoca graves lesões cerebrais, constatadas pro inúmeros trabalhos do nutricionista. O Congresso, que até ontem não tinha confirmada a participação das delegações de Mato Grosso, Sergipe, Maranhão e dos territórios, será aberto pelo governador Marco Maciel e pelo ministro Rubem Ludwig, da Educação, no Centro de Convenções de Pernambuco. No encontro, que irá até o dia 30, os deficientes discutirão não apenas os aspectos técnicos e científicos: “O debate será muito político”, disse Messias Tavares de Souza, acrescentando: “Consideramos este Congresso uma reunião política, pois será um meio de congregar os deficientes. Este ano tudo é muita motivação. E, para 1982, com o fim do Ano dos Deficientes Físicos, nós pretendemos ser um grupo de pressão, um grupo político, capaz de reivindicar mudanças no sistema de atendimento aos deficientes, nos programas de reabilitação e na luta contra as barreiras ambientais e sociais. Este Congresso, inclusive, pode determinar a criação de uma federação”. Legenda: O Estado de S. Paulo, 25 de outubro de 1981. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
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Sandra Maria de Sá Brito Maciel
Imagem. Retrato colorido de Sandra Maria de Sá Brito Maciel. Contêm epígrafe: “Entre 1981 e 1982, a Adeva e outras entidades que estavam surgindo nessa época, motivadas pelo Ano Internacional das Pessoas Deficientes, lutavam pela criação de conselhos municipais e estaduais, que promovessem a integração do deficiente, porém, no que diz respeito à abertura do mercado de trabalho a esse segmento, as coisas não estavam acontecendo.”
eu nome é Sandra Maria de Sá Brito Maciel. Nasci no dia 7 de outubro de 1946, em Porto Alegre, no Estado do Rio Grande do Sul. Meus pais são gaúchos. Além disso, são primos. Eles já moravam aqui quando minha mãe engravidou e voltou para o Sul para que eu, que sou a terceira filha, nascesse lá. Quando tinha 4 meses, retornamos todos para São Paulo. Vim ao mundo com 53 centímetros. Um bebê grande! Nasci com visão subnormal com 5% de alcance, problema que apenas foi diagnosticado corretamente após dois anos. Até essa idade, meus pais acreditavam que eu era totalmente cega, conforme os médicos haviam dito nas primeiras consultas. A partir dos 2 anos, comecei a sofrer fraturas com facilidade e frequência. Tinha até três por ano. Fui diagnosticada como portadora de descalcificação óssea congênita, uma doença pouco conhecida na época. Alguns médicos acreditavam que a causa poderia ser alguma doença que minha mãe pudesse ter contraído durante a gestação. Outros desconfiavam do parentesco entre meus pais. Devido a esse quadro, comecei a andar com mais firmeza só depois dos 5 anos. Minha mãe teve problemas de aceitação com tudo isso. A primeira filha faleceu logo após o nascimento. Já, o segundo filho não teve problema algum. Então, veio o meu nascimento. Depois, nasceu minha irmã, com deficiência mental e visual. Em seguida, nasceram normais a quarta e a quinta filhas. O fato de eu não andar deixou minha mãe tão chateada que, quando falava a meu respeito para as pessoas, ela diminuía um ano na minha idade. Fui descobrir essa história muito tempo depois, aos 24 anos! Pode parecer uma bobagem, mas, quando soube disso, fiquei muito triste. Entendi que havia um preconceito por trás e, atrás dele, estava a rejeição. Esse relato demonstra bem o tipo de reação que cada família pode ter em relação à presença de um deficiente em casa. E, se pensarmos bem, ninguém está preparado. Acho que, quando conseguimos analisar essa situação dessa forma, em vez de julgá-los, devemos relevar alguns de seus comportamentos e, até mesmo, dar graças a Deus pelas coisas que nós tivemos e outros não. Assim, talvez o melhor caminho seja tentar ver o que fizeram certo e consertarmos, nós mesmos, o que fizeram de errado. O conhecimento que eles tinham era fruto de uma cultura – ainda existente – que dificultava lidar com a diferença e gerava muitos preconceitos em relação à deficiência. Ainda hoje, vemos famílias cuidando de seus deficientes como se fossem doentes mentais totais! Existem casos de deficientes visuais adultos, inteligentes, cujos parentes, além de não ensinarem nada e não darem independência, ainda fazem tudo para eles: dão banho, comida na boca, acham que precisam limpá-los quando vão ao banheiro, coisas, assim, do “arco da velha”!
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Falo de rapazes ou homens grandes e fortes, cujas mães vêm correndo quando eles saem do banheiro, para fechar o zíper da calça deles! Coisas que causam indignação. Quando vejo essas cenas, penso: “Apesar de meus pais terem me protegido bastante, graças a Deus, não chegaram a fazer esse tipo de coisa.” Mas, conquistar minha independência foi algo que demorou bastante. Nos primeiros anos, o que mais dificultou foram as fraturas. Eles não sabiam o que fazer comigo em matéria de estudos, tinham medo de que as outras crianças esbarrassem em mim e me derrubassem. Isso durou até os meus 11 anos! Finalmente, decidiram ir à Fundação Dorina Nowill pedir orientação para a assistente social. No entanto, ela também não sabia o que fazer. A instituição atendia basicamente os deficientes visuais. Até havia uma classe para adultos deficientes visuais com problemas mentais. Porém, nunca tinham lidado com alguém com meu quadro de fragilidade óssea. Como os funcionários da fundação não encontraram outra solução, aconselharam meus pais a me colocarem nessa classe especializada em dupla deficiência. Ali, eu estaria numa classe pequena, não teria tanto perigo de me derrubarem, porque os alunos não eram crianças. Infelizmente, não perceberam o quanto era complicado colocar uma criança com inteligência normal numa classe só com deficientes mentais. Ainda por cima, todos eram adultos! Devido à timidez e insegurança, não tinha coragem para perguntar o que estava acontecendo. Tive de descobrir por mim mesma. Comecei a me comparar com as outras pessoas dali. Então, percebi a deficiência mental. Foi quando passei a me perguntar se eu era deficiente mental como eles. Embora fosse criança, comecei a observar tudo em volta e a me autoanalisar. Até que percebi que era diferente deles, que não tinha deficiência mental: “Se estou com toda essa preocupação e estou observando tudo isso, então, não devo ser igual a eles.” Por isso, digo que foi como a história do “penso, logo existo”. As professoras estavam acostumadas com aquele pessoal com deficiência mental. Tudo tinha de ser feito várias vezes, já que eles precisam repetir para aprender. Eu era obrigada a fazer da mesma forma. Tudo que o aluno fazia bem feito era uma novidade e recebia elogio. Só que eu tinha noção de que não estava fazendo nada de mais. Isso não me motivava em nada. Durante um ano e meio tive fraturas consecutivas, que me prendiam em casa, durante algum tempo. Parava por causa das fraturas e depois voltava. Quando retornava, ainda não estava andando e tinha que ser carregada no colo pelo meu pai, que me levava e ia buscar. Claro que essa situação deixava meus pais preocupados, pensando no que iriam fazer comigo. Sempre me recordo de um episódio que mostra bem o quanto minha timidez era preocupante. Aconteceu depois de me recuperar de uma das fraturas, voltei para a escola, mas, só andava de mão dada com alguma das professoras. Uma vez, tinha ido para o refeitório tomar um lanche com elas. Quando estávamos voltando, minha acompanhante me deixou no corredor, avisou que iria pegar a bolsa e saiu. Nisso, um deficiente visual começou a vir em minha direção. Eu não andava sozinha e sabia que, se não falasse alguma coisa, ou gritasse, ele não me veria e iria me derrubar. Seria mais uma fratura, mais dor, mais tudo. Assim mesmo, não falei nada. A professora viu a cena, gritou e veio correndo até mim, perguntando: “Por que você não gritou?” Não respondi. Fiquei calada de tanta insegurança e medo. Quando falo que sou tímida e as pessoas riem, costumo contar essa história, que mostra como eu era. Em 1958, fui encaminhada para uma recém-inaugurada classe de recursos no Grupo Escolar Professor Pedro Voss, no mesmo bairro. Essa sala atendia os deficientes visuais. Eles ficavam na classe comum e a professora da sala de recursos dava assistência.
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Acho interessante o pessoal de agora falar tanto sobre “inclusão”. Acho que a inclusão real era a que existia naquela época. O aluno frequentava a classe normal e tinha todo apoio na classe de recursos. Hoje, em nome da “inclusão”, as classes de recursos têm sido fechadas. É considerado “inclusão” jogar o estudante numa classe normal, sem dar praticamente nenhuma assistência. Além disso, os cursos de professores especializados em cada área de deficiência estão acabando! A educação especial está regredindo! E isso é muito complicado. Claro que o aluno pode ser colocado numa classe comum, mas, ele precisa receber uma assistência especial, como é feito em outros países. Nos Estados Unidos é habitual os professores especializados ficarem numa classe comum dando toda assistência aos deficientes. Por exemplo, no caso do deficiente visual, é necessário passar todas as matérias, exercícios e provas para o braile. Depois, os testes devem ser transcritos para que a professora comum possa corrigir. E, quando abriu essa classe no Pedro Voss, a professora especializada que foi para lá, era uma profissional em início de carreira. Era a primeira classe dela. Mas, era uma pessoa maravilhosa! Dessas que a gente fala que é psicóloga nata, que faz as coisas e nem tem noção de como está fazendo tudo certo. Fui para uma classe comum dessa escola. A Fundação me colocou no segundo ano do Primário, com assistência dessa professora especializada, chamada Dona Rute. Eu sabia ler, mas não sabia escrever. Não sei se foi por causa daquela falta de motivação, pelo fato de a pedagogia aplicada ser a mesma usada com os deficientes mentais, realmente não sei. Mas, era muito boa aluna nas outras matérias! Mesmo assim, quando fui colocada na classe comum, não consegui acompanhar a turma porque não sabia escrever. A professora comum não dava atenção nenhuma, parecia que ela não queria ter aluno deficiente na sua turma. Foi a professora especializada que acabou percebendo minhas reais necessidades. Quando chegou o meio do ano, ela decidiu ficar comigo em sua sala, por um período. Eu iria fazer o segundo ano com ela e ficar outro período na classe normal como ouvinte, para fazer amizades e conviver com outras crianças. Ficava meio período na classe normal, tentando acompanhar e fazer as coisas, com a ajuda das minhas colegas. Depois ia para outra sala, onde ficava mais meio período, recebendo lição e mais mil tarefas para serem feitas em casa. E quanto mais fazia, mais recebia outras lições. Ela falava assim: “Se a Sandra faz, é porque tem condição de fazer mais.” Em praticamente seis meses, ela me alfabetizou completamente. Fiz o primeiro e o segundo ano do primário, principalmente focada na parte de escrita. No terceiro ano, ela procurou me colocar com a professora que acreditava ter as melhores condições, atenção e experiência. Foi bom porque algumas amizades que havia feito no segundo ano estavam nessa classe, inclusive minha irmã. Minha irmã começou a estudar muito cedo, fez o primeiro ano do primário com apenas 5 anos de idade. Estávamos na mesma série, embora já estivesse com 13 anos na época. Também fizemos juntas o segundo ano. Ela foi aprovada com mais facilidade porque já sabia escrever bem, e eu não. Já, no terceiro ano cheguei ao primeiro lugar da turma. Ela e eu tínhamos a mesma altura nessa época, embora ela estivesse com 8 e eu com 13 anos. Foi quando percebi que não estava crescendo. Falei com meus pais, que me levaram ao médico. O diagnóstico dizia que eu não cresceria mais. Qualquer tratamento que fizesse apenas me faria engordar. Naquele tempo, não se falava sobre hormônio do crescimento. Minha altura seria por volta de 1 metro e 20 centímetros.
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Continuei sendo a primeira da turma durante todo o terceiro e quarto ano. Foi nesse ano que ganhei uma medalha do governador Carvalho Pinto, que era entregue ao melhor aluno do ano, de cada escola. Para que eu não precisasse fazer o quinto ano, passei a estudar em dois períodos. Um período na sala comum e o segundo, na sala de recursos, para uma espécie de preparatório para o chamado “exame de admissão” ao ginásio. A intenção era estudar na Escola Caetano de Campos, considerada uma das melhores escolas estaduais da época. Naquele tempo essa escola era bem exigente e concorrida. Fiz a prova e consegui ser aprovada. Na Escola Caetano de Campos, fiz o ginásio e o colegial clássico da época. Eu ainda era bem introvertida, mesmo em casa. Na minha rua, andava sozinha porque ficava em uma vila sem movimento. Estava sempre com minha irmã ou com meus pais, quer dizer, sempre acompanhada. Ainda na época da Caetano de Campos, quase não tinha convivência com deficientes visuais. Por isso, não fazia ideia de que poderia me locomover sozinha. Nesse aspecto, era muito protegida pela minha família. Mesmo em casa, em relação aos serviços domésticos, minha mãe nunca achou que eu pudesse fazer alguma coisa. Ela mandava minhas irmãs menores fazerem. Inclusive, nunca deixava eu me aproximar do fogão, embora tenha até me ensinado a fazer bolos que levava para a escola. Não sei se minhas irmãs ficavam bravas com isso. Acho que essa situação causou muito problema para uma de minhas irmãs, que se achava muito explorada. Minha mãe não gostava de ensinar as pessoas. Apenas observava e, se alguém fizesse algo errado, ela achava que a pessoa não saberia nunca fazer certo. Não estimulava, ao contrário, terminava deixando todos inseguros ao dizer que as coisas iam cair ou que íamos derrubar tudo. Na escola, era muito diferente. Não havia essa superproteção. Foi uma relação muito legal porque, como ia bem, tinha facilidade com as matérias, as amizades eram muito recíprocas. As meninas não me evitavam. Elas me ajudavam com minhas dificuldades e eu ensinava as matérias que não entendiam. Assim, compartilhávamos muito as coisas, fazíamos trabalhos de matemática juntas, porque era uma disciplina fácil para mim. Houve um desses exames de segundo semestre, no terceiro ou quarto ano, em que as professoras trocavam de classe. Recebemos alguém que não conhecia nossa turma e que, quando viu, do meu lado, duas ou três amigas e mais a minha irmã, todas falando comigo, achou que estavam me ajudando, ditando a matéria ou explicando alguma coisa da lousa. Quando a nossa professora foi ver as notas, eu tinha tirado 10 no exame de matemática, enquanto a turma toda que estava em volta de mim tirou 9,5 e o resto da classe tirou de 8 para baixo. Ela apenas olhou assim para nós e perguntou: “O que aconteceu aqui?” Respondemos: “Nada, não temos a menor ideia.” E as meninas ainda olharam bravas para mim, querendo saber por que tirei 10 e elas 9,5, como se eu tivesse feito de propósito, deixado de ensinar alguma coisa para elas. Mas, logo descobrimos o que aconteceu. Elas duvidaram de algumas respostas que passei e decidiram fazer de outro jeito. Todas essas experiências foram boas porque, além de me ajudar a fazer amizades, me faziam sentir que havia um relacionamento recíproco. Não era aquilo de estar recebendo ajuda por ser “diferente”. Acabava fazendo sempre amizade com as melhores alunas da classe, porque eram essas que tinham mais vontade de ajudar. Foi assim desde o primário. Interessante que no meu primeiro dia naquela sala – a que falei que estava só como ouvinte –, a professora falou para a menina ao lado da qual sentei: “Ajuda ela aí.” Tempos depois, essa garota contou que ficou muito chateada naquele momento, já que não entendia por qual razão, logo ela, teria de me ajudar. Somos amigas até hoje! Sou madrinha da filha dela e já completamos bodas de ouro de amizade, ou seja, 50 anos de amizade! Também tenho duas
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amigas que conheci no ginásio. Na faculdade foi a mesma coisa, tenho várias amigas com quem mantenho contato. Como a Caetano de Campos era uma escola maravilhosa, muito melhor do que qualquer escola particular, inclusive de agora, fiz um cursinho de dois meses e entrei na USP (Universidade de São Paulo). Prestei vestibular em 1968, com 22 anos, enquanto minhas amigas tinham 17 ou 18. Isso aconteceu porque tinha entrado na escola com 11 ou 12 anos. Estava em dúvida entre fazer Psicologia ou Direito. Sempre achei que minha área fosse o Direito e a família dizia o mesmo. Mas, não sei por qual motivo, comecei a achar que queria Psicologia. Como tinha feito Latim no clássico, optei por Matemática no último ano do colegial. Como achei que não estava bem preparada para Matemática, não prestei para Psicologia, mas para Ciências Sociais e Línguas Orientais, na USP, e para Direito, na PUC (Pontifícia Universidade Católica), porque lá não tinha Latim. Passei nos três! Logo eu, que prestei Línguas Orientais por medo de não ser aprovada em nada, por pensar nos anos de atraso nos estudos e no fato de meus pais me sustentarem. Tinha de entrar em alguma faculdade. Prestei Línguas Orientais, por acreditar ser menos concorrida. Inclusive escolhi Russo, sem saber que era o mais concorrido! Apesar de serem muito mais jovens do que eu, minhas amigas também tinham essa mesma preocupação em relação a entrar na universidade. Nunca fui reprovada em nenhum ano. Fui tão bem durante o ginásio quanto no primário. Na primeira e na segunda séries, principalmente, ainda conseguia pegar o segundo lugar da turma. Depois, ficou mais difícil porque tive professores de matemática que não queriam nem saber. Apenas colocavam a matéria na lousa e pronto. Não queriam dar explicação nenhuma. Tinha que estudar praticamente sozinha. Isso me prejudicou um pouco na terceira e na quarta séries, porém, sempre deu para passar sem exame. E na Escola Caetano de Campos a média era oito! O curso era muito bom mesmo. Mesmo depois de ter entrado nas faculdades, ainda tinha a maior dúvida sobre o que iria fazer. Comecei a assistir aulas na PUC e na USP para decidir de uma vez por todas. Foi quando percebi que o curso que iria gostar mais era o de Ciências Sociais, na USP. Mas, ao mesmo tempo, sentia que lá, além de ter de ler muito – o que seria complicado –, percebi que a rejeição do pessoal iria ser maior. Parece que a turma que se achava mais intelectual era a que mostrava mais rejeição. Eles me olhavam de um jeito que fazia com que me sentisse como uma marciana! Nesse sentido, a turma da PUC foi muito mais acessível e amiga. Senti que o curso seria menos puxado, que teria muito mais ajuda das minhas colegas para conseguir acompanhar as aulas. Depois de seis meses fazendo os dois cursos – um era na Rua Maria Antônia e o outro, na Rua Monte Alegre –, quando o curso da USP mudou para a Cidade Universitária, decidi pelo Direito, na PUC. Realmente tive muita ajuda das minhas colegas e consegui levar muito bem o curso graças a elas. Digo isso porque não tinha material em braile e, naquela época, não tinha como consultar uma internet. Porém, eu tinha colegas! Eram as mais ocupadas que liam em voz alta e gravavam para mim – naqueles gravadores com fitas de rolo de seis horas de duração – todos os livros e todas as matérias! Às vezes, passava as noites inteiras ouvindo a gravação, principalmente nas vésperas de exames. Eu também ia para a casa da amiga ou ela vinha na minha para estudarmos juntas. Outras colegas que estudavam comigo também ajudavam, porém, só uma amiga gravava toda a matéria. Fiz dois meses do cursinho Equipe, antes do vestibular. É outra lembrança boa que tenho. Tinha professores maravilhosos. Adorei essa época. Foram dois meses que parecem
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vários anos. Acho que nesse período comecei a me desembaraçar mais, devido à convivência com os professores e os alunos. Havia uma turminha de rapazes e moças que gostavam mais de estudar juntos. Talvez, por causa deles, tenha começado a ficar mais solta. E, depois, no primeiro ano da faculdade, eu já participava daqueles movimentos estudantis, em 1969 ou 70. Acho que estar envolvida nas discussões ajudou bastante, além do fato de começar a conviver mais com os rapazes. Outra coisa interessante foi que, no tempo da Caetano de Campos, até cruzava com alguns deficientes visuais, no entanto, nunca tive uma relação mais próxima ou de amizade com eles. Isso só foi acontecer no meu primeiro ano de faculdade, porque a minha irmã continuava na escola fazendo colegial clássico, na classe dos deficientes visuais. Essa irmã havia começado a estudar comigo, porém, ficou dois anos para trás. Como tinha 9 anos, não poderia ir para o ginásio com essa idade. Por isso, fez mais uma vez o quarto ano na Caetano de Campos e depois foi para o quinto ano lá mesmo. Ela saía da escola com os colegas deficientes visuais, passava na faculdade e levávamos o pessoal que morava perto da nossa casa. Como trocávamos muitas ideias, fomos fazendo amizade. Esse nosso grupo era formado por três irmãos – duas meninas e um rapaz –, eu e minha irmã. Começamos a frequentar muito a casa deles. Foi quando percebi que os três tinham menos visão do que eu e, mesmo assim, andavam sozinhos. Decidi que tinha de andar sozinha também. Nunca tinha feito isso porque meus pais não acreditavam que seria possível. Estava claro para mim que não poderia chegar para eles e dizer que iria andar sozinha. Nunca aceitariam. Ao mesmo tempo, esses novos amigos não paravam de me incentivar, sem falar nada até para minha irmã: “Olha, você vai sair da sua faculdade, vai pegar o ônibus tal e, primeiro, você vai descer aqui perto de casa. Faz primeiro esse trajeto, antes de ir para sua casa sozinha.” Combinamos tudo direitinho. E fiz. Foi assim que comecei realmente a andar sozinha, aos 23 anos. Depois que fazia as coisas, chegava em casa e contava. Meus pais ficavam assustados, mas, achavam legal. Como já tinha feito, eles apenas poderiam aceitar. Eles até vibravam junto e não tinha problema. Principalmente meu pai, porque minha mãe ainda ficava muito apavorada. Depois que dizia que havia feito e que tinha dado certo, não havia oposição, apenas incentivo. Mas eles nunca diriam para mim “faça”. Decidi que queria trabalhar quando estava no quarto ano da faculdade. Prestei um concurso para ser monitora do Mobral. Passei e muito bem. Mas, fui barrada no exame médico. Fizeram uma reunião, chamaram uma psicóloga e uma pedagoga, para me dizer que eu havia ido muito bem, que não era problema meu, porém, achavam que a minha figura iria deprimir os alunos. Disseram que, infelizmente, não seria possível e tiraram o meu nome da lista. Não entrei com recurso, com mandado de segurança, nem “quebrei o pau” como deveria ter feito, porque, naquele momento, estava querendo fazer um monte de coisas. Depois, mandei um currículo para Secretaria das Finanças do Município. Não havia concurso para fazer estágio. Os candidatos eram selecionados de acordo com o currículo escolar. Consegui um estágio de dois anos. A Secretaria de Finanças era no bairro da Liberdade, no centro da cidade. Eu fazia faculdade de manhã, na PUC, da Rua Monte Alegre, no bairro de Perdizes. Almoçava perto do trabalho, na Rua da Glória, e ia para a Secretaria, onde trabalhava da uma às 5 da tarde. Naquele tempo aconteceu o primeiro curso de programação de computador para deficientes visuais aqui em São Paulo. Fiquei sabendo porque conhecia dois rapazes deficientes que tinham conseguido um professor para ensiná-los. Depois, eles mesmos tinham conseguido
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fazer algumas adaptações. Esses moços tinham conseguido estágio no Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados). Ao mesmo tempo, eles tinham conseguido juntar uma turma para dar aula de programação de computador. Na época, o curso era da Burroughs. Eles conseguiram uma sala no Colégio Coração de Jesus para as aulas, que aconteceriam em duas noites por semana durante seis meses. Isso aconteceu em 1972, quando estava no quinto ano da faculdade e fazendo o estágio na Secretaria de Finanças do Município. Eu decidi fazer o curso, muito mais para incentivar meus amigos deficientes visuais do que por acreditar que tivesse alguma coisa a ver comigo. Queria que meus amigos aproveitassem a oportunidade de colocação no mercado de trabalho. Um dos meus amigos, o Ricardo, estudava Letras no Sedes Sapientiae. Eu ia para lá e ficava esperando até umas 6 e meia, quando acabava a aula dele. Como chegava por volta das 5 e pouco, punha a reglete, que usava para escrever em braile, num murinho da faculdade e ficava em pé, ali na rua, fazendo os exercícios do curso de programação para não perder tempo. Quando ele saía, a gente ia jantar no colégio Equipe, ali perto. Depois, íamos para o Colégio Coração de Jesus fazer o curso. Voltávamos de táxi e costumava deixá-lo em sua casa. Eu ainda morava com meus pais, perto do monumento ao Borba Gato, lá no bairro de Santo Amaro. Como minha irmã havia começado a trabalhar, ela passou a me ajudar com a condução. Parei de usar o ônibus a partir desse momento e minha vida ficou bem mais fácil. Principalmente porque não precisei mais andar a pé a distância de mais de um quilômetro entre o ponto de ônibus e a casa da minha mãe. Infelizmente meus amigos desistiram do curso. Cheguei a ficar bem deprimida na época, apesar de estar gostando das aulas, que terminaram em 1972. Éramos uma turma pequena. Só eu e mais dois foram aprovados. Além disso, não havia muita colocação profissional na área porque, na época, o mercado já estava começando a usar computadores da IBM. Mas no ano seguinte apareceu outro curso para fazer. Uma amiga que havia feito o ginásio comigo trabalhava como perfuradora na Control Data. Ela sugeriu que eu fosse falar com o chefe dela para conseguir um estágio lá, depois que acabasse o curso. Fui e falei muito sobre as aulas e o professor, que era genial, e ele se entusiasmou: “Não vou te dar estágio, vou dar outra coisa: um curso de programação IBM para vocês. Também vamos dar bolsas para quem vier de outros Estados e os melhores serão contratados. E quero conhecer esse seu professor. Vou contratá-lo para dar as aulas.” Conversei com meu professor e foi combinado um curso de dez meses de programação da IBM em duas linguagens: Assembly78 e Cobol79. Foram abertas cerca de 40 vagas. Veio gente do Rio de Janeiro, Bahia, Porto Alegre, Santa Catarina, enfim, de vários Estados. Depois de começar a fazer esse curso, já não pensava mais em exercer o Direito. Mudei totalmente o foco e passei a querer trabalhar na área de informática. Mas, mesmo assim, como havia me formado, comecei a fazer pós-graduação em Direito Tributário na PUC mesmo. Cheguei a cursar duas matérias; Teoria do Direito e Filosofia do Direito. As aulas eram aos sábados. Durante a semana, fazia as aulas da IBM na Control Data.
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. Assembly ou linguagem de montagem é uma notação legível por humanos para o código de máquina, que uma arquitetura de computador específica usa. A linguagem de máquina, que é um mero padrão de bits, torna-se legível pela substituição dos valores em bruto por símbolos chamados mnemônicos. 79
. COBOL é uma linguagem de programação de Terceira Geração. Este nome é a sigla de COmmon Business Oriented Language (Linguagem Orientada aos Negócios).
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Coincidentemente, toda a minha família acabou indo para essa área, menos a caçula. Meu irmão foi um dos primeiros. Ele era chefe da área de programação e análise do InvestBanco. Nesse período, eu e minha irmã (que trabalhava no Serpro), indicamos os dois deficientes visuais professores do curso e estagiários do Serpro como candidatos a programadores para o meu irmão. Pedimos que eles fossem avaliados e contratados, segundo suas capacidades. E assim foi feito. Meu irmão os submeteu a testes rigorosos, ficando entusiasmado com o desempenho de ambos. Quanto a nós, aconselhamos os dois a não renunciarem a suas pretensões salariais. Um deles foi contratado e o outro efetivado no Serpro, como programador pleno, com o mesmo salário do amigo. Daquele curso muita gente acabou desistindo. Talvez porque o professor era bem ligeiro e preferia lecionar para aqueles que seguiam o ritmo dele, sem dar muita atenção para os que não conseguiam acompanhá-lo. Ele ficou muito contente quando percebeu que eu estava ajudando quem ficava para trás. Ensinar era uma coisa que eu gostava muito. O pessoal passou a estudar comigo. Aqueles três que ele tinha aprovado no outro curso e mais alguns do Rio e de Porto Alegre. Assim, conseguimos terminar o curso com 13 alunos. O ano de 1973 foi o primeiro e único com maior número de deficientes visuais empregados nessa área no Brasil! E não havia nada disso de recurso especial. Não existia listagem em braile, não tinha leitor de tela, muito menos lei de cotas. Tudo aconteceu por meio de contatos políticos, por exemplo, com o prefeito e com o governador. Foi assim que conseguimos emprego em empresas como a Prodam (Empresa de Tecnologia da Informação do Município de São Paulo), a Prodesp (Empresa de TI do Estado de São Paulo) e o Serpro (Serviço de Processamento de Dados do Governo Federal) além do InvestBanco (posteriormente comprado pelo Itaú). Nós 13 conseguimos colocação no mercado, contratados em regime de CLT. Hoje, muitos já estão aposentados. No meu caso, não quis ir para onde tinha parente. Fui para a Prodesp e ainda estou na ativa. Continuo a trabalhar na Cesp (Companhia Energética de São Paulo) como analista de sistemas. No momento, estou “emprestada” para a Adeva (Associação de Deficientes Visuais e Amigos). Mas meu primeiro emprego foi na Prodesp, em 1973. Havia poucos recursos nessa época. Por isso, às vezes, éramos aceitos pela diretoria da empresa, porém, o pessoal da própria área não acreditava na gente. Era uma batalha tremenda para fazer com que eles nos passassem tarefas. Na Prodesp a coisa não foi nada fácil. Tive um chefe, durante um período, que era um dos que menos acreditava no meu trabalho. Por mais que fizesse bem, que cumprisse prazos, eu precisava brigar para conseguir serviço. Certa vez, fiquei tantos meses sem tarefas que entrei em depressão. Até deixei de fazer minha pós, porque não estava mais com ânimo. Tinha ficado deprimida com o fato de ir para a empresa diariamente, sentar e ficar olhando para a mesa. Não existe coisa mais deprimente do que uma situação dessas! Quando houve troca de diretoria na Prodesp, vários setores receberam ordem para despedir pessoal, e cada um fez sua lista. A chefia aproveitou essa ocasião e pôs os dois deficientes visuais entre os que seriam dispensados. Nós estávamos nessa lista. Eu e o outro rapaz. Quando fomos demitidos, nosso exprofessor ficou sabendo. Ele tinha contato com as diretorias das empresas, inclusive da Prodesp, onde o novo diretor foi seu chefe no InvestBanco. Após esse contato, o Departamento Pessoal foi avisado para chamar a gente de volta e dizer que havia acontecido um engano.
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Quando eles nos chamaram de volta, o outro rapaz ficou quieto e retornou, pois era ele quem sustentava a família e tinha vindo do Nordeste, tinha casado, trouxe família do Ceará para São Paulo. Já, eu disse: “É o seguinte: vocês não acreditam nos deficientes que estão aqui. Ele ainda vai ter uma batalha para conseguir convencer vocês. Eu não quero mais isso. Vou procurar um lugar onde confiem no meu trabalho. Agora, se vocês quiserem dar oportunidade a deficientes visuais, com meu salário de programador júnior, contratem dois trainees. Eu até fiz indicação de duas pessoas e eles aceitaram, sendo que estão na empresa até hoje. Eu sabia que naquela época não era fácil, mas, não pensei que fosse tão difícil. Comecei a procurar emprego e mandei currículo para a cidade inteira. Só que no currículo não havia a informação que eu era deficiente. Cheguei a ser chamada para entrevistas em muitas empresas. Mas, em cada uma, ouvia a desculpa mais absurda do que na anterior. E dava para perceber que era por causa da minha deficiência. Inclusive, mesmo depois de me chamarem para os testes e verem no currículo meu nome, “Sandra”, eles tinham a coragem de dizer: “Ah, não pegamos mulher!” Achavam que era menos feio dizer isso do que assumir que não contratavam deficientes! Ouvi isso várias vezes! E a outra justificativa que ouvia era: “Você está pedindo um salário muito alto. Pelo valor que você está pedindo podemos contratar dois.” Inventavam tudo quanto era desculpa! Outras empresas deixavam que eu fosse para o exame médico, onde era barrada. Um dos lugares onde isso aconteceu foi na Antártica. Soube que só haviam aprovado dois nos testes: eu e outro rapaz. Só que ele tinha problema cardíaco. No final, a empresa não contratou nenhum de nós. Eles me fizeram passar pelo ortopedista, por neurologista, por um monte de especialistas. Eu até perguntei: “Aqui a gente tem que participar da corrida da São Silvestre?” Nesse meio-tempo tive a ideia de entrar em contato com uma amiga que é jornalista. Existia uma seção no Jornal da Tarde, chamada “São Paulo Pergunta”. Resolvemos escrever uma carta para o jornal. Começava falando meu nome, minha altura – 1,20 cm, meu peso – 42 quilos e também a deficiência. Disse que, apesar disso, estava procurando serviço e relatei as desculpas que recebia nas empresas. Aí eu fiz a pergunta: “O direito ao trabalho não está garantido na Constituição do país?” A partir daquele momento, foi interessante, pois as pessoas me paravam na rua para perguntar: “Você é aquela que escreveu para o Jornal da Tarde?” Depois disso, ainda fiz outros testes e continuava sendo recusada. Porém, percebi que as desculpas estavam mais caprichadas. Com isso, vi que muitos leram aquela carta. Soube depois que algumas empresas afixaram a página do jornal nos quadros de aviso. Fui me preparar para o meu décimo teste: no Citibank. Cheguei lá e ninguém me perguntou nem falou nada. Fiz o teste e fui embora. Tinha achado tudo muito estranho. Consegui fazer tudo à mão, não usei o braile nem nada porque enxergava um pouquinho. Só que precisei de mais tempo e eles me deram. Fiquei o dia todo lá. Eu não estava acreditando. Já havia perdido as esperanças. Como achava que não seria aprovada, resolvi acampar, que era algo que adorava. Pretendia ir com uma turma de amigos da Prodesp. Aliás, entre 1975 e 1978, foi a época em que mais acampei. Era fácil. Não precisava de nada. Andava devagar, mancando, como dizia meu ex-marido, “remando sem usar aparelho ou bengala”. Estava me preparando para a viagem, quando meu pai me disse: “Liga lá no banco para saber. Quem sabe?” Liguei e ouvi: “Amanhã você vem fazer a entrevista.” Desliguei e a primeira coisa que disse foi: “Ih! Meu camping!” Pensei primeiro no meu acampamento porque realmente não estava acreditando!
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Mesmo assim, fui até lá, no dia seguinte, fazer a entrevista e conversei com três chefes. Um deles falou: “Você pediu muito. Só podemos pagar tanto.” Decidi fazer diferente e aceitar só para saber qual seria a desculpa deles: “Tá bom, então, aceito.” Ele respondeu: “Então, tá bom. Você vai passar pelo exame médico.” Aí não me segurei e falei: “O exame médico vai me reprovar se vocês não avisarem lá que é para me contratar, apesar da minha deficiência. Não quero mais ficar passando por exame médico como desculpa. Se vocês estão a fim de me contratar, avisem para eles. Caso contrário, me falem agora que não querem me contratar!” Ele me disse: “Pode ir sossegada. Não tem problema.” Fui e me contrataram. Havia ficado nove meses procurando emprego. Entre maio de 1975 e janeiro de 1976. Fiquei nove anos no banco. Fui promovida. Trabalhei para valer e foi muito bom. Tive chefes que confiaram realmente no meu trabalho. Eles perceberam que eu desempenhava bem tarefas mais complexa, pois eu sempre entregaria dentro do prazo. Recebia os programas mais complicados do sistema e, de fato, profissionalmente, no Citibank, eu me realizei. Dava até para esquecer que era deficiente, porque não tinha restrição. Trabalhei de verdade e eles confiaram no meu trabalho a ponto de receber promoções. Foi muito bom, embora isso não tenha acontecido durante todos os nove anos. Mas, foi assim, pelo menos, nos cinco primeiros. Depois, as chefias foram mudando e aí é o que sempre acontece na vida do deficiente. A cada mudança, você precisa começar do zero. Ninguém quer saber o que você fez, se o chefe anterior acreditava, nem o que você conseguia fazer. Tem de provar tudo novamente. É como se nada que você tivesse feito antes existisse, é como se você estivesse entrando naquele momento. Essas mudanças coincidiram com a época em que me casei e tive dois filhos. Depois que entrei no Citibank, meu sonho era morar sozinha, mesmo sem saber se conseguiria realizar todas as tarefas da casa. Seria um tratamento de choque, mas acreditava que morar sozinha seria a conquista de minha independência. Poderia viver e fazer as coisas do meu jeito. Em 1977, comprei meu apartamento. Meu pai, apesar de estar “louco da vida”, acabou me ajudando e aceitando. Isso, ao mesmo tempo em que dizia que eu estava matando minha mãe. Claro que era chantagem dele. Mas achei que tinha de sair antes de minha irmã caçula. Depois que ela casasse iria ser pior. Comprei uma quitinete na Rua Brigadeiro Tobias, que era perto do Citibank, na esquina da Avenida São João com a Avenida Ipiranga, e assim dava para ir a pé. Era perfeito para mim. Eu tinha muitos amigos e uma vida social e cultural bastante intensa. O meu apartamento era sempre frequentado pelos amigos e alunos deficientes visuais, que vinham aprender a linguagem Cobol comigo. Em 1975, inspirados na carta enviada ao Jornal da Tarde, montamos um grupo com o objetivo de reivindicar a abertura do mercado de trabalho aos deficientes visuais e mostrar ao público em geral as grandes dificuldades enfrentadas por essas pessoas, na conquista do seu espaço. O senador Franco Montoro, que foi meu professor, apresentava no Congresso os projetos que enviávamos a ele. Esse grupo, que ao longo de 1976 acabou se dispersando, foi chamado novamente por mim em 1977, para fundarmos uma entidade, com os seguintes objetivos: integrar o deficiente visual na sociedade, principalmente através de sua inserção profissional; buscar diminuir os preconceitos sociais pela convivência; levar aos não deficientes as informações sobre suas capacidades e aos deficientes a conscientização de seu papel na conquista de sua cidadania. Seria uma entidade com participação e direitos igualitários de deficientes e
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não deficientes e se chamaria Adeva (Associação de Deficientes Visuais e Amigos). A partir daí, começamos a planejar o estatuto, que foi registrado em 9 de agosto de 1978. Em 1979, Marcos, de Salvador, veio fazer o curso de Cobol em São Paulo, pois tinha sofrido um acidente automobilístico, no qual perdeu a visão. A empresa na qual trabalhava, a Dow Química, sabendo que em São Paulo havia programadores cegos, determinou que ele viesse para cá, fizesse o curso e retornasse para a empresa para trabalhar na área de processamento de dados. Ele me procurou e eu lhe dei o curso o mais rápido que pude, dando aulas em qualquer período, gravando o material para ele. Conseguimos. Ele retornou para Salvador no final do ano e, no início do ano seguinte, começou na empresa como programador. Ele acabou por encaminhar outro colega deficiente visual para São Paulo, para fazer o mesmo curso. Esse rapaz fez o curso de Cobol, terminou seus estudos e, em 1981, começou a trabalhar como estagiário e a participar da Adeva. No começo desse mesmo ano, iniciamos nosso namoro e, em setembro, nós casamos. Foi tudo realmente muito rápido. Tivemos dois filhos. Nas duas gestações foi necessário tirar algumas licenças, pois, devido ao meu tamanho, a criança pressionava meu estômago, o que me fazia vomitar, principalmente à noite. Pelo menos, não engordei, emagreci! Diante da grande quantidade de exames de raios X que fiz durante toda minha vida, minha gravidez era considerada de risco. Depois de consultar vários especialistas famosos, que só me assustaram sobre esse risco, além do sofrimento que poderia passar, resolvi consultar outro médico, que cuidou de uma amiga que havia sido mãe recentemente. Ele não era muito conhecido, no entanto, tinha sido assistente de um especialista considerado muito bom profissional. Seus comentários foram animadores: “Tá tudo bem. Mas, claro, que você, provavelmente, pode ter um filho prematuro de 7 meses, mas, isso não é problema nenhum. Quando você estiver no sétimo mês, daremos uma injeçãozinha para fortalecer o pulmão do bebê. Um filho de 7 meses tem toda a probabilidade de viver. O que vier a mais de 7 meses vai ser lucro.” A sensação foi tão boa que meus dois partos foram feitos por ele. Meu primeiro filho nasceu uma semana antes do que ele havia previsto. Tomei a injeção com sete meses, conforme o combinado. O bebê nasceu com 51 centímetros e 3,580 quilos. Um “nenezão”, mas, tranquilíssimo. Apenas tive medo de que ele tivesse de ir para incubadora. Até fui me informar sobre qual era o melhor berçário de São Paulo, porque sabia que ir para incubadora era um risco. Conheço várias pessoas que ficaram deficientes visuais após exposição excessiva ao oxigênio desses aparelhos. Decidi que meu filho teria de nascer no melhor berçário de São Paulo. Fui para a maternidade do hospital Albert Einstein. Sempre falo que tenho que agradecer muito a Deus porque tive como fazer economias suficientes para isso. Gastei exatamente o que tinha e não fiquei devendo nada para ninguém. Engraçado que essa aventura de ser mãe foi uma coisa muito doida. Achava que não poderia. Eu me via tão cheia de deficiências que achava que não poderia engravidar. Mesmo tendo consultado a médica, que afirmou que não haveria problema algum, eu ainda não acreditava que seria possível. Na hora que vi que estava grávida foi a maior realização de todas! Por isso, não quis nem saber das minhas dificuldades. Para mim, custasse o que custasse, nunca iria fazer nada para não ser mãe. Não queria saber de objeções, queria acreditar e queria que me ajudassem a acreditar. E tinha certeza, acreditava piamente que teria um filho normal e que não ia ter problema. Logo eu, que era medrosa em relação a dor. Até por tudo que havia sofrido com as fraturas. Mas não tive medo de ter filhos. Não tive nenhum medo do parto cesariano. Agora,
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sobre a parte de cuidar, não tinha a menor ideia. Nunca tinha cuidado de criança. Ninguém tinha confiado em mim para me deixar fazer alguma coisa com bebês. Jamais tinha trocado uma fralda. Quando Fernando nasceu, a Iêda, uma amiga deficiente visual, morava conosco. Dos três, ela foi quem teve mais coragem no início, fazendo, ajudando e ensinando tudo o que podia. Sabia lidar com crianças porque as irmãs tinham confiado nela para ajudar a cuidar dos sobrinhos. Essa moça morava comigo já há um tempo e era muito independente, não deixava ninguém cuidar de suas coisas. Ela lavava e passava sua roupa tão bem que andava impecável. Além disso, arrumava a casa de um jeito que não ficava um pozinho em lugar nenhum, e também cozinhava muito bem. Era uma pessoa maravilhosa. Mas, infelizmente, já faleceu. Meu marido também não ficava atrás. Foi ele quem deu o primeiro banho no bebê. Entre outras coisas, meu pai havia ensinado a ele como se pegava um recém-nascido com um braço só. Eu fui quem demorou um pouquinho mais. Com o tempo, fui criando coragem e comecei a fazer tudo também. Fora eles dois, não deixei ninguém da família ir lá para casa. Também não quis saber de ficar com minha mãe. Fiz isso porque sabia que, se eles estivessem por lá, eu continuaria a achar que não saberia nunca fazer nada. Assim, fomos nós três que demos conta daquela novidade toda. Depois dessa experiência, o nascimento do segundo foi bem mais fácil. Contratamos uma empregada mensalista para ficar com o bebê durante o dia, pois retornei ao trabalho. Não tive empregada à noite nem nos finais de semana. Desde a época de minha segunda gravidez algumas transformações ocorreram no Citibank, pois toda a diretoria foi alterada. O pessoal que era chefe foi para o exterior e a nova não estava muito interessada na questão do funcionário deficiente. Esses acontecimentos coincidiram com a introdução dos terminais de computador. Os programas, que eram codificados manualmente e perfurados em cartões, passaram a ser digitados pelo programador diretamente nos terminais. Antes mesmo de analisarem se eu iria conseguir ou não trabalhar no terminal, eles já acreditaram que não seria possível e pronto! Inclusive colocaram o equipamento da minha sala num lugar tão alto, que não tinha a menor chance de eu alcançar. Acho até que fizeram assim para que não alcançasse mesmo. E, então, também passei a achar que não ia ser possível. Ao mesmo tempo, não tinha condições de experimentar, logo, não dava para ter certeza. Depois, quando nasceu meu segundo filho, o banco esperou passar um mês da volta da licença e me fez uma proposta. A ideia era me mandar para uma entidade onde eu daria cursos durante três anos e o meu salário seria pago pelo Citibank. Indiquei para eles uma associação, a APPD (Associação dos Profissionais de Processamento de Dados) aqui de São Paulo e fui para lá. Durante esse período, fiquei procurando emprego, o que acabei conseguindo exatamente após o término do acordo com o banco. Por isso que não posso reclamar, pois Deus sempre me ajudou. Desde a fundação da Adeva até essa época, continuei sempre preparando as pessoas para trabalhar na área de processamento de dados. Essa colocação, no entanto, não era fácil. Tentávamos junto ao governo estadual, na Prodam e em empresas privadas. Entre 1981 e 1982, a Adeva e outras entidades que estavam surgindo nessa época, motivadas pelo Ano Internacional das Pessoas Deficientes, lutavam pela criação de conselhos municipais e estaduais que promovessem a integração do deficiente, porém, no que diz respeito à abertura do mercado de trabalho a esse segmento, as coisas não estavam acontecendo. Apesar disso, ainda conseguimos colocar algumas pessoas no Banespa, Serpro, Cesp e Eletropaulo e, em 1984, colocamos mais um na Cesp.
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Fiquei dando cursos e tentando empregar esse pessoal e a mim mesma, até 1988, quando consegui falar com o prefeito Jânio Quadros sobre o monopólio que existia na Prodam, que não estava mais contratando e, quando contratava, era por indicação de alguma entidade. Expliquei a ele que não queríamos indicações para nossa entidade. Queríamos um processo aberto para todas as instituições, para que todos pudessem concorrer em condições iguais. O Jânio afirmou que não aprovava monopólios e assim abriu a oportunidade para que o pessoal da Adeva e outras pessoas pudessem fazer os testes na Prodam. Dessas pessoas, seis foram contratadas, inclusive eu e meus alunos. Eram épocas bem movimentadas e era difícil para conciliar trabalho, vida familiar e participação na Adeva e em outros movimentos sociais, mas acabava dando tudo certo. Os trabalhos e eventos da Adeva só podiam ser realizados à noite e em finais de semana. Sempre levei meus filhos às atividades da entidade, como bazares, churrascos no Sesc, onde ficava na portaria com o carrinho do bebê, trocando fraldas e os alimentando, enquanto trabalhava. Nossos filhos percebiam nossas deficiências, mas nunca deixamos eles se sentirem responsáveis por serem nossos guias. Eles viam muito o pai ajudar a mãe e a mãe ajudar o pai. Eles sabiam que, como eu enxergava um pouco, quando andávamos juntos, dava a impressão de que eu estava guiando meu marido. Ao mesmo tempo, ele estava me ajudando com o problema físico. Acho que eles não tinham aquela preocupação de nos ajudarem. Talvez a situação tenha ficado complicada com a separação. Acho que pesou muito para eles, psicologicamente. Percebi que eles ficaram meio perdidos no começo, pensando como teriam de agir daquele momento em diante, em relação aos pais. Outra coisa interessante é que eles nunca se queixaram de comentários preconceituosos na escola. Soubemos, mais tarde, de situações que mostram o quanto nossos filhos levaram as coisas até na brincadeira. Por exemplo, o meu exmarido usa prótese nos dois olhos. Descobrimos que um dos meninos levou uma delas para mostrar aos colegas, fazendo gozação: “Olha o olho do meu pai.” Agora eles contam isso como piada. No que diz respeito a minha dificuldade física, da puberdade até a menopausa tive poucas fraturas, mas em 1993 tive uma grave de fêmur e, como para o meu caso não foi recomendada nenhuma cirurgia, fui para a cadeira de rodas. Foi na época em que os meninos já estavam um pouco maiores. Um estava com 11 e outro com 9 anos. Imagino que esse tenha sido um momento complicado para a cabeça deles. Eu sonhava em voltar a andar, porém, quando percebi que não era mais possível, retomei minhas atividades normais. Continuei com as mesmas responsabilidades e a mesma independência. Quando resolvi “encarar” a cadeira eu me adaptei. Lutei também para convencer a empresa de que poderia retornar ao trabalho, mesmo na cadeira de rodas. Não só consegui como também cheguei, pouco tempo depois, a coordenar uma equipe de programadores durante dois anos. Quanto aos anos de militância nos movimentos de pessoas com deficiência, lembro que foi uma fase bem interessante. A gente participou muito em nível nacional. Entre 1980 e 1982, procurávamos muito a representatividade não só em termos de leis, mas, também tentávamos unir as entidades. Porém, havia muita divergência, tinha aquele pessoal que queria fazer organizações separadas por deficiências, já outros eram a favor da união. Havia muita polêmica nessa parte. Mesmo assim, houve a tentativa de fazer alguma coisa juntos, mas, havia muita desunião. Acho que isso acontece sempre, em qualquer partido político também. Várias tendências e dificuldades.
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Porém, esse cenário não impedia que viajássemos e realizássemos congressos. Fomos para Brasília, fazer contatos com políticos. Fazíamos alguns eventos e palestras que duravam todo o final de semana. Depois, resolvemos fazer vários congressos pelo país para saber como fundaríamos a federação de entidades e movimentos de pessoas deficientes. Foi nessa época que conheci Lia Crespo, do NID (Núcleo de Integração de Deficientes). Partilhávamos das mesmas ideias. Lembro que, na época, São Paulo teve uma posição diferente das outras localidades. Aqui, fomos favoráveis a uma união, a fazer uma federação de todas as deficiências, pois achávamos muito mais representativo. Eu, a Lia e as nossas entidades pensávamos assim. Mas, quando realizamos um congresso nacional, na região do ABC, aqui em São Paulo, para resolver essa questão, perdemos a posição. Assim, foram fundadas quatro federações. Uma de deficientes visuais, uma de auditivos, uma de deficientes mentais e a outra de físicos. Porém, como prevíamos, não foram entidades fortes, justamente por serem menores. A de deficiente visual existiu até pouco tempo. Acredito que uma estrutura global teria sido muito mais forte. Talvez, a nossa posição fosse utópica, porque as reivindicações eram muito diferentes para cada grupo de deficiências. Foi uma pena. Mas, brigamos, escrevemos e falamos bastante. Eu me lembro que íamos às reuniões em São Bernardo usando a perua Kombi da Lourdes Guarda, que morava no hospital Matarazzo, e depois levava a gente em casa. Eu ia sentada em cima do motor, mesmo grávida de uns seis ou sete meses. Além disso, era uma das últimas a ser entregue, e chegava em casa quebrada. Quando estava no quinto mês da segunda gravidez, tive uma hemorragia. Foi no dia em que estava mudando de apartamento. Os homens estavam lá montando o meu quarto. Estava sentada no chão e eles montando os móveis, quando senti a hemorragia. Corri apavorada para o banheiro, com medo de perder o bebê. E, ao mesmo tempo, falava para ele: “Você vai me obedecer! Pelo menos agora, você vai me obedecer. Você vai ficar quietinho aí! Não vai sair, nem vai se mexer. Não tá na hora ainda! Fica aí quietinho. Obedece a mamãe. Você vai ficar aí, não vai sair.” E ele ficou. Chegando ao médico ele providenciou um ultrassom e, quando fui fazer esse exame, as mulheres ficaram muito curiosas, acho que pela minha deficiência. Elas entravam, falavam, olhavam, cochichavam e perguntavam: “Você nasceu deficiente? Desde quando você é deficiente? Tem mais gente deficiente na sua família?” Quando relatei tudo ao médico, ele me tranquilizou dizendo que eu estava com a placenta baixa, mas que voltaria ao normal, recomendando apenas que tomasse os devidos cuidados. Como, depois de mais de um mês, não havia acontecido nada, voltei a minha vida normal de sentar no motor da Kombi e chegar morta em casa. Inclusive fui participar de um congresso que aconteceu em dezembro, quando já estava nos últimos dias da gravidez, com a barriga gigante, no qual fiquei falando um tempão em pé. Um dia, chegando da Adeva em casa, começaram as contrações. Foi engraçado porque meu marido havia saído para comprar o remédio recomendado pelo médico. Recebi a visita de um casal que foi à minha casa se desculpar por uma pilantragem que haviam feito um tempo antes. Eles e outros deficientes haviam ido a outra entidade vender algumas cestas de Natal, em nome da nossa organização, sem que soubéssemos. Eu preferiria que eles fossem embora para que eu pudesse me arrumar e ir para a maternidade, pois eram pessoas com as quais não tinha nenhuma intimidade. Eu dizia: “Tá tudo bem. Acabou. Vamos esquecer isso.” Andava pela sala, porque parecia que assim sentia menos a contração, e repetia: “Tá tudo bem. Vamos esquecer isso.” E eles insistindo: “Você não quer ajuda? Quer que a gente fique para ajudar a
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arrumar a mala ou para fazer alguma coisa?” Respondia que não, quase dizendo: “Pelo amor de Deus, vão embora!” Quando eles, finalmente, saíram e meu marido voltou, fui para o hospital, direto para a sala de parto. Assim como no primeiro filho, o segundo nasceu bem rápido. Um nasceu ao meio-dia e meia e o outro à meianoite e meia. A Adeva, com a Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes (FCD), coordenada pela Lourdes Guarda; o Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes (MDPD) e o Núcleo de Integração de Deficientes (NID), lutaram pela implantação dos conselhos estaduais e municipais dos direitos das pessoas deficientes. O conselho estadual foi conseguido no governo de Franco Montoro e o municipal com Mario Covas. A Adeva participou das primeiras diretorias de ambos os conselhos. Depois de algumas discordâncias, principalmente referentes aos critérios de escolha de novos conselheiros, decidimos nos retirar. Lutávamos para que o conselho fosse paritário, ou seja, para que tivesse representação das entidades de deficientes, das prestadoras de serviço para pessoas deficientes e das secretarias de Estado. Percebemos que os conselhos, apenas sendo consultivos e não deliberativos, muito pouco estavam fazendo. As deficiências são diferentes e cada grupo tinha suas próprias reivindicações. Para o deficiente físico, por exemplo, a acessibilidade é essencial, obviamente. Para o visual, é o acesso à informação escrita, já que seu problema é a leitura. E isso está relacionado às áreas de educação e cultura. A posição da minha entidade, a Adeva, e da organização da Lia, o NID, era a de que nunca reivindicaríamos ações paternalistas ou que sugerissem que as pessoas deficientes só devam ter direitos e não deveres. Nossa posição sempre esteve ligada à igualdade, à participação e aos direitos, porém, com deveres. Mas não devemos lembrar apenas de nossas experiências negativas. Por isso, quero citar alguns episódios que demonstram que política é a ciência de promover e realizar o bem comum. Quando estávamos na época da implantação do Conselho Municipal e fazíamos as reuniões em pleno saguão da prefeitura, o prefeito Mario Covas veio até nós, sendo prático e objetivo, como de costume, perguntou como seria o conselho que imaginávamos. E ele tomou todas as providências para que o conselho fosse uma realidade. Noutra ocasião, o prefeito estava inaugurando uma frota de ônibus. A Lia aproveitou a oportunidade para mostrar a ele sua dificuldade para entrar no veículo. Ele aproximou-se para ajudá-la e perguntou o que deveria ser feito para resolver o problema. Ela pediu que ele assinasse um decreto que já se encontrava em sua mesa, justamente sobre a implantação de ônibus adaptado. Ele imediatamente mandou buscar o decreto e assinou. Na época em que ele era senador, precisávamos de um contato em Brasília e ligamos para o seu gabinete. A secretária disse que ele não poderia atender naquele momento. Pediu para que deixasse meu telefone para retorno. Não imaginei que ele fosse retornar porque já estava acostumada a ligar para os vereadores e não ter resposta! Por volta das 10 e meia da noite, meu telefone tocou: “Aqui, é o senador Covas, a senhora quer falar comigo?” Ele era assim. Eu o admiro porque nem mesmo um chefe de empresa nem os vereadores faziam isso. Estavam sempre ocupados. Ele era senador! E ligou depois das 10 da noite, sem saber quem eu era, nem o que era a Adeva! Em 1999, a Adeva conseguiu a aprovação de um projeto com a Fundação Vitae, no qual obtivemos impressoras braile e computadores. Alugamos um apartamento na Praça da Bandeira e iniciamos o Centro de Treinamento Bandeira, no qual seriam ministrados cursos de capacitação em Informática, Telemarketing, Estenotipia, Educação para o Trabalho etc. A Cesp, que já apoiava as iniciativas da entidade, cedeu os seus funcionários deficientes visuais para
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trabalharem na Adeva. A partir do ano 2000, eu e Markiano passamos a implantar e coordenar o Projeto Desenvolvendo Talentos. O Carlos assumiu a Informática; Célia e Celso, a Gráfica. Paralelamente, solicitávamos ao governo de São Paulo um local para o nosso Centro de Treinamento, pois o nosso era alugado. Um dia, quando eu estava na minha mesa, na Cesp, e o Markiano – que é o presidente da Adeva atualmente – estava na outra mesa, ao meu lado, tocou o telefone, ele atendeu e ficou até assustado. Foi engraçado: “É o governador! O que falo?” O Mario Covas queria saber se nós poderíamos encontrar com ele, na tarde do dia seguinte. Eu disse que tudo bem e ele nos recebeu. Nesse dia, 6 de outubro de 2000, o governador fez uma surpresa, assinando o decreto que nos cedia a utilização de um espaço no Colégio Estadual Marina Cintra, e pediu aos seus secretários que montassem um grupo de trabalho, no sentido de viabilizar todas as adaptações e instalações necessárias. Só foi inaugurado após seu falecimento, com a presença de sua esposa, em 2001, como Centro de Treinamento Mario Covas. Em 2002, inauguramos, no mesmo espaço, o Infocentro para deficientes visuais, com a presença do governador Geraldo Alckmim. Alguns anos depois, o Centro de Treinamento Mario Covas foi transferido para o Colégio Estadual Lasar Segall. O projeto Desenvolvendo Talentos, que está completando dez anos, ampliou sua grade de cursos, com Telecurso; Montagem e Manutenção de Microcomputadores; Programação Cobol; Auxiliar Administrativo, Inglês, além do Braile e da Locomoção, entre outros. Durante esse período, devemos ter completado aproximadamente 10 mil atendimentos. A nossa Gráfica, além de confeccionar nosso material didático, presta serviços ao público em geral. Temos colocado inúmeras pessoas no mercado de trabalho e, graças aos nossos parceiros de sempre e outros novos, estamos realizando nosso sonho de integração dos deficientes visuais na sociedade, através do trabalho.
Imagem. Foto em preto e branco. Numa sala com carteiras escolares duas mulheres e dois homens, todos com crachás portando seus nomes. Legenda: Reunião Colégio Anchietanum, 26 de fevereiro de 1980, com Adolfo Perez Esquivel. Ieda, Sandra e Orlando. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Lia Crespo.
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Imagem. Jornal Folha de S. Paulo, de 24 de julho de 1980. Congresso termina com recomendações sobre deficientes. Uma associação de deficientes físicos, entidades e pessoas que defendem seus direitos e interessadas na promoção de sua integração na sociedade foi proposta ontem, no encerramento do 2.o Congresso Brasileiro de Reintegração Social, cujo tema central foi “A Realidade de Trabalho das Pessoas Deficientes”. Entre as conclusões apresentadas pelos demais grupos de trabalho, destacam-se as seguintes recomendações: “O cumprimento da legislação sobre vendedores ambulantes é fundamental para o benefício do deficiente, com a eliminação dos “marreteiros”; as empresas devem eliminar ou reduzir as condições de trabalho que geram deficiência física nos empregados; a reabilitação deve ser matéria curricular em cursos universitários de psicologia, serviço social, medicina, educação, enfermagem e terapia ocupacional; a filosofia de reabilitação deve ser praticada já nos hospital (sic), onde o paciente entra depois de acidente ou doença grave; melhorar a orientação da família quanto aos problemas do deficiente”. Para o próximo Congresso Brasileiro de Reintegração Social, a ser organizado em São Paulo ainda sem data marcada, foi proposto que se inclua em sua temática problemas ligados à família, à sexualidade dos portadores de deficiência, à catequese diferencial e ao lazer dos deficientes, assim como sua realização seja feita em cinco dias e que se tente conseguir a participação das autoridades e entidades ligadas ao problema. Legenda: Folha de S.Paulo, 24 de julho de 1980. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
Imagem. Jornal O Globo, de 13 de maio de 1981. Deficientes relançam campanha na Câmara de SP. São Paulo (O Globo) – O Ano Internacional das Pessoas Deficientes será relançado amanhã no plenário da Câmara Municipal de São Paulo pelo Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes (MDPD). Segundo a entidade, o Brasil possui 12 milhões de deficientes físicos, mentais, visuais e auditivos. A campanha será relançada porque no último dia 14, quando o Presidente João Figueiredo realizou a abertura oficial do ano “anunciou o nome errado, ficando apenas como Ano Internacional do Deficiente Físico”. O MDPD explicou que Figueiredo esqueceu os deficientes mentais, visuais e auditivos. - O principal objetivo dos trabalhos – disse Romeu Kazumi, membro da coordenação geral – é levar ao público o problema e engajar as autoridades e a sociedade na luta para igualar os deficientes na vida comunitária. A programação prevê a realização de mesas redondas todos os meses, até novembro, para debater temas como “Espaço Urbano”, “Trabalho”, “Transportes”, “Assistência médica, reabilitação e equipamentos auxiliares”, “Legislação”, “Lazer e esportes”, “Educação” e “Relações humanas e sociais”. O maior problema dos deficientes, explicou Romeu Kazumi, é a dependência dos deficientes em relação a outras pessoas. Legenda: O Globo, 13 de março de 1981. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
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Imagem. Jornal Diário Popular, de 07 de dezembro de 1980. Deficientes querem respeito e Justiça: “Basta de paternalismo!” “As pessoas portadoras de deficiência consideram-se uma parcela integrante da sociedade e exigem respeito afetivo aos direitos e deveres que lhe são reservados para participarem plenamente da vida comunitária e contribuírem como seres humanos socialmente úteis”. Esse parágrafo faz parte dos princípios específicos contidos numa carta-programa lançada ontem na Assembléia Legislativa por elementos pertencentes ao Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes, cujo objetivo é lutar, ombro a ombro, pela participação plena das pessoas deficientes em todo o Brasil. Esse movimento é de natureza político-apartidária aberta a todas as entidades e pessoas que desejam conscientizar a sociedade a respeito da verdadeira imagem da pessoa deficiente. Em função de 1981 ter sido denominado pela ONU como o “Ano Internacional das Pessoas Deficientes” é que esse movimento aproveitou o ensejo e está mobilizando o número maior possível de correligionários que por ventura se entusiasmem com o tema: deficiente físico. E para tanto é que o movimento elegeu as seguintes metas prioritárias para serem desenvolvidas no ano que vem, através de seminários e palestras: “Barreiras Arquitetônicas e Transporte”; “Trabalho e Profissionalização” e “Saúde e Reabilitação”. Objetivos. O plano de trabalho que deverá ser empreendido vai desde defesa dos direitos da pessoa deficiente; eliminação de barreiras ambientais, estabelecimento de padrões mínimos de qualidade e quantidade para os programas e serviços de reabilitação de pessoas deficientes, bem como para os equipamentos e aparelhos auxiliares, até representatividade junto aos poderes constituídos para defender os interesses das pessoas deficientes na elaboração de programas que pretendam beneficiar toda a população. Ainda de acordo com o grupo que coordena o Movimento, liderado por Cândido Pinto de Melo, José Evaldo de Melo Doin, Vinícius Gaspar Viana de Andrade, Maria de Lourdes Guarda, Leila Bernaba Jorge, Luis Celso Marcondes de Moura e Romeu Kazumi Sassaki, além de ser necessário o incent ivo a formação de núcleos de pessoas deficientes em bairros e cidades, orientando-os e dando-lhes cobertura com material de divulgação, informações, etc. é preciso que se mude a idéia e o conceito de que os deficientes físicos são seres inferiores em capacidade profissional e respeitabilidade, ou mesmo incapazes de tomar decisões por si mesmos. De volta a realidade. “As atitudes paternalistas foram aceitas pacificamente durante longo tempo, sem questionamento e sem consciência de uma realidade que a cada dia se torna mais ameaçadora” comenta a carta-programa, apontando em seguida os fatos que eles consideram principais focos de marginalização social: Existência de instituições de permanência, onde os deficientes e anciãos deterioram-se solitários, humilhados e sem assistência até a morte; preconceito de que a deficiência seria um castigo divino por um pecado cometido; despreparo técnico de profissionais de saúde e de reabilitação que, inadvertidamente, têm assumido uma postura de superioridade com seus clientes, não consultando a opinião destes sobre suas próprias necessidades e opções e, finalmente, sentimento de piedade que a sociedade demonstra para com as pessoas deficientes e a existência de barreiras ambientais impedindo pessoas deficientes de ter acesso à escola, às urnas de votação, ao trabalho, aos locais de lazer e outras tantas mazelas. Partindo do princípio de que as pessoas deficientes descartam todo e qualquer benefício que tenha característica de dádiva, privilégio ou concessão, é que eles acreditam que apenas uma ação conjunta, consciente e com poder de pressão, pode esclarecer e mobilizar o Estado e a sociedade para o diferencial de necessidades das pessoas deficientes. Para os integrantes desse movimento, lançado ontem oficialmente na Assembléia Legislativa, e que contou com a presença de centenas de correligionários e até mesmo entidades representativas, os contatos ficam ao encargo de Dona Lourdes ou Leila através dos telefones: 284-5493 ou 65-6739. As correspondências deverão ser endereçadas à Rua Joaquim Antunes, 611/53 – CEP-05415 São Paulo SP. Bruno Torre. Legenda: Diário Popular, 7 de dezembro de 1980. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
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Wilson Akio Kyomen
Imagem. Retrato colorido de Wilson Akio Kyomen. Contêm epígrafe: “Havia muitas viagens para várias partes do país durante o Ano Internacional. Eu circulava mais pelo Estado de São Paulo porque, devido ao trabalho, não dava para me ausentar muito. Tanto é que a única viagem longa que fiz foi para um congresso que aconteceu em Recife, mas não me recordo da data exata.”
eu nome é Wilson Akio Kyomen. Tenho 47 anos. Nasci no dia 8 de abril de 1963, em Sapopemba, que fica na Zona Leste de São Paulo. Sou o filho caçula de uma família de três irmãos. Mas minha irmã já morreu. Meu pai, um japonês nato, conheceu minha mãe, uma brasileira, filha de japoneses, aqui na cidade. Minha família mora no bairro desde a década de 1960 e foi uma das primeiras da região. Hoje, resido e trabalho no bairro como professor em duas escolas, no período matutino e vespertino. Apesar da minha deficiência, tive uma infância praticamente normal. Geralmente, brincava em casa com meus amigos. Na minha turma, era comum inventarmos vários jogos. Por exemplo, como não podíamos jogar futebol convencional, criávamos algum jogo parecido, no qual, geralmente, eu era goleiro. Também gostávamos de futebol de botão. Mas havia outras coisas, como xadrez e outras brincadeiras que não exigiam muitos movimentos. Sobre minha deficiência, não nasci com ela. Tive poliomielite aos 8 meses de vida. Então, praticamente, não cheguei a andar. Mas, graças a Deus, minha família reagiu com naturalidade e minha mãe sempre teve o objetivo de me dar todo o apoio possível para que eu fizesse uma reabilitação adequada. Ela foi a todos os lugares possíveis. Não mediu esforços. Até que chegamos à AACD (Associação de Assistência à Criança Defeituosa80), onde passei a fazer fisioterapia, natação e outras atividades, duas ou três vezes por semana. Mas, nunca fui interno, nem semi-interno da associação. Minha mãe me levava, permanecia e participava todos os dias em que tinha horários de reabilitação. Graças a essas atividades na AACD, pude conquistar alguns movimentos. Consegui recuperar um pouco da minha mobilidade e pude andar com aparelho. Mas, isso aconteceu apenas após os 4 anos de idade. Ainda me lembro do período em que estava treinando para andar. Era a minha irmã quem me segurava e me ajudava a dar os primeiros passos. No começo, mesmo com as muletas, sempre ficava paralisado. Foi difícil dar o primeiro passo. Até que certo dia 12 de novembro, data de aniversário da minha mãe, tornou-se inesquecível para todos nós. Foi quando consegui dar meu primeiro passo. Uma vitória muito grande, tanto para mim quanto para ela! Assim, continuei a viver com seu apoio até o dia em que ela se foi, há cinco anos. Aquela mulher acompanhou minha luta em todos os momentos, desde a infância até depois de meu casamento. Foram muitos anos ao meu lado, sempre com aquela preocupação típica de mãe...
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. Hoje, Associação de Assistência à Criança Deficiente.
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Durante minha infância, não tive tanto contato com outras pessoas deficientes. Houve um coleguinha que conheci na casa da minha madrinha, quando fui visitá-la certa vez. Éramos muito pequenos na época. Brincamos juntos algumas vezes, até que perdi contato com ele. Só depois de mais de dez anos, quando estava no ensino médio, voltei a encontrar aquele coleguinha deficiente. Sempre estudei nas escolas públicas próximas de casa. Coincidentemente, fomos estudar no mesmo local. Porém, foi um reencontro muito rápido. Por isso, não criamos um vínculo de amizade muito duradouro, não. Existiram outros momentos marcantes durante minha infância. Um deles foi quando, primeira vez, pisei numa quadra para jogar futsal. Estava com 13 anos e estudava com uma turma de reposição da sétima série, do antigo primeiro grau. No ensino médio, foi a primeira vez que participei de uma aula de Educação Física! E isso só foi possível porque meus próprios colegas de sala insistiram para que eu jogasse. Eles sabiam que eu gostava de futebol e convenceram o professor, que permitiu minha participação, e acabou dando certo no final. O gesto da minha turma tornou esse momento mais especial ainda, porque não havia sido uma iniciativa ou um pedido meu. Eles é que se prontificaram a me incluir naquela atividade por saber o quanto eu gostava daquele esporte. E jogar futsal, ou fazer pela primeira vez qualquer coisa que a gente goste muito, é algo que ninguém esquece! É uma emoção muito grande que eu não esperava. Considero que foi praticamente um presente dos meus colegas de escola. Algo como um acolhimento geral muito bom, inclusive do professor. Depois daquela experiência, houve outras, nas quais o professor mesmo me deixou livre para participar quando eu quisesse. Diria que esse gesto fez com que me sentisse mais incluído. Enfim, foi algo muito especial e que não teve nada de paternalista. Algo no sentido de: “Ah… coitadinho… Ele nunca pode jogar. Vamos deixá-lo ver como é, ao menos uma vez.” Acho que a parte de minha vida escolar se resume a isso. Entendo que o final foi melhor do que o começo. Entre minha primeira e terceira séries, ainda estávamos sob o regime militar. Por isso, tínhamos de cantar o Hino Nacional, com a bandeira postada, cada vez ela era segurada por um aluno. Eles faziam com que eu ficasse lá na frente também. Acho que tive sorte com meus professores, porque poderiam ter me deixado de lado, inclusive nesses momentos. Mas, sempre fizeram questão de que eu participasse de todas as atividades possíveis. Isso também é marcante porque criou uma espécie de continuidade no meu processo de crescimento e convívio social, uma coisa que foi cada vez melhor para mim. Nunca fui colocado de lado em nenhum momento, não sinto que ocorreram momentos de exclusão e essa parte foi muito boa. Porém, já vi situações assim, durante meu trabalho. E, quando vejo como alguns professores interpretam – ainda hoje – o tema da inclusão, isolando a pessoa portadora de deficiência, durante certas atividades, isso ainda me deixa muito perturbado. Minha formação prosseguiu assim. Saí do ensino médio com o magistério e logo comecei a trabalhar na área, embora não fosse o que quisesse. Gostaria de atuar em fonoaudiologia e já estava até trabalhando nisso, junto aos movimentos do pessoal deficiente. E é engraçado. Eu tinha a profissão, o local para trabalhar, tudo preparado, só faltava entrar na faculdade, mas não consegui. A fonoaudiologia era uma área nova no Brasil. Havia poucas vagas nas universidades, algo entre 15 e 25 vagas. A PUC (Pontifícia Universidade Católica) ofDecidi trabalhar no magistério, enquanto tentava o vestibular. Terminei ficando na Educação até hoje. Agora, não mudo de jeito nenhum. Em parte achei que essa mudança foi boa. Porque, caso tivesse entrado no curso, estaria em uma situação difícil, já que teria de pagar
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as mensalidades e os meus pais não tinham condições. Eu teria dificuldade para trabalhar e estudar em um curso de período integral. Recebi o resultado da prova da PUC pelo correio. Não me esqueço: minha classificação foi 104. Como era comum que aqueles que prestavam o vestibular da Católica também se inscrevessem para a USP (Universidade de São Paulo), eu teria alguma chance, porque sempre havia desistências. Mas, naquele ano, foi diferente porque ninguém tinha passado na USP. Fiquei muito frustrado e decidi que não iria tentar novamente. Optei por fazer outra especialização no magistério. Acabei optando por Letras. Depois, fiz Pedagogia, mas resolvi me dedicar mais ao ensino mesmo, porque já estava começando a me apaixonar por ele. Muito mais do que agora, quando já estou um pouco cansado. Depois de 28 anos na área, vi muita coisa e é tempo suficiente para se cansar também. Mesmo assim, acho que a aposentadoria ainda vai demorar um pouco. Naquele tempo, no começo dos anos 1980, eu estava terminando o ensino médio e o magistério. Já tinha uma atuação junto ao movimento das pessoas com deficiência. Conheci esse campo pelo fato de sempre gostar de ler jornais para me informar. Por isso, já sabia que o ano seguinte seria o Ano Internacional das Pessoas Deficientes. No mesmo período, tinha ouvido falar de um ou outro movimento. Entrei em contato com o Núcleo de Integração de Deficientes, o NID. E a primeira pessoa com quem tive contato foi a Lia e, depois, conheci a Ana Rita. Elas me convidaram para participar de uma reunião. A partir daí, comecei a frequentar sempre. Era novo, tinha 18 anos, mas já estava “antenado” com as coisas. A minha participação, principalmente entre os anos 1980 e 90, foi muito intensa, não só no movimento de pessoas com deficiência, mas também no sindicato na área educacional. Então, todo o meu tempo era tomado por essas ações. Eu conseguia dividir tudo dentro do que era possível, já que tinha três funções, fora o magistério. Eu era conselheiro na Apeoesp (Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) – hoje, exerço a mesma função pelo Sinpeem (Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo) – e militava no movimento das pessoas deficientes, mais precisamente, no NID e, depois, no CVI-Araci Nallin, além do trabalho em sala de aula. Depois de conhecer todo o trabalho do movimento, assumi vários postos porque gostava da atuação. Hoje, diria que já fechei alguns ciclos de minha vida. Continuo com atividades apenas em relação à deficiência, que é uma luta interminável à base de planejamentos seguidos. Ou seja, sempre que alcançamos um objetivo, começamos um novo plano para continuar atingindo outros objetivos. E isso nada tem a ver com “replanejar”. Por isso, nunca vou fechar a militância no movimento de pessoas com deficiência. Já, no caso dos sindicatos, estou praticamente encerrando minha participação, porque a parte política me esgotou um pouquinho. Mas, na época, tudo era novo para mim. Aquele mundo se abriu à minha frente e me fez pensar: “O que vai acontecer?” Discriminação eu nunca tinha sofrido… Mas, poderia sofrer... Mesmo que ser estagiário no magistério era praticamente ser professor, ainda não me considerava plenamente inserido no mercado de trabalho. Apesar de conseguir trabalhar, ao mesmo tempo, ficava pensando sobre outros assuntos da minha vida pessoal, era quando apareciam aquelas dúvidas de toda pessoa saindo da adolescência. E, no meu caso, isso se somava à questão de ser aceito com minha deficiência. Ainda tinha outro ponto: “Vou casar ou não vou casar, ter filhos ou não? Vou morar sozinho?” Enfim, havia muitas coisas que me chamavam a atenção. Eu sabia que havia,
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no movimento, pessoas que também pensavam sobre os mesmos assuntos, além de estarem ali com os mesmos objetivos. Estar com eles, naquele momento, foi muito bom porque me motivou. Digamos que nos primeiros anos de minha trajetória no movimento, praticamente, só convivi. Não fui muito ativo. Tanto que o pessoal falava que eu não abria a boca. A primeira pessoa com quem tive contato presencial foi a Lia, numa reunião do movimento na FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas). Ela havia chegado cedo, junto de seu irmão e, como estávamos apenas nós ali, começamos a conversar. Esse primeiro contato foi, assim, meio casual. Eu queria descobrir mais, por isso fiquei algum tempo apenas ouvindo, sem conseguir abrir a boca para falar quase nada. Isso está relacionado ao meu jeito de ser. Mas, acredito que tive fases. Na infância, por exemplo, era um tagarela. Depois, na adolescência, fiquei mais calado. Essa reunião não era particularmente do NID. Era do movimento das pessoas deficientes que, depois, acabou virando uma organização não governamental chamada MDPD (Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes). Até foi engraçado porque depois de ficarmos alguns anos sem nos enc ontrar, a Lia me chamou para participar da formação do Centro de Vida Independente Araci Nallin (CVI-AN) e, em uma das reuniões, ela brincou assim: “Ué?! Ele fala?” Porque, até então, eu não abria a boca. Mas, nesses encontros já estava mais solto, porque conhecia mais o pessoal e me sentia com liberdade para falar. Embora acredite que essa liberdade para falar tenha nascido no convívio no movimento e com o NID, também foram importantes as outras vivências e os outros aprendizados que tive, até mesmo na própria docência. Quando comecei a trabalhar, fui lidar com crianças, e aí tinha de falar. Depois, acabei pegando uma coordenação pedagógica, área na qual também era obrigado a me expressar, não havia outra opção. Mesmo assim, até hoje, falo com alguma timidez. Isso tudo aconteceu no decorrer do Ano Internacional. Em 1981, percebia muita euforia, como se aquilo fosse uma moda. Então, todo mundo procurava os movimentos das pessoas deficientes, todas as organizações, instituições, para fazer palestras e outras coisas. A minha parte era mais direcionada à acessibilidade, educação, lazer e legislação. Então, pediam palestras em praticamente todo o país. Era, realmente, uma quantidade muito grande de solicitações. Com isso, cada vez mais a gente adquiria mais conhecimento. Ao mesmo tempo, as pessoas que viviam nessas cidades aonde a gente ia começavam a conhecer cada vez mais os movimentos. Começavam a se engajar e formar novos núcleos, grupos ou instituições. Foi assim que presenciei o movimento crescendo. Aquela divulgação toda foi muito boa para as pessoas portadoras de deficiência porque elas aprenderam que existiam outros deficientes. Ao mesmo tempo, esse grupo passou a ser mais conhecido pela população em geral. Como era um momento inicial, aconteceram muitos fatos interessantes. Eu me lembro de um que deixou a gente um pouquinho constrangido. Aconteceu em Catanduva, onde estávamos eu, a Lia e a Maria de Lourdes Guarda, que conheci nessa viagem, todos ali para um evento. Um dos organizadores do encontro pediu para a gente conversar com uma pessoa deficiente que não queria participar. Aquilo foi desconfortável porque nosso discurso era o de que a pessoa deficiente tem de ser sujeito e não um objeto do movimento. Isso quer dizer que ela tem de ir por sua própria vontade para buscar seus direitos. Quando ouvimos aquilo, olhei para a Lia e ela para mim.
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Tivemos de falar que não era daquele jeito que atuávamos. Mas até a gente explicar… No fim, a pessoa acabou convencida, ou melhor, forçada a ir. Depois, fui conversar com a Lia sobre aquela situação. O interessante dessa história é que o constrangimento talvez tenha sido maior para nós do que para aquela pessoa que havia sido levada, vamos dizer assim, à força. Acho que esse relato mostra bem como a questão da deficiência era entendida naquele momento. Mas, como tudo era novo para nós, a gente “engolia”. Porém, sempre aconselhávamos as pessoas no sentido de que apenas fizessem aquilo o que achassem mais correto. Havia muitas viagens para várias partes do país durante o Ano Internacional. Eu circulava mais pelo Estado de São Paulo porque, devido ao trabalho, não dava para me ausentar muito. Tanto é que a única viagem longa que fiz foi para um congresso que aconteceu em Recife, mas não me recordo da data exata. Enfim, como em quase todos os congressos, existe a parte política, quando a gente ouve muitas promessas. Mas, na ocasião, também foram divulgados todos os trabalhos feitos durante o ano. Tivemos um saldo positivo porque aquela movimentação criou uma semente para os anos seguintes, que culminou na legislação e na Constituição de 1988. Infelizmente, mais uma vez devido ao trabalho, não participei das viagens desse período. Mas pude atuar nos trabalhos referentes à Constituição Estadual. Foi um período de muita atividade, que começou a colocar na legislação tudo aquilo que as pessoas portadoras de deficiência precisavam e que entendiam como o início de um processo de inclusão. Isso tudo aconteceu exatamente no momento durante o qual o país começava a sair do período do regime militar. Tudo em relação aos direitos civis era novidade. Os sindicatos começavam a fazer suas exigências. Todas as categorias de classe começavam a lutar pelos seus direitos e, no caso do movimento dos deficientes, não foi diferente. Havia algumas preocupações naquele momento histórico. Por exemplo, eu temia muito que houvesse uma avalanche de direitos sendo pedidos, mas que seriam negados em sua maioria. O fato de sermos vistos como “minoria” dificultava ainda mais nossa situação. Mas, ainda bem que boa parte do que propomos foi aprovado. Naquela época, usávamos o princípio da carta de 1981, que fazia referência à participação plena e à igualdade. Por isso, a palavra que utilizávamos era “integração”. Assim, a ideia era que buscássemos meios para nos “integrarmos” à sociedade. Mais adiante, o termo foi alterado para “inclusão”, no sentido de abranger, praticamente, tudo. Porque ela não envolve apenas a entrada do deficiente na sociedade, mas também o próprio meio social se adequar a essa nova realidade. Isso representou um avanço muito grande na luta pelos direitos. Claro que o que aconteceu a partir da Constituição foi marcante. Mas, assim como difícil mobilizar os políticos, também foi árduo o trabalho pela união de todos os grupos de pessoas deficientes do Brasil. No caso de São Paulo, a gente tinha um grande apoio do PT. Isso trazia preocupações porque os aspectos políticos estavam saindo de um partido de oposição, vindo de uma classe operária. E, naquele momento, de fim de regime militar, isso era considerado um problema. A movimentação que aconteceu entre 1981 e 1988 para consolidar a legislação e chegar à Constituição foi muito importante. Costuma-se dizer que ela é bastante progressista na questão dos direitos, não só do deficiente, mas do cidadão de uma maneira geral. Creio que o avanço foi muito grande, até por percebermos que nossas reivindicações estavam sendo postas no papel. Era um início. A gente sabe que, depois, as leis tiveram de ser baixadas e promulgadas de acordo com a Constituição. E elas são baixadas até hoje!
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Penso que ainda vai demorar um pouco para que todas as necessidades dos deficientes sejam sanadas no Brasil. Mas, dividiria a trajetória de luta em duas vertentes iniciais: uma que vai até 1988 e outra, a partir do momento seguinte, que vem para consolidar tudo. Também creio que haverá uma terceira, responsável por “aparar as arestas”, que ainda são muitas. Mas isso é trabalho para as gerações seguintes. Chamo de “arestas” os pontos importantes que precisam ser resolvidos. Nesse sentido, falo muito mais da minha área que é a Educação. Já temos a inclusão – e defendo a inclusão total, com unhas e dentes –, mas vejo uma realidade dentro da sala de aula que precisa ser mudada. Enfim, é uma luta profissional, mas que não pode lesar o que já foi conquistado. Observo que o processo de inclusão das crianças nas salas de aula, hoje, é parecido com o empilhamento de objetos dentro de um depósito. Digo isso porque falta suporte para essa ação. Embora o discurso diga que esse apoio já exista, as ações existentes não são eficazes. Quando trabalhei como coordenador, tive dificuldade para incluir um deficiente visual, por exemplo. Mesmo pedindo a transferência dele para outra escola, com uma condição melhor, fui impedido de atuar apenas por que era de outra Diretoria de Ensino. Esse fato demonstra como a inclusão no âmbito escolar é um processo complexo, que envolve a falta de preparo dos profissionais da educação para lidarem com o aluno portador de deficiência. Fico com aquela impressão de que quem não sente determinada dificuldade na pele não vai procurar aperfeiçoamento, vai ficar apenas criticando. Acredito que, geralmente, são aqueles indivíduos com alguma experiência familiar ou com amigos com deficiência que têm uma visão diferenciada sobre o problema. Além disso, o ser humano tem o hábito de dizer “não” antes mesmo de saber qual é a questão. Então, não é culpa do professor ou do sistema. Porém, há o trabalho dos excelentes professores que vi na prefeitura, inclusive na escola em que estou. Há uma profissional aqui que trabalhou comigo na rede estadual. É o caso de alguém que, mesmo sem ter passado por uma situação de lidar com deficientes, teve um aluno com deficiência visual. E o que ela fez? Procurou se aperfeiçoar, aprendeu braile, além de várias técnicas de trabalho e alfabetizou essa criança, que ficou com ela por dois anos. No ano seguinte, esse aluno passou tudo o que havia aprendido para a professora que iria acompanhá-lo nos dois anos seguintes. O menino teve um excelente desempenho até a quarta série. Infelizmente, desandou quando chegou ao quinto ano e teve de conviver com seis ou sete professores e a situação ficou complexa. Senti isso como uma derrota muito grande! Outra história interessante aconteceu na época em que fazia algumas ações com alunos membros do grêmio estudantil da escola municipal na qual trabalhava. Ao visitarmos outros estabelecimentos de ensino – como os CEUs (Centro Educacional Unificado) –, pedia para os alunos prestarem atenção às fotos que víamos nas mostras culturais realizadas por aqueles estudantes e também para observarem o comportamento deles. Como já realizávamos atividades juntos há algum tempo, o pessoal do grêmio sabia o que eu queria mostrar ao fazer esses pedidos. Quando vimos um cadeirante, em um desses eventos, perguntei ao meu grupo: “Qual a diferença entre aqui e a nossa escola, onde temos dois cadeirantes?” A resposta foi: “É… Parece que eles não participam.” Eu falei: “Pois é! Vocês conseguem perceber!” Por isso, digo que muita coisa deve ser feita. É isso que chamo de “aparar as arestas’” a respeito da inclusão. Já temos as leis responsáveis pelo início do processo, mas falta um suporte digno e bem estruturado. Sei que há lugares onde as iniciativas já funcionam bem, mas isso precisa alcançar todos os locais. Não podemos ficar limitados à questão de que “há escolas e escolas”, “diretorias e diretorias” ou mesmo “oficinas pedagógicas e oficinas pedagógicas”. Enfim, vejo
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muita coisa a ser feita, embora fale apenas do setor educacional. As outras áreas devem ter os seus pormenores também. Por exemplo, o transporte é uma dessas questões que precisam ser resolvidas. Muitas pessoas usam o serviço de vans adaptadas, vinculado à Prefeitura de São Paulo, chamado Atende. Mas reclamam que esperam cerca de 60 minutos até essa condução chegar. Essas falhas ainda acontecem, embora tenhamos lutado e conseguido algumas vitórias nesses 30 anos de trabalho. Portanto, sabemos que ainda não é o suficiente. Sendo assim, não podemos parar de reivindicar. Mas repito que essa ação, com seu caráter contínuo, é um eterno planejamento, algo que deve gerar progresso ininterrupto. O que não pode ser confundido com o replanejar, que seria dar dois passos para frente e um para trás. Embora defenda essa ideia de planejamento contínuo, vejo que os trabalhos têm seguido um caminho mais lento, dando dois passos e parando por um tempo, até os próximos dois passos, e assim por diante. Mas, ao menos, do jeito que as coisas têm acontecido, não há retrocessos. Essa forma de ver as coisas fez com que eu postasse uma frase no Facebook: “Penso que a vida é um eterno planejamento, não um eterno replanejamento.” Além de toda essa trajetória junto ao movimento, há o aspecto privado de minha vida, ou seja, minha vida particular como deficiente, que diz respeito ao meu casamento e ao nascimento de minha filha. Mas para falar sobre isso, tenho de voltar um pouquinho na linha do tempo. Digo isso porque, logo depois que comecei a atuar no movimento, ainda em 1983, acabei entrando em uma escola localizada dentro de uma favela. Eu era “eventual”, que é a denominação para o profissional que não é efetivo. E durante todo aquele ano trabalhei com uma sensação estranha de estar sendo vigiado. Minha suspeita tinha fundamento. A assistente de direção tinha pedido para uma das meninas da oitava série me ajudar no trabalho da sua sala. Era um ambiente muito difícil, formado por alunos repetentes de dois ou três anos. Enfim, era complicado. Quando o ano terminou, fui chamado por essa assistente que falou: “Posso te falar uma verdade?” Perguntei: “O quê?” Ela disse: “Quando você entrou por essa porta e disse que queria fazer inscrição, eu queria negar”. Perguntei o motivo e ela contou a história de outra professora, com uma deficiência menor do que a minha, que havia sido admitida, mas faltava mais do que ia trabalhar. Ela continuou: “Desde então, fiquei com uma imagem negativa em relação aos deficientes. Eu agradeço por você ter me mostrado que estava errada. Aquela pessoa que coloquei na sua sala estava lá para me informar sobre seu trabalho. E ela me dizia que você não a deixava fazer praticamente nada! Por isso, caso você vá a algum lugar onde eu estiver, terá sempre o meu aval.” Esse fato me marcou muito porque diz respeito à deficiência. Ela era uma senhora que já estava se aposentando na época, e acabei, sem saber, quebrando uma visão preconceituosa que ela carregava sobre o deficiente no trabalho! Aquele ano, que começou com várias dificuldades, terminou em vitória para mim! Eu estava recém-formado, era a minha primeira sala, uma turma muito difícil de trabalhar etc. Voltando à minha vida particular e ao casamento, minha visão era a de que deficiente tinha de casar com deficiente. Porque era o que víamos quando participávamos de atividades dos movimentos. Era deficiente casando com deficiente ou, devido à convivência, era deficiente casando com psicólogo. Diante disso, nada mais normal do que pensar que as coisas aconteciam apenas daquele jeito.
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Ao mesmo tempo, sentia que a pessoa que eu procurava estaria no movimento. Mas, não estava. Acabei casando com uma professora que lecionava na mesma escola onde eu trabalhava e hoje sou pai de uma menina. É uma história muito longa, mas que começa com minha cunhada sendo minha aluna na quarta série. E, no meio do processo, havia aquele receio em relação à aceitação da família. Mesmo sabendo que comigo não haveria nenhum problema, já que minha futura sogra já me conhecia. Claro que isso ajudou muito. Mas, mesmo assim, imaginava que haveria um olhar desconfiado. Quando minha esposa ficou grávida, sabíamos que não haveria riscos, em relação à pólio, na gestação. Mesmo assim, pensava: “Será que meus sogros sabem disso?” Como todo pai e toda mãe, era normal a torcida para que nosso filho nascesse perfeito. E, de fato, a menina nasceu normal. Hoje, ela me ajuda muito, além de me trazer muita alegria. Então, essa parte da minha vida já foi resolvida. Falta apenas escrever um livro e plantar uma árvore… Como, além de pai, sou educador – assim como a mãe dela –, inevitavelmente, nossa filha sofre uma cobrança dupla e mais exigente nesse sentido. E, ao mesmo tempo, ela teve de lidar com minha deficiência. Mas, tive a sorte de ela perceber rapidamente minhas limitações. Assim, minha garotinha sabe onde posso ir ou não e lida muito bem com isso hoje. Tanto é que, quando temos algum compromisso familiar, sua primeira pergunta é referente à acessibilidade, sobre a existência de escadas etc. Depois de checar essas informações, ela me avisa se é possível eu ir ao local. E não há problemas, caso eu não possa ir. Para ela isso já é algo natural. Quando aconteceu sua primeira apresentação na escola, ela queria muito que eu fosse. Quando a coordenadora do curso – com quem já havia trabalhado – soube que eu estava na frente da escola, mas dentro do carro, fez questão de arrumar um jeito de eu entrar pelo elevador do estacionamento. Quando me viu, minha filha ficou radiante. Pude perceber sua alegria, naquele momento muito importante para todos nós. Curiosamente, minha esposa tem mais preocupação a respeito da minha deficiência do que minha filha. Às vezes, quando tenho de sair sozinho, seja para fazer alguma compra num shopping ou ir ao banco, ouço: “Não gosto que você vá sozinho…” Então, tenho de lembrá-la de que, quando nos conhecemos, eu andava só e já fazia muito mais coisas do que faço hoje. A gente se conheceu por volta de 1996. Naquela época, eu ainda tinha muitas atividades – três ou quatro ao mesmo tempo –, mas já estava diminuindo meu ritmo. Então, ficava claro para ela que, se quisesse namorar comigo, teria de me acompanhar. Foi um período durante o qual eu estava assessorando a União dos Escoteiros do Brasil em relação a atividades de acantonamento e acampamento inclusivo. O NID e eu chegamos até a organizar dois acampamentos utilizando o campo escola deles, lá no sopé do Pico do Jaraguá, na região de Pirituba, aqui na cidade. Eu era responsável por organizar alguns jogos inclusivos possíveis de serem realizados por deficientes e não deficientes. Por isso, meu vínculo com os escoteiros começou a ficar mais forte a partir desses acampamentos. Com isso, eles percebiam que o acampamento de um grupo de deficientes não era apenas ficar no meio do mato sem fazer nada. Eles poderiam ter lazer e recreação normalmente. Mas choveu nos dias que agendamos. Por isso, tivemos de improvisar e usamos um galpão. E isso de ter sempre um “plano B” é uma característica minha. Planejo uma coisa e, se vejo, que há algum empecilho, crio uma alternativa para realizar o que havia programado. Com aquela chuva, a primeira pergunta que ouvi quando o grupo chegou foi:
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“O que vamos fazer agora, que está tudo molhado e a terra virou barro por lá?” Eu falei: “Tá. Dá para usar o galpão?” Então, comecei a dar as informações e fomos montando as atividades. Tudo deu certo. Acho que aprendi a resolver problemas de última hora trabalhando nas escolas públicas. Porque lá, geralmente, não tinha quadras cobertas. Quando planejávamos apresentações e chovia no dia, o que iríamos fazer? Desmarcar? Não. Sempre pensava em outra solução. Fui sempre assim. Porque olhar para o céu e ficar chorando não adianta nada. Tenho de resolver. Foi aí que começaram a falar que, devido a esse meu jeito, eu poderia ser escoteiro. A partir daí, me convidaram e comecei a trabalhar com eles durante um tempo. Essa foi uma daquelas fases que passei. Acho que chega uma hora em que temos de definir nossa vida. Continuamos a fazer as mesmas coisas que fazíamos quando solteiro ou nos voltamos para a vida familiar. Uma vez comentei com um colega que, entre casar com política e casar com família, ficaria apenas com a segunda opção. Porque, a meu ver, as duas coisas não vivem juntas. É muito difícil. E os tempos mudaram. Nos anos 1980 havia muitos jovens entrando na luta. Hoje, a realidade é outra. Vejo um grande problema que não existe apenas no movimento de pessoas deficientes, não. É a dificuldade para a formação de novos líderes. Essa é uma briga que tive também no setor sindical, no qual acontecia a mesma coisa. Parece um comportamento geral: os líderes que estão aí pensam que podem ser eternos. Porém, na área da deficiência, há uma característica diferente, pois existem no movimento tanto pessoas antigas quanto novas. Mas, essas devem ser capacitadas, num primeiro momento. Acredito que tenha de existir uma formação desses jovens líderes. Fora isso, temos outro problema: a dificuldade de locomoção. Esse fator atrapalha muito a mobilização e a realização de reuniões. O movimento é muito parecido com uma onda do mar: de repente, chove um monte de coisas, há muitas pessoas chegando e fazendo atividades. Depois, elas vão embora e fica aquele marasmo até vir outra turma. E, quando esse pessoal novo chega, alguns, às vezes, por questão de ego, se esquecem do que foi feito anteriormente e querem “começar do zero”. Claro que há outras pessoas que têm uma postura de continuidade e dizem: “Vamos dar continuidade ao que já foi feito de importante.” Quando comecei, há 30 anos, era muito difícil realizar as reuniões. Por exemplo, eu era o membro do NID que morava mais longe. Alguém, que não me lembro mais quem foi, um dia, falou assim: “Se o Wilson vem lá de Sapopemba aqui para a Rua Guaipá, na Lapa, então dá pra o fulano que, mora mais perto, vir sem problemas.” Para mim, na época, era importante participar. Eu tinha meus propósitos, as coisas que queria atingir e aprender, além de vivenciar aquela realidade para ter uma boa experiência. Vejo que hoje estamos novamente naquela situação de não haver líderes, nem interesse por formação. Existem as instituições, mas parece que estamos presos a algumas atividades e esquecemos outras. Ao mesmo tempo, sinto que há pessoas que querem participar, mas, a locomoção, o transporte dificulta. Os deficientes têm usado a internet para resolver parcialmente esse empecilho e manterem-se informados. Boa parte dos deficientes está fazendo isso. Dessa forma, acho interessante que essa história seja divulgada em livro e também na internet. Assim, as pessoas vão saber sobre as coisas que aconteceram no passado e vão entender que tudo não surgiu agora, ou dos anos 1990 para cá. Basta pensar que os mais novos não tiveram a vivência desses 30 anos, já que nem tinham nascido. Realmente é interessante fazer algo que ligue os pontos desse processo, que é algo contínuo.
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Esse registro é importante inclusive para essa formação de novos líderes, porque vai trazer mais informações para esse pessoal novo. Mas isso requer um tempo e não dá para recuperar aquele que já foi perdido nos momentos de baixa do movimento. Ao mesmo tempo em que temos de dar conta das coisas que continuam acontecendo agora, há um desconhecimento sobre o que já foi feito. Por exemplo, a pessoa vai brigar pela reforma das calçadas, chega à Câmara dos Vereadores e vai falar com algum político, mas nem ela nem ele sabem que já existe uma lei a respeito desse tema. Por pura desinformação, o político se prontifica a criar uma “nova lei” a respeito. Isso não pode acontecer! Uma coisa que me chamou muito a atenção foi perceber como as pessoas realmente estão não apenas procurando por informações na internet, mas, também, estão interagindo pela rede. Digo isso porque criei um blog sobre as áreas de deficiência e de educação e uma pessoa acessou a página para me agradecer por eu ter postado informações sobre as leis a respeito da inclusão na sala de aula comum. Ela leu na minha página e foi pesquisar mais detalhes por conta própria. Isso aconteceu em 2008 ou 2009. Isso foi muito gratificante pra mim porque é mais uma pessoa que está informada sobre esse assunto que é tão importante. Porque a falta de acessibilidade pode fazer com que o cadeirante, ou a pessoa com alguma outra deficiência motora, sinta-se barrado até mesmo em casa! Como a escola na qual trabalho é térrea, já vi muitas cenas a esse respeito. Havia uma menina de 8 anos que precisava apenas fazer fisioterapia, mas a mãe preferiu colocá-la numa cadeira de rodas. Depois, ela mudou-se para outro bairro e perdi o contato. E não são poucas as famílias nessa situação! Isso mostra como ainda é difícil informar e conscientizar as pessoas, mesmo nossa luta tendo começado lá nos anos 1980! Houve outro caso. Dessa vez foi uma professora que pediu para que eu fizesse uma palestra sobre educação inclusiva e os direitos das pessoas com deficiência para um grupo de deficientes da região de Itaquera. Fui lá e acabei falando dos direitos de todos. Mostrei que eles tinham direito à educação, saúde etc. Mas o fato é que aqueles deficientes não estavam estudando nem sabiam que poderiam! Uma semana depois, encontrei com essa professora – que, por sinal, também era deficiente –, e ela disse: “Obrigado por ter ido lá”. Respondi: “Tudo bem. Isso faz parte do trabalho da gente mesmo.” E ela continuou: “Mas você falou sobre o direito à matrícula e teve gente que foi na escola brigar por isso. Será que esse pessoal não correu o risco de ficar chateado ou mesmo frustrado?” Fiquei assustado com o que estava ouvindo e falei: “Mas como? Tem mais é que ir, que lutar pelos seus direitos! Por que não?” Enfim, essa cena estranha ficou comigo: a própria deficiente se discriminando, dizendo que o grupo não poderia chegar ao ponto que ela chegou! O que para mim era uma vitória – abrir a mente das pessoas que estavam lá – não era visto da mesma forma por essa professora. Outra situação da qual me recordo aconteceu, com essa mesma professora, quando mudou a terminologia de “integração” para “inclusão”. Ela veio com aquela frase feita: “Só muda a palavra, mas é tudo a mesma coisa.” E não é a mesma coisa! Expliquei o que era integração e o que era inclusão. E recebi como resposta: “Ah, então preferia ‘integração’.” Respondi: “Não. Talvez a integração seja interessante para a sua deficiência, porque você consegue se virar. Mas temos que pensar de forma geral!” Como tratar aqueles casos, principalmente de deficiência mental, na escola? Há situações que devem ser analisadas com cautela. Como é que vai incluir? Se não houver suporte, não haverá inclusão, infelizmente.
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Mais uma vez é a questão de “aparar as arestas”. Não, não sou contra, acho que tem que exigir esse suporte. Porque inclusão não é só colocar na sala e dizer que está sociabilizando. Não é assim. Inclusão é participar, é ter um planejamento. Por volta de 2000, presenciei o caso de uma deficiente visual aluna do curso de Educação para Jovens e Adultos (EJA), do período noturno. O fato é que os professores queriam aplicar uma atividade, mas não sabiam como lidar com ela. Entrei no meio da conversa e disse: “Escuta, vocês perguntaram para ela como que ela aprende?” Um olhou para a cara do outro e falou: “Não.” Eu disse: “Então, perguntem! É mais fácil do que vocês ficarem aqui quebrando a cabeça. E tem mais, não adianta vocês decidirem, vocês não são médicos. Aliás, nos dias de hoje, nem eles decidem mais sozinhos!” Quando era pequeno, o médico chegava e falava assim: “Você vai usar esse aparelho com essa especificação e tudo mais.” Mais adiante, chegou outro e me deu uma descrição segundo a qual eu iria usar goteira na perna esquerda e o aparelho na perna direita. Só que tem um detalhe: não tenho força na perna esquerda. Tenho é na perna direita. Ele inverteu os lados. E foi difícil convencê-lo de que tinha de fazer o aparelho invertido. Esse médico não era da AACD, mas, como conhecia o técnico da Associação há anos, ele falou: “Ah, você é diferente. Tem que usar o aparelho ao contrário.” Então, ele fez o aparelho ao contrário. Enfim, voltando ao caso da aluna do EJA, resolveram conversar com ela, e aí foi muito mais fácil para eles conseguirem dar continuidade. Só que, como todo aluno de alfabetização de adultos com dificuldade, ela acabou saindo da escola. O ambiente escolar tem desafios enormes. A cada ano é uma situação. Cada turma tem um jeito. Eu lembro que, depois de um período na coordenação, voltei para sala de aula e percebi que os alunos – todos com cerca de 10 anos – estavam com medo. Não sabia se aquilo estava acontecendo porque era deficiente ou porque havia sido coordenador. Perguntei e me disseram que era porque havia sido coordenador e era bravo. Não tinha nada a ver com minha deficiência! Quando ouvi isso, percebi que as crianças não têm discriminação. Elas olham, às vezes querem tocar na sua cadeira, de uma forma absolutamente normal. O mesmo ocorre em outros ambientes. Quando era solteiro e ia à praia com um amigo deficiente visual, que também era professor, acontecia a mesma coisa. Pelo fato de andar de muleta ou em cadeira, na praia, ficava sentado na areia ou ele me carregava. Não demorava muito para as crianças começarem a se aproximar. Uma vez, ele falou: “Nós atraímos a meninada de qualquer jeito. Até aqui! Já não basta na escola!” E é pura curiosidade da parte delas. Depois, convivem com a gente numa boa, como se fôssemos apenas mais uma pessoa que eles conheceram. Fiquei 20 anos trabalhando no EJA e aqueles alunos adultos falavam que eu era um exemplo. Se o professor já é visto socialmente como um indivíduo modelo, imagina um professor deficiente! Além disso, eu trabalhava apenas com mulheres entre a primeira e a quarta série. Também havia a questão de gênero. Eram muitas dúvidas que passavam pela minha cabeça a respeito de como e por que era tratado de certa forma. O fato é que estava num lugar no qual qualquer professor iria ser modelo. Além disso, é cada vez mais raro um homem que dá aula para alunos de primeira à quarta série. Então, talvez a questão da deficiência fosse a última a chamar a atenção. Só houve uma aluna que quase apanhou das colegas por ter comentado algo sobre a parte sexual. Ela era uma pessoa simples e tinha a curiosidade de saber se eu era normal ou não. Aí, as alunas ficaram bravas, queriam brigar com ela, deram muita bronca etc. Mas respondi: “Cada caso é um caso. Algumas pessoas têm dificuldade na vida sexual e outras, não” Foi o único comentário mais complicado com o qual tive de lidar.
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Não tenho dúvida de que as questões relacionadas à sexualidade e à deficiência ainda sejam um tabu. Existe o preconceito de que o sexo não é possível para nenhum deficiente. Claro que é algo que faz todo mundo pensar. Na adolescência – seja de um deficiente ou não –, sempre surge o pensamento sobre como vai ser. É uma coisa normal. Posso dizer que tive sorte, porque minha vida foi praticamente normal e tudo o que quis fazer eu fiz. E não posso dizer que me arrependi. Nunca me arrependo do que faço, porque já está feito e sou assim. Não tive apenas uma namorada. Mas também não tive muitas porque não sou namorador. Sempre fui mais de procurar a pessoa certa. Se não dava certo, eu mesmo ou a outra pessoa acabava terminando. O que ficou de todas as minhas experiências pode ser resumido numa palavra, que acho muito adequada: “aceitação”. Porque, às vezes, a pessoa que está com você te aceita. Mas existe a família, que pode ser contra, por exemplo. Nesse caso, você consegue quebrar o estigma ou, simplesmente, acaba largando a pessoa ou ela te larga porque não aguenta a situação. Aí a gente pensa se terminou por causa da deficiência. Tenho um colega que deixou de casar com uma mulher, simplesmente, porque os pais dela não gostavam, nem simpatizavam com ele, que não tinha deficiência nenhuma! Isso mostra que essas coisas ocorrem com todo mundo. Até porque existem preconceitos a respeito de muitas coisas. No caso dele, foi estritamente religioso. Já, aquele meu amigo com deficiência visual teve uma vida diferente da minha. Seu único engajamento foi na área sindical. Fora isso, ele acabou casando com uma aluna dele do período noturno, está muito bem e tem dois filhos. Claro que, nesse ponto, ele teve aquela preocupação sobre se eles iriam nascer com algum problema, porque poderia ser algo hereditário. Mas, o primeiro nasceu saudável e ele se acalmou. E o segundo também veio sem problemas. Sempre é a mesma história porque qualquer gravidez causa preocupação ao casal. Acho que, às vezes, a gente dá muito valor a uma situação e não percebe que todo mundo passa por ela. Em relação à parte sexual, isso nunca me encucou. Francamente, não sei se pela vivência que tive, pelo meu histórico. Mas o fato é que não sentia essa dificuldade e tive a minha vida normal. O que me preocupava mais era saber se iria casar e se seria pai. Talvez tenha demorado para casar, porque quis primeiro curtir a vida. Até que chegou o momento de parar e fazer outras coisas. Fui cuidar da minha vida. Mudei meus hábitos. Eu saía todo final de semana para as noitadas, que hoje chamam de “baladas”, com o pessoal do NID e do CVI-Araci Nallin. Nossa grande amizade foi muito importante pra mim. Lembrome que íamos ao teatro, ao cinema, restaurantes. Enfim, tivemos uma convivência muito intensa e foi muito bom. Até porque, quando conversávamos, e isso acontecia frequentemente, todo mundo tinha os mesmos problemas. Durante toda a minha vida, passei por muitas experiências. Lembro-me de uma reunião na Diretoria de Ensino. Houve uma atividade de orientação técnica de descontração, quando uma orientadora, assim como eu, propôs uma dinâmica simples, de dar um passo para a frente, outro para trás e outro para o lado. Ela só se esqueceu de que seria um pouco difícil para eu realizá-la. Quando a orientadora anunciou essa atividade, sutilmente, protestei. Saí da roda acompanhado por outras duas pessoas e ficamos observando. No final, ela veio pedir desculpas e falei: “Inclusão não é algo apenas para o aluno. É pra todos. Antes de você organizar uma atividade, lembre-se disso. E se tivesse outra pessoa deficiente aqui?”
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Cheguei a registrar essa experiência no Centro de Apoio Pedagógico Especializado (Cape), assim como fiz observações em relação ao próprio Centro de Estudo do Governo do Estado, que fica lá na Rua Pensilvânia, onde encontrei algumas dificuldades. Foi uma situação engraçada porque, no dia, a coordenadora do local iniciou o evento dizendo: “Esse prédio é totalmente adaptado e inclusivo.” Ela estava presente durante o almoço e tive a oportunidade de comentar sobre todas as dificuldades pelas quais eu estava passando e outras que poderiam afetar pessoas com outros tipos de deficiência que frequentassem aquele local. Depois, nos momentos finais da reunião, ela disse, olhando para mim: “Quero fazer uma correção. Esse prédio é ‘quase totalmente’ adaptado porque nos foram apontados hoje os erros que existem na construção.” Aquilo valeu muito para mim. Foi mais uma contribuição para a mudança da realidade. Eram detalhes, mas são eles que fazem a diferença, principalmente na área que trata dos deficientes. São pontos que, às vezes, passam despercebidos por muitos. Tanto é que a escola onde trabalho também não é totalmente acessível. Embora tenham sido construídas rampas quando eu ocupava a coordenação. Foi quando a direção falou: “Você precisa ter acesso à determinada sala, então, vamos colocar rampas.” Por isso, há muitas pela escola, mas não no prédio inteiro. A minha sala de aula, no final do corredor, é a única que vai ter esse tipo de acesso. Nunca me esqueço de uma charge que tratava da ida de duas pessoas a um restaurante, um deficiente e um não deficiente. O garçom chega para atendêlos e pergunta para o não deficiente o que ele e o deficiente iriam comer, como se a pessoa com deficiência não pudesse nem escolher seu prato! E isso aconteceu comigo! Mas “tirei de letra” e intervi dizendo para o garçom: “O deficiente aqui pensa, olha, fala e também tem gosto! Se você quiser, posso responder sua pergunta.” Nunca havia imaginado que uma cena dessas poderia acontecer na vida real, mas aconteceu. Da mesma forma, presenciei outro fato, que não está relacionado com minha deficiência, mas foi muito engraçado. Estava numa loja de roupas femininas em um shopping center e veio uma vendedora me atender. Pedi para ver uma blusa e ela respondeu, sem a menor noção: “Mas aqui é local de roupa feminina.” Falei: “Sim. E daí, qual o problema? Vou comprar roupa pra minha mãe.” A mulher ficou completamente desnorteada com minha resposta. Às vezes temos de agir assim para a pessoa pensar antes de falar. Tanto é que aprendi uma coisa, os homens recebem muito mais atenção em lojas femininas do que as mulheres. Quando entra uma mulher, as vendedoras atendem de forma comum. Já, quando é um cliente masculino, ele tem atendimento quase que personalizado! Enfim, na convivência em sociedade a gente passa por tudo isso. Falar sobre as nossas vidas é fazer uma seleção. Escolhemos os momentos mais marcantes. Acho muito bom saber que, depois de todo esse tempo, aquilo que a minha geração pensou e moldou, lá atrás, já tem uma forma própria e está quase pronto. Sei que sempre haverá outros detalhes para serem feitos. Mas creio que o principal já está em prática. Agora temos de aparar, arrumar, ajustar muita coisa. E, sim, a luta continua, sempre vai continuar e creio que outras gerações também diriam isso.
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Imagem. Jornal da Tarde, 16 de março de 1981. Consta foto em preto e branco. Centenas de pessoas com e sem deficiência lotam o plenário da Câmara Municipal, com legenda: “A Câmara Municipal, lotada para a cerimônia”. Em defesa dos deficientes. A abertura oficial brasileira do Ano Internacional dos Deficientes foi feita neste fim de semana. O plenário da Câmara Municipal esteve lotado, neste fim de semana, por cegos, surdos, paralíticos e algumas autoridades que promoviam a abertura simbólica do Ano Internacional das Pessoas Deficientes no Brasil. Iniciando a promoção, a cega Odete Cláudio Nascimento leu da tribuna, em Braille, a Declaração dos Direitos do Deficiente, segundo o texto aprovado pela ONU. A leitura foi concluída sob intensos aplausos. Entre os deficientes que participavam da promoção, havia representantes de praticamente todos os Estados brasileiros. Para os responsáveis pela promoção, os pronunciamentos dos oradores e as entusiásticas manifestações dos ouvintes indicavam que a população brasileira de deficientes começa a se organizar em defesa de seus direitos. Os responsáveis pela promoção eram os coordenadores do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes (MDPD) que foi criado há um ano em São Paulo, mas já tem núcleos em fase de organização em todas as regiões do País. Um dos coordenadores é o engenheiro eletrônico Cláudio Pinto de Melo, que ocupou a presidência da mesa escolhida para executar o programa oficial da promoção. Participavam também da mesa estas autoridades: o juiz Renato Laércio Talli, corregedor dos presídios do Estado de São Paulo; o jurista Dalmo de Abreu Dallari; Dom Luciano Mendes de Almeida, secretário da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); padre Júlio Munaro, representante do cardeal Paulo Evaristo Arns; Otto Marques da Silva, da Comissão para o Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Entre as manifestações de apoio à promoção, foi lida uma carta de P. Koenz, representante residente da ONU no Brasil, que considerou “altamente louvável” a abertura simbólica do Ano Internacional das Pessoas Deficientes em São Paulo e desejou “muito sucesso ao evento e a todas as atividades programadas pelo MDPD”, cujos objetivos elogiou. Os participantes da promoção receberam várias publicações do MDPD e, principalmente, o texto oficial de sua Carta-Programa. Além de denunciar injustiças e desigualdades sociais, os autores da Carta Programa ressaltam os três princípios específicos para uma mudança de comportamento em relação aos portadores de deficiências físicas e psíquicas no Brasil: “1º - As pessoas deficientes são uma parcela integrante da sociedade e exigem o respeito efetivo aos direitos e às responsabilidades que lhes estão reservados, para que possam participar plenamente da vida comunitária e, assim, contribuir como seres humanos socialmente úteis. 2º - As pessoas deficientes não reivindicam benefícios que tenham as características de privilégios, dádivas ou concessões, mas reclamam o que é de seu pleno direito como cidadãos de um país e como seres humanos integrais. 3º - As pessoas deficientes proclamam que apenas uma ação conjunta, consciente e dotada de poder de pressão será capaz de esclarecer e mobilizar a sociedade e o Estado para o diferencial de necessidades, que caracterizam os portadores de deficiências.” Segundo os autores da Carta-Programa, “a idéia de que não existem preconceitos e de que todos os segmentos sociais estão integrados é veiculada como senso comum, corporificado em leis ditas protecionistas, que são elaboradas de cima para baixo e que mascaram a realidade”. Por isso, eles admitem que os deficientes brasileiros têm grandes obstáculos a superar. Nesse sentido, o jurista Dalmo de Abreu Dallari foi muito aplaudido, em seu pronunciamento, quando advertiu sobre o risco de que o Ano Internacional das Pessoas Deficientes se torne “um fracasso semelhante ao do Ano Internacional da Criança”. Para evitar o risco, propôs que os interessados no êxito “estejam dispostos a lutar contra os preconceitos da sociedade e contra a acomodação”. Legenda: Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
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Imagem. Jornal Notícias Populares, de 29 de março de 1981. Deficientes físicos acampam no Járagua. Dezenas de deficientes físicos, enfrentando as chuvas caídas sexta-feira à noite sobre a capital, rumaram para o Camp Escola Jaraguá onde participaram de um original acampamento de fim de semana, pois esta é a primeira vez no Brasil que se realiza um acampamento desse tipo. A iniciativa foi do núcleo de Integração de Deficientes, de São Paulo, com a colaboração da União dos Escoteiros do Brasil, região de São Paulo. Tudo foi feito com muita alegria, num clima de festa, como parte das comemorações do Ano Internacional da Pessoa Deficiente. Legenda: Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Lia Crespo
Imagem. Foto colorida. Numa sala, com uma mesa com toalha de renda branca oito pessoas posam descontraidamente para a foto. Legenda: Confraternização natalina do NID, dezembro de 1981. Ana Rita, Luiz Celso Marcondes, Romeu Sassaki, Lia Crespo, Luiz Garcia Bertotti, Wilson e Nia Correa. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Lia Crespo
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Imagem. Cartaz manuscrito. 1º Acampamento do NID Março – 1981. Ponto de encontro: Local: R.Guairá, 1263; Horário: 7:00hs (impreterivelmente); data: 28/29 – março. Observação: será recolhida a importância de $300,00 referente a alimentos. Haverá carros à disposição para aqueles sem condução. Legenda: Cartaz “1º Acampamento do Nid – março de 1981”. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Lia Crespo.
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Imagem. Foto colorida. Ao ar livre, à noite, pessoas sentadas em volta de uma fogueira, conversando em grupos de três ou quatro pessoas. Um homem está com um violão. Legenda: 1º Acampamento do NID, março de 1981. Leila Bernaba Jorge, Maria Conceição Lima Ferreira, Cila Ankier, Luizão, Natália, Ana Rita de Paula e Sr. Décio. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Lia Crespo.
Imagem. Foto colorida. À noite, oito pessoas – sendo duas delas crianças - estão ao ar livre. Atrás delas há um carro branco. Legenda: 1º Acampamento do NID, março de 1981. Cristina Sugaiama com Diane e Roger, Marisa Paro, Lia Crespo, Gonçalo Borges, Araci Nallin e Cila Ankier. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Lia Crespo.
Imagem. Foto colorida. Uma mulher é suspendida da cadeira de rodas por um guindaste (elevador portátil) para pessoa com deficiência. Duas mulheres observam. Ao fundo parede de tenda de acampamento. Legenda: 1º Acampamento do NID, março de 1981. Marisa Paro e Cila Ankier. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Lia Crespo.
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Imagem. Foto colorida. Numa mesa de madeira, sobre a qual há um livro aberto, uma mulher e um homem realizam dobradura em papel. Um homem de costas e uma mulher estão próximos à mesa. Legenda: 1º Acampamento do NID, março de 1981. Atividade de dobradura. Sandra, Luizão, Gonçalo Borges (de costas) e Lia Crespo. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Lia Crespo.
Imagem. Foto colorida. Em torno de uma mesa de madeira, sobre a qual há um livro aberto, várias pessoas observam atentas as explicações concedidas por um homem em pé com uma folha de papel entre as mãos. Distantes da mesa, uma mulher e um menino no seu colo também observam atentos. No fundo parede de tenda de acampamento. Legenda: 1º Acampamento do NID, março de 1981. Atividade de dobradura. Ana Rita de Paula, Araci Nallin, Romeu Sassaki, Sandra, Luizão, Cristina Sugaiama com Roger no colo. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Lia Crespo.
Imagem. Foto colorida. Um homem em pé, com as pernas afastadas em postura de equilíbrio, sustenta com os braços estendidos as costas de outro homem em postura ereta, pés juntos, pendido em diagonal sobre o primeiro homem. Ambos riem. Duas pessoas observam sentadas num banco. No fundo parede de tenda de acampamento. Legenda: 1º Acampamento do NID, março de 1981. Confiança: Romeu Sassaki e Gonçalo Borges. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Lia Crespo.
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Imagem. Foto colorida. Cinco pessoas posam para foto ao ar livre, tendo às costas um rio. Legenda: Fartura/SP, em 1983, durante palestra na Prefeitura do município. Maria Cristina Correa, Lia Crespo, Wilson Akio Kyo men, João Batista Cintra Ribas e Dora. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Lia Crespo.
Imagem. Foto colorida de três homens sentados em mesa de evento, onde é possível a leitura das placas de identificação: “NID Wilson Akio” e “NID João Batista”. Legenda: “Ciclo de Debates: Os partidos políticos e as questões das pessoas deficientes”, julho de 1982, São Paulo. Orlando Filpo, Wilson Akio Kyomen, João Batista Cintra Ribas. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Lia Crespo.
Imagem: Foto colorida onde dezesseis pessoas – entre homens, mulheres e crianças –posam no alto de uma montanha. Legenda: Pico do Jaraguá/SP. Visita de reconhecimento para o “1º Acampamento do NID – março de 1981”. Romeu Sassaki, Ana Rita de Paula, sr. Décio, Leila Bernaba Jorge, Araci Nallin e Wilson Akio Kyomen. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Lia Crespo.
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CAPÍTULO
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O esporte na inclusão da pessoa com deficiência no Brasil Vanilton Senatore
Apresentação Ao definir 1981 como o Ano Internacional da Pessoa com Deficiência, a ONU conseguiu que a maioria dos seus países membros nos cinco continentes colocasse, em todas as pautas e de forma incisiva, as questões referentes aos direitos e a efetiva inclusão dessas pessoas. Houve um crescente despertar das pessoas com deficiência para a defesa dos seus direitos fazendo com que o movimento ganhasse proporções inimagináveis. Nas três décadas vividas desde então, o assunto tem sido focado em todas as atividades humanas. Espaços foram sendo conquistados nas áreas da educação, do trabalho, da saúde. Em nosso país não foi diferente e, ao comemorarmos os 30 anos do AIPD, não podemos deixar fora desse relato a importância e a contribuição que as atividades esportivas tiveram no processo de busca e consolidação da cidadania das pessoas com deficiência em nosso país. É absolutamente importante referenciarmos a luta empreendida pelas pessoas com deficiência, líderes e protagonistas maiores dessa parte de nossa história que, por meio das atividades paradesportivas, abriram caminhos cumprindo importante missão na luta pelos direitos das pessoas com deficiência em busca de sua efetiva inclusão e do alcance tão sonhado da cidadania. Mais à frente estaremos referenciando alguns desses líderes esportistas que foram responsáveis no Brasil pelos primeiros passos de um movimento que apenas engatinhava pelo mundo. Não temos dúvidas em afirmar que eles, com coragem, visão e ousadia, além de serem corresponsáveis diretos pela honrosa posição de nona potência mundial no esporte
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paraolímpico conquistada pelo Brasil nas Paraolimpíadas de Pequim 2008, foram decisivos na luta que uniu e integrou as diversas áreas de deficiência em nosso país buscando a igualdade de tratamento e a justiça social. Mas não podemos deixar de registrar o trabalho de abnegados profissionais das diversas áreas de atuação envolvidos com o trabalho esportivo, com destaque para os professores de educação física. Atuando na maioria das vezes de forma voluntária e silenciosa, eles representam um marco nesse processo que propiciou uma guinada no entendimento, na percepção e no reconhecimento, por parte da maioria de nossa população, das potencialidades das pessoas com deficiência. Também mais à frente estaremos relatando fatos e nominando pessoas que foram decisivas no processo de mudança de paradigmas nas atividades esportiva para pessoas com deficiência. Relembrar a atuação das grandes lideranças das pessoas com deficiência e de profissionais da Educação Física que contribuíram nesse processo é a maneira de homenagearmos e deixarmos registrados para a história fatos e dados que foram de fundamental importância no desenvolvimento alcançado em nosso país e que permitiram nos colocar entre as dez maiores potências paraolímpicas do mundo. Nessa resenha histórica, duas frentes atuaram no trabalho desenvolvido e foram igualmente significativas. De um lado as entidades das pessoas com deficiência lideradas por seus dirigentes na luta pelos direitos; e do outro os profissionais das organizações governamentais que deram ressonância e forma aos clamores com atos legais que contribuíram para assegurar e garantir o avanço das ações propostas e o seu desenvolvimento.
Um pouco da história do movimento Inicialmente é preciso resgatar alguns fatos referentes às origens do esporte paraolímpico no mundo e, em especial, no Brasil, onde a história teve seu começo há mais de meio século e já é plena de lutas, competições, conquistas e glórias.
No mundo O esporte para pessoas com deficiência existe há mais de cem anos. Nos séculos 18 e 19 a contribuição das atividades esportivas foi maior no sentido da reeducação e da reabilitação das pessoas com deficiência. As primeiras notícias da existência de clubes esportivos para pessoas surdas datam de 1888, em Berlim, Alemanha. Depois da Primeira Grande Guerra (1914/1918) a fisioterapia e a medicina esportiva surgiram como recursos importantes na recuperação das cirurgias internas e ortopédicas. Os primeiros registros de esporte para pessoas portadoras de deficiência foram encontrados em 1918 na Alemanha, nos quais consta que soldados alemães que se tornaram deficientes físicos na guerra se reuniam para praticar tiro e também arco e flecha. Em agosto de 1924 aconteceram, em Paris, os Jogos do Silêncio, com a participação de 145 atletas de nove países europeus, primeira competição internacional para pessoas com deficiência. No evento, em 24 de agosto, foi fundado o Comitê International des Sports Silencieux – Ciss. Em 1932, na Inglaterra, formou-se uma associação de jogadores de golfe com um só braço.
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Em 1944, ainda durante a Segunda Grande Guerra, o governo britânico contratou o neurocirurgião alemão, Dr. Ludwig Guttmann, para começar um trabalho de reabilitação para lesionados medulares, dando origem ao Centro Nacional de Lesionados Medulares de Stoke Mandeville, na Inglaterra. Dr. Guttmann marcou seu trabalho de reabilitação médica e social direcionados aos veteranos de guerra com um diferencial ao usar prática esportiva como parte do tratamento médico. O sucesso do trabalho motivou o Dr. Guttmann a organizar a primeira competição para atletas em cadeiras de rodas e, no dia 29 de julho de 1948 – data da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Londres ‑ , aconteceu a primeira edição da competição denominada Stoke Mandeville Games. Em 1952, exsoldados holandeses se uniram para participar dos jogos de Stoke Mandeville e, com os ingleses, fundaram a ISMGF – International Stoke Mandeville Games Federation – Federação Internacional dos Jogos de Stoke Mandeville, dando início ao movimento esportivo internacional que viria a ser base para a criação do que hoje conhecemos como esporte paraolímpico. Em 1960 incentivados pelo Dr. Antonio Maglio, diretor do Centro de Lesionados Medulares de Ostio na Itália, o comitê organizador dos jogos de Stoke Mandeville aceitou o desafio e realizou os jogos em Roma logo após os Jogos Olímpicos. Usando os mesmos espaços esportivos e o mesmo formato das olimpíadas, 400 atletas de 23 países participaram da primeira paraolimpíada. A partir de Roma em 1960 e a cada quatro anos, os jogos foram realizados de forma cada vez mais organizada e sempre com um número crescente de países participantes. Até os jogos de 1972, realizados em Heildelberg, Alemanha, apenas atletas em cadeiras de rodas participavam oficialmente dos jogos. Em 1976 nas Paraolimpíadas de Toronto, Canadá, houve a inclusão dos atletas cegos e amputados e a partir de 1980, em Arnhem, na Holanda, foram incluídos os paralisados cerebrais. A décima quarta edição dos jogos acontecerá em Londres, de 27 de agosto a 10 de setembro de 2012. Em 1976 tiveram início as Paraolimpíadas de Inverno, na cidade de Ornskoldsvik, Suécia. Até 1992 os jogos de inverno aconteciam no mesmo ano dos jogos de verão. Em 1994 o ciclo foi ajustado, passando a ser realizado no mesmo ano dos Jogos Olímpicos de Inverno. A décima segunda edição acontecerá na cidade russa de Socchi em 2014. Nos jogos de Atlanta, EUA, em 1996, os atletas com deficiência intelectual tiveram sua primeira participação no movimento paraolímpico com provas de atletismo em caráter de demonstração. Nas Paraolimpíadas de Sidney2000, na Austrália, eles foram oficialmente incluídos nas modalidades de Atletismo, Basquetebol, Natação e Tênis de Mesa. Devido a problemas sérios de irregularidades e fraudes encontradas quanto à elegibilidade de atletas presentes em Sidney na modalidade de Basquetebol, os atletas com deficiência intelectual foram suspensos das atividades promovidas pelo IPC até que se encontrasse um meio eficaz e seguro de definir sua elegibilidade e, por isso, eles não participaram dos Jogos de Atenas 2004 e Pequim 2008. Em Londres 2012, sob um novo sistema de elegibilidade, os atletas com deficiência intelectual estarão novamente incluídos nas modalidades de Atletismo, Natação e Tênis de Mesa. Com a possibilidade natural da prática esportiva pelas pessoas com deficiência, entidades mundiais nas diversas áreas de deficiência foram criadas assumindo a responsabilidade de administrar e organizar os eventos. Em ordem cronológica, tivemos a fundação das entidades a seguir relacionadas:
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1924 – Ciss – Comité International des Sports Silencieux – Embora tenham participado entre 1986 até 1995 do movimento paraolímpico, o CISS sempre realizou de forma independente os seus próprios jogos. Atualmente é denominado ICSD – International Committee of Sports for the Deaf, Inc. e tem como representante brasileiro a CBDS – Confederação Brasileira de Desportos para Surdos. 1952 – ISMGF – International Stoke Mandeville Games Federation – Criada inicialmente com o nome de Federação Internacional dos Jogos de Stoke Mandeville, destinava-se ao esporte para deficientes em cadeira de rodas e sua ação esportiva estava mais concentrada no Basquetebol. Posteriormente passou a ser denominada ISMWSF – International Stoke Mandeville Wheelchair Sports Federation – Federação Internacional de Stoke Mandeville para Esportes em Cadeira de Rodas. Em novembro de 2004 a ISMWSF e a Isod se uniram para formar a Iwas – International Wheelchair and Amputee Sports Federation – Federação Internacional de Esportes para Cadeiras de Rodas e Amputados. Até 2006 o Brasil foi representado pela Abradecar e, atualmente, a ligação brasileira é feita diretamente pelo CPB – Comitê Paraolímpico Brasileiro. 1964 – ISOD – International Sport Organization for the Disabled – Em 1960, com o apoio da Federação Mundial para Ex-Combatentes, foi criado um grupo de trabalho internacional com a finalidade de realizar novos estudos sobre os problemas do esporte para pessoas com deficiências. Uma das indicações do grupo resultou na criação, em 1964, da Isod – Organização Internacional de Esportes para Deficientes. A Isod foi fundada como uma federação esportiva internacional para atender aos deficientes visuais, amputados, paralisados cerebrais e paraplégicos não contemplados pela Federação Internacional dos Jogos de Stoke Mandeville – ISMGF. A Isod começou suas atividades com 16 países filiados e foi muito importante no trabalho que resultou na inclusão dos cegos e amputados nas Paraolimpíadas de Toronto, Canadá, em 1976, e dos paralisados cerebrais nas Paraolimpíadas de Arnhem, Holanda, em 1980. Com a evolução do esporte para deficientes e a fundação de diversas entidades específicas por área de deficiência a Isod, que havia ficado exclusivamente com os amputados, se uniu, em 2004, à ISMWSF, formando a Iwas – International Wheelchair and Amputee Sports Federation – Federação Internacional de Esportes para Cadeiras de Rodas e Amputados. Durante a existência da Isod o representante do Brasil foi a Ande – Associação Nacional de Desporto para Deficientes. 1968 – Special Olympics International – Criada pela Joseph Kennedy Foundation, tem como característica o oferecimento de esportes para deficientes intelectuais sem a preocupação do alto rendimento. Com um sistema de organização próprio em que os atletas de cada esporte são agrupados por nível de rendimento esportivo, permite que todos os deficientes intelectuais, independentemente do seu grau de deficiência, possam participar em condições de igualdade. Pelas características da deficiência intelectual o programa, há mais de 40 anos, tem sido a forma mais adequada de atividades esportivas para esse segmento. De 1990 a 2002 o Brasil foi representado na Special Olympics International pela Associação Olimpíadas Especiais Brasil. 1978 – CP-ISRA – Cerebral Palsy – International Sports and Recreation Association – Com base no trabalho desenvolvido pela Isod a partir de 1964, a CP-ISRA foi fundada em 1978 como a entidade internacional específica para o esporte e a recreação
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das pessoas com paralisia cerebral. Sua filiada no Brasil é a Ande – Associação Nacional de Esportes para Deficientes. 1981 – IBSA – International Blind Sports Federation – Após um período de mais de 20 anos em que o segmento ficou sob a organização da Isod, foi fundada em Paris a IBSA, destinada especificamente ao esporte para cegos e deficientes visuais. No Brasil, sua entidade filiada é a CBDV – Confederação Brasileira de Desportos para Deficientes Visuais. 1982 – ICC – International Co-ordination Committee of World Sports Organizations for the Disabled – O rápido desenvolvimento do esporte para pessoas com deficiência deu origem a muitas competições nas diversas áreas, propiciando o surgimento dos eventos multideficiências e, entre eles, o de maior importância, as Paraolimpíadas, que a partir dos jogos de Toronto, em 1976, incluiu atletas com deficiência visual, cegos e amputados, e dos jogos de Arnheim, em 1980, os paralisados cerebrais. Após a realização da primeira Paraolimpíada, em 1960, na cidade de Roma, os eventos seguintes, embora realizados no mesmo ano dos Jogos Olímpicos, nem sempre foram nas mesmas cidades e espaços físicos. Com a definição de Seul como sede dos Jogos Olímpicos de 1988, o comitê organizador local se propôs a executar a Paraolimpíada usando os mesmos espaços. Com essa decisão e devido à participação de diferentes áreas de deficiência, para que cada país pudesse ter uma única representação no evento que abrangesse as áreas de deficiência envolvidas, ficou clara a necessidade da criação de um organismo para administrar e realizar os eventos com maior eficácia e que também pudesse ter voz junto ao Comitê Olímpico Internacional. As quatro entidades internacionais existentes criaram em 1982 o ICC – Comitê Internacional de Coordenação das Organizações Mundiais de Esportes para Deficientes que, inicialmente, foi composto pelos presidentes da CP-ISRA, IBSA, ISMGF e Isod, um secretário-geral e um membro adicional. O CISS e a Inas-FID juntaram-se ao comitê em 1986. Por decisão própria, o CISS se retirou do movimento paraolímpico em 1995, preferindo continuar realizando seus eventos de forma independente e isolados. Seguindo seus objetivos o ICC, com a interlocução e o apoio do COI e do Comitê local, organizou as Paraolimpíadas de Seul, Coreia, 1988, usando, pela primeira vez de forma oficial, as mesmas instalações dos Jogos Olímpicos promovidos pelo Comitê Olímpico Internacional. 1986 – Inas-FID – International Sports Federation for Persons with Intellectual Disability – Destinada ao esporte de alto rendimento para deficientes intelectuais foi fundada na Holanda. Sua filiada brasileira é a Abdem – Associação Brasileira de Desportos para Deficientes Mentais. 1989 – IPC – International Paralympic Committee – O Comitê Paraolímpico Internacional é a principal entidade do movimento paraolímpico e tem a responsabilidade de conduzir o programa mundialmente. Foi fundado em 22 de setembro de 1989 na cidade de Dusseldorf, Alemanha, pelas entidades existentes a época: CP-ISRA, IBSA, Inas-FID, Isod e ISMWSF. Nos dias 2 e 3 de novembro de 1991, em Budapeste, Hungria, foi realizada a Assembleia Geral que aprovou o primeiro Estatuto do IPC, e nela o Brasil esteve representado oficialmente pelo coordenador do Grupo de Trabalho Interministerial, responsável pela preparação da equipe brasileira
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para as Paraolimpíadas de Barcelona 1992. Desde 1995, o Brasil é representado oficialmente junto ao IPC pelo CPB – Comitê Paraolímpico Brasileiro. Em 19 de junho de 2001 foi assinado um acordo entre o IPC e o COI – Comitê Olímpico Internacional que tornou obrigatório, a partir de Pequim 2008, que a cidade ao apresentar sua candidatura para a os Jogos Olímpicos de Verão e Inverno englobe na mesma proposta a realização das Paraolimpíadas. Com isso, o que vinha sendo feito de maneira informal desde Seul, em 1988, passa a ser pré-requisito na candidatura de qualquer cidade a sede aos jogos olímpicos. Londres 2012 será o primeiro evento dentro das novas normas mundiais. Na escolha da cidade-sede dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Verão de 2016, em 2 de outubro de 2009, em Copenhague, na Dinamarca, durante a 121ª Sessão do Comitê Olímpico Internacional, Chicago e Tóquio, Madri e Rio de Janeiro chegaram à final, com a vitória da candidatura brasileira, com mais de 2/3 dos votos. A proposta da cidade do Rio de Janeiro teve como um dos principais destaques a apresentação referente aos Jogos Paraolímpicos. O estreitamento das relações entre o movimento olímpico e paraolímpico se dá também nas diversas Comissões e Comitês do COI e do IPC, onde ambos participam em conjunto na busca de melhores caminhos para o esporte mundial. 1992 – WOVD – World Organization Volleyball for Disabled – Organização Mundial de Voleibol para Deficientes. O jogo de voleibol sentado para deficientes surgiu na Holanda em 1956 e foi aceito como esporte no programa da Isod em 1978. A WOVD tem como representante brasileira filiada a ABVP – Associação Brasileira de Voleibol Paraolímpico. 1993 – IWBF – International Wheelchair Basketball Federation – Federação Internacional de Basquetebol em Cadeira de Rodas. Criada a partir de um desmembramento da ISMGF é a responsável internacionalmente pelo basquetebol em cadeira de rodas. Tem como filiada brasileira a CBBC – Confederação Brasileira de Basquetebol em Cadeira de Rodas.
No Brasil O marco inicial do movimento esportivo para pessoas com deficiência no Brasil se deu com a exibição da equipe de basquetebol em cadeiras de rodas “Pan Am Jets”, formada por funcionários deficientes da Pan American World Airlines. Eles fizeram duas apresentações no Brasil, em novembro de 1957 no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, e em seguida no Ginásio do Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. A vinda dos americanos foi possível graças aos contatos mantidos por Sérgio Seraphim Del Grande, um dos primeiros nomes do esporte paraolímpico brasileiro. Em 1958 tivemos a fundação dos dois primeiros clubes esportivos para deficientes no Brasil: na cidade de São Paulo o CPSP – Clube dos Paraplégicos de São Paulo, iniciativa de Sérgio Seraphim Del Grande; e no Rio de Janeiro, o Clube do Otimismo, idealizado por Robison Sampaio de Almeida, outro nome de grande destaque no esporte paraolímpico brasileiro.
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Do pioneirismo do CPSP e Clube do Otimismo, em 1958, aos dias de hoje, centenas de entidades de prática esportiva para as pessoas com deficiência foram criadas. Essas associações e clubes, como em todo sistema esportivo, são a base onde o esporte é efetivamente praticado da sua iniciação até as competições de mais alto nível. Sem sua existência, sem o trabalho silencioso e de completa dedicação, na maioria dos casos, voluntariamente, dos seus dirigentes e técnicos, não teríamos os atletas para fazerem a história do esporte adaptado em nosso país. Essas entidades foram muito além da questão esportiva. Elas se tornaram fórum de encontro e discussão dos direitos das pessoas com deficiência e contribuíram de forma decisiva para a melhoria significativa do processo de inclusão e cidadania.
Imagem. Foto colorida. Cinco atletas em cadeira de rodas e dois em pé posam para foto, com bandeira do Estado de São Paulo e cartaz “Clube dos Paraplégicos SP”. Legenda: Moacir, Cidinha, Helô, Bia e Xavier – Em frente ao ginásio de Esportes no Rio de Janeiro – Junho de 1975. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Heloísa Chagas.
Os primeiros 20 anos do movimento brasileiro tiveram como fatores principais a dedicação e a abnegação de alguns atletas, dirigentes, entidades e profissionais de educação física, que não mediram esforços no firme propósito de garantir sustentabilidade ao ainda frágil e incipiente desporto paraolímpico em nossa terra. Até o final da década de 1980, o movimento foi conduzido de forma heroica e conseguiu crescer e fincar raízes graças a um grupo de pessoas, às quais rendemos as homenagens e agradecimentos. Sem demérito a tantos outros nos permitimos citar quatro pessoas que já nos deixaram e muito bem simbolizam essa época de lutas: Aldo Miccolis, José Gomes Blanco, Robinson Sampaio de Almeida e Sérgio Seraphim Del Grande. No final da década de 1980, para acompanhar os acontecimentos internacionais que sinalizavam um novo rumo na forma de administração do esporte paraolímpico e para organizar adequadamente a participação brasileira nos Jogos Paraolímpicos de Seul – 1988, as entidades nacionais existentes – Associação Brasileira de Desporto para Cegos – ABDC, presidida por Mario Sérgio Fontes; a Associação Brasileira de Desporto em Cadeira de Rodas – Abradecar, sob a presidência de José Gomes Blanco; e a Associação Nacional de Desporto para Deficientes – Ande, tendo como presidente o professor Aldo Miccolis –buscaram o apoio do governo federal através da Secretaria de Educação Física e Desportos
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do Ministério da Educação – Seed-MEC e da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Deficiente – Corde. Em reunião realizada no Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro, em 11 de abril de 1988, o saudoso José Gomes Blanco, baluarte do esporte paraolímpico brasileiro e então presidente da Sadef–RJ e da Abradecar, propôs a criação do Comitê Paraolímpico Brasileiro. Após consultas ao COB – Comitê Olímpico Brasileiro e ao CND – Conselho Nacional dos Desportos, órgão do MEC – Ministério da Educação, responsável máximo pela regulamentação do esporte brasileiro, verificou-se a impossibilidade legal da criação do comitê em função das restrições da Constituição vigente, da lei nº 6.251, de 1975, e do Decreto nº 80.228, de 1977, que balizavam juridicamente a prática esportiva em nosso país. Como alternativa para o problema e por iniciativa da Corde, no dia 17 de junho de 1988, por meio da Portaria Interministerial nº 1.207/88 – Sedap – Secretaria da Administração Pública, foi instituído o Grupo de Trabalho Interministerial, formado por dois representantes do governo federal, um da Seed/MEC e um da Corde e pelos presidentes da ABDC, Abradecar e Ande. Formaram o grupo o professor Aldo Miccolis, presidente da Ande, José Gomes Blanco, Presidente da Abradecar, Mário Sérgio Fontes, presidente da ABDC, professor Juarez Soares, representando a SeedD/MEC, e o professor Vanilton Senatore, coordenador ajunto da Corde. Sob a coordenação do representante da Corde, o Grupo de Trabalho Interministerial assumiu toda a responsabilidade pela preparação e participação da delegação brasileira nos Jogos de Seul, executando oficialmente o papel de NPC – Brasil, National Paralympics Committee – Brasil. As ações desenvolvidas pelo GT foram apresentadas oficialmente ao público em cerimônia realizada no dia 11 de agosto de 1988 no salão nobre do Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro, evento que teve a presença de patrocinadores, imprensa e ídolos do esporte nacional, com destaque para Roberto “Dinamite”, do futebol, atletas da equipe olímpica brasileira de 1988, “Magic” Paula, do basquete, Ana Richa, do vôlei, Robson Caetano, do atletismo, e o querido e saudoso “João do Pulo” Carlos de Oliveira. Durante a solenidade aconteceu a apresentação oficial da proposta de criação do Comitê Paraolímpico Brasileiro, ficando acertado que as ações seriam intensificadas após a promulgação da nova Constituição brasileira, em debate na Assembleia Nacional Constituinte. Após a promulgação da Constituição, em 3 de outubro de 1988, iniciou-se o processo de discussão para reformar a Lei nº 6.251/75 e o Decreto nº 80.228/77, processo esse finalizado em com a sanção da Lei nº 8.672, de 1993. Os resultados alcançados pela equipe brasileira na Paraolimpíada de Seul-88, com a conquista de 27 medalhas, quatro de ouro, nove de prata e 14 de bronze, contribuíram para fortalecer e tornar o movimento paraolímpico mais conhecido em nosso país, sendo decisivo na formulação do modelo de administração esportiva adotado pelo governo eleito em 1989. O presidente Fernando Collor. ao assumir em março de 1990, retirou o esporte do Ministério da Educação, criando a Secretaria dos Desportos da Presidência da República – Sedes/PR, precursora do atual Ministério do Esporte, convidando para seu primeiro titular um dos grandes ídolos do futebol brasileiro, Arthur Antunes Coimbra – Zico. A Sedes/PR em sua estrutura organizacional tinha apenas dois departamentos: o Departamento de Desportos Profissional e Não Profissional – Depro e o Departamento de Desportos para Pessoas Portadoras de Deficiência – Deped. Para comandar o Deped, Zico convidou o professor Vanilton Senatore. Com a inclusão do Deped – Departamento de Desportos para Pessoas Portadoras de Deficiência na estrutura da Secretaria dos Desportos da Presidência da República, fato inédito
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Imagem. Documento. Diário Oficial. Seção II – Dário Oficial – Segunda-Feira, 20 jun 1988. Secretaria de Administração Pública. Gabinete do Ministro. Portaria Interministerial nº 1.207, de 17 de junho de 1988. O Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Administração Pública da Presidência da República e o Ministro de Estado da Educação, no uso de suas atribuições, e CONSIDERANDO que, nos termos do artigo 3º do Decreto nº 93.481, de 29 de outubro de 1986, combinado com o artigo 2º do Decreto nº 95.816, de 10 de março de 1988, compete ao Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Administração Pública da Presidência da República, mediante conjugação de esforços com os demais Ministros de Estado, exercer a coordenação superior, na Administração Federal, dos assuntos, atividades e medidas que se refiram às pessoas portadoras de deficiências; resolvem: Art. 1º - Fica instituído Grupo de Trabalho Interministerial, incumbido de preparar e viabilizar a participação de equipe brasileira nos 8ºs JOGOS PARALYMPICS a serem realizados em SEOUL, KOREA. Art. 2º - O grupo de Trabalho terá a seguinte composição. I – 1 (um) representante da Coordenadoria para integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE/SEDAP/PR; II – 1 (um) representante da Secretaria de Educação Física e Desportos – SEED/ME; III – 1 (um) representante da Associação Nacional de Desportos para Excepcionais – ANDE; IV – 1 (um) representante da Associação Brasileira de Desportos em cadeiras de Rodas – ABRADECAR; V – 1 (um) representante da Associação Brasileira de Desportos para Cegos – ABDC; Parágrafo único – O representante da CORDE/SEDAP/PR exercerá a coordenação do Grupo de Trabalho. Art. 3º - O Grupo de Trabalho terá suas atividades cinalizadas e será extinto com o término dos jogos. Art. 4º - Esta Portaria entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Aluizio Alves. Ministro Chefe da Secretaria de Administração Pública da Presidência da República. Hugo Napoleão. Ministro de Estado da Educação. Legenda: Portaria Interministerial Nº. 1.207 de 17 de junho de 1988. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Vanilton Senatore.
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na história política brasileira, o governo federal, além de reconhecer a importância do esporte para as pessoas com deficiência e colocá-lo na pauta das discussões, garantiu recursos orçamentários para seu apoio e desenvolvimento. Certamente não podemos deixar de registrar que a decisão do governo em incluir o Deped em sua estrutura esportiva foi fruto do árduo trabalho realizado pelas lideranças do movimento das pessoas com deficiência que vinha ganhando força a cada dia desde 1981. A proposta de reconhecimento e apoio ao esporte das pessoas com deficiência foi apresentada em agosto de 1989, ainda durante a campanha eleitoral, a todos os candidatos a presidência que participaram de reunião realizada pelo Comitê Olímpico Brasileiro no Salão Nobre do Fluminense Futebol Clube, na cidade do Rio de Janeiro. José Gomes Blanco, Luis Cláudio Alves Pereira, Iranilson Silva, Sebastião Neto, Mário Sérgio Fontes, Alaor Boschetti, entre outros líderes incontestes do movimento, acompanhados de incansáveis coadjuvantes como o professor Aldo Miccolis, João Batista Carvalho e Silva, Antônio João Menescal Conde, Sérgio Coelho estiveram entre os responsáveis por essa apresentação aos candidatos. Zico que, além de amigo e admirador do trabalho de José Gomes Blanco, era entusiasta e incentivador do esporte paraolímpico, foi o responsável, em 1991, pela primeira inclusão no orçamento federal de recursos específicos para o esporte das pessoas com deficiência. Zico coordenou ainda o processo de elaboração do Projeto de Lei para regulamentação do esporte brasileiro adequando-o à nova Constituição, projeto encaminhado ao Congresso Nacional em abril de 1991 e sancionado com Lei nº 8.672/93.
Imagem. Foto colorida. Zico, de terno e gravata, está cercado de crianças e jovens atletas, vestidos com jaquetas brancas contendo faixa nas cores azul, amarela e verde. Legenda: ZICO acompanha equipe brasileira na abertura dos Jogos Mundiais de Verão da Special Olympics – Minneapolis, USA – 1991. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Vanilton Senatore.
A recém-criada secretaria em janeiro de 1991, ainda sob a vigência da Lei nº 6.251/75 e do Decreto nº80.228/77, que impedia as ações para a fundação do Comitê Paraolímpico Brasileiro, reeditou o Grupo de Trabalho Interministerial com vistas à preparação e participação da representação do Brasil aos Jogos Paraolímpicos de Barcelona – 1992.
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Foi mantido o mesmo formato adotado em 1988, com a participação de dois representantes do governo federal, Sedes/PR e Corde, e os três presidentes das entidades nacionais de desporto para deficientes envolvidas nos jogos, ABDC, Abradecar e Ande. O Grupo de Trabalho Interministerial teve como membros o professor Aldo Miccolis, presidente da Ande, José Gomes Blanco, presidente da Abradecar, Cezar Gualberto, presidente da ABDC, Paulo Roberto da Costa Beck, representando a Corde, e o professor Vanilton Senatore, diretor do Deped, como representante da Sedes/PR e a quem coube coordenar as atividades do GT. Com a experiência adquirida em 1988 o Grupo de Trabalho foi o responsável pela coordenação dos preparativos e a participação da delegação brasileira nas Paraolimpíadas de Barcelona-1992, tendo trabalhado durante 18 meses em estreita parceria com as três entidades nacionais. Em Barcelona os atletas paraolímpicos brasileiros conquistaram sete medalhas, três de ouro e quatro de bronze. Os trabalhos desenvolvidos pelos GT de 1988 e 1991/1992 se pautaram pelas normas e procedimentos adotados internacionalmente pelo ICC e IPC e serviram de base para uma nova postura do movimento paraolímpico brasileiro, propiciando que as entidades nacionais, espelhadas na tendência mundial e nos ensinamentos adquiridos na preparação e participação nos Jogos de 1988 e 1992, caminhassem de forma determinada para a criação do CPB – Comitê Paraolímpico Brasileiro. Para registro histórico é importante lembrar que durante a vigência da Lei nº 6.251/75 a criação de entidades dirigentes para o esporte das pessoas com deficiência dependia de aprovação prévia do CND – Conselho Nacional de Desportos, o qual emitia deliberações autorizando sua existência com base no Decreto nº 80.228/77, que preceituava em seu artigo 186: “A organização das entidades dirigentes e das atividades desportivas praticadas por paraplégicos, surdos, cegos e excepcionais será estabelecida de acordo com normas fixadas pelo Conselho Nacional de Desportos, cabendo a esse celebrar convênios com órgãos de outros ministérios, ou entidades a eles vinculados, quando convier, inclusive para a obtenção de recursos.” A seguir e em ordem cronológica estão as entidades nacionais que foram sendo criadas sob a liderança de pessoas envolvidas na questão dos direitos de acesso à pratica esportiva pelas pessoas com deficiência. 1975 – Ande – Associação Nacional de Desporto de Deficientes – Em 1975, dentro do avião em que estava a delegação brasileira vinda de jogos internacionais no México, foi fundada a Ande – Associação Nacional de Desportos para Deficientes, com a função de agregar os atletas de todas as áreas de deficiência. Sediada na cidade do Rio de Janeiro, teve no professor Aldo Miccolis seu grande líder e primeiro presidente. É filiada internacionalmente à CP-ISRA e nacionalmente ao CPB, sendo responsável pelo esporte a paralisados cerebrais e les autres. 1982 – Abradecar – Associação Brasileira de Desporto em Cadeira de Rodas – Em 31 de março de 1982, pela Resolução nº 03/82 do CND – Conselho Nacional de Desportos, autorizou a criação da Abradecar, que foi fundada em 9 de dezembro de 1984 e teve como seu primeiro presidente José Gomes Blanco, um dos nomes mais respeitados entre as pessoas com deficiência atuantes no esporte e no movimento brasileiro. 1982 – CBDS – Confederação Brasileira de Desporto para Surdos – A Deliberação nº 07/82, de 17 de setembro de 1982, do CND, autorizou a criação da CBDS. No dia 17 de novembro de 1984, no auditório do Ines – Instituto Nacional
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de Educação dos Surdos, nasce a CBDS. Seu primeiro presidente foi Mário Júlio de Mattos Pimentel. Apesar de fundada em 1984, a história da CBDS começa bem antes, na década de 1950, com o intenso movimento de criação de associações de surdos. No início, as associações funcionavam como espaços de recreação e lazer, mas com o passar do tempo tornaram-se importantes pontos de articulação política e de prática desportiva. Entretanto, nessa época ainda não havia uma organização centralizada e as competições eram muito direcionadas para o futebol. A prática desportiva nas associações se tornou consolidada com o passar dos anos e fez com que surgisse a necessidade de se organizar uma entidade apenas de esportes dos surdos. Além dos vários campeonatos regionais que acontecem todos os anos, a CBDS fez história nos campeonatos internacionais. Atualmente o esporte surdo brasileiro é bicampeão sul-americano de futebol de campo masculino (1989 e 1995), tricampeão sul-americano de voleibol feminino (1987, 1991 e 1995), bicampeão sul-americano de tênis de mesa (1988 e 1992) e campeão sul-americano de atletismo (1992). Boa parte dessas vitórias foi conquistada nos mandatos de Mário Júlio Pimentel, um dos grandes responsáveis pela consolidação da entidade no meio desportivo surdo. A CBDS é filiada ao ICSD – International Committee of Sports for the Deaf, Inc. 1984 – ABDC – Associação Brasileira de Desporto para Cegos – Pela Deliberação nº 14/83, editada pelo CND em 9 de dezembro de 1983, foi autorizada a criação da ABDC. Com a criação da entidade, o esporte para pessoas cegas e deficientes visuais deixou de ser dirigido pela Ande, passando a ter administração própria. O professor Aldo Miccolis comandou a entidade até a eleição do seu primeiro presidente, Vital Severino Neto. 1985 – Abdem – Associação Brasileira de Desporto de Deficientes Mentais – A Deliberação nº 04/85, publicada pelo CND, autorizou a criação da Abdem, sob responsabilidade da Federação Nacional das Apaes. Entretanto, somente em 1989 a entidade entrou em funcionamento, oferecendo esportes para as pessoas com deficiência mental. Seu primeiro presidente foi o Dr. Nelson de Carvalho Seixas. 1990 – ABDA – Associação Brasileira de Desporto para Amputados – Fundada em 1990, com a finalidade de desenvolver o esporte de amputados, tem sua atuação basicamente direcionada para o futebol, pois os outros esportes que oferece já são desenvolvidos por outras entidades nacionais. Foi uma das entidades presentes na criação do Comitê Paraolímpico Brasileiro em 1995, e seu primeiro presidente foi João Batista Carvalho e Silva. 1990 – Aoeb – Associação Olimpíadas Especiais Brasil – Criada em Brasília, DF, em dezembro de 1990, foi até o setembro de 2002 a representante oficial do Brasil junto a SOI – Special Olympics International, desenvolvendo programas esportivos para pessoas com deficiência intelectual direcionados ao esporte de participação sem preocupação com o alto rendimento. O primeiro presidente foi o Sr. Carlos Roberto Bernardes. 1995 – CPB – Comitê Paraolímpico Brasileiro – Fundado em Niterói, RJ, no dia 9 de fevereiro de 1995, teve como seu primeiro presidente João Batista Carvalho e Silva. Funcionou em Niterói, RJ, até 2002, quando foi transferido para sede própria,
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em Brasília, DF. O Comitê Paraolímpico Brasileiro é filiado ao IPC – Comitê Paraolímpico Internacional, onde representa o Brasil. 1997 – CBBC – Confederação Brasileira de Basquetebol em Cadeira de Rodas – Criada em 1997, a CBBC deu início no Brasil à tendência mundial de entidades por esporte e não mais por área de deficiência, com basquetebol em cadeira de rodas, deixando de ser dirigido pela Abradecar. A CBBC é uma das entidades filiadas ao CPB e internacionalmente seu vínculo é com a IWBF – Federação Internacional de Basquetebol em Cadeira de Rodas. Seu primeiro presidente foi Gilson Ramos dos Santos, o Doinha. 2000 – CBTMA – Confederação Brasileira de Tênis de Mesa Adaptado – A CBTMA foi criada em maio de 2000 com o objetivo de promover e incentivar a modalidade do tênis de mesa adaptado, praticado pelos atletas com deficiência física motora. Keiki Shimomaebara, um exemplar mesatenista paraolímpico, foi seu primeiro presidente. Com a vinculação internacional do Tênis de Mesa Adaptado à ITTF – International Table Tenis Federation em 2006, a CBTMA foi extinta e o Tênis de Mesa Adaptado passou a ser administrado pela CBTM – Confederação Brasileira de Tênis de Mesa. 2003 – Associação Brasileira de Voleibol Paraolímpico – A ABVP está filiada no Brasil ao CPB e internacionalmente a WOVD – Organização Mundial de Voleibol para Deficientes. O primeiro presidente foi João Batista Carvalho e Silva.
Os protagonistas dessa história Não é possível falar ou escrever sobre o esporte para pessoas com deficiência no Brasil sem que sejam reverenciadas algumas pessoas que colocaram coração e mente a serviço de uma causa. São lideranças que registraram seus nomes na história do esporte em nosso país, ousando desafiar preconceitos e estigmas, lutando por direitos e igualdade, não medindo sacrifícios físicos, pessoais e até financeiros. Foram combatentes do bom combate, heróis de uma luta por muitos consideradas invencível e inglória. Ao comemorarmos os 30 anos do Ano Internacional da Pessoa com Deficiência, o que vemos e encontramos no campo esportivo do nosso país para esse importante segmento de nossa população prova que eles, mais que visionários, eram pessoas à frente do seu tempo. Pessoas iluminadas, nem sempre reconhecidas, mas acima de tudo vitoriosas. Por isso, ao prestarmos essa homenagem, mais que a citação de seus nomes e conquistas, o que queremos é perpetuar os feitos que esses brasileiros deixaram como contribuição para um país mais justo, mais fraterno, mais solidário. Um país onde a diversidade seja respeitada, as oportunidades não sejam negadas, o direito de ir e vir seja efetivamente universal e a cidadania chegue a todos os seus habitantes. Podemos dizer com muita convicção que somos felizes por ter em nossa pátria brasileiros dessa estirpe. Para simbolizar a comemoração dos 30 anos do ano Internacional da Pessoa com Deficiência estamos citando de forma mais completa oito gigantes do esporte adaptado brasileiro e complementando a lista com 22 nomes de igual valência. Certamente, muitas pessoas não relacionadas foram importantes nesse movimento e a elas são extensivas as nossas homenagens e os nossos agradecimentos.
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SÉRGIO SERAPHIM DEL GRANDE – Um jovem esportista de São Paulo que, ao se acidentar em 1951, foi para os Estados Unidos da América em busca de tratamento. Sua passagem pelo Instituto Kesller, em Wiste Orange, New Jersey, o fez conhecer a reabilitação através do esporte. Sérgio retornou ao Brasil no final de 1955 e, no ano seguinte, apresentou ao Dr. Renato Bonfim, um dos fundadores da AACD – Associação de Atenção à Criança Defeituosa de São Paulo, sua experiência com a reabilitação através do esporte. O Dr. Bonfim passou a ser um dos entusiastas da ideia e deu grande apoio a Sérgio para trazer a equipe americana de basquetebol em cadeira de rodas Pan Am Jets para apresentações no Brasil. Com o sucesso alcançado nas exibições e incentivado por amigos, Sérgio formou a primeira equipe brasileira de basquetebol em cadeiras de rodas denominada “Azes da Cadeira de Rodas”. A primeira exibição pública foi em fevereiro de 1958, no Ginásio de Esportes do “Conjunto Desportivo Baby Barioni”, na Água Branca, em São Paulo. O desafio seguinte de Sérgio Seraphim Del Grande foi criar um clube dirigido ao esporte para pessoas com deficiência. Em 28 de julho de 1958, sob a presidência do Dr. Paulo Machado de Carvalho, aconteceu a assembleia de fundação do CPSP – Clube dos Paraplégicos de São Paulo. Pelo CPSP, nos mais de 50 anos de trabalho, passaram centenas de pessoas que por meio do esporte tiveram uma força a mais no processo de reabilitação e inserção social. Muitos foram, inclusive, campeões esportivos. Mas todos foram, certamente, vencedores. A primeira diretoria eleita teve o Dr. Fernando Boccolini como presidente e Sérgio Seraphim Del Grande como vice. ROBISON SAMPAIO DE ALMEIDA – Ainda jovem, o alagoano radicado no Rio de Janeiro Robison Sampaio de Almeida, após ter sofrido um trágico acidente nos Estados Unidos, ficou em uma cadeira de rodas. Em 1958, Robson funda no Rio de Janeiro o Clube do Otimismo, formando uma equipe de basquetebol em cadeira de rodas, resultado da experiência vivida nos Estados Unidos, onde fizera tratamento de reabilitação. Em 1976, nos Jogos Paraolímpicos de Toronto, no Canadá, Robson Sampaio de Almeida e Luís Carlos Curtinho conquistaram a prata na bocha, sendo os primeiros brasileiros a ganharem medalhas em paraolimpíadas. Robson Sampaio presidia o Clube do Otimismo quando faleceu, em 1987. JOSÉ GOMES BLANCO – Carioca, torcedor do Botafogo, o jovem José Gomes Blanco era um bem-sucedido esportista amador, goleiro da equipe de Futebol de Salão do Fluminense Futebol Clube e da Seleção Brasileira quando, em 1958, foi vítima de acidente com arma de fogo. Amigo dos melhores jogadores do futebol brasileiro da época, entre eles os botafoguenses Nilton Santos, Garrincha e Didi, Blanco recebeu grande apoio em seu processo de reabilitação realizado no Hospital Barata Ribeiro, no Rio de Janeiro. Sua fibra de esportista além de ajudar no tratamento o fez conhecer e participar do esporte adaptado como atleta de natação e basquetebol em cadeira de rodas. Com espírito forte e grande capacidade de aglutinação, liderou o processo de fundação da Sadef – Sociedade Amigos do Deficiente Físico do Rio de Janeiro, entidade que presidiu por anos durante sua vida. Foi um dos grandes nomes na luta dos direitos da pessoa com deficiência a partir do Rio de Janeiro, integrando a coalizão das entidades por ocasião do Ano Internacional da Pessoa com Deficiência. Fundou e foi presidente da Abradecar, Associação Brasileira de Desportos em Cadeira de Rodas, e por meio dos seus contatos de amizade conseguiu, entre outros feitos, emprego para usuários de cadeira de rodas na DataPrev, permissão para que a Sadef e outras entidades administrassem pontos de loteria esportiva da Caixa Econômica Federal e de vendas de fichas telefônicas da Telerj. Entre 1990
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e 1992 exerceu a convite de Zico, então secretário de Desportos da Presidência da República, a coordenação do escritório regional da Sedes no Rio de Janeiro. Integrou como presidente da Abradecar e membro do Grupo de Trabalho Interministerial a equipe brasileira nas Paraolimpíadas de Seul – 1988 e Barcelona – 1992. Faleceu em 2006 e continua sendo lembrado com muito carinho e respeito por todos que o conheceram e tiveram a oportunidade de conviver com ele e pelos que realmente conhecessem a história do esporte paraolímpico em nosso país.
Imagem. Foto colorida. Homem grisalho em cadeira de rodas próximo a escrivaninha. Legenda. BLANCO – No escritório da SEDES/PR no Rio de Janeiro – 1991. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Vanilton Senatore.
Todos aqueles que um dia fizeram parte ou que ainda tem a Sadef-RJ no coração, nessa simples homenagem a José Gomes Blanco, e os que nos anos 1960, 70, 80 e meados de 90, viveram, trabalharam, participaram do esporte através da Sadef sabem que a Sadef moldou uma cultura pró-deficiência participativa em todo o Estado do Rio de Janeiro e no Brasil. Que o Zé Blanco continue sempre em nossas boas lembranças. LUÍS CLÁUDIO ALVES PEREIRA – Natural do Rio de Janeiro, ficou tetraplégico em 1977, aos 16 anos de idade, em acidente praticando judô. Luis Cláudio iniciou sua vida no movimento das pessoas com deficiência durante o processo de sua reabilitação. Por orientação da Sadef/RJ iniciou treinamentos com a Professora Sandra Perez na modalidade de Atletismo. Aos 27 anos participou dos Jogos Paraolímpicos de Seul – 1988, onde foi o destaque da delegação brasileira, conquistando três medalhas de ouro nas provas de disco, dardo e peso, estabelecendo três recordes, dois mundiais no dardo e peso e um paraolímpico no disco. Luís Claudio sempre foi muito ligado nas questões dos direitos da pessoa com deficiência e um ativo militante político, tendo participado em campanhas eleitorais como candidato no Rio de Janeiro, seu Estado. Formado em Psicologia, especializou-se em Psicologia Esportiva, presidiu o Conselho Municipal de Defesa da Pessoa Portadora de Deficiência do Rio de Janeiro, foi presidente da Abradecar – Associação Brasileira de Desporto em Cadeira de Rodas, presidente do Comitê Pan-Americano de Desporto em Cadeiras de Rodas e membro
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do Conselho Nacional de Atletas, vinculado ao Ministério do Esporte. Atualmente é vice-presidente do Comitê Paraolímpico Brasileiro. SENTIL DELATORRE – Como egresso do Ines – Instituto Nacional de Educação de Surdos, onde foi aluno e professor, Sentil Delatorre sempre demonstrou liderança entre os surdos no Rio de Janeiro, tendo presidido diversas entidades e sendo fundador da Federação Carioca de Surdos-mudos em janeiro de 1959. MÁRIO JÚLIO DE MATTOS PIMENTEL – Liderança das mais atuantes no movimento dos surdos em São Paulo e sempre ligado nas questões esportivas, Mário Júlio foi o primeiro presidente da CBDS, dirigindo a entidade por mais de dez anos. MÁRIO SÉRGIO FONTES – Após o acidente em Paranaguá, PR, que, ainda criança, o deixou cego, Mário Sérgio fez parte de sua reabilitação no Instituto Padre Chico, em São Paulo, onde se revelou um talento esportivo. Foi atleta de destaque da equipe brasileira de Futebol de Cinco e de Atletismo. Pessoa à frente do seu tempo, foi o primeiro brasileiro cego a prestar e passar em vestibular para Faculdade de Educação Física na Universidade Federal do Paraná. Trabalhou como técnico desportivo na Secretaria de Esportes do Estado do Paraná entre 1982 e 1986. Participou como atleta nas Paraolimpíadas de 1984 e 1987; assumiu a presidência da ABDC – Associação Brasileira de Desportos para Cegos. Integrou o Grupo de Trabalho Interministerial criado em junho de 1988 para coordenar a participação do Brasil nas Paraolimpíadas de Seul – 1988. VITAL SEVERINO NETO – Nascido em Campina Verde e cego desde os 8 anos, Vital, formado em Direito, exerceu a profissão por dois anos até ingressar no serviço público como servidor da Universidade Federal de Uberlândia. Com personalidade forte e sempre demonstrando capacidade de liderança, Vital iniciou no esporte como atleta, participou de forma decisiva na fundação da Adevitrin (Associação dos Deficientes Visuais do Triângulo Mineiro), presidiu a Associação Brasileira de Desportos para Cegos – ABDC e foi um dos fundadores do Comitê Paraolímpico Brasileiro, tendo sido seu secretário-geral de 1995 a 2000 e presidente por dois mandatos, de 2001 a 2008. Esteve presente nas Paraolimpíadas de Atlanta – 1996, Sidnei 2000, Atenas 2004 e Pequim 2008. Em ordem alfabética, mesclando nomes do passado e jovens talentosos, temos os 22 que completam os 30 homenageados desta edição: Adria Rocha dos Santos, Antônio Tenório da Silva, Beatriz Pinto Monteiro, Celso Lima, Claudionor Silva, Clodoaldo Silva, Daniel Dias, David Farias Costa, Fábio Ricci, Francisco de Assis Avelino, Irajá de Brito Vaz, Iranilson (Tita) Silva, José Carlos Moraes, Keiki Shimomaebara, Lucas Prado, Márcia Malzar, Paulo Cesar Fernandes, Raniero Bassi, Sebastião da Costa Neto, Sérgio Ricardo Gatto dos Santos, Suely Guimarães, Therezinha Guilhermino.
Os coadjuvantes dessa história Até os anos 1970 os profissionais de Educação Física eram, em sua maioria, oriundos de instituições de ensino superior que ignoravam, de forma quase absoluta, as possibilidades de a pessoa com deficiência ter acesso e ser beneficiada pela prática de atividades físicas, esportivas e de lazer. Isso pode ser comprovado em documentos do início da década de 1980,
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entre eles as Diretrizes Gerais para a Educação Física / Desportos – 1980/85, publicada pelo MEC – Ministério da Educação e Cultura, onde as duas únicas referências às pessoas com deficiência estão na página 24 em uma análise dos problemas por setores, onde lemos: “Inexistência de agências de formação de profissionais especialistas em atividades físicas para excepcionais”. A segunda referência do documento é encontrada nas Diretrizes definidas, página 27, “desenvolver estudos orientados para a implantação de agências de formação de profissionais especialistas em atividades físicas para excepcionais”. Como consequência dessa formação acadêmica que vigorou até meados dos anos 1990, ainda persiste no ensino fundamental e médio a dificuldade de muitos profissionais da Educação Física em aceitar e trabalhar com a diversidade que os alunos com deficiência podem apresentar. Mas, sem sombra de dúvida, as ações desenvolvidas nesses 30 anos foram e continuam sendo importantes na quebra dos paradigmas e na eliminação dos preconceitos a partir de uma vivência integral e inclusiva que necessária e evidentemente começa nas escolas. Da convivência entre crianças, jovens e adolescentes, com ou sem deficiências, a partir do ambiente escolar surge a melhor oportunidade, e no momento mais adequado, para ser revertida uma situação que, há muito tempo, apenas reforça preconceitos e equívocos. Ao oportunizar a prática esportiva para os alunos com deficiências, os professores de educação física estão eliminando e substituindo mitos: da incapacidade pela capacidade, da baixa estima pela autoestima, da exclusão pela inclusão. Certamente a maior vitória desse processo será a contribuição na formação de cidadãos mais conscientes, justos e solidários. E é nesse contexto que o esporte torna-se uma das mais importantes ferramentas de inclusão social. ALDO MICCOLIS Pode-se afirmar, sem dúvida nenhuma, que Aldo Miccolis é uma das pedras fundamentais do movimento paraolímpico do Brasil. Desde 1958, sua luta foi bastante árdua no sentido de divulgar o esporte e o direito de cidadania das pessoas com deficiência no Brasil. Naquela época, nada consistente acontecia a respeito. Ao formar duas equipes de basquetebol em cadeira de rodas, viajou pelo país, visitando mais de cem municípios, fazendo exibições e palestras. Essa história verdadeira começou no chamado Dia da Mentira – 1º de abril: Era o ano de 1958. Nessa ocasião, foi fundado o “Clube do Otimismo”, por Robson Sampaio de Almeida, usuário de cadeira de rodas, evangélico batista, alagoano radicado no Rio de Janeiro. Para desenvolver seu projeto social e esportivo, Robson convidou para ajudá-lo a realizar seu sonho o jovem Aldo Miccolis, também evangélico batista, com 26 anos, que nessa época era preparador físico do exército. Aldo Miccolis colaborou, em 1965, com a fundação do Clube dos Paraplégicos do Rio de Janeiro, hoje Centro de Amparo ao Incapacitado Físico (Caif), e em sua própria casa, por diversas vezes, abrigou moças com diferentes deficiências para formar o setor feminino da entidade, no bairro de Piedade, RJ. Em 1975, dentro do avião em que a delegação brasileira retornava de jogos internacionais no México, foi fundada a Ande – Associação Nacional de Desportos para Deficientes, da qual foi presidente durante 25 anos. Em 1976, Aldo Miccolis assumiu a direção do esporte nacional dos deficientes. Aldo Miccolis foi casado com Mariuza Fiuza Miccolis. Pai de Shirley, Rosane, Mário José e Madalena, teve sete netos e nove bisnetos. Mariuza é usuária de cadeira de rodas;
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cantora evangélica, junto a seu esposo visitava várias igrejas, compartilhando sua fé em Cristo e conscientizando os ouvintes para a causa da pessoa com deficiência. Aldo faleceu em 14 de dezembro de 2009. Ao escrevermos esse breve resumo sobre o professor Aldo Miccolis, a nossa intenção é homenagear todos os profissionais das mais diversas áreas que, doando tempo, competência e, mais do que tudo, compromisso, ajudaram a construir o que temos hoje no esporte adaptado brasileiro. Na mesma linha das pessoas com deficiência listamos 29 nomes, mesclando passado e presente, que completam o grupo dos 30 homenageados: Alberto Martins da Costa, Aldo Carlitos Potrich, Amaury Veríssimo, Andrew Willian Parsons, Antônio João Menescal Conde, Carmelino Souza Vieira, Celby Vieira, Edilson Alves da Rocha, Elizabeth de Mattos, Franklin Ronaldo Martins Tavares, Gilson Ramos “Doinha” dos Santos, Ivaldo Brandão, João Antonio Bentim, João Batista Carvalho e Silva, Pedro Américo de Souza Sobrinho, Renausto Alves Amanajás, Roberto Vital, Sandra Perez, Sheila Salgado, Sérgio Coelho de Oliveira, Sérgio José de Castro, Sérgio Miranda, Vilson Fermino Bagatini, Zaira do Nascimento Melo.
Pequena cronologia do Esporte Adaptado no Brasil 1957 – Apresentações da equipe americana de Basquetebol em Cadeira de Rodas Pan Am Jets no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, e no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. 1958 – Abril: Fundação do Clube do Otimismo no Rio de Janeiro. – Julho: Fundação do Clube do Paraplégico de São Paulo. 1959 – Janeiro: Fundação da FCSM – Federação Carioca de Surdos-mudos, no Rio de Janeiro. Liderada por Sentil Delatorre, a entidade foi reconhecida pelo CND e pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol). – Agosto: Realizado na cidade de São Paulo o primeiro jogo de basquetebol em cadeira de rodas entre duas equipes brasileiras, o CPSP de São Paulo e o Clube do Otimismo do Rio de Janeiro. O jogo aconteceu no Ginásio de Esportes do Conjunto Esportivo Baby Barioni, na Água Branca. 1963 – Os atletas brasileiros do Clube do Otimismo do Rio de Janeiro, Robson e Arnaldo, participam pela primeira vez nos Jogos Nacionais dos Estados Unidos, convidados pela Associação dos Veteranos Americanos, competindo nas modalidades de arco e flecha, tênis de mesa, atletismo e boliche. 1964 – Criação do Caif – Centro de Amparo ao Incapacitado Físico do Rio de Janeiro por Abraão Gomes de Souza. – José Gomes Blanco, com a ajuda do Professor Aldo Miccolis, funda a Sadef/RJ.
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1969 – Constituída a primeira delegação brasileira de atletas usuários de cadeira de rodas para competir em Buenos Aires, nos 2º Jogos Panamericanos em Cadeira de Rodas, com deficientes do Rio de Janeiro e São Paulo. Na Argentina, o Brasil ganhou 17 medalhas. 1972 – Atletas do Clube do Otimismo, Clube do Paraplégico do Rio de Janeiro e Clube do Paraplégico de São Paulo participaram das Paraolimpíadas de 1972, em Heildelberg, Alemanhã. 1974 – Primeira participação do Brasil nos Jogos Mundiais de Stoke Mandeville. – Parecer nº 1.002/74, do Conselho Federal de Educação, aborda pela primeira vez a questão da Educação Física no processo de educação global da pessoa com deficiência mental (educáveis e treináveis) relacionado ao tratamento especial previsto no art. 9º da Lei nº 5.692/71. 1975 – 1º Jogos Nacionais em Cadeira de Rodas – Realizado nas dependências da Escola Naval na cidade do Rio de Janeiro. – Participação dos 5º Jogos Pan-americanos de Cadeira de Rodas no México, com duas delegações, uma do Rio de Janeiro e outra de São Paulo. 1976 – Em 1976, os brasileiros ganharam suas primeiras medalhas paraolímpicas: Robson Sampaio de Almeida e Luís Carlos Curtinho conquistaram medalha de prata na Bocha, colocando o país na 31ª colocação no quadro final de medalhas. 1978 – O Brasil, pela Ande, realizou o 6º Jogos Pan-americanos em Cadeira de Rodas na cidade do Rio de Janeiro, com a participação de 15 países e mil atletas. – Realizada em Natal, RN, a 1ª Olimpíadas Nacional das Apaes e Escolas Especializadas. 1982 – A Secretaria de Educação Física e Desportos do Ministério da Educação e Cultura – Seed/MEC edita o primeiro livro sobre Atividades Físicas e Esportes para Deficientes, escrito pelo professor Vilson Fermino Bagatini, do RS. 1984 – As paraolimpíadas foram realizadas em duas sedes: New York, EUA, para cegos e paralisados cerebrais, e Stoke Mandeville para os deficientes físicos. Anaelise Hermany, cega, ganha a medalha de prata nos 100m rasos e bronze nos 800m rasos; e Márcia Malsar, com paralisia cerebral, foi medalha de ouro nos 200m rasos e bronze nos 60m rasos. Anaelise e Márcia são as duas primeiras mulheres brasileiras premiadas em paraolimpíadas. Luis Cláudio Alves Pereira ganha ouro com recorde mundial do arremesso do peso em Stoke. 1985 – Profissionais de Educação Física divulgam a Carta de Batatais.
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Imagem. Capa de livro na cor azul, contendo no canto inferior esquerdo, em preto e branco, o desenho de três meninos sorridentes, uniformizados e com uma bola debaixo do braço direito. Legenda: Primeira publicação do Ministério da Educação e Cultura sobre Educação Física para pessoas com deficiência. O livro de autoria do Professor Vilson Bagatini foi distribuído em 1982 para todas as escolas de Educação Física como uma das ações do Ministério em razão do Ano Internacional da Pessoa com Deficiência. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Vanilton Senatore.
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Imagem. Documento em quatro páginas. Carta de Batatais. Esta carta constitui uma síntese das questões analisadas pelos participantes do “Encontro de Avaliação do Sub-programa de Preparação de Recursos Humanos em Educação Física para Educação Especial”, e tem por objetivo estimular reflexões e propor estratégias de ação para Educação Física, Desportos e Lazer das pessoas portadoras de deficiência. Considerando que: - a Unesco estabelece que a prática de Educação Física é um direito fundamental de todos e que os programas devem dar prioridade aos grupos menos favorecidos no seio da sociedade (Carta Internacional de Educação Física e Desportos, 1978); - cerca de 10% da população brasileira é portadora de algum tipo de deficiência e que a sua quase totalidade não tem acesso à Educação Física, Desporto e lazer; - a Educação Física, Desporto e Lazer têm um importante papel no processo de educação, de prevenção, de habilitação, de reabilitação e de socialização das pessoas portadoras de deficiências; - a Educação Física, e o Desporto evidenciam o potencial das pessoas portadoras de deficiência, influindo positivamente no processo de auto-imagem e valorização das mesmas pela sociedade; - as pessoas portadoras de deficiência, tem demandado, cada vez mais, a participação em atividades de Educação Física, Desporto e Lazer; - é dever do Governo e da Sociedade, como um todo, promover a socialização, a saúde, a educação e o lazer das pessoas portadoras de deficiência; - os órgãos públicos responsáveis pela política de saúde e os complexos hospitalares, na sua maioria, desconsideram a importância da Educação Física, Desportos e Lazer, para as pessoas portadoras de deficiência; Os órgãos públicos responsáveis pela política de Educação Física, Desporto e Lazer, na sua maioria, tem sido omissos às questões das pessoas portadoras de deficiência; - a grande maioria das Escolas públicas e privadas não tem oportunidade a prática da Educação Física às pessoas portadoras de deficiência; - os Clubes Desportivos e de Lazer não tem atendido as necessidades dos seus associados portadores de deficiência; - a iniciativa privada não tem assumido a sua parcela de responsabilidade na promoção da pessoa portadora de deficiência; - existe carência de profissionais especializados para a área de Educação Física, Desportos e Lazer para pessoas portadoras de deficiência; - a grande maioria dos recursos humanos que vem atuando na área de Educação Física, desportos e Lazer para pessoas portadoras de deficiência, não possui habilitação para exercer tal função; - o professor de Educação Física, não tem sido incluído nas equipes interdisciplinares das instituições de Ensino Especial e de Saúde; - as Escolas de Educação Física, com raras exceções não tem capacitado profissionais para atuar na área de Educação Física, Desportos e Lazer para pessoas portadoras de deficiência; - existe carência de documentação e recursos bibliográficos relacionados à Educação Física, Desportos e Lazer para pessoas portadoras de deficiência;
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Imagem. Continuação... - o número de pesquisa sobre Educação Física, Desportos e Lazer para pessoas portadoras de deficiência, realizadas no Brasil é irrisório; - existe deficiência de instalações e recursos didáticos para o ensino e a prática da Educação Física, Desportos e Lazer para pessoas portadoras de deficiência. Sugere-se: - o desenvolvido, por parte dos Governos Federal, Estadual e Municipal, de programas de Educação Física, Desportos e lazer para as pessoas portadoras de deficiência; - uma maior integração entre os diversos órgãos governamentais que atendem as pessoas portadoras de deficiência; - o incentivo às Empresas e Pessoas Físicas que desenvolvem programas de Educação Física para as pessoas portadoras de deficiência; - a manutenção pelas Escolas Públicas, privadas, Confederações, Associações e Cluber, de um sistema que efetive a prática da Educação Física, Desportos e Lazer para as pessoas portadoras de deficiência; A participação das pessoas portadoras de deficiência nos eventos desportivos oficiais e privados; - a garantia da inclusão do professor licenciado em Educação Física na equipe interdisciplinar que atendam as pessoas portadoras de deficiência (portaria nº 69/89/MEC/CENESP); - a inclusão nos currículos dos cursos de Graduação em Educação Física de disciplina e ou conteúdos relacionados às pessoas portadoras de deficiência; - a implantação de Cursos de Pós-Graduação e Atualização destinados à profissionais dessa área; - a melhoria das condições de trabalhos dos profissionais que atuam na área de Educação Física, Desportos e Lazer para as pessoas portadoras de deficiência; - a adequação e ampliação do número das instituições desportivas públicas e privadas e vias de acesso, para facilitar a prática de atividade física para as pessoas portadoras de deficiência; - o credenciamento de profissionais de Educação Física junto ao Ministério da previdência e Assistência Social, integrando-o à equipe de reabilitação; - a criação e ou melhoria de espaços físicos adequados à prática da Educação Física,nos Centros de Reabilitação e Hospitais; - o incentivo à produção de equipamentos e materiais esportivos apropriados para as pessoas portadoras de deficiência; - a eliminação das barreiras arquitetônicas quando da elaboração e execução dos projetos de instalações desportivas, públicas e privadas e dos equipamentos destinados à Educação Física, Desportos e Lazer, observando as normas técnicas para relacionar a funcionalidade das mesmas; - o estímulo à publicação, tradução, documentação e divulgação da bibliografia e pesquisa na área de Educação Física, Desportos e Lazer; - o fomento à pesquisa na área de Educação Física, Desportos e Lazer para as pessoas portadoras de deficiência, por parte das agências financiadoras e Instituições de Ensino. Batatais/SP – Dezembro de 1986.
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Imagem. Continuação... Relação de Participantes. Alberto Martins da Costa- Univ. Fed. De Uberlândia; Aldo Carlitos Potrich – Associação Riograndense de Paralíticos e Amputados – ARPA, Inst. Educacional Nazareth – APAE – Porto Alegre; Almir Liberato da Silva – Univ. Fed. Do Amazonas; Antônio João Menescal Conde – Inst. Benjamim Constant; Bárbara Ann Baptista – Secretaria Municipal de Esportes de Belo Horizonte; Carmem Luiza C. Belga- APAE – Batatais; Célia Cristina C. Villena – APAE – Batatais; Eduardo Carneiro Schutz – Fundação Catarinense de Educação Especial; Eduardo Ravagni – Univ. Fed. De São Carlos –Laboratório de Psicomotricidade; Edson Lúcio Kozan – Sec. De Educação de Rondônia; Eron Beresford – SEED/MEC; Ervino Nesello – Univ. Est. De Londrina; Eustáquia Salvadora de Souza – Federação Brasileira das APEFs; Francisco Camargo Netto – Univ, Fed. Do Rio Grande do Sul; Franklin Ronaldo M. Tavares – Sec. De Ed. Do pará – DEFID; Idalina A. Lucas Costa – SEED/MEC; Ivair de Lucca – Univ. Para desenvolvimento do Estado de Santa Catarina (CEFID-UDESC); Kátia Euclydes Lima e Borges – Sec. De Esporte Lazer e Turismo de Minas Gerais; Maria Cesarina G.B. Santos – Fac. De Ed. Física – PUCC/Campinas/SP;
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Imagem. Continuação... Maria Cinto Campez – Fac. De Ed. Física de Batatais; Marina Beatriz Neves – Sec. De Ed. Especial /MEC; Martha Oliva Matte – APAE – Guaiba/RS; Osmani César Campez – Fac. De Ed. Física de Batatais SP; Paulo Eduardo C. de Mello – APAE/ Pirassununga/ SP e Faculdade de Educação Física de Batatais – SP; Pe. Roque Vicente Beraldi – Fac. De Ed. Física de Batatais – SP; Pedro Americo S.Sobrinho – Univ. Fed. De Minas Gerais; Renato Henrique Silveira – Fund. Catarinense de Ed. Especial; René de Deus Tranquilini – Organização Santamarense de Ed. Cultura – OSEC/SP; Rivaldo Gonçalves Martins – Academia Classe A – DF; Sidney de Carvalho Rosadas – Fac. Int. Castelo Branco FICAB/RJ, Univ. Gama Filho (Dep. De Educação Física); Salomão Abid Netto – DEMEC/SP; Tânia Maria de A. Alagão – Fund. Rio Grandense de Atendimento ao Excepcional FAERS/RS; Tânia Regina P. Braga – Associação Salgado de Oliveira de Ed. e Cultura/RJ; Valdir Fischer – DEMEC/ RS; Vanilton Senatore – SEED/MEC – Federação Nacional das APAES; Verena Junghanei – Escola de Educação Física USP/SP. Legenda: A carta foi produzida como documento final do Grupo de Trabalho instituído pela SEED/MEC para discutir as questões da Educação Física e do Esporte para pessoas com deficiência. O GT se reuniu entre março e dezembro de 1986 sob a Coordenação do Professor Vanilton Senatore e concluiu seus trabalhos em reunião realizada na Faculdade de Educação Física Claretiana de Batatais, SP. Acervo digital do Memorial da Inclusão. Doação Vanilton Senatore
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1986 – A Seed/MEC desenvolve um programa de capacitação de profissionais de Educação Física para o atendimento às pessoas com deficiência, financiando 24 cursos emergenciais e três cursos de especialização lato sensu. – A Coordenadoria do Esporte Escolar da Seed/MEC promove nos JEBs – Jogos Escolares Brasileiros, realizados em Vitória, ES, uma exibição de Atletismo em Cadeira de Rodas, propondo estudos para a inclusão dos alunos com deficiência no evento. – Atendendo solicitação da Abradecar, o INT – Instituto Nacional de Tecnologia do Ministério da Ciência e Tecnologia, a Seed – Secretaria de Educação Física e Desportos e o Cedate – Centro de Desenvolvimento e Apoio Técnico à Educação do Ministério da Educação e Cultura firmam Ajuste de Cooperação Técnica com apoio da IBM Brasil e Petrobras para produzir cadeira de rodas adaptada para o Basquetebol e o Atletismo. O projeto, desenvolvido de julho de 1986 a junho de 1988, foi coordenado pelo professor Heron Beresford e teve a supervisão da Corde. – Delegação comandada pela Federação Nacional das Apaes participa pela primeira vez dos Jogos Mundiais de Verão das Olimpíadas Especiais realizados em South Bend, Indiana, EUA. 1988 – Após negociação conduzida pela Corde, a Seed/MEC incluiu oficialmente os alunos com deficiência nos JEBs – Jogos Escolares Brasileiros no evento realizado em São Luiz, MA. – Em Paulínia, SP, a ABDC realizou o primeiro Mundial de Futebol de 5. Em casa, a seleção mostrou seu poderio e se sagrou-se campeã do mundo. – Paraolimpíada de Seul 88 – Os Jogos voltaram a acontecer na mesma cidade da Olimpíada. Pela primeira vez os locais de competição da Olimpíada e da Paraolimpíada foram os mesmos. A cerimônia de abertura foi no Estádio Olímpico, dia 15 de outubro, e teve a presença de mais de 75 mil espectadores. Mais de 3 mil atletas de 61 países competiram em 16 modalidades. O Brasil obteve um número recorde de medalhas ao conquistar 27, sendo quatro de ouro, dez de prata e 13 de bronze. O destaque da delegação nacional foi Luís Cláudio Pereira, que conquistou três medalhas de ouro nas provas de disco, dardo e peso, além de estabelecer três recordes, dois mundiais no dardo e peso e um paraolímpico no disco. Nosso país ficou em 25º lugar. EUA, Alemanha e Inglaterra figuraram no topo do quadro de medalhas. 1990 – O presidente Fernando Collor de Melo, por intermédio do Decreto nº 99.187, de 17/3/90, extingue a Seed/MEC e cria Secretaria de Desportos da Presidência da República – Sedes/PR, contendo em sua estrutura o Deped – Departamento de Desportos Para Portadores de Deficiência. 1991 – Novembro: Brasil participa da Assembleia Geral de aprovação do Estatuto do IPC – International Paralympic Committee – Budapeste, Hungria.
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Imagem. Folder do Instituto Nacional de Tecnologia, em preto e branco. Cadeira para Atletismo (corrida). Foto em preto e branco de homem em cadeira de rodas em pista de atletismo. Dados técnicos. - projeto desenvolvido em abril 87 a junho 88; peso total do conjunto: 8,3 kg; distância entre eixos: 55 cm; largura do assento: 32 ou 30 cm (opcional); largura externa máxima: 63 cm; altura máxima: 67 cm. - estrutura em tubo de alumínio,liga 6061-T6, diâmetro 5/8 polegadas, Tratec; pneus tubulares, sem câmara, diâmetro 14 polegadas e 27 polegadas”, “Olímpico”; aros de alumínio e raios cassola; assento, encosto e apoio de coxas em nylon; terminais rotulares Termicom; volante diâmetro 15 polegadas de alumínio tubular diâmetro 5/8 polegadas, revestido por borracha vulcanizada; pintura por deposição eletrostática. Descrição do Projeto. Desenvolvimento no âmbito de um Ajuste de Cooperação Técnica firmado entre a Secretaria de Educação Física e Desportos (SEED/MEC), o Centro de Desenvolvimento e Apoio Técnico à Educação (CEDATE) e este Instituto, e com o apoio financeiro da IBM Brasil e PETROBRÁS, o projeto visou atender à solicitação da Associação Brasileira de Desportos em Cadeira de Rodas (ABRADECAR), cujos atletas dispunham, até então, de cadeiras produzidas sem levar em conta recursos e processos produtivos e inadequadas, sob o ponto de vista ergonômico, às condições específicas dos usuários. Os pré-requisitos do projeto foram definidos a partir do levantamento das características do uso (tipo de prova e de piso, velocidade desenvolvida, solicitações mecânicas aplicadas ao conjunto e interrelação atleta/cadeira), além das entrevistas com os usuários e consulta bibliográfica.os parâmetros estabelecidos foram: - mínimo peso do conjunto; máxima resistência estrutural; estabilidade e rápida resposta à condução em curva; otimização do esforço dispendido pelo atleta; ajustabilidade aos diferentes tipos de deficiência (pólio, trauma e amputação) em seus diferentes graus de comprometimento físico; utilização de materiais e componentes nacionais; atendimento às normas desportivas internacionais. Pelo ineditismo das aplicações dos diversos materiais e componentes, a equipe encontrou alguma dificuldade na sua localização no mercado. Em alguns casos, como no das rodas dianteiras diâmetro 14 polegadas, tanto o pneu como o aro foram fabricados especificamente para os protótipos e as primeiras 20 cadeiras seriadas. A lista dos materiais passíveis de uso na construção da estrutura incluía desde as ligas metálicas (aço carbono, aço inox, aço cromo-molibdênio, alumínio e titãneio) até as resinas reforçadas com fibra de vidro e/ou fibra de carbono. Após a avaliação dos múltiplos aspectos técnicos, econômicos e de mercado, foi escolhido o alumínio, na liga 6061-T6. Para a precisa avaliação do comportamento e resistência desse material, em função dos esforços mecânicos e da configuração pretendida, foi realizado cálculo estrutural por empresa especializada. Após os testes com o 1º e 2º protótipos, chegou-se à configuração final,que permite a correta acomodação do aleta por meio da regulagem do encosto, assento e apoio das coxas. O equilíbrio e estabilidade são proporcionados pela regulagem do centro de gravidade e da cambagem nas placas dos eixos traseiros. Uma barra de estabilização frontal permite a regulagem precisa do alinhamento das rodas dianteiras, de máxima importância para a velocidade e a condução em curva. Legenda: Folder produzido pelo INT – Instituto Nacional de Tecnologia/Ministério da Ciência e Tecnologia. Acervo digital do Memorial da Inclusão. Doação Vanilton Senatore
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Imagem. Documento. Papel timbrado do Serviço Público Federal. Contém carimbo: “Recebido em 30/ 03 / 88. CORDE / Sedap/ PB”. OF. SEED / SUDES / CDE / Nº 42.005 Em, 29 de março de 1988. De: Secretário de Educação Física e Desportos do MEC Ao: Coordenadora para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE Profª Tereza Costa D’Amaral. Assunto: Informações (presta) Ref.: OF. Nº 053/88 – CORDE / SEPLAN / RP Em atenção aos termos do ofício em referência, através do qual V.Sa. propõe a inclusão de provas de Atletismo e natação para portadores de deficiência física (paraplégicos), nos Jogos Escolares Brasileiros do corrente ano, cumpre-nos agradecer a oportunidade e louvar relevante iniciativa que vem resgatar a importância da integração da pessoa portadora de deficiência no contexto escolar. Para tanto, nos colocamos a inteira disposição de V.Sa. para prestar as informações que se fizerem necessário e o acompanhamento à implementação desta ação de fundamental importância para o Desporto Nacional. Atenciosamente Alfredo Nunes. Secretário. Legenda: Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Vanilton Senatore.
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Imagem. Documento. Contém carimbo de data: “22 Abr. 88” Of. / 88 – CORDE / SEDAP / PR Brasília, 22 /04/88 Da: Coordenadoria para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE Ao: Secretário de Educação Física e Desportos – MEC Em prosseguimento as ações conjuntas CORDE / SEED em relação a participação das pessoas portadoras de deficiência nos XVII Jogos Escolares Brasileiros estamos encaminhando, em anexo, os ofícios que fornecem o nº de alunos paraplégicos de 1º e 2º graus, menores de 18 anos pertencentes às instituições filiadas a Associação Brasileira de Desportos em cadeira de Rodas – ABRADECAR. Atenciosamente Teresa Costa d’Amaral Coordenadora da CORDE IALC/alcm Legenda: Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Vanilton Senatore.
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1992 – Barcelona foi a maior Paraolimpíada até a sua época por ter fornecido, a cerca de 3 mil atletas de 83 países, condições de competição antes impensáveis. A cidade foi toda adaptada e o apoio aos atletas era próximo do ideal. A cerimônia de abertura, realizada em 3 de setembro, reuniu mais de 65 mil pessoas e várias televisões deram cobertura ao vivo, o que possibilitou sintonia de milhares de telespectadores de todo o mundo em tempo real. Os destaques brasileiros foram no Atletismo, com Suely Guimarães e Luiz Cláudio Alves Pereira, que bateram dois recordes mundiais, sendo o dela no Lançamento do Disco e o dele no Arremesso de Peso. A revelação foi a jovem velocista Ádria Rocha dos Santos, deficiente visual que, com 18 anos, conquistou sua primeira medalha de ouro. 1993 – Equipe brasileira de deficientes intelectuais participa pela primeira vez dos Jogos Mundiais de Inverno das Olimpíadas Especiais em Salzburg, Áustria. 1995 – Fevereiro: Fundação do Comitê Paraolímpico Brasileiro em Niterói, RJ. – Realizado em Goiânia, GO, a primeira edição dos Jogos Paraolímpicos Brasileiros. 2002 – Maio: a CBDS realiza em Passo Fundo, RS, a 1ª Olimpíada de Surdos do Brasil, com participação de nove Estados. 2008 – Paraolimpíadas de Pequim – com a melhor participação de todos os tempos, o Brasil termina em 9º lugar no geral, com 16 medalhas de ouro, 14 de prata e 17 de bronze. Não é demais afirmar que o resultado pode e deve ser entendido como consequência do trabalho iniciado nos anos 1950 e muito fortalecido pelas ações desenvolvidas pelas lideranças do movimento a partir de 1981, Ano Internacional da Pessoa com Deficiência.
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Referências bibliográficas Plano Nacional de Educação e Desportos 1976 – 1979 – Ministério da Educação e Cultura, 1976 Diretrizes Gerais para Educação Física/Desportos 1980/85 – Ministério da Educação e Cultura, 1981 BAGATINI, V. Educação Física para o Excepcional – Ministério da Educação e Cultura, 1982 KREBS, R. A Educação Física que eles merecem – Ministério da Educação e Cultura,1984 Programa Nacional de Educação e Saúde através do Exercício Físico e do Esporte – Ministério da Educação e Cultura e Ministério da Saúde, 1986 STEIN, J. Integração do Deficiente na Sociedade – Revista Sprint, Ano V Vol IV nº 6, 1986 SENATORE, V. Esporte para Deficiente – 2º Encontro Internacional Esporte e Saúde – Ministério da Educação e Cultura, Ministério da Saúde e Organização Pan-Americana de Saúde, 1986 BOWERS, L. e KLESIUS, Stephen I’m Special – Universidade do Sul da Flórida, 1987 PETTENGILL, Nilma G. Educação Física e a Pessoa Portadora de Deficiência: Contribuição à Produção do Conhecimento – Universidade Federal de Uberlândia, 1997 MENESCAL, A.J., SOUZA, P.A., SENATORE, V. Introdução ao Movimento Paraolímpico – Comitê Paraolímpico Brasileiro, 2006
SENATORE, V. Documentos e arquivo pessoal – 1972/2010
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CAPÍTULO
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Memorial da Inclusão: os Caminhos da Pessoa com Deficiência Crismere Gadelha, Elza Ambrósio e Lia Crespo
Durante muitos anos, antes e depois do Ano Internacional das Pessoas Deficientes, inúmeros militantes, suas famílias e instituições vêm guardando e preservando fotos, cartas, agendas, cartazes, convites, atas, entre outros documentos. Os cuidados por tais guardados variam do valor afetivo relacionado à história de vida de quem os guardou à atitude mais técnica de arquivar e preservar documentos de valor de histórico. Em 2006, durante as comemorações dos 25 anos do AIPD, ocorrido em São Paulo, no dia 3 de dezembro81, foi montada a exposição “25 Anos do AIPD”, com documentos e imagens emprestadas pelos militantes do movimento social das pessoas com deficiência. Desde então um projeto de ampliação dessa exposição ficou no aguardo de uma oportunidade de realização, que se efetivou em 2009 junto ao governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência – SEDPcD82.
. “25 Anos do AIPD: 1981-2006”, organizado pelo Centro de Vida Independente Araci Nallin - CVI-NA; pela Associação Amigos Metroviários dos Excepcionais - AME; pela Associação dos Deficientes Visuais e Amigos Adeva; pelo Centro de Documentação e Informação do Portador de Deficiência - Cedipod; pela Divisão de Medicina de Reabilitação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo DMR; pelo Ministério da Justiça; pela Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos - Feneis; e pela Sorri-Brasil.” 81
82
. Com apoio e incentivo da primeira secretária de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, doutora Linamara Rizzo Battistella, o projeto está contemplado como ação relativa à “promoção da realização dos estudos, debates e pesquisas sobre a vida e a realidade da pessoa com deficiência e seus familiares” e à “conscientização dos diversos setores da sociedade sobre problemas, necessidades, potencialidades e direitos das pessoas com deficiência” (Decreto nº 52.841, de 27 de março de 2008, incisos VIII e X do art. 3º). A exposição foi inaugurada no dia 3 de dezembro de 2009, Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, e está sediada no andar térreo da SEDPcD.
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Em 26 de agosto de 2009 lançamos a campanha, via endereço eletrônico, convidando a população a emprestar documentos e imagens para a formação da exposição. Prezados Militantes de movimentos em prol das pessoas com deficiência e gestores de entidades atuantes na área das pessoas com deficiência. A Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, com a cooperação técnica e o conhecimento histórico de renomados militantes do movimento de pessoas com deficiência, formou um comitê para a criação do “Memorial da Pessoa com Deficiência”. Esse comitê, formado por: Ana Maria Morales Crespo (Lia Crespo), Antônio Carlos Munhoz (Tuca Munhoz), Romeu Kazumi Sassaki, Ida Célia Palermo, Vanilton Senatore, Flávio Scavasin e Elza Ambrósio, quer convidá-los a participar desta importante ação do governo do Estado de São Paulo, com o objetivo de resgatar a história de lutas e conquistas das pessoas com deficiência na busca de dignidade e igualdade de direitos. Esta secretaria convoca toda a comunidade de pessoas com deficiência, familiares e pessoas envolvidas com a causa para juntos contarmos esta história em forma de memorial. Todos podem contribuir enviando documentos, fotos ou objetos que tenham relevada significância para este segmento, incluindo peças relacionadas ao AIPD- Ano Internacional das Pessoas Deficientes - 1981. Vamos priorizar pessoas que atuam ou atuaram bravamente para o reconhecimento da igualdade de direitos desta camada da população. Com o resultado desta coleta de informações, o “Memorial da Pessoa com Deficiência” será inaugurado no dia 3 de dezembro de 2009, na sede desta secretaria, em São Paulo, em uma exposição fotográfica e documentos pontuais das conquistas deste Movimento nos últimos 30 anos.
Além dos acima citados, Arlete Salimene, Daniel Monteiro, Geni Aparecida Fávero, Mina Regen, Naziberto Lopes também compuseram o comitê que fez a seleção dos documentos a serem apresentados e desenvolveu o conceito e a definição de títulos de cada painel. Os trabalhos foram coordenados por Elza Ambrósio83 – que assumiu a curadoria da exposição –, com consultoria de Lia Crespo, jornalista e historiadora, e Crismere Gadelha, antropóloga, ambas militantes do segmento, e com a participação dinâmica da secretária de Estado, doutora Linamara Rizzo Battistella. O projeto inicial sugeriu “Memorial da Luta da Pessoa com Deficiência”, como título da exposição, evoluindo posteriormente para “Memorial da Pessoa com Deficiência” e “Memorial da Pessoa com Deficiência: os Caminhos da Inclusão”. No entanto, por considerar que as conquistas do segmento se refletem na garantia de direitos para todos os cidadãos, o comitê redefiniu o título, passando a “Memorial da Inclusão: os Caminhos da Pessoa com Deficiência”. Trata-se de uma exposição com narrativa histórica referente ao movimento social da pessoa com deficiência, com ênfase nos acontecimentos que marcaram o Brasil (e o mundo) no final da década de 1970 e durante a década de 198084. 83
. Viúva de Rui Bianchi do Nascimento (1949-2001), militante que tinha osteogenesis imperfecta, conhecida como a doença dos ossos de vidro. Em junho de 2001, obteve o grau de mestre em Ciências da Comunicação, com a dissertação “Visão parcial da deficiência na imprensa: Revista Veja (1981-1999)”, ECA-USP. Em 1990, Rui fundou o Centro de Documentação e Informação do Portador de Deficiência – Cedipod (www.cedipod.org.br/), entidade sem fins lucrativos, criada a partir da constatação da falta de entidades especializadas na coleta, organização e divulgação de informações referentes às pessoas com deficiência, especialmente legislação. 84
. O comitê de colaboradores disponibilizou seus acervos e colaborou na seleção e definição dos documentos e imagens cedidas por militantes à formação da exposição. Tais documentos foram digitalizados e devolvidos aos seus proprietários.
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O termo “memorial” é advindo diretamente do conceito de memória. Memória é o que está na história vivida pelas pessoas, nas lembranças, nos fatos memoráveis de suas vidas pessoais e coletivas, marcadas de impressões, de emoções, de percepções e, também, de datas e fatos políticos, respaldados ou não por documentos e imagens. A exposição está pautada pela seguinte compreensão de história e de memória: Não existe nem história nem memória puras. Elas são o resultado de escolhas, de seleção, voluntária ou involuntária: do historiador, da sociedade e do sujeito. O documento/monumento, oficial ou pessoal (um manuscrito, uma foto, um objeto, entre outros), o testemunho, o ouvir dizer, as lembranças vívidas ou as vagas lembranças, tudo é material da história. A memória e a história são dinâmicas, não se encerram em conjuntos específicos de datas, personalidades e documentos. Um documento traz o outro, uma lembrança traz outra, a memória voluntária estimula a memória involuntária. O Memorial da Inclusão pretende respeitar esse dinamismo natural e, assim, a exposição aqui apresentada é o começo, um começo...
Tal definição sugere que o Memorial da Inclusão pretende ser uma contribuição ao resgate da história do movimento social da pessoa com deficiência, uma versão, entre outras, dessa história. Sob tal concepção de processo histórico, complementado pela concepção de quem e como a história é vivida e contada, definiu-se o logo do Memorial da Inclusão:
Imagem. Logo do Memorial da Inclusão. Borboleta colorida saindo de um espiral: cabeça e aproximadamente setenta por cento da asa direita na cor laranja; restante da asa direita, verde e azul; metade superior da asa esquerda na cor rosa choque e a metade inferior, assim como o espiral de onde emerge a borboleta, na cor azul. As antenas da borboleta também possuem o formato de pequenos espirais girando para fora, na cor laranja.
A transformação da crisálida em borboleta representa o sucesso de rompimento do seu próprio casulo. Sabe-se que essa etapa é fundamental para a sobrevivência da borboleta. A saída do casulo requer muita energia. Os movimentos são lentos, porém fortes e pontuais. A espiral, na trajetória e nas antenas da borboleta símbolo do Memorial, significa esse processo pessoal e intransferível que a borboleta tem que cumprir por si mesma. Simboliza o protagonismo das pessoas com deficiência em defesa de seus direitos, representa sua trajetória da exclusão e invisibilidade para a cidadania plena. O colorido e o desenho assimétrico das asas remetem à diversidade humana e à variedade das deficiências, suas demandas e potencialidades. Para muitas culturas, o circular e o espiralado representam o ciclo da vida e nos remetem à ideia de que não existem um começo, nem um fim. Melhor do que um destino é refletir um ir além, um renovar. O Memorial da Inclusão reflete-se, portanto, nos significados da diversidade, do circular e do espiralado, os quais simbolizam as histórias e as memórias que se cruzaram e aquelas que ainda vão se cruzar para construir uma sociedade inclusiva.
O Memorial da Inclusão está dividido em 12 painéis, reunindo mais de 700 documentos e imagens, entre fotos e vídeos, que procuram trazer ao visitante as reivindicações do movimento social das pessoas com deficiência desde os anos preparatórios para o AIPD.
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Como seria impossível discorrer sobre todas as imagens e documentos, neste texto, tecemos breves comentários acerca de alguns deles. Como homenagem aos 30 anos do AIPD85; mais do que reproduzir as imagens da exposição, aspiramos transmitir ao leitor o conceito que rege a montagem e a escolha de documentos e imagens. Os painéis “AIPD – Ano Internacional das Pessoas Deficientes (1981)” e “Movimento Social” combinam a ação internacional e a oficial brasileira à mobilização e às atividades da sociedade civil, pessoas com e sem deficiência que assumiram a dianteira, conduzindo e conquistando direta e literalmente o lema do AIPD: “Participação plena e igualdade”. Os painéis reúnem documentos e fotos das reuniões preparatórias para o 1º Encontro Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes, ocorridas em Brasília (janeiro de 1980) e em São Paulo (agosto de 1980); reuniões da Coalizão PróFederação Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes (abril e maio de 1980), em São Paulo; e fotos do 1º Encontro Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes, ocorrido em Brasília. O painel “Movimento Social” tece também uma homenagem aos milhares e anônimos cidadãos brasileiros que lutaram contra a ditadura no Brasil, assim como aos que se engajaram nos movimentos sociais de redemocratização brasileira. Tal homenagem está expressa por meio da ampliação de imagens de manifestações populares, impressas em marca d’água por toda a extensão do painel, como pano de fundo da exposição dos documentos e fotos do movimento social das pessoas com deficiência. Sobre esse pano de fundo reproduzimos um conjunto de retratos e mais de 150 nomes de militantes do segmento. Entre os inúmeros militantes do segmento, Maria de Lourdes Guarda e Cândido Pinto de Mello são homenageados no Memorial da Inclusão. Ambos são reconhecidamente considerados como grandes líderes do segmento. Entre as imagens históricas do movimento social, há a reprodução do filme amador em 8mm (sem som), realizado pelos amigos e militantes Rui, Tadeu e Pava, registrando a passeata em frente ao Teatro Municipal de São Paulo, no dia 7 de abr il de 1981, reunindo centenas de pessoas com e sem deficiência. A passeata foi organizada pela Aide e pela FCD, como ação motivada pelo AIPD, para dar visibilidade às pessoas com deficiência e fazer conhecer suas reivindicações à sociedade e aos governantes. Nesse painel, entre documentos significativos da mobilização das pessoas com deficiência, destaca-se a foto da reunião preparatória para o AIPD, ocorrida em 26 de fevereiro de 1980, no Colégio Anchietanum, em São Paulo. A foto é considerada simbólica porque se reflete no clima de repressão ainda presente no Brasil. A reunião teve a presença de Adolfo Perez Esquivel, argentino, ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1980. Dentre os diversos militantes, estava o líder Cândido Pinto de Mello, que ficou paraplégico após atentado policial contra sua vida em 1969, época em que atuava na União dos Estudantes de Pernambuco. Na foto, Cândido está no meio dos participantes, protegido pela maca de Maria de Lourdes Guarda, devido ainda ser vigiado pela polícia. Segundo a ativista Ana Rita de Paulo, que coordenou a vinda de Esquivel, o Prêmio Nobel, antes da reunião, foi advertido, pelo DOI-Codi86, de que não deveria falar de política.
85
. A exposição Memorial da www.memorialdainclusao.gov.br
Inclusão
pode
ser
conhecida
também
pelo
endereço
virtual
86
. Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) foi um órgão subordinado ao Exército, de inteligência e repressão do governo brasileiro durante o regime inaugurado com o golpe militar de 31 de março de 1964, os chamados “Anos de Chumbo”.
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Imagem. Documento em duas páginas, contendo lista de nomes de entidades. FCD – FRATERNIDADE CRISTÃ DE DOENTES E DEFICIENTES FÍSICOS – PE. Rep.: Messias T. de Souza; ADM – ASSOCIAÇÃO DOS DEFICIENTES MOTORES – PE. Rep.: Ednaldo F. Batista; CRH – CENTRO DE RECUPERAÇÃO HUMANA – PE. Rep.: Jeferson A. Tenório; UACR – UNIÃO AUXILIADORA DE CEGOS DE RECIFE – PE. Rep.: Gilberto M. de Souza; ABADEF – ASSOCIAÇAO BAIANA DE DEFICIENTES FÍSICOS – BA. Rep.: Crésio A. D. Alves; FCD – FRATERNIDADE CRISTÃ DE DOENTES E DEFICIENTES FÍSICOS – PB. Rep.: Antonio M. Limeira; GCPD – GRUPO CAPIXABA DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA – ES. Rep.: Daniel F. Matos; FCD – FRATERNIDADE CRISTÃ DE DOENTES E DEFICIENTES FÍSICOS – AL. Rep.: Laura G. Nogueira; ADM – SSOCIAÇÃO DOS DEFICIENTES MOTORES DO CEARÁ – CE. Rep.: João A. Furtado; ADFMS – ASSOCIAÇÃO DOS DEFICIENTES FÍSICOS DO MATO GROSSO DO SUL – MS. Rep.: Paulo M. Metello; ADFB – ASSOCIAÇÃO DOS DEFICIENTES FÍSICOS DE BRASÍLIA – DF. Rep.: Benício T. Cunha Mello; ADEFA – ASSOCIAÇÃO DOS DEFICIENTES FÍSICOS DO AMAZONAS – AM. Rep.: Manoel Marçal de Araújo; UNIPABE – UNIÃO DOS PARAPLÉGICOS DE BELO HORIZONTE – MG. Rep.: Gilberto T. Silva; AMP – ASSOCIAÇÃO MINEIRA DE PARAPLÉGICOS – MG. Rep.: Jurandir S. e Silva; SDB – SOCIEDADE DOS DEFICIENTES DE BAURU – SP; Rep.: Shiro Tokuno;. IPC – INSTITUTO PARANAENSE DOS CEGOS – PR. Rep.: Alneri Siqueira; ALFP – ASSOCIAÇÃO DOS DEFICIENTES FÍSICOS DO PARANÁ – PR. Rep.: Roberto Madlener; FCD – FRATERNIDADE CRISTÃ DE DOENTES E DEFICIENTES FÍSICOS – SC. Rep.: Arnoldo C. Rodrigues; ABRADEFS – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS DEFICIENTES FÍSICOS E SENSORIAIS – SC. Rep.: Aldo L. Sobrinho; ARPA – ASSOCIAÇÃO RIOGRANDENSE DE PARAPLÉGICOS E AMPUTADOS. Rep.: Carlos B. Cardoso; ONRAE – ORGANIZAÇÃO NACIONAL DE REABILITAÇÃO E ASSISTÊNCIA AO EXCEPCIONAL. Rep.: Manoclito Florentino; SELB – SOCIEDADE ESPORTIVA LOUIS. Rep.: Wenceslau A. Padilha; FCD – FRATERNIDADE CRISTÃ DE DOENTES E DEFICIENTES FÍSICOS. Rep.: Altair G. Fernandes; ASMG – ASSOCIAÇÃO DOS SURDOS DE MINAS GERAIS – MG. Rep.: Antonio C. Abreu; FBS – FEDERAÇÃO BRASILEIRA DOS SURDOS – MG. Rep.: Padre Vicente Burnier; ACU – ASSOCIAÇÃO DOS CEGOS DE UBERLÂNDIA – MG. Rep.: Lázado O. Silva; APARU – ASSOCIAÇÃO DOS PARAPLÉGICOS DE UBERLÂNDIA – MG. Rep.: Arnaldo S. Carvalho; ADEFERJ – ASSOCIAÇÃO DOS DEFICIENTES FÍSICOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – RJ. Rep.: Flávio Wolff; SADEF – SOCIEDADE AMIGOS DOS DEFICIENTES FÍSICOS – RJ. Rep.: Maruf Aride; CLAM/ABBR – CLUBE DOS AMIGOS DA ABBR – RJ. Rep.: Jefferson Caputo; CPRJ – CLUBE DOS PARAPLÉGICOS DO RIO DE JANEIRO – RJ. Rep.: Roberto S. Ramos; FCD – FRATERNIDADE CRISTÃ DE DOENTES E DEFICIENTES FÍSICOS – RJ. Rep.: Nice F. S. de Mello; SODEVIBRA – SOCIEDADE DOS DEFICIENTES VISUAIS DO BRASIL – SP. Rep.: Benedito de Paula Silva; AID – ASSOCIAÇÃO DE INTEGRAÇÃO DOS DEFICIENTES – SP. Resp.: Leila B. Jorge; NID – NÚCLEO DE INTEGRAÇÃO DE DEFICIENTES – SP. Rep.: Ana M. M. Crespo; UNADEF – UNIÃO NACIONAL DE DEFICIENTES FÍSICOS – SP. Rep.: Nadir R. do Amaral; FCD – FRATERNIDADE CRISTÃ DE DOENTES E DEFICIENTES FÍSICOS – SP. Rep.: Maria de Lourdes Guarda; AADF – ASSOCIAÇÃO DE ASSISTÊNCIA AO DEFICIENTE FÍSICO – SP. Rep.: Fábio C. Oliveira; Brasília, 25 de outubro de 1980. [Assinaturas de] MESSIAS TAVARES DE SOUZA (COORDENAÇÃO); JOSÉ GOMES BLANCO (COORDENAÇÃO); CARLOS BURLE CARDOSO (RECONHECIMENTO DE ENTIDADES)" Legenda: Trinta e nove entidades credenciadas no I Encontro Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes. Consta do documento “Encontro Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes. Brasilia, 22 a 30 de outubro de 1980. Propostas aprovadas pelas 39 entidades de pessoas deficientes credenciadas no I Encontro Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes”. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
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Imagem. Foto em preto e branco. Mesa de Evento, com seis membros. Atrás da mesa a faixa “1981 Ano Internacional das Pessoas Deficientes – Participação Plena e Igualdade” com símbolo da ONU para o AIPD. Público em sua maioria de pessoas em cadeira de rodas. Cândido está localizado em frente à mesa, tendo às suas costas Maria de Lourdes Guarda na maca. Legenda: Reunião preparatória para o AIPD, ocorrida em 26 de fevereiro de 1980, no Colégio Anchietanum/S.P. Na mesa, da esquerda para a direita: Luis Celso Marcondes de Moura, Ana Rita de Paula, Leila Bernaba Jorge, Adolfo Perez Esquivel e Lia Crespo. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Lia Crespo.
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Luís Celso Marcondes de Moura, da coordenação-geral do Movimento Pelos Direitos das Pessoas Deficientes (MDPD), em matéria publicada em 1º de março de 1981, sob o título “Deficientes se reú nem e definem mobilização” (aqui reproduzida), a respeito da reunião do MDPD, fez referência a essa reunião com Esquivel e sobre o que ele teria dito: Tivemos uma reunião, no último dia 26, com o prêmio Nobel Adolfo Per ez Esquivel. Enfatizando que importante é a unidade, não tanto a uniformidade, aquela personalidade mundial se mostrou impressionada com o tipo de mobilização popular centrada na unidade. Para ele, o importante é se reunir para refletir sobre os problemas comuns a todos e não sobre dificuldades individuais. Na visão de Esquivel, os métodos são secundários, o núcleo comum das várias personalidades é que é importante.
Imagem. Foto em preto e branco. Três homens em pé. Dois olham para papéis sobre pasta, apoiados no braço esquerdo do homem ao centro. Atrás do grupo vêem-se pessoas e parte da faixa do AIPD. Legenda: Kico Crespo, Adolfo Perez Esquivel e Luis Celso Marcondes de Moura, em 26 de fevereiro de 1980. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Lia Crespo
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Sem dúvida, a unidade, sem desrespeitar as diversidades, era a tônica do movimento das pessoas deficientes, na medida em que se propunha a ciar uma federação nacional para defender os direitos e lidar com as necessidades inerentes a todas as deficiências. Esse espírito está representado no Memorial da Inclusão pelo folheto do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes – MDPD e o Boletim Pessoa Deficiente – Coalizão Pró-Formação para a Federação Nacional, números 1 e 2, de 1980. Os boletins explicitam a finalidade da Federação Nacional e dá o informe acerca dos dois eventos que aconteceram em Brasília, de 16 a 26 de outubro de 1980: “6º Jogos Nacionais sobre Cadeira de Rodas” e o “1º Encontro Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes”. Sobre a Coalizão Nacional há ainda a reprodução do Jornal Etapa. O documento trata do término da Coalizão Nacional, que reunia pessoas com todos os tipos de deficiências, e da criação de federações nacionais por área de deficiência: Organização Nacional de Entidades de Deficientes Físicos (Onedef); Movimento Nacional de Reintegração do Hanseniano (Morhan); Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos (Feneis); Sociedade Brasileira de Ostomizados (SBO), Associação de Paralisia Cerebral do Brasil (APCB). Em nível internacional, essas organizações se filaram à União Mundial de Cegos, à União Latino-Americana de Cegos, à Federação Mundial de Surdos e à Disabled Peoples International (DPI), organização mundial que reúne todas as áreas de deficiências. Os painéis do Memorial da Inclusão demonstram que as próprias pessoas com deficiência se mobilizaram, conduziram e representaram as suas reivindicações, perante a sociedade e os governos. Atuaram direta e explicitamente no combate ao paternalismo, ao assistencialismo e aos preconceitos predominantes na sociedade, em todas as instâncias. Entre documentos e fotos, há vídeos com trechos de entrevistas que os protagonistas do AIPD concederam em diferentes ocasiões, em documentários e mídias. Tais trechos foram distribuídos ao longo da exposição Memorial da Inclusão mediante a organização dos temas que o movimento social privilegiava naquele momento: consciência/conscientização, conceito/preconceito, valorização da pessoa, nem prêmio nem castigo, nem coitadinho nem super-herói, cultura, incompreensão, barreiras arquitetônicas e atitudinais, terminologia. A questão da mudança de paradigma está expressa no Memorial da Inclusão também pelos títulos dos painéis: “Movimento Social”, “Do Asylamento à Autonomia”, “Do Assistencialismo à Participação Social”, “Eliminar Estigmas, Derrubar Preconceitos”, “Sociedade e suas Linguagens”, “Os Sentidos na Comunicação” e “Direitos”. A invisibilidade social da pessoa com deficiência, o paternalismo e o assistencialismo estavam alicerçados nos valores culturais projetados sobre a deficiência e a pessoa deficiente, estigmatizantes e preconceituosos. O movimento agiu para mudar essa realidade social. “Nada sobre nós sem nós”, um dos lemas do segmento, está representado no Memorial da Inclusão, através da evolução do asilamento ou institucionalização e assistencialismo à autonomia, via participação social. Nesse sentido, na década de 1980 o movimento social das pessoas com deficiência entendia que, ao lado das barreiras arquitetônicas, que ti nham que ser rompidas para que a pessoa com deficiência pudesse ir e vir com autonomia para participar da sociedade, outra barreira não visível concretamente e mais difícil de ser vencida precisava ser superada: a barreira atitudinal.
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Imagem. Jornal da Cidade de Bauru, 1 de março de 1981. Deficientes se reúnem e definem mobilização Contém foto em preto e branco. Várias pessoas reunidas em torno de mesa retangular, com legenda: “Por unanimidade, todos consideram a reunião suficientemente produtiva.” Londrina e Jacarezinho (PR), Andradina, Pederneiras, Lins, Rio Claro e Bauru (SP) tiveram representantes na reunião de ontem, na sede da Sociedade para a reabilitação e Reintegração do Incapacitado (SORRI), a primeira do Movimento Pelos Direitos das Pessoas Deficientes (MDPD) com finalidade de expandi-lo por todo o Interior do Estado. Das 10 às 12 horas, aos presentes, divididos em oito grupos de cinco ou mais pessoas cada um, discutiram a carta programa do MDPD. Após o almoço no local, das 14 às 18 horas cada uma das entidades presentes expôs seus problemas e as soluções que está encontrando para os mesmos. Finalmente, ficou decidido que a cada dois meses haverá uma reunião, provavelmente em Bauru mesmo. Movimento informal Falando sobre o MDPD, o diretor executivo da Sorri, Thomas F. Frist disse que “é um movimento informal, cuja finalidade principal é incentivar os próprios deficientes a levantarem seus problemas e proporem soluções para os mesmos”. Frist pôs o JC em Contato com o (deficiente físico) psicólogo Luís Celso Marcondes de Moura, que atua em São Paulo junto ao Núcleo de Integração de Deficientes (NID) e é membro da coordenação geral do MDPD. “Tivemos uma reunião, no último dia 26, com o prêmio Nobel Adolfo Perez Esquivel. Enfatizando que importante é a unidade, não tanto a uniformidade, aquela personalidade mundial se mostrou impressionada com o tipo de mobilização popular centrada na unidade. Para ele, o importante é se reunir para se refletir sobre os problemas comuns a todos e não sobre dificuldades individuais. Na visão de Esquivel, os métodos são secundários, o núcleo comum das várias personalidades é que é importante”, disse Marcondes de Moura. O psicólogo falou também que o “MDPD é um movimento livre, que não se atrela a nenhum partido político ou esquemas administrativos, estando inclusive arcando espontaneamente com todo ônus de manter uma sede sem essas ingerências, embora lhe hajam sido oferecidas numerosas”. E contou que “tão logo o MDPD tomou conhecimento de que em Araçoiaba da Serra os Correios recusaram um candidato porque apresentava uma seqüela de paralisia infantil, passou à ação.” Foi enviado ofício de solidariedade ao segregado, inclusive oferecendo o apoio moral e até jurídico. À presidência da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT), foi encaminhado ofício pedindo explicações. Atitude idêntica fora tomada anteriormente, também nos casos de um geólogo e de um engenheiro eletricista, recusados pela Petrobrás. Consciência e hombridade Também falou ao JC, a responsável, em Marília, pela Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes (FCD), Olímpia Salete Rodrigues. A FCD é um movimento universal com 80 núcleos no Brasil, tendo o de Marília apenas três meses de instalado. “Numa primeira linha de ação, estamos tendo os primeiros encontros com empresários, para a solução do problema dos deficientes desempregados e barrados. A evasiva do empresário ao recusar o deficiente, dá ao mesmo a sensação de incapacidade, na medida em que ele não tem certeza quanto à razão de haver sido barrado e julga ser a deficiência. Isso exige hombridade de parte do empregador, que precisa assumir, inclusive juridicamente, que barrou o candidato porque é deficiente (o que não significa necessariamente incapaz)” opinou Olímpia Salete Rodrigues. Disse que, a exemplo do que existe em Brasília, está estabelecendo gestões no sentido de criar em Marília a função do controlador de propaganda radiofônica, que pode ser desempenhada com eficiência, por deficientes. Além disso, trabalho de empresas que os deficientes possam executar em suas próprias casas, evitando as barreiras arquitetônicas atualmente existentes. Também se pensa em como atingir a criança deficiente, por intermédio dos seus pais, e já se atua na revisão de projetos de novas construções (inclusive residenciais), em atendimento á Emenda Constitucional nº 12, do deputado Thales Ramalho. A exemplo de Bauru, que, através da Sorri, já tem deficiente trabalhando como controlador de som e informante, também Marília, através da FCD, já obtém resultados práticos. Hoje naquela cidade e posteriormente em todo o Brasil, as telefonistas de informações podem dar qualquer número de telefone, constante ou não na lista, basta que o consulente se identifique como deficiente de qualquer espécie. A FCD conseguiu isso junto à Telesp de Marília e já faz gestões em termos de Brasil. (Nilson Avante) Legenda: Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
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Imagem. Primeira e última página do Boletim “Pessoa Deficiente 1 - Coalizão Pró-Formação para a Federação Nacional – Brasília – Julho de 1980” Capa: “1º Congresso Nacional de Pessoas Deficientes. 2º quinzena de outubro de 80”. Precisa-se de ajuda: Pela dificuldade de se encontrar todas as pessoas que poderiam se interessar por uma participação em nossa Entidade Nacional pedimos a todos que tenham conhecidos que sejam portadores de alguma deficiência, que lhes dêem um exemplar deste informativo, ou enviem seus endereços para Caixa Postal 11.1180 Brasília–DF, CEP 70.000, em nome da Associação dos Deficientes Físicos de Brasília (ADFB). Finalidades da federação: A Federação será uma entidade com a finalidade de defender os direitos e interesses mais gerais das pessoas deficientes. Por direitos, entendesse aqueles relacio nados a trabalho, transporte, educação e tratamento adequado, acessos às ruas, a que todos temos como seres humanos e cidadãos. Este é o caráter que o grupo fundador da Federação pretende que ela tenha. Com isto, estaremos ocupando o lugar que nos cabe na sociedade, ou seja conscientes que estamos das nossas necessidades, teremos um órgão que requisitará do governo, da comunidade e das instituições que nos prestam serviços, aquilo que achamos mais conveniente e correto, para que toda a pessoa deficiente possa ter uma participação plena na comunidade. Próxima reunião. O grupo que está assumindo os primeiros passos para a criação da Federação vai voltar a se reunir em São Paulo nos dias 09 e 10 de agosto. Esta será a terceira reunião a ser realizada, e ali serão discutidos tópicos relacionados à ent idade e o Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Quem deve participar: Quais as pessoas que deverão ser congregadas na Entidade Nacional? Nos primeiros contatos do grupo que já se reuniu duas vezes em Brasília, para criar a Federação Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes, a idéia era de se ter uma coalizão de deficientes físicos do aparelho locomotor. Porém, a análise da situação de vida das pessoas com outros tipos de deficiência, mostrou que há algo em comum entre todos nós: somos afastados da sociedade por termos uma característica diferente da maioria da população. Nos é negado a possibilidade de um trabalho produtivo, de um transporte adequado, e muitas vezes temos dificuldades para obter até mesmo o tratamento de que necessitamos. Por isso decidiu-se que poderão se associar à Federação, TODAS as entidades que congreguem QUALQUER tipo de pessoas deficientes, e que, devido a essa deficiência sejam marginalizados pela sociedade. Todos os interessados devem entrar em contato com as entidades locais (que estão indicadas neste boletim), mas se não houver uma entidade na sua região escrever para Associação dos Deficientes Físicos de Brasília-ADFB, Caixa Postal 11.1180 Brasília–DF, CEP 70.000. Última página. Consta lista de nomes e entidades: Isaura Helena Pozzatti, Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes Físicos, São Paulo, Capital / Ednaldo F. Batista, Associação dos deficientes Motores – ADM, Varzea,Recife / José Gomes Blanco, Sociedade dos Amigos dos Deficientes Físicos, Triagem, Rio de Janeiro / Flávio Wolff, Associação dos deficientes Físicos do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro / Paulo Roberto Guimarães Moreira, Clube dos Amigos da Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação, Rio de Janeiro / Manoel Marçal de Araújo, Clube dos Amigos dos Deficientes e Incapacitados da região Amazônica – CADEIRA, Manaus, Amazonas / Crésio de Aragão Dantas Alves, Associação Baiana de Deficientes Físicos, Canela, Salvador / Romeu Sassaki, Centro de Desenvolvimento de Recursos de Integração Social, São Paulo, Capital / Leila Bernaba Jorge, Associação de Integração de Deficientes, Pompéia / Marta helena Karrich, Santa Catarina / Manoelito Florentino, Organização Nacional de Reabilitação e Assistência ao Excepcional, Porto Alegre / Ana Berthier Silveira, Cristo Rei, Curitiba / Carlos Burle Cardoso, Porto Alegre / Carlos Lesli Faleiros, Pinheiros, São Paulo / Heloisa Helena Ferrari Chagas, São Paulo / Vinícius de Andrade, Vila Mariana, São Paulo / Eliane Gonçalves Araújo, Porto Alegre / Ivone Soares, Associação Campograndense Beneficente de Reabilitação, Campo Grande, MS. Expediente: Boletim Informativo da Coalizão Pró-Federação Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes. Comissão Central: Paulo Roberto Moreira, Benício da Cunha Mello, Crésio Dantas Alves, Romeu Sassaki. Responsável editorial: Associação dos Deficientes Físicos de Brasília. Legenda: 1º Congresso Nacional de Pessoas Deficientes, 2ª quinzena de outubro de 1980. Boletim 1 – Coalizão Pró-Formação para a Federação Nacional, Brasília, jul 1980. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
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Imagem. Primeira e última página do Boletim “Pessoa Deficiente 2 - Coalizão Pró-Formação para a Federação Nacional – Brasília – Setembro de 1980” Capa. “1º Congresso Nacional de Pessoas Deficientes. 2º quinzena de outubro de 80”. Contém símbolo da ONU para 1981 o Ano Internacional da Pessoa Deficiente. Precisa-se de ajuda: Pela dificuldade de se encontrar todas as pessoas que poderiam se interessas por uma participação em nossa Entidade Nacional pedimos a todos que tenham conhecidos que sejam portadores de alguma deficiência, que lhes dêem um exemplar deste informativo, ou enviem seus endereços para Caixa Postal 11.1180 Brasília–DF, CEP 70.000, em nome da Associação dos Deficientes Físicos de Brasília (ADFB). Finalidades da federação: A Federação será uma entidade com a finalidade de defender os direitos e interesses mais gerais das pessoas deficientes. Por direitos, entendesse aqueles relacio nados a trabalho, transporte, educação e tratamento adequado, acessos às ruas, a que todos temos como seres humanos e cidadãos. Este é o caráter que o grupo fundador da Federação pretende que ela tenha. Com isto, estaremos ocupando o lugar que nos cabe na sociedade, ou seja conscientes que estamos das nossas necessidades, teremos um órgão que requisitará do governo, da comunidade e das instituições que nos prestam serviços, aquilo que achamos mais conveniente e correto, para que toda a pessoa deficiente possa ter uma participação plena na comunidade. Quem deve participar: Quais as pessoas que deverão ser congregadas na Entidade Nacional? Nos primeiros contatos do grupo que já se reuniu duas vezes em Brasília, para criar a Federação Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes, a idéia era de se ter uma coalizão de deficientes físicos do aparelho locomotor. Porém, a análise da situação de vida das pessoas com outros tipos de deficiência, mostrou que há algo em comum entre todos nós: somos afastados da sociedade por termos uma característica diferente da maioria da população. Nos é negado a possibilidade de um trabalho produtivo, de um transporte adequado, e muitas vezes temos dificuldades para obter até mesmo o tratamento de que necessitamos. Por isso decidiu-se que poderão se associar à Federação, TODAS as entidades que congreguem QUALQUER tipo de pessoas deficientes, e que, devido a essa deficiência sejam marginalizados pela sociedade. Última página. Lembretes da comissão de hospedagem: lençol e toalha: todo o material necessário ao uso pessoal deve ser trazido pelos próprios participantes do Encontro, por isso alertamos que se lembrem de roupa de cama e banho; meteorologia: o mês de outubro já apresenta alguns dias de chuva e à noite a temperatura cai um pouco até 12ºC; pagamento: a taxa de inscrição para o Encontro é de Cr$ 50,00 (cinqüenta cruzeiros) para cada participante, e poderá ser paga no dia da chegada à Brasília; acompanhantes: nos alojamentos haverá pessoas para ajudarem aos participantes do Encontro naquilo que tenham dificuldade, por isso só será dada hospedagem a acompanhantes em casos excepcionais; transporte e alimentação: logo na chegada à Brasília, leia o boletim informativo acerca dos horários dos trabalhos, do transporte e da alimentação bem como dos serviços que vão estar à sua disposição durante o Encontro e os lugares onde eles podem ser encontrados. Os boletins estarão à sua disposição nos postos de recepção; inscrições: os interessados em participar do Encontro devem preencher a ficha de inscrição e enviá-la o mais rápido possível para o escritório da Comissão de Hospedagem. Endereço: Edifício Venâncio III, sala 208, 2º andar. Fone 225 2807 Caixa Postal 111180. Brasília hospedará as pessoas deficientes: de verdade. Tendo em vista que uma das intenções do grupo que vem assumindo a criação da Entidade Nacional, é a de esclarecer a comunidade acerca da vida da Pessoa Deficiente, a comissão de hospedagem decidiu convidar a comunidade brasiliense a hospedar as pessoas que participarão dos dois eventos de Outubro. E Brasília aceitou o convite. Os lares brasilienses estão se abrindo para receber a Pessoa Deficiente, e definitivamente estabeleceu um compromisso com a luta pela reinserção social plena de tantos elementos marginalizados pela sociedade. Isto trará benefícios imediatos para os nossos companheiros do Distrito Federal, mas a médio e longo prazos, os efeitos desse acontecimento se farão sentir em todo o país. Isto porque entre os lares que estão se abrindo, encontram-se pessoas que deverão voltar às suas cidades de origem, onde poderão dar a sua parcela de apoio nos movimentos regionais que visem a reintegração social da Pessoa Deficiente. Para tanto, é importante que cada participante dos Jogos e do Encontro Nacional tenham uma atuação que esclareça as famílias hospedeiras sobre as condições de vida dos portadores de deficiência física, de modo a inte-usá-las por colaborarem na nossa luta. Jogos e Encontro em Brasília. Dois eventos de grande importância ocorrerão em Brasília entre os dias 16 a 26 de outubro. São eles: VI Jogos Nacionais sobre Cadeira de Rodas, e o I Encontro Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes. Os VI Jogos Nacionais sobre Cadeira de Rodas ocorrerá do dia 18 a 21 de Outubro, e tem no programa competições de atletismo (corrida mística, corrida de 100, 200, 400, e 800 metros, lançamento de peso, dardos e disco, slylon), natação, tênis de mesa, basquete, tiro ao alvo, dama, xadrez, sinuca e boche. Os participantes dos jogos deverão chegar a Brasília nos dias 16 e 17 para regularização da documentação, e também para o exame médico de classificação, previsto pelo regulamento das competições. As inscrições de times ou individuais poderão ser feitas junto à Associação Nacional de Desportes para Excepcionais, no Rio de Janeiro, ou através da Associação dos deficientes Físicos de Brasília (Caixa Postal 111180 – CEP 70300 – BrasíliaDF). O Encontro Nacional começará no dia 22 e irá até o dia 25 de outubro, e contará com a participação das delegações já presentes a Brasília para competição nos Jogos, bem como de outras pessoas que virão especificamente para os trabalhos que estão sendo organizados para o I Encontro. Legenda: 1º Congresso Nacional de Pessoas Deficientes, 2ª quinzena de outubro de 1980. Boletim 2 – Coalizão Pró-Formação para a Federação Nacional, Brasília, set 1980. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
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Imagem. Jornal da Tarde, 22 de julho de 1980. O pedido desses homens: igualdade Contém chamada temática em destaque: “O II Congresso Brasileiro de Reintegração Social foi aberto ontem e vai discutir ‘a realidade de trabalho das pessoas deficientes. Um de seus objetivos: acabar com a discriminação.” João Carlos pega o pequeno cartaz com a inscrição, em grandes letras vermelhas, “deficiente físico”, e o exibe a todos, erguendo os braços. Em seguida, com uma dobra, a pressão do polegar e um corte, a letra d é suprimida, e João volta a exibir o cartaz, satisfeito, fazendo dele o resumo da mensagem que levou a outras pessoas que, como ele, vivem sobre uma cadeira de rodas ou amparadas por muletas: “Eficiente físico”. João Carlos Pecci, falando sobre seu livro “Minha Profissão é Andar”, foi um dos conferencistas que participaram do primeiro dia de trabalhos do II Congresso Brasileiro de Reintegração Social, durante todo o dia de ontem, na PUC de São Paulo. O Congresso, que tem como tema central “a realidade de trabalho das pessoas deficientes”, deveria ser aberto por pronunciamento do deputado Thales Ramalho, líder do PP na Câmara, que faltou por problemas de saúde. Thales Ramalho iria falar sobre sua Emenda Constitucional número 12, aprovada em 1978, que trata do fim da discriminação social e de acesso ao trabalho de deficientes físicos, assim como de sua facilidade de locomoção, transporte e possibilidade de acesso a lugares públicos. O próprio deputado pepista passou vários anos sobre uma cadeira de rodas devido a um acidente vascular em 1972. São 12 milhões de deficientes no Brasil segundo Romeu Kazumi Sassaki, do Centro de Desenvolvimento de Recursos para Integração Social e um dos coordenadores do congresso. A décima parte da população brasileira. Muita gente, das quais vemos poucas nas ruas, “porque a maioria está confinada em suas casas, instituições, pelas barreiras físicas, arquitetônicas e de comportamento social”, garante Romeu. Em agosto do ano passado o primeiro congresso teve como tema a criança deficiente, e alcançou alguns resultados imediatos, como a formação de algumas entidades próprias e a tirada de aproximadamente 50 conclusões e levadas às autoridades, sobre treinamento de técnicos de reabilitação e intercâmbio de entidades especializadas de todo o País, com a idéia de uni-las num órgão nacional, o que deve acontecer ainda este ano. Legenda: Jornal da Tarde, 22 de julho de 1980. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki. Esse ano, explica Romeu: o Congresso pretende examinar o mercado de trabalho para os deficientes sob todos os ângulos desde as barreiras físicas e do empresariado até o comportamento do companheiro de trabalho. Pretende-se, ainda, montar uma ampla campanha nacional de esclarecimento, visando à abertura do mercado pela demonstração da validade profissional do deficiente. Romeu, entretanto, faz uma distinção: — Não queremos forçar o empresário abrir as suas portas, mas sim informá-lo, educá-lo, para que ele ofereça o emprego não por compaixão, mas porque entende que o deficiente pode ser tão bom ou melhor quanto qualquer outro empregado. Aí terá acabado a discriminação. Acabar com a discriminação é um sonho acalentado por todos aqueles que lutam pela causa do deficiente, o que, para Romeu, só poderá acontecer “educando o indivíduo desde criança, para que ele cresça com a mentalidade de integração do deficiente, que é parte do ambiente natural do ser humano”. Isso representaria acabar com um preconceito milenar, que a sociedade, “nunca esclarecida”, herdou através dos anos: — O deficiente, em determinada época do passado, chegou a ser encarado como enviado do mal, e por isso era morto ao nascer ou abandonado longe das cidades; outras sociedades encaravam o defeito como uma dádiva de Deus, e agiam com paternalismo. Hoje, mata-se o deficiente de outra maneira, marginalizando-o, negandolhe condições de trabalho. João Carlos não se sentiu “morto” depois que um acidente de carro na Dutra, em 68, o paralisou do peito para baixo, aos 26 anos. Em seu livro ele lembra com detalhes o telefonema para a namorada no Rio, a viagem na tarde chuvosa do dia seguinte, a derrapagem e o deslocamento da sexta vértebra da coluna, afetando irremediavelmente a medula. A medula sim, mas não o espírito de João, que passou a se sentir “mais ser humano, mais ainda do que era antes”. Nem a noção da impossibilidade de atuar em sua profissão, a economia, assustou-o: surgiu a pintura, quase ao acaso. O médico aconselhou o desenho para exercitar nervos e músculos combalidos da mão direita; logo o lápis escorregadio foi substituído pelo pincel, “pelo privilégio de transformar uma tela branca em um mundo de comunicação”. Em 70, João começava uma atividade que nunca exercera antes, e, quatro anos mais tarde, já aumentava sua experiência no convívio de outros artistas da praça da República, onde expunha seus trabalhos. Hoje, esses trabalhos podem ser encontrados em galerias de arte, João é um artista reconhecido. Hoje, João ama a pintura, e vê nela uma razão de vida: — Quanto mais eu trabalhava menos eu me sentia paraplégico; com o mesmo prazer que eu chutava uma bola agora trabalho com meu pincel. Sinto-me mais realizado profissionalmente com a pintura, como paraplégico, do que se eu fosse um economista são. Aliás, essa paraplegia é relativa: para escrever ou pintar eu não sou paraplégico. E isso João provou rasgando a letra de seu cartaz: transformar um deficiente físico em “eficiente físico” pode ser tão simples como rasgar uma tira de papel, “usando as duas mãos e a cabeça”. O cenário agitado da praça da Sé, no final da tarde de ontem, foi tomado por uma cena de reivindicação: os deficientes realizaram um ato público para reclamar por seus direitos. Direitos reclamados que, como comprovavam as faixas — “queremos trabalho”, “trabalho sim, esmola não” —, em nada são diferentes de outros setores da sociedade. Apenas a polícia parece reconhecer essa igualdade: como se fosse qualquer manifestação estudantil, o Dops registrou sua presença com uma perua estacionada ao lado da praça, ao mesmo tempo em que os discursos eram interrompidos por sirenes de viaturas do DSV e um Tático Móvel alcançava os degraus da catedral, avançando entre os poucos espectadores. Legenda: Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki
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O Memorial da Inclusão representa tais barreiras (e sua superação) por meio de cartazes, capas de publicações e revistas de entidades de pessoas com deficiência, documentos, reportagens e charges. A exposição exemplifica a percepção social positiva e negativa da deficiência e da pessoa com deficiência, conforme se afigura nos escritos (mídia, livros, folders) e nas imagens (fotos, desenhos, caricaturas). Entre as inúmeras ações dos militantes, algumas acabam tornando-se simbólicas. Entre tais, uma relacionada ao preconceito e que marcou o 2º Congresso Brasileiro de Reintegração Social, ocorrido em São Paulo, em 21 de julho de 1980 (Jornal da Tarde, 22 julho de 1980). Um ativista pega um cartaz com a expressão “deficiente físico” e rasga a letra “d”, tornando a expressão “eficiente físico”. A força semântica e visual gerada foi a inspiração para a criação de um cartaz onde o termo “deficiente” desenhado com a letra “d” rasgada é complementado pela expressão imperativa “rasgue seu preconceito”.
Imagem. Cartaz em preto e branco. Trata-se do cartaz acima descrito, onde a palavra “deficiente” tem a letra “d” rasgada... Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Cedipod.
Em 1980, o Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes (MDPD) lançou o documento “Sugestões à Imprensa quanto ao Ano Internacional das Pessoas Deficientes”, indicativo quanto ao modo de tratar (imagem, terminologia e abordagem) o tema e as pessoas com deficiência; e, fundamentalmente, esclarecendo que as pessoas com deficiência devem ser ouvidas e não representadas por terceiros em suas reivindicações. O Memorial da Inclusão expõe esse documento. Manuais foram publicados com o intuito de colaborar para o tratamento adequado dos temas pertinentes ao segmento; assim como eventos foram promovidos (e ainda são) envolvendo comunicação, jornalismo e publicidade quanto à responsabilidade social perante o segmento das pessoas com deficiência. O tratamento das mídias quanto aos temas relativos às pessoas com deficiência foi observado pela ONU e reivindicado por todos os países que se preparavam e programaram ações efetivas para o AIPD. Nota-se, a partir de então, a mudança significativa quanto ao modo de tratar o assunto. Revistas, jornais, livros e outras publicações, não apenas de mídia de entidades “de” pessoas com deficiência, mas também as de instituições “para” pessoas com deficiência, passaram a representar a pessoa com deficiência de maneira natural. Entre as reproduções de matérias cobrindo o tema do AIPD, o memorial reproduz trechos do Folhetim nº 210, suplemento do jornal Folha de S.Paulo, dedicado integralmente ao AIPD, com o título de capa “Deficientes físicos, nem inúteis nem coitadinhos”. O suplemento deu espaço tanto para as entidades “para” deficientes quanto para as “de” deficientes, explorando a percepção de ambas sobre os temas do AIPD: integração, trabalho, educação, conscientização, preconceito, reabilitação, direitos.
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Imagem. Cartaz sobre barreira arquitetônica, campanha década 1980 Foto em formato de um negativo em tons de azul claro e escuro. Pessoa em cadeira de rodas em frente a uma escadaria, que toma toda a largura do cartaz e dois terços de seu comprimento. A pessoa está de costas para o observador e seus pés pousam sobre o primeiro degrau da escadaria. No rodapé do cartaz lê-se: “As barreiras são muitas, Ajudem-nos a diminuí-las”. Contém símbolo da ONU referente a 1981 – Ano Internacional das Pessoas Deficientes; e logo da SORRI – Sociedade para a Reabilitação e Reintegração do Incapacitado. “Entre em contato com CEDRIS – Centro de Desenvolvimento de Recursos para Integração Social”. Legenda: Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Romeu Sassaki.
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Imagem. Cartaz sobre barreira atitudinal, campanha década 1980 Foto em preto e branco toma todo o lado esquerdo do cartaz. Rapaz em cadeira de rodas, braço direito estendido e dedo indicador apontando para o observador. Título do cartaz: “Nosso maior problema é você”. Contém texto: “Nós não estamos pedindo para ninguém trocar de lugar com a gente. Isso não é possível. Mas pense um pouco na quantidade de preconceitos que temos de enfrentar todo santo dia. Vá somando. Somos preteridos num emprego, mesmo quando temos a mesma capacidade de trabalho dos outros candidatos. Passamos por todos os desconfortos nas ruas e nos lugares públicos. Sentimos no olhar das pessoas culpa, pena e até mal-estar diante de nossa presença. Vivemos tudo isso diariamente. E a verdade é que a deficiência física é apenas mais uma limitação pessoal, num mundo de pessoas cheias de limitações. Muita gente se esquece que nós, como qualquer um, também acordamos, trabalhamos, comemos, descansamos, temos família, pensamos e sentimos. Nós temos certeza de que se está procurando criar mais condições para resolver nossos problemas materiais. Mas é preciso lembrar que a compreensão vem em primeiro lugar. Só ela pode acabar com os preconceitos e a indiferença. Isso é o principal. É um ótimo começo. Quem sabe, depois de ler este anúncio, você pára e arranja um tempinho para pensar nisso?”. Rodapé do cartaz: “Este anúncio é uma colaboração da CESP Companhia Energética de São Paulo e do Governo do Estado de São Paulo no Ano Internacional das Pessoas Deficientes”. Legenda: Revista ABRADEF. São Paulo, 1981. Edição Especial Ano Internacional das Pessoas Deficientes; Associação Brasileira dos Deficientes Físicos – 1981. Acervo Digital Memorial da Inclusão. Doação Cedipod
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Imagem. Documento em duas páginas. Contém carimbo com logo do AIPD. MOVIMENTO PELOS DIREITOS DAS PESSOAS DEFICIENTES Sugestões à imprensa quanto ao ano internacional das pessoas deficientes O objetivo da ONU, ao instituir o ANO INTERNACIONAL DAS PESSOAS DEFICIENTES, foi o de buscar a “Participação Plena e Igualdade” de direitos para as pessoas deficientes. Neste sentido, o Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes (MDPD) julga que alguns critérios são importantes: 1. Quanto à imagem das pessoas deficientes. Por mais graves que sejam as deficiências ou maior que seja o espírito de superação das dificuldades, as pessoas deficientes não devem ser passadas ao público como heróis ou vítimas e nem como exageros ou exclusões. Importante que elas sejam tratadas como seres normais, dentro das suas deficiências, ressaltando-se sempre as suas semelhanças e não as diferenças com as pessoas não-deficientes. A ênfase deve estar concentrada sobre as suas habilidades e não sobre as deficiências, sobre a sua normalidade e não sobre a anormalidade e, principalmente, sobre a integração e não sobre a segregação. 2. Quanto arrecadação de fundos. A mensagem de buscar-se a “participaçao plena e igualdade” de direitos para as pessoas deficientes é muito mais profunda que a ajuda financeira a pessoas ou entidades. Além do fato de que toda arrecadação de fundos é de difícil controle, prestação de contas e distribuição, se esta possuir um carater assistencial, conduz a descaracterização da responsabilidade do Estado sobre a saúde e o bem-estar de seus cidadãos, induzindo a falsa idéia de que os problemas podem ser resolvidos com o simples auxilio financeiro. O MDPD não nega a importância do auxilio financeiro às pessoas deficientes, suas associações e às entidades prestadoras de serviços aos deficientes, dentro de objetivos claramente estabelecidos. Entretanto, esta ajuda deve ser dada de forma consciente de suas limitações, competindo aos veículos de comunicação franquear às próprias entidades e associações a veiculação de suas necessidades. (continua)
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Imagem. Continuação... 3. Quanto à campanha de prevenção. O Ano Internacional das Pessoas Deficientes tem como tema central a participação plena e a igualdade de direitos para as pessoas deficientes, sendo o aspecto preventivo uma entre tantas outras recomendaçes da ONU. Considerando que se torna difícil, em campanhas de prevenção, dissociar-se o aspecto “ruim” do que se quer prevenir (no caso, a deficiência), observa-se que a prevenção só deve ser abordada após firmar INEQUIVOCAMENTE a necessidade de plena participação e igualdade de direitos para as pessoas deficientes. 4. Quanto importância das pessoas deficientes serem ouvidas. Para o MDPD, torna-se importante que as pessoas deficientes, elas mesmas, falem de seus problemas, anseios e reivindicações e que sejam mostradas de forma realista a crueza de sua situação e as reivindicações. Neste sentido, o MDPD sempre se colocará a disposição dos orgãos de imprensa para colaborar em tudo que diga respeito a luta dos deficientes pela participação plena e igualdade de direitos. 5. Quanto à responsabilidade da veiculação dos problemas das pessoas deficientes. A abertura e o espaço criados na imprensa pela realização do Ano Internacional devem ser responsavelmente e criteriosamente utilizados pelas pessoas deficientes no sentido de desmitificar uma série de falsos conceitos que existem sobre a sua imagem. Neste sentido, sempre que possfvei, devem as pessoas deficientes analisar, antes de serem veiculadas, as matérias que lhes digam respeito. Isso é de grande importância, pois muitas vezes fraciona-se involuntariamente uma idéia ou altera-se um pensamento no processo de “edição”. São Paulo, 22 de novembro de 1980. Coordenaçao do MDPD. Legenda: Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Cedipod.
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Imagem. Documento do Conselho Regional Latinoamericano. ORGANIZACION MUNDIAL DE PERSONAS IMPEDIDAS CONSEJO REGIONAL LATINOAMERICANO SERVICIO DE PRENSA Y COMUNICACIONES MANUAL DE ESTILO 1. Todo lo que se publique debe ser redactado en forma interesante, oportuna y tan exacta como sea posible. 2. El material será de buen gusto. La redacción debe ser clara, fluída y fácilmente comprensible. 3. Deben emplearse frases relativamente breves y sencillas, dividiendo la Nota en párrafos frecuentes. No escatimar el uso del punto y el punto y aparte. En periodismo noes usual el punto y coma, aunque es legitimo utilizarlo ocasionalmente. 4. Las frases no deben contener más de 15 a 18 palabras. Los párrafos pueden contener cuando mucho cuatro o cinco frases. 5. Es necesario conservar la unidad y la coherencia del relato. Siempre que sea posible cada idea debe expresarse con una frase. Dentro de estas, hay que seguir el orden elemental gramatical: sujeto, verbo y complemento. 6. En cuanto a los números podrán escribirse con letras hasta el quince, y con números a partir del 16. 7. Deben empiearse palabras breves y conocidas, en lugar de largas y poco comunes. Cuando se recurra a una de éstas, será necesario explicar ai lector su significado. 8. Procurar, salvo que no haya otra posibilidad, utilizar el equivalente en espanol de las palabras en otros idiomas. Si hubiera que utilizar una palabra que no sea espanola, entrecomillarla en todos los casos. No se aconseja utilizar este tipo de palabras en los títulos. 9. Los textos se escribirán a máquina a doble espacio, en hojas formato carta. Las líneas de escritura tendrán un ancho de 70 espacios. Cada 25 o 30 líneas se ubicará un subtítulo de no más de cuatro palabras. Habrá una sangría a cada lado del texto, con un ancho no menor a los dos centímetros”. Legenda: Referência bibliográfica: Organizacion Mundial de Personas Impedidas. Consejo Regional Latinoamericano. Servicio de Prensa y Comunicaciones. Manual de Estilo. s/d. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Cedipod
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Capa do Jornal LA VOZ (Uruguay), Setembro de 1988 LA VOZ de las personas com discapacidad de América Latina – Año II – Nº 6 Seminario sobre medios de comunicación y discapacidad em Buenos Aires – pág.3 Encuentro de Latinoamericanos em Brasil – pág. 12 Contém foto em preto e branco de pessoas com deficiência, reunidas num salão; com legenda: “En la primer semana de mayo de este ano, Rio de Janeiro fue la sede del 4º Seminario Latinoamericano de Capacitación de Líderes de Organizaciones de Personas com Discapacidad, de acuerdo com lo resuelto em marzo de 1987 em la 2da Asamblea Regional de la Organización Mundial de Personas impedidas reunida em Montevidéo, Uruguay. Pese a enfrentar toda clase de inconvenientes, tales como la falta de recursos, informaciones contradictorias y problemas organizativos, la ONEDEF do Brasil pudo sacar adelante este encuentro. Más de 200 personas que representaban a nueve países latinoamericanos y a todos los tipos de discapacidades, analizaron em profundidad diversos temas, em un clima de confraternidad y entusiasmo. (em la foto una vista parcial de los participantes em momentos de un acalorado debate).” Em outras páginas: Los profesionales y técnicos – editorial – 3; Las personas com discapacidad em extrema pobreza – por Alejandro Rojo Vivot – 8; La mujer com discapacidad (documento de ARIFA) – 6; Participación plena e igualdad de oportunidades - por Carlos Botero Toro – 9. Em Uruguay las pernosas com Discapacidad reclaman ¡Ley de rehabilitación ahora! – pág. 10. Legenda: Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Cedipod.
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Imagem. Capa de Manual de Estilo, na cor azul com letras brancas. Legenda: Referência bibliográfica: MINISTÉRIO DA AÇÃO SOCIAL. Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE, Mídia e Deficiência Manual de Estilo. Brasília – 1992. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Cedipod. Acervo cedipod
Imagem. Capa da publicação COMPANHEIROS Foto em preto e branco de menino sorridente, aproximadamente 12 anos, com deficiência nas pernas, sentado em cadeira comum, de madeira, tendo órteses encostadas na cadeira, está com os braços levantados, fazendo exercícios físicos. Ao fundo duas outras crianças em pé, uma delas com próteses nas pernas, fazendo o mesmo exercício. Tarja vertical à esquerda da página, na cor verde, com o nome da publicação: COMPANHEIROS. Legenda: CONSELHO MUNDIAL DAS IGREJAS PARA O ANO INTERNACIONAL DAS PESSOAS DEFICIENTES, Companheiros 1981, p. 3,18. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Cedipod.
Imagem. Capa da Revista Contact Capa em preto em branco e nome da publicação em vermelho no cabeçalho. Foto de mulher sentada numa cadeira de rodas, com o corpo inclinado para frente. Ela puxa o suspensório de uma criança de aproximadamente dois anos de idade, que está se movimentando para longe da cadeira. Mulher e criança riem. Sobre a foto o texto: “Participação plena e igualdade”. Acima da frase, símbolo do Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Abaixo da foto: “Neste número: - Dignidade e valor da pessoa humana, por Haroldo H, Wilke; - Programa do Conselho Mundial das Igrejas para o AIPD, 1981; - Ano Internacional das Pessoas Deficientes, 1981; - Tratamento e reabilitação dos hansenianos.” Legenda: CONTACT – Comissão Médica Cristã do Conselho Mundial das Igrejas – Genebra. Nº 19, agosto 1981. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Cedipod.
Imagem. Capa da Revista “Commutity Based Rehabilitation News” Capa na cor azul contendo foto em branco e preto de duas pessoas em cadeira de rodas. A mais jovem, com um largo sorriso, prepara-se para arremessar um dardo. Legenda: COMMUNITY BASED REHABILITATION NEWS. International newsletter. AHRTAG – Appropriate Health Resoucers & Technologies Action Group Ltd, n. 2, abr. 1989. Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Cedipod.
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A expressão “nem inútil nem coitadinho” remete a outro tema bastante debatido naqueles anos e ainda presente na sociedade nos tempos atuais, isto é, de que a inclusão social da pessoa com deficiência não ocorre via realização da expectativa social de “superação” da pessoa com deficiência com relação ao comprometimento de sua deficiência. A inclusão não é a evolução da condição de “coitadinho” à de “super-herói”. A inclusão social é a equiparação de oportunidades, o que implica reconhecimento das diferenças e igualdade de direitos. A atuação do movimento social das pessoas com deficiência, nas ações preparatórias, durante e depois do Ano Internacional das Pessoas Deficientes, constituiu esse exercício cidadão de participação conclamado pela ONU, o qual tomou maior dimensão no Brasil por ocasião da Constituinte (1987-1988), quando as organizações de pessoas com deficiência, profissionais e militantes engajados se mobilizaram para debater, aprovar e levar aos constituintes os preceitos legais que gostariam de ver contemplados na Constituição de 1988. O movimento reuniu milhares de assinaturas necessárias para apresentar, ele próprio, uma emenda popular contendo suas reivindicações defendidas no dia 28 de agosto de 1987. Essa mobilização logrou que muitas das reivindicações do movimento fossem incluídas na Constituição Federal e, gradativamente, nas constituições estaduais e leis orgânicas dos municípios e na legislação em geral. Isso tem modificado a paisagem das cidades brasileiras, ainda que lentamente. Coroando essas conquistas, foram promulgados, através do Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Aprovados no dia 9 de julho de 2008 pelo Congresso Nacional, através do Decreto Legislativo nº 186, a Convenção e seu Protocolo Facultativo passaram a ter a mesma validade de emenda constitucional. O Protocolo Facultativo dá a grupos e indivíduos o direito de apresentar petições legais ao Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, caso movam processo em seus países e esgotem todas as vias legais para defender seus interesses sem resultados. Para que isso acontecesse, diversas antigas e novas organizações de pessoas com deficiência do Brasil criaram campanhas na internet e estiveram várias vezes reunidas com os deputados e senadores, em Brasília, entre outras ações. Essa é, sobretudo, uma conquista dos novos militantes, demonstrando, por um lado, que há muito a se fazer e, por outro, que o movimento continua vivo e vibrante.
Imagem. Capa do livro “Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência” Livro retangular. Fundo verde como moldura do desenho central, na cor cinza: mulher em cadeira de rodas utilizando computador. Cadeira encaixada sob a mesa. Desenho localizado à esquerda do retângulo; à direita, a expressão “direitos humanos” aparece em marca d’água. Legenda: SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Direitos Humanos: Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. São Paulo: [s.n.], s.d.
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currículo dos autores
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Ana Maria (Lia) Morales Crespo Graduação e mestrado em Jornalismo e doutorado em História Social, pela Universidade de São Paulo. Militante do movimento social das pessoas com deficiência desde 1980, cofundadora do Núcleo de Integração de Deficientes (NID) e do Centro de Vida Independente Araci Nallin. Autora do livro infantil Júlia e seus amigos (Nova Alexandria, 2005), que trata de deficiência, preconceito, educação inclusiva e a importância da amizade para a construção de uma sociedade para todos. e-mail:
[email protected]
Crismere Gadelha Graduada em Ciências Sociais (USP) e pós-graduada em Antropologia Social (Unicamp). Trabalha com pesquisa qualitativa há mais de 20 anos. Desde 1990 tem se dedicado aos temas da memória e identidade. Gestora social pelo Senac e membro do Centro de Documentação e Informação do Portador de Deficiência – Cedipod. Consultora do Memorial da Inclusão: Os Caminhos da Pessoa com Deficiência. e-mail:
[email protected]
Elza Ambrósio Formada em letras, pós-graduada em Administração, MBA em Gestão para Organizações da Sociedade Civil, formação em Museologia: Preservação e Socialização. Nos últimos 30 anos dedica-se ao movimento social da pessoa com deficiência, participou da fundação do Centro de Documentação e Informação do Portador de Deficiência, técnica em acessibilidade na web e curadora do Memorial da Inclusão: os Caminhos da Pessoa com deficiência. e-mail:
[email protected]
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Romeu Kazumi Sassaki Formado em serviço social e especialista em assuntos de pessoas com deficiência (emprego apoiado, legislação, reabilitação profissional, educação inclusiva, empregabilidade, mídia). Consultor de inclusão social com experiência profissional há 51 anos. Ativista de direitos das pessoas com deficiência há 32 anos. Autor de livros e artigos sobre inclusão social. e-mail:
[email protected]
Suzana Lopes Salgado Ribeiro Doutora em História pela Universidade de São Paulo, onde estudou desde a graduação. Há 15 anos faz pesquisas em História Oral, com destaque aos temas: identidade, memória, narrativa e oralidade. Lecionou, como professora convidada na Universidade Agostinho Neto, em Angola, e foi pesquisadora convidada do Oral History Office da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. e-mails:
[email protected] /
[email protected]
Vanilton Senatore Licenciado em Educação Física pela PUC Campinas em 1972, iniciou com Educação Física e Esporte para pessoas com deficiência em 1974 no Distrito Federal. Diretor de Ed. Física - Secretaria Educação DF, 79/85, coordenador Esporte Escolar/ MEC, 85/87, coordenador adjunto CORDE, 87/89, diretor Departamento Desportos para Portadores de Deficiência/SEDES/Pres. da República, 90/93, diretor voluntário Olimpíadas Especiais Brasil, 90/2002 e coordenador Esporte Escolar CPB 05/07. Assessor técnico SEDPD/SP desde 2008. e-mail:
[email protected]
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Realização Governo do Estado de São Paulo Governador – Geraldo Alckmin Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência Secretária – Linamara Rizzo Battistella
Equipe Técnica Organizadores Ana Maria Morales (Lia) Crespo Crismere Gadelha Elza Valdette Ambrósio
Colaboradores Ana Beatriz Teixeira Iumatti Ana Maria dos Santos Márcio Bustamante da Costa
Coordenação da publicação Ana Maria Morales (Lia) Crespo Crismere Gadelha Elza Valdette Ambrósio
Descrição versão acessível Crismere Gadelha
Projeto gráfico e diagramação Marli Santos de Jesus
Assistência à diagramação Fábio Bernardo Silva Tiago Miliozi Camilo
Revisão Heleusa Angelica Teixeira
Capa Ricardo Ferraz, Jefferson Duarte
Imagem da capa Capa idealizada a partir do selo comemorativo dos 30 anos do AIPD, criado pelo cartunista Ricardo Ferraz, que há mais de 30 anos dedica suas charges às pessoas com deficiência. Jefferson Duarte, cenógrafo da exposição Memorial da Inclusão, complementa a imagem com a ideia de “participação plena e igualdade”, lema de 1981.
Imagem da 4ª capa Logomarca da Organização das Nações Unidas (ONU) para 1981 Ano Internacional das Pessoas Deficientes.
Editoração, CTP, Impressão e Acabamento Imprensa Oficial do Estado de São Paulo formato : 21,6 x 27,9 cm tipologia : ITC Berkeley Oldstyle e Verdana papel capa | Duo Design 300 g/m2 miolo | Couchê Fosco 120 g/m2 número de páginas : 412 tiragem : 1000
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Imagem. Foto em branco e preto de duas crianças pequenas, entre 1 e 2 anos, se abraçando e sorrindo. A criança menor está em cadeira de rodas própria para a idade, e é abraçada em seu lado esquerdo pela outra criança em pé, sem deficiência. Legenda: LA VOZ de las personas com discapacidad de América Latina. Uruguai, ano 1, n. 4, diciembre de 1987. (informe publicitário). Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Cedipod.
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Imagem. Contra-capa. Fundo composto por três faixas horizontais nas cores laranja, branca e azul. Na segunda faixa, branca, o símbolo do Ano Internacional da Pessoa Deficiente da ONU. Abaixo, na faixa azul, os logos da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência e, ao seu lado, o do Memorial da Inclusão.
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