Medicina e Sociedade no I Congresso Brasileiro de Eugenia

Eugenia em debate: Medicina e Sociedade no I Congresso Brasileiro de Eugenia Assis da Silva Gonçalves∗ Resumo O presente trabalho tem por objetivo an...
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Eugenia em debate: Medicina e Sociedade no I Congresso Brasileiro de Eugenia Assis da Silva Gonçalves∗

Resumo O presente trabalho tem por objetivo analisar o Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia realizado entre os dias 30 de junho e 7 de julho de 1929 na cidade do Rio de Janeiro. Ele fez parte das comemorações do Centenário da Academia Nacional de Medicina e contou com a presença de importantes personagens do cenário político, médico e intelectual do país. A partir de textos apresentados durante o evento, buscaremos evidenciar as diversas concepções presentes no movimento eugênico brasileiro no período. Assim, abordaremos o referido congresso como palco onde diferentes idéias eugênicas foram debatidas e questionadas. Palavras chave: Eugenia, I Congresso Brasileiro de Eugenia, Movimento eugênico brasileiro Abstract This study aims to examine the First Brazilian Congress of Eugenics realized between June 30 and July 7, 1929 in Rio de Janeiro. It was part of the National Academy of Medicine’s centenary celebrations and was attended by important personalities of the political, medical and intellectual in the landscape country. From the texts presented during the event, we will seek to highlight the various concepts present in the Brazilian eugenics movement in this period. Thus, we will look this congress as the stage where differents eugenics ideas were discussed and questioned. Keywords: Eugenics, First Brazilian Congress of Eugenics, Brazilian eugenics movement Introdução O termo eugenia foi cunhado pelo cientista inglês Francis Galton em 1883. (STEPAN, 2005: 9) O autor entendia que a eugenia seria a ciência do aperfeiçoamento racial que ∗

Mestrando do Programa de Pó s Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz

(COC-Fiocruz)

aceleraria o trabalho da evolução ao selecionar os mais “aptos” e favorecer-lhes o casamento. Afirmava ainda que a eugenia iria retirar os vestígios de barbaridade da raça humana e manipular a evolução “para trazer a realidade biológica do homem em consonância com seus avançados ideais morais” (GALTON apud KEVLES, 1995: 12). As idéias eugênicas propostas inicialmente por Galton se desenvolveram a partir da virada do século XIX para o XX sendo difundidas, ampliadas e adotadas em países da Europa, América do Norte e América Latina. No Brasil, a eugenia influenciou médicos e sanitaristas que pensaram o caráter racial e social da ciência eugênica de acordo com o contexto brasileiro. O movimento eugênico brasileiro se expandiu durante a década de 1920 e em 1929 foi realizado o I Congresso Brasileiro de Eugenia que segundo vários autores (STEPAN, 2005; BELTRÃO, 1994; SOUZA, 2006) foi um evento importante para as pretensões do movimento eugênico brasileiro em fins da década de 1920. Assim, o objetivo do presente trabalho será analisar o I Congresso Brasileiro de Eugenia enquanto espaço onde diferentes concepções presentes no movimento eugênico brasileiro foram debatidas e questionadas. Para exemplificar esse debate trabalharemos aqui com quatro conferências proferidas durante o evento e, com o trabalho apresentado que mais gerou debates entre os participantes, que foi O Problema Eugênico da Imigração, de Azevedo Amaral. Eugenia no Brasil Na segunda metade da década de 1910 o movimento eugênico ganhou espaço nos círculos médicos e intelectuais de grandes cidades do país. Em São Paulo, a Sociedade Eugênica fizera intensa campanha para esclarecer e divulgar os “ideais de Galton”. Seu fundador e principal entusiasta, Renato Kehl, conseguiu reunir boa parte da elite médica e profissional da capital do estado e de cidades próximas. Entre os 140 membros da instituição havia bacteriologistas, microbiologistas, médicos, psiquiatras, professores universitários e diretores de instituições médicas. Com a mudança de Kehl para o Rio de Janeiro e o fim da Sociedade Eugênica, o esforço em prol da eugenia continuou e o tema ganhou as páginas da imprensa médica e dos jornais1. Segundo Nancy Stepan, “o reduzido tamanho da classe profissional e letrada do

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Além dos artigos escritos por Renato Kehl, outro exemplo desse espaço da eugenia na imprensa é uma série de artigos publicados por Miguel Couto no O Jornal entre os anos de 1924 e 1934 onde o médico fizera intensa

Brasil e os estreitos contatos entre jornalismo, literatura e medicina garantiram à eugenia um lugar na imprensa diária e semanal.” (STEPAN, 2004: 341). No Rio de Janeiro, Kehl não consegue fundar uma associação eugênica como em São Paulo, contudo, encontrou espaço na Liga Brasileira de Higiene Mental onde consegue importantes aliados, como por exemplo, o médico Fernando Magalhães, o psiquiatra Juliano Moreira, o presidente da Liga, Gustavo Riedel, e o médico Miguel Couto. Segundo Reis, a psiquiatria higiênica das décadas de 1920 e 1930 consagrava o “princípio da prevenção e elegia a eugenia e a higiene mental como referentes conceituais básicos”. (REIS, 1994: 6) Entre esses inúmeros interlocutores da eugenia no Brasil haviam, entretanto, idéias e concepções conflitantes que tinham raízes em diferentes concepções acerca da hereditariedade humana. O neolamarckismo, derivado da ampla tradição francesa enraizada na medicina brasileira, aproximara a eugenia dos propósitos sanitaristas que estavam em destaque na discussão da construção da nacionalidade brasileira. No início do século XX, o movimento sanitarista no Brasil teve papel central na reconstrução da identidade nacional a partir da identificação da doença como elemento distintivo da condição de ser brasileiro. A doença seria o principal obstáculo para a civilização e neste sentido o movimento sanitarista concentrou esforços na rejeição do determinismo racial e climático buscando superar as principais barreiras à “redenção” do povo brasileiro, que segundo os sanitaristas se concentravam principalmente nas endemias rurais. (LIMA & HOCHMAN, 2006: 37). A eugenia seria assim um dos instrumentos que também ajudaria o Brasil a viabilizar-se enquanto nação. Contudo,

o

neolamarckismo

dos

eugenistas

brasileiros

não

seguiu

sem

questionamentos, pois, a partir da segunda metade da década de 1920, uma nova geração de cientistas, como o agrônomo Octávio Domingues, o geneticista André Dreyfus e o antropólogo Roquette-Pinto foram os principais críticos mendelianos envolvidos com a eugenia. Suas críticas enfatizavam a significância da hereditariedade na vida humana e a distinção entre heranças biológica e social. (STEPAN, 2004: 364) De certo modo, as causas abarcadas por eugenistas mendelianos e neolamarckianos poderiam as vezes ser similares, mas a lógica dos dois estilos era diferente e isso levava os eugenistas a conclusões opostas. No caso do alcoolismo, por exemplo, que para os mendelianos, não alterava o plasma campanha em prol da imigração branca (levantando inúmeras questões eugênicas relativas á imigração), exceto a japonesa, na qual condenava veementemente. (Couto: 1942).

genético, os neolamarckianos encaravam como um importante fator degenerativo. (STEPAN, 2005: 349) Assim, essas correntes e tendências da eugenia no Brasil se encontraram “na mais importante manifestação pública da eugenia brasileira na década de 1920” (STEPAN, 2005: 344): o I Congresso Brasileiro de Eugenia.

O I Congresso Brasileiro de Eugenia: Debates e Perspectivas O I Congresso Brasileiro de Eugenia foi realizado entre os dias 30 de junho e 7 de julho de 1929 no prédio da Faculdade Nacional de Medicina e no Instituto dos Advogados do Brasil localizados na cidade do Rio de Janeiro. Neste período a Academia Nacional de Medicina também realizou o 10º Congresso Brasileiro de Medicina, a 4ª Conferência PanAmericana de Higiene, Microbiologia e Patologia, e o 2º Congresso Pan-Americano de Tuberculose. O Congresso foi presidido pelo antropólogo e Diretor do Museu Nacional Roquete Pinto, e tinha como secretário geral o médico Renato Kehl. Ele foi organizado em três seções na qual cada uma tinha seu presidente e secretário. A primeira foi a de Antropologia, presidida pelo antropólogo Fróes da Fonseca e secretariada pelo médico Fernando da Silveira. A segunda foi a de Genética, presidida pelo fisiologista Álvaro Ozório de Almeida e tinha como secretário o professor Couto Silva. A última seção foi a de Educação e Legislação, presidida pelo jurista Levi Carneiro e secretariada pela professora Celina Padilha. A cada dia do evento, as seções reuniam-se e os trabalhos eram apresentados e discutidos. Ao fim do dia, era proferida uma palestra principal que reunia todos os participantes. De acordo com as atas das reuniões e fichas de inscrição, mais de 140 pessoas participaram do evento e, foram entregues à secretaria do Congresso mais de 70 trabalhos. Entre estes encontram-se os seguintes temas: imigração, alcoolismo, casamento, educação, degeneração, puericultura, raça, doenças venéreas, educação física, exames-pré-nupciais e esterilização. Assim, iremos agora ilustrar a variedade de questões presentes no evento a partir da análise de quatro conferências apresentadas e do trabalho que mais gerou debate entre os congressistas, O Problema Eugênico da Imigração, de Azevedo Amaral. Eles evidenciam as diferentes concepções presentes no movimento eugênico do período que se encontraram no I Congresso Brasileiro de Eugenia.

Iniciaremos pela conferência de Renato Kehl, A Eugenia no Brasil. Nesta, Kehl faz uma breve trajetória da eugenia no Brasil tecendo também comentários acerca de sua visão sobre hereditariedade e evolução. Nestes, disserta sobre a importância da hereditariedade e como esta questão se relaciona com o progresso da humanidade. Contudo, para Kehl, a “evolução do gênero humano” não se deu de forma uniforme e não atingiu todas as camadas sociais. Haveria então regiões no planeta ainda em total barbárie, mas, também no seio de classes socializadas, existiriam “inúmeros desequilibrados morais, mentais ou físicos” (KEHL, 1929: 46). Após este trecho Kehl faz uma crítica à elite política brasileira e a considera incapaz de realizar o projeto de regeneração eugênica da população. Neste sentido, esta elite política também precisaria ser “eugenizada”. Não obstante, este trecho foi suprimido da versão apresentada e publicada de sua conferência porque possivelmente não agradaria boa parte dos integrantes do Congresso que também faziam parte da elite política brasileira e, porque a publicação Atas e trabalhos, que reuniria os textos apresentados durante o evento, seria distribuída entre autoridades políticas do país e também na presidência da República e no Senado e Câmara federais. (SOUZA, 2009: 768-769). Deste modo, Kehl considerava que as elites do país não seriam capazes de viabilizar o projeto civilizatório proposto pela eugenia. Assim, argumentava que toda política tinha que ser biológica, sendo o médico o seu principal protagonista, (KEHL, 1929, p. 48) Em relação à educação, Kehl a achava importante para o desenvolvimento social, mas, também teria que ser levado em conta o que ele chamou de “a alavanca mestra do progresso biológico”, que seria a aplicação das leis da hereditariedade humana segundo os preceitos eugênicos. (KEHL, 1929: 48) Kehl argumenta então que os esforços educativos não teriam dado conta de erradicar as causas da degeneração do homem. O homem seria com isso escravo de sua natureza, “indelével a simples influências morais e mentais, preso a uma força que o subjuga biologicamente, que lhe imprime o temperamento, o caráter, de modo inexorável – a hereditariedade.” (KEHL, 1929: 47). Assim, a perspectiva biológica de Kehl sobre a hereditariedade eugênica se distanciava das concepções que privilegiavam o meio como fator primordial na transmissão da “boa herança.” Com posição diferente de Kehl nesta questão, Levi Carneiro na conferência Educação e Eugenia argumenta que para acontecer uma real mudança no indivíduo, a hereditariedade não seria o fator principal, ela consistia apenas em uma potencialidade física na qual a educação e o meio dariam forma definitiva. (CARNEIRO, 1929: 115). Carneiro aponta com

isso a importância da educação no ponto de vista social em várias instâncias. Primeiro por que ela seria transmitida de indivíduo a indivíduo e assim influenciaria toda a sociedade. Justificando, para Carneiro, a importância do dever do Estado em difundi-la. Segundo, porque tenderia a corrigir ou refrear nos indivíduos os “vícios” hereditários. (CARNEIRO, 1929: 115-116) Em relação ao Estado e sua política, assim como Kehl, Carneiro faz críticas. Para o conferencista, a natureza seria avidamente eugênica, assim, não se poderia dizer que a humanidade caminhou sem a eugenia. Esta esterilizara e eliminara milhares de tarados e doentes e, também teria conjugado casais perfeitos. Todavia, para Carneiro, o Estado e seu aumento de poder teria prejudicado essa ação natural. Favoritismo político, urbanismo e erros do governo impediriam a aplicação de ordens essenciais. Para isso o Estado teria que consagrar em leis ideais eugenistas que seriam reafirmados na organização educacional. (CARNEIRO, 1929: 121) Diferentemente, André Dreyfus na conferência O estado atual da hereditariedade opõe-se ao argumento lamarckiano, que destaca a importância do meio na hereditariedade humana, defendido por Carneiro. Em sua exposição, Dreyfus realça a importância das teorias de Mendel para a compreensão do mecanismo hereditário da genética humana. (DREYFUS, 1929: 87) Após apresentar a teoria de Mendel, Dreyfus disserta sobre sua aplicação ao homem e diz que já se teria comprovado que várias doenças se manifestam como caracteres mendelianos. Para o conferencista, o simples exemplo das ervilhas seria suficiente para destruir as pretensas leis da hereditariedade representadas por cientistas, que segundo Dreyfus, estariam aquém aos “documentos positivos da genética”. Com isso, usando as conclusões de Mendel o conferencista prova o quanto às duas leis de Galton (que versavam principalmente sobre a hereditariedade de atributos dentro de relações de parentesco) estariam erradas. (DREYFUS, 1929: 90-91). Dreyfus fora um dos pioneiros da genética mendeliana no país. Seus trabalhos sobre genética mendeliana influenciaram principalmente cientistas envolvidos em pesquisas agrícolas, como por exemplo, Octavio Domingues, também membro do movimento eugênico e Professor da Escola Agrícola de Piracicaba. (SOUZA, 2006: 164) Neste sentido, Álvaro Fróes da Fonseca também aborda a aplicabilidade e a utilidade das Leis de Mendel ao homem. Na conferência Os grandes problemas da Antropologia Fonseca discorre sobre vários conceitos caros á Antropologia, como por exemplo, raça, espécie, miscigenação e o próprio conceito de “antropologia”. O autor afirmava que o avanço atual da antropologia viria acompanhado da proeminência que a biologia estava conquistando

com suas recentes descobertas. Ressalta assim a importância das teorias de Mendel em relação à herança do homem. Contudo, Fonseca ainda considerava que as qualidades físicas e morais da população brasileira dependeriam de boas condições de saúde e um ambiente favorável (FONSECA, 1929: 79) Ao longo de sua conferência, Fonseca se pôs favorável à miscigenação enquanto fator positivo na formação do “povo brasileiro”. Expõe também os trabalhos de Roquette-Pinto que mostravam uma população brasileira mestiça e em condições de saúde na conquista do território e com grande reserva moral para “encarar com otimismo o futuro”. Assim, o autor afirma: “a mestiçagem não nos cria nenhuma condição de inferioridade e não nos oferece nenhum problema insolúvel. Em meios científicos não se tomam a sério as fantasias dos pregoeiros do sangue ariano e a pretensa inferioridade das raças negra e vermelha.” (FONSECA, 1929: 78) Dentro dessa perspectiva, Fonseca critica o trabalho de Renato Kehl intitulado “Lições de Eugenia”, que fora distribuído no congresso. Contudo, o conferencista não aprofunda estas críticas, pois considera que estas deveriam ser feitas em “ocasião oportuna”. No livro, Kehl se colocara pessimista em relação ao processo de miscigenação brasileiro e temia que a constante “mistura racial” levasse o país a um processo agravante de degeneração. Esta leitura em relação ao problema racial brasileiro ligava-se ao movimento mais amplo que marcou o processo de radicalização de suas idéias eugênicas. (SOUZA, 2006: 179). Neste sentido, as posições expostas nestes trabalhos evidenciam as diferentes idéias e abordagens presentes no I Congresso Brasileiro de Eugenia. As conferências de Dreyfus e Fonseca, por exemplo, mostram a preocupação destes em esclarecer a teoria mendeliana aos presentes no Congresso. Em suas exposições, usam tal teoria para se contraporem a concepções eugênicas que consideravam errôneas ou atrasadas em relação às novas descobertas no campo da hereditariedade. Carneiro, por sua vez, mesmo alegando conhecer as teorias de Mendel, ainda enfatizava a importância do meio e da educação no processo hereditário. Além dessas questões, também ficam evidentes as diferentes concepções sobre a questão da “mistura racial”, onde a visão negativa expressa por Renato Kehl é combatida e condenada, principalmente por Fonseca. As divergências acerca da temática da miscigenação, porém, ficaram mais evidentes na discussão do texto de Azevedo Amaral intitulado O problema eugênico da imigração. Neste trabalho, Amaral defende a criação de práticas que restringissem a entrada de

imigrantes no Brasil. Para o autor, um país como o Brasil teria que adotar medidas restritivas em nome dos “interesses da raça” e, contar com o aumento natural da população para o povoamento do território. Amaral afirmava que não queria suspender a imigração, mas sim, evitar a entrada de elementos “inferiores” que sobrecarregassem o contingente “lastimável de atraso e perturbação social”. O autor dizia que uma política rigorosa de seleção imigratória não teria conseqüências negativas comparadas à “ruína racial” proporcionada pela imigração “promiscua”. (AMARAL, 1929: 332). A discussão do trabalho de Azevedo Amaral mobilizou boa parte dos integrantes do Congresso e se alongou durante praticamente dois dias do evento, como relatam as atas das reuniões. (ACTAS E TRABALHOS: 1929) Ela evidenciou as divergências e as diferentes concepções raciais e sociais dos integrantes do movimento eugênico brasileiro ali presentes. Roquette-Pinto, presidente do Congresso de Eugenia, se posicionou contra alguns critérios expostos por Amaral, que queria a regulação da entrada de imigrantes no país a partir de características raciais e hereditárias. Roquette-Pinto, por sua vez, no texto apresentado ao Congresso intitulado Notas sobre tipos Antropológicos do Brasil argumentou que o problema imigratório não advinha da questão racial, mas sim social. Neste trabalho afirmava que o mestiço teria plenas condições de povoar o país e que nenhum dos tipos antropológicos classificados por ele apresentavam qualquer tipo de degeneração. (ROQUETTE-PINTO, 1929: 146) Roquette-Pinto foi então um dos que votaram contra a aprovação da décima conclusão do trabalho de Azevedo Amaral (que falava da proibição da entrada de negros no país) Ela foi recusada por 20 votos contra 17. O físico e jornalista Oscar Fontenelle chegou a pedir recontagem de votos relembrando o exemplo dos norte-americanos que foram bem sucedidos ao protegerem a sua raça da imigração japonesa e de negros. Em resposta, o médico Fernando Magalhães afirmou que restrições a correntes imigratórias seriam injustas e que “pigmentos não excluiriam qualidades” pois todo brasileiro teria formação mestiça. Com isso, a 10ª conclusão foi novamente à votação. Nesse meio, Azevedo Amaral demonstra desejo de cancelar sua conclusão que gerou tanto debate. O presidente rebate dizendo que a retirada seria uma grande falta. A conclusão foi posta em votação e, foi novamente rejeitada. (ACTAS E TRABALHOS, 1929: 21)

Conclusão

Enfim, para concluir, tentamos apresentar o I Congresso de Eugenia enquanto espaço de debate e ponto de encontro das principais perspectivas eugênicas no Brasil da primeira metade do século XX. As concepções neolamarkianas, que consideravam o meio social como fator influente na hereditariedade humana, teriam naquele momento, que dialogar com as novas concepções genéticas derivadas a partir das descobertas de Mendel. Esse diálogo, por sua vez, foi fluído e estas duas concepções se entrelaçaram em suas aplicações eugênicas. (STEPAN, 2004: 347). Assim, estas diferentes correntes eugênicas tinham objetivos semelhantes ao buscarem “eugenizar” o Brasil para adequá-lo às grandes nações civilizadas. Neste processo, estariam envolvidos problemas e questões que foram abordadas no I Congresso Brasileiro de Eugenia e conseqüentemente, nos textos aqui analisados, como por exemplo, imigração, raça, hereditariedade e genética. Referências Bibliográficas Actas e trabalhos do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia. Rio de Janeiro: s.n. 1929. CARNEIRO, Levi. Educação e Eugenia. In: Actas e Trabalhos do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia. Rio de Janeiro, vol. I, 1929, p. 112-121. COUTO, Miguel. Seleção Social: Campanha Anti-nipônica. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti Editores. 1942. DREYFUS, André. O estado atual da hereditariedade. In: Actas e Trabalhos do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia. Rio de Janeiro, vol. I, 1929, p. 87- 104. FONSECA, Álvaro Fróes. Os grandes problemas da Antropologia. In: Actas e Trabalhos do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia. Rio de Janeiro, vol. I, 1929, p. 63-86. KEVLES, Daniel. In the name of eugenics. Genetic and the uses of human heredity. Nova York: Editora Knopf, 1995. KHEL, Renato. A Eugenia no Brasil: esboço histórico e bibliográfico. In: Actas e Trabalhos do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia. Rio de Janeiro, vol. I, 1929, p. 45-61. LIMA, Nísia Trindade; HOCHMAN, Gilberto. Condenado pela raça, absolvido pela medicina: o Brasil descoberto pelo movimento sanitarista da Primeira República. In: MAIO,

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